Artigo pessoal
O Açougueiro de Chicago
Clóvis Barbosa
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Cesare Terranova |
Cesare Terranova foi o
primeiro. Magistrado italiano, ele foi
assassinado no dia 25 de setembro de 1979 na cidade de Palermo, em seu carro,
junto com o seu motorista e guarda-costas, o policial Lênin Mancuso. O mandante
do crime foi o mafioso Luciano Leggio que foi absolvido por falta de provas.
Terranova foi o mais ferrenho adversário da máfia siciliana e sua luta contra o
crime influenciou outros juízes, como Giovanni Falcone e Borselino Paolo, que
também foram mortos pela máfia em 1992. Para ele, “A Máfia é opressão,
arrogância, ganância, auto-enriquecimento, poder e hegemonia acima e contra
todos os outros. Não é um conceito abstrato, um estado de espírito ou um termo
literário (...) É uma organização criminosa regida por regras não-escritas,
porém férreas e inexoráveis (...) O mito de um ’homem de honra’ corajoso e
generoso deve ser destruído, porque um mafioso é exatamente o oposto disso”.

Surgida na idade média na
Sicília para proteger o seu povo dos invasores, dos assassinos locais e dos
poderosos proprietários de terras que exploravam os trabalhadores camponeses, a
máfia criou o mito que funcionava como uma espécie de Robin Hood, onde tirava
dos ricos para dar aos pobres. Mas aos poucos ela começou a mostrar a sua
verdadeira face, a da exploração e da prática de atos criminosos. Durante o
período do fascismo estava espalhada por toda região. Toda cidade tinha um
chefe, também chamado de capo. Como
explorava atividades idênticas do fascismo, Mussolini, o Duce, não gostava dessa competição e perseguiu com faca nos dentes
seus componentes.

Mas foi no outro lado do
Atlântico, na América, que a máfia encontrou um ambiente propício para se
desenvolver e escrever uma das páginas mais violentas da história dos Estados
Unidos. A crise econômica que se abateu sobre a Itália, por volta de 1880, fez
com que uma leva de italianos migrasse para aquele país à procura de uma vida
melhor. Eles vinham principalmente da Calábria e da Sicília e essa invasão
perdurou até o início do século XX. A esmagadora maioria era composta de
camponeses analfabetos, de pobreza endêmica, ignorantes e supersticiosos. Estabeleceram-se
pelo
país a partir de Nova Iorque, mormente em bairros como Brooklin,
na área leste do Harlem, Manhattan e Queens, juntando-se, ali, aos irlandeses e
judeus. A cidade de Chicago também recebeu muitos imigrantes, fruto, talvez, do
parque industrial que se implantava em seus arredores.
Lucky Luciano
A situação econômica dos
Estados Unidos nos anos 20 do século passado não era das melhores. Os bairros
periféricos das grandes cidades se transformavam em escolas do crime, com o
surgimento de gangues que dominavam suas ruas, becos e vielas, fascinando
principalmente os jovens que viam na vida marginal as oportunidades de
crescimento. Em 17 de janeiro de 1920 entrou em vigor a 18ª. Emenda à
Constituição, também chamada de Lei Seca,
que proibia a fabricação, venda, transporte e consumo de todas as substâncias
que contivesse álcool. Achava setores conservadores da sociedade que a
eliminação do consumo de bebidas alcoólicas iria contribuir para o declínio da
criminalidade e melhorar a saúde da população. Ao contrário, a criminalidade
ganhou grande impulso com o surgimento dos gângsteres e dos grandes chefes
mafiosos que passaram a dominar o comércio clandestino das bebidas e daí
diversificando para outras atividades ilícitas e algumas até lícitas. É dessa
época, mafiosos da estatura de Joseph Bonanno, Lucky Luciano, Frank Costello,
Vito Genovese, Joe Profaci, Carlo Gambino, Giuseppe (Joe the Boss) Masseria e
Salvatore Maranzano.
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Sam Giancana - O Açougueiro de Chicago |
Com o passar
dos anos outros nomes passaram a ter importância no mundo da Máfia: Johnny
Torrio, Al Capone, Paul Castellano, John Gotti, Sammy Gravano, Meyer Lanski,
George Moran, “O louco”, Dean O’Banion, Dutch Schultz, Benjamin Siegel e Sam
Giancana, “O açougueiro de Chicago”. Esses homens mandaram durante muito tempo,
ganharam muito dinheiro, matavam os que atravessavam o seu caminho, mataram-se
entre si, sempre em busca da hegemonia e poder, subornaram policiais, políticos,
jurados, testemunhas. A violência, para eles, era uma ocorrência diuturna. Para
se ter uma idéia do seu poderio e influência, trazemos o exemplo de Sam (Momo)
Giancana, filho de sicilianos, que mandou e desmandou durante muito tempo em
Chicago. A ele é creditado o Massacre do Dia de São Valentim, os assassinatos
do Presidente John Kennedy, do Senador Robert Kennedy e da atriz Marilyn
Monroe.

O
chamado Massacre do Dia de São Valentim, ocorrido em 14 de fevereiro de 1929,
teve como vítimas sete pistoleiros ligados a George (Bugs) Moran, que foram
assassinados friamente com mais de 150 tiros. O crime abalou a população de
Chicago, forçando as autoridades policiais a empreender uma séria investigação
em busca dos autores e mandantes. Sobre o assassinato dos irmãos Kennedy,
diz-se que a história remonta à época da Lei Seca com o envolvimento do
patriarca Joseph Kennedy com a máfia. Conta-se que Joseph foi pedir a Giancana
que convencesse o capo de Nova York, Frank Costello, a desistir da idéia de
assassiná-lo, chegando ao ponto de prometer que caso o seu filho, então
candidato à Presidência da República pelo Partido Democrata, vencesse as
eleições, as coisas seriam facilitadas para ele. A morte de Joseph foi
cancelada e o acordo foi firmado. Mas o contrário aconteceu. Bobby Kennedy tornou-se
o mais ferrenho defensor da Comissão McClellan, criada no Senado para
investigar as atividades do crime organizado e que causou muito aborrecimento
aos chefes mafiosos. O próprio Giancana foi ridicularizado quando prestou depoimento
na Comissão sob a presidência do senador Bobby e diante das câmeras de
televisão.

JFK foi
eleito o trigésimo quinto Presidente dos Estados Unidos da América no dia 8 de
novembro de 1960, derrotando Richard Nixon, numa disputa apertada e que teve o
apoio de Sam “Momo” Giancana e seus homens e dos sindicatos sob a sua influência.
Com o poder nas mãos e com as ações para derrubada de Fidel Castro fracassadas,
a ira tomou conta dos Kennedy John e Robert, principalmente contra a CIA e
contra o próprio Momo, passando a se distanciar cada vez mais dele e de seus
amigos atores e atrizes de Hollywood, como Frank Sinatra, Natalie Wood, Peter
Lawford, Sammy Davis Jr., Al Jolson, John Barrymore e tantos outros. O mundo do
crime patrocinado pela Máfia, em determinados momentos, funcionou de mãos dadas
com o governo norte-americano, como no caso da morte da atriz Marilyn Monroe,
cujo assassinato foi solicitado pela CIA.
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John Kennedy, Marilyn e Robert Kennedy |
Com efeito, um trato com a Máfia pode ser comparado há
um trato com o diabo. Não há retorno. Uma vez firmado o pacto, sangue haverá de
ser derramado. Isso pode ser constatado, por exemplo, com a leitura de “Os
Gângsteres mais Perversos da História”, da jornalista Lauren Carter. Ali, são
dissipadas quaisquer dúvidas. Quem se alia ao crime organizado certamente corre
o risco de ver seu sangue correr pela terra em razão da vingança de um chefão
ou até mesmo de um açougueiro.
- Publicado no Jornal da Cidade, Aracaju-SE, edição de domingo e segunda-feira, 30
de setembro e 1º de outubro de 2012, Caderno B, página 15.
- Postado no blog Primeira Mão, Aracaju-SE,no dia 30 de setembro de 2012, às
11:19:21: