Artigo pessoal
A nudez perdoada
Clóvis Barbosa
Não, não vou falar da nudez irreal, aquela em
que a mulher, depois de editada, retocada, transforma-se numa beleza
“perfeita”. Nada de mulher que passa pelo photoshop para se apresentar
com uma aparência que não possui no dia a dia. Esse tipo de gente tem medo de
mostrar o seu corpo tal como ele é, daí mascará-lo com truques fotográficos.
Mas, a vaidade exacerbada não é um privilégio da mulher. É também do homem. Nas eleições de 2010, um candidato majoritário resolveu retocar a sua fotografia
oficial. Foi um deus-nos-acuda, porque os seus eleitores teimavam em afirmar
que aquele não era o candidato de sua predileção, tal o disparate entre a foto
e a realidade. Infelizmente, são pessoas que se escondem atrás de uma máscara,
simbolicamente falando, para perpetrarem os seus atrozes comportamentos, sempre
a serviço dos seus próprios interesses. Como a massa subordinada a esses
grupelhos não pensa, ou tem preguiça de raciocinar, se deixa levar, como
cordeiros, para um caminho sem volta. Mas o faz muitas vezes conscientemente,
até porque vive das expectativas e das mentiras dos seus líderes. Para essa
gandaia, que se aloja cada vez mais em movimentos representativos da sociedade,
a peta, o logro e a mentira são as armas que dispõem para enganar seus
liderados. Mas nem tudo está perdido, tem uma minoria que reage e é inteiro no
exercício de sua atividade público laboral. E para essa minoria o contribuinte
tem que se orgulhar, porque sabe que o imposto que ele paga está bem aplicado.
Para os outros não, porque são sanguessugas do dinheiro público. Ganham e nada
produzem. Quem não se lembra de uma diretora de um grande hospital público de
Sergipe que, no fim do ano, ao perceber que os médicos não compareceram ao
plantão, deixando os pacientes ao deus-dará, resolveu denunciá-los através de
uma Queixa-crime na Delegacia Plantonista? Pobre moça! Foi execrada
publicamente pelo órgão corporativista dos médicos, por um delegado de polícia e
pela imprensa política do Estado, além de responder hoje a processos criminais
e cíveis. E o Brasil não é assim? Quem cumpre com o seu dever é defenestrado de
todas as formas.
O festival de incoerências e mediocridade
é imenso no nosso dia a dia. E uma categoria que se reúne anualmente para dar
nota à atividade de sua profissão? Nota 2 para o governo, gritam em praça
pública! Alto lá, cara pálida, e quem é o responsável pelo exercício de
tal desiderato? Não é você? Se a auto-avaliação é feita, qual o correto? Seria
justamente assumir a sua incompetência e pedirem demissão. Outra categoria, que
tem uma função importante na defesa dos interesses dos menos favorecidos,
resolveu tirar uma de xerife da sociedade burguesa. Abandonou os pobres e
partiu para defender interesses difusos, como não pagamento de estacionamento
em ambiente privado. E aquela outra, que de advogado dos interesses estatais
(leia-se, União, Estado e Municípios) passou a processar gestores públicos, aos
quais cabia defender enquanto membros do governo. Sim, porque o Estado é um
ente abstrato, ele não governa. O ato de governo é outorgado pela vontade
popular através do voto, que é a mais expressiva e representativa forma de
investidura em cargos públicos. Tem mais e muito mais. Tem até aquela que em
momento de pleito por melhoria salarial, desentoca dezenas e dezenas de
denúncias graves contra a administração da sua instituição. Atendida a
reivindicação, quedam-se inerte ante as denúncias como se nada nunca tivesse
ocorrido. E o que é pior, contribui para a desmoralização do seu órgão, sendo,
com o decorrer do tempo, vítima do seu próprio veneno. Mas tudo isso é feito
porque a gestão pública padece de uma doença, também, da mesma família dos seus
algozes: a incompetência. Falta-lhe coragem para enfrentar esses abusos. E numa
lógica do absurdo, chegam a pagar salários a quem não trabalha nos períodos de
ócio generalizado. Qual é a lei que autoriza a pagar a servidores que não
trabalham? Alguém sabe? E os princípios administrativos e constitucionais da
legalidade e da moralidade? São letras mortas?
Por tudo isso, que não deixa de ser tão
criminoso como os atos de corrupção, é que o povo foi gritar nas ruas. Num
primeiro momento, não permitiram que esses e outros segmentos representativos
de grupelhos corporativos e partidários participassem do movimento. Foi uma
gritaria desloucada: “Esse filme eu já vi quando Hitler instituiu o nazismo
na Alemanha”, gritavam; “quem sabe mobilizar é a gente. Esses meninos
não tem experiência”, exacerbavam; “quem já viu movimento de massa sem
líder?”, vociferavam. E outras bobagens eram ditas. “Claro! Imagine! Um
bando de meninos querendo mobilizar a sociedade!” “Não!, esse campo já
tem dono historicamente. As revoluções fomos nós que a fizemos”. “Povo é
para aplaudir caladinho e cumprir as nossas determinações”. Quebraram a
cara! Ficaram nus, claro, com as máscaras e os photoshops escondendo a
sua mediocridade. Mesmo assim, não se intimidaram e partiram para participar
mesmo a contragosto do movimento. Isto causou dúvidas aos políticos donatários
de mandatos que bastavam ver uma faixa nas passeatas pleiteando qualquer coisa,
para acreditarem que aquilo representava a vontade geral, sem perceber que tudo
quanto foi demanda foi infiltrada para confundir. Uma PEC que estava com os
dias contados para ser aprovada foi fragorosamente rejeitada. Até besteira
passou a ser aprovada, como o rótulo de hediondo para o crime de corrupção. Oxente,
diria um amigo meu de Itabaiana, e existe crime bom, admirável? Pra mim,
todos os crimes são hediondos.
Já se disse que a hipocrisia é a arte de
amordaçar a dignidade. Para Ingenieros,
ela faz umedecer os escrúpulos nos homens incapazes de resistir à tentação
do mal. Para esse professor, médico, teórico da ciência, sociólogo e
psiquiatra, os hipócritas, que não suspeitam o valor das crenças retilíneas,
esquivam-se à responsabilidade de suas ações, são audazes na traição e tímidos
na lealdade. Assim como os medíocres, a sua nudez é coberta com a roupagem
social da mentira. Dessa nudez castigável vai nascer um fuzil com olhos que vai
terminar achando-lhe o coração. Prefiro o nu verdadeiro, de mulheres que tem a
coragem de exibir as suas estrias e cicatrizes representativas da beleza de uma
vida vivida. Para essa nudez, o perdão.
- Publicado no Jornal da Cidade, Aracaju-SE, edição de domingo, 7 de julho de 2013, Caderno A-7.
- Postado no Blog Primeira Mão, em 8 de julho de 2013, às 6h6min, site:
http://www.primeiramao.blog.br/post.aspx?id=5961&t=a-nudez-perdoada
- Postado no Blog Primeira Mão, em 8 de julho de 2013, às 6h6min, site:
http://www.primeiramao.blog.br/post.aspx?id=5961&t=a-nudez-perdoada
Ah, as máscaras...
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