Aracaju/Se,

quarta-feira, 30 de março de 2011

Quem foi o poeta Annibal Theóphilo? (III)

Debate

III
Quem foi Annibal Theóphilo
Arnaldo da Silva Rodrigues


Teatro Municipal
RJ em 1915

As provocações e o desprezo que enfrentamos exigiam de nós uma atenção redobrada de não alimentar a polêmica, justamente porque as pessoas que nos incentivavam e acreditavam no nosso trabalho, não poderiam se decepcionar com nossa reação diante dos que nos afrontavam. É preciso que se esclareça que neste trabalho não há revanchismo. A justiça reconheceu e confirmou. Há, sim, a convicção absoluta de refutar e apagar as acusações gratuitas que maculavam o poeta, vítima, ainda, indefesa. Aqui não há acusações, há sim a energia de encaminhar a luz para clarear o negrume que se deixaram mergulhar no abismo das paixões os escritores, pesquisadores, memorialistas citados por nós. Durante algum tempo andamos preocupados com a posição de homens cultos, acadêmicos, na postura de ao escreverem suas histórias descerem do pedestal de intelectuais para, com rancor, atingirem um personagem da história, no nosso caso, Aníbal Theóphilo.


Camões

Por certo, já tinham prestígio diante da opinião pública, não precisando se projetar com acusações infamantes. A verdade só tem uma face. Mascarar a face única da verdade é descer ao abismo dos infernos sem retorno. Fomos envolvidos, por um capricho do destino, na tarefa de publicar o resultado de nossos estudos e pesquisas na elaboração deste trabalho. O autor de Rimas, Musa Erradia, Folhas e Um Poema, teve grande projeção no meio da classe de intelectuais, sendo respeitado e bastante homenageado. Ao longo destas linhas são tantos os depoimentos que identificam a personalidade, a figura do ser humano e a poética de Aníbal Theóphilo. A história está falando por nós. A vida e obra de Aníbal Theóphilo nos bastariam para a composição deste estudo. Os lances que marcaram a presença do poeta nas inúmeras viagens que realizou como literato, ora no Centro Literário, em Fortaleza, ora na Mina Literária de Belém do Pará, de volta ao Rio de Janeiro, na Organização da Sociedade Brasileira dos Homens de Letras, na secretaria do Teatro Municipal, nos salões e horas literárias, o poeta era um magnífico declamador de autores nacionais, de Camões, Petrarca, Heredia, Bainville, Leconte de Lisles, Théophile de Gautier, nas redações de jornais e revistas, nas livrarias e nas confeitarias.


Rio de Janeiro em 1915

Sua presença junto aqueles que viveram intensamente sob as luzes da belle époque foi marcante. Ao chegarmos, todavia, ao capítulo que fala da morte do poeta, impressionaram-se as reações, as afrontas dos que não queriam aceitar de forma alguma a nossa contestação aos dizeres do livro de Gilberto Amado, Minha Vida na Política – Terrível Prova – 1958. Processaram-nos, exigindo o nosso silêncio, impondo a nossa punição. A história ensina que o pesquisador tem a obrigação de ao descobrir os fatos catalogá-los e registrá-los todos a bem da verdade. Aníbal Theóphilo não foi absolutamente aquilo que Gilberto Amado insinua em sua obra. A explosão da revolta deu-se quando da publicação em O Globo, no dia 17 de setembro de 1979, de reportagem sobre o acontecimento trágico de 1915. Ali estão transcritos momentos da cena que culminou no crime. Não sai palavras nossas. A opinião pública se manifesta através dos órgãos de imprensa da capital do país. O que representa este livro? Foram décadas de pesquisa. Os documentos aqui expostos foram extraídos de arquivos das bibliotecas, dos livros, jornais e revistas. As entrevistas com os contemporâneos do poeta deram valor à realização deste ensaio.

Museu Nacional
de Belas Artes-RJ

A vida do poeta preenche, em grande parte, estas páginas, com a reprodução dos cenários da belle époque, na cidade do Rio de Janeiro, capital da República, transformada com reformas nos moldes de metrópole europeizada: a Avenida Central, o Teatro Municipal, o Museu Nacional de Belas Artes, A Biblioteca Nacional, o encontro de literatos nos salões, horas literárias, conferências nas livrarias, nas redações dos jornais e revistas. O povo, com roupagem elegante, desfilava orgulhoso com as grandes conquistas. Vida noturna intensiva nos teatros e cinematógrafos. Sobre Aníbal Theóphilo, fizemos o levantamento de seu itinerário diversificado, ora no sul do Brasil, onde estudou e ingressou na vila militar aos 16 anos, ora na Bahia, ora no Rio de Janeiro, ora no Ceará, como cadete, de volta ao Rio de Janeiro, na Amazônia, onde permaneceu quase uma década tentando sobreviver fora da vida militar. Como literato, por onde passou deixou a marca de sua presença atuante. Estas folhas que se seguem colocam-no junto aos grupos que produziram intensamente nas letras.

Membros da República de Laranjeiras-RJ - 1915

Da morte de Aníbal não quiseram que falássemos. Por todos os meios tentavam nos impedir e espezinhar. Foi uma jornada angustiante. Chegamos aos dias de hoje protegidos pela Justiça que nos permitiu trabalhar no sentido de consertar o que vinha sendo publicado, em memórias agressivas, escritas pelo próprio eliminador do poeta. Esta monografia representa a exposição dos fatos históricos obtidos ao longo do tempo, com considerável resultado de pesquisas reveladoras, que deverão, por certo, eliminar infâmias que vem sendo repetidas por memorialistas descomprometidos com a verdade. 1958 foi o ano em que intensificamos as pesquisas para a organização destas páginas. Por quê? Naquele ano mesmo ano, o eliminador físico do poeta Aníbal Theóphilo publicou as suas memórias, que trazem a deliberada intenção de destruir a honra do poeta. Tenta justificar o crime, ficar bem perante a história. Não satisfeito com o julgamento em 1916, absolvido com base “na privação dos sentidos e da inteligência” por 4x3, volta, quarenta e tantos anos passados da tragédia, ao triste episódio para denegrir a imagem da sua vítima ainda indefesa. Contra Gilberto Amado obtivemos e documentamos mais de meia centena de depoimentos históricos sobre a figura social. Estas páginas cuidam de transcrever o pensamento espontâneo dos que conviveram com o poeta, estes sim, podem julgá-los para a posteridade. Na casa dos quarenta anos de uma vida plena de lutas e sacrifícios e nobreza para com seus pares, teve sua vida ceifada num lance trágico no fim de uma festa literária que angariava fundos para a Sociedade Brasileira e Homens de Letras, em 1915. Gilberto Amado pensa ser dono da verdade quando escreveu Minha Vida na Política – Terrível Prova, acreditando suas memórias como solução definitiva em favor de sua biografia. Cheio de manha e artimanha, desenvolve o seu pensamento unicamente em querer se projetar para a história, passando-se por vítima, num flagrante escárnio à memória de Aníbal Theophilo. O objetivo deste livro, se uma parte é quebrar o silêncio que tem assombrado a memória do grande poeta, impedindo que se reconheça o lugar de destaque a que tem direito na literatura brasileira, de outra, é restaurar a verdade dos fatos sobre o crime, distorcidos de tal modo que o algoz é apresentado como inocente e a vítima como culpado. De fato, não constam do capítulo da “terrível prova” os episódios que deram origem às reações dos literatos que freqüentavam a rua do Rossi, casa do escritor Coelho Neto, e o Centro Positivista, liderado por Alcides Maia, na chamada República das Laranjeiras, afastando Gilberto Amado daqueles convívios.

Apresentação do Autor




Arnaldo da Silva Rodrigues é neto do poeta Annibal Theóphilo. Isso basta para explicar o amor e o entusiasmo com que escreveu toda sua obra. Com declarada intenção de procurar retirar do esquecimento o grande e generoso avô poeta, escreveu o texto acima, resgatando, assim a memória do seu antepassado, brutalmente assassinado no Rio de Janeiro, em 1915.

(*) – Justificativas do autor de “Vida e Obra de Annibal Theóphilo – Triste Fim de um Poeta Assassinado”, de Arnaldo Rodrigues, reproduzido, com revisão, do site: http://www.livrovirtual.com/LivroVirtual/?categoria=livro&livro=7D398.

(**) Nova postagem no próximo dia 5 de abril de 2011, onde continuaremos a publicar a versão do neto do poeta Annibal Theóphilo, morto em 1915, crime atribuido ao sergipano Gilberto Amado.

(***) Veja, também, neste blog, o crime do poeta Annibal Theóphilo, em 1915, no Rio de Janeiro e o julgamento do autor do crime, Gilberto Amado, na versão do escritor Acrísio Torres.

terça-feira, 22 de março de 2011

Quem foi o poeta Annibal Theóphilo? (II)

Debate
II

Quem foi Annibal Theóphilo
Arnaldo da Silva Rodrigues
 
Olavo Bilac

Entrevistamos Luiz Edmundo. Impactos. Emoções. Levamos a ele o seu depoimento à imprensa em 1915 como testemunha da história. Declara publicamente: “Da parte de Annibal Theóphilo percebeu que não havia ódio nem vingança, apenas indiferença por Gilberto Amado”. E completava: “Insuspeito como sou, afirmo ter sido, perfeitamente documentado, que o proclamado espírito de perseguição nunca existiu, sob minha palavra de honra, afirmo” (A Noite, junho de 1915). Luiz Edmundo confessa que o poeta não agredia nem perseguia Gilberto Amado. Dissemos ao autor de Rio de Janeiro do meu Tempo que as palavras publicadas em suas memórias – 30 e poucos anos depois da tragédia – não condiziam com o seu temperamento nem com o seu estilo, tínhamos certeza. Confessou-nos ter reatado a amizade com Gilberto Amado. Na justiça, o depoimento de Luiz Edmundo coincidia com os depoimentos de Olavo Bilac, Leal de Souza, Oscar Lopes, Jorge Schimidt e Juvenal Pacheco, no sentido de que o poeta era indiferente em relação à Gilberto Amado. Jamais aceitou a reconciliação. Na cena do crime, onze testemunhas arroladas no processo, todas elas, confirmaram que não houve agressão a Gilberto Amado. O poeta nem viu o seu agressor, pois foi atingido por um tiro certeiro na nuca, enquanto tentava afastar o provocador que deu início a tragédia – Paulo Hasslocher.

Raimundo
Magalhães Júnior

Convivemos algum tempo com Raimundo Magalhães Júnior, até o momento que soube que estudávamos a biografia do poeta Annibal Theóphilo. Tão pronto disse que Gilberto Amado já se justificara do crime no seu livro de memórias. Certa feita, o embaixador Pascoal Carlos Magno transmitiu-nos a intenção de Gilberto Amado ter um encontro conosco. Conhecíamos o gênio e o temperamento do autor de Minha Vida na Política – Terrível Prova. Nossas convicções não poderiam, de forma alguma, dialogar com aquele que escarnecia a sua vítima jogando-a ao martírio da história, em suas memórias. Quem foi Annibal Theóphilo, mais uma vez perguntamos? Olegário Mariano lembrava que o poeta viveu uma vida de sacrifícios em busca da sobrevivência. Com a morte do pai, comandante do Abrigo dos Inválidos da Pátria, na Ilha de Bom Jesus, a família teve que se mudar, deixando uma carga grande de compromissos, pois a função que o poeta exercia no Arsenal de Guerra era de remuneração nada animadora. Amigo do tempo de vida militar de Fernando Waine, partira para a Amazônia em busca de um futuro melhor. O período da borracha era ainda atrativo. Annibal Theóphilo não encontrou um outro caminho. Abandonou o prestígio que já havia conquistado na capital da República e partiu.

Olegário
Mariano
Ganhou e perdeu. Foram nove anos de lutas. Sobreviveu ao impaludismo. Os companheiros indicaram o seu nome para patrono da Academia Amazonense de Letras. A Academia Acreana também premiou o poeta. A Academia Riograndense de Letras também reconheceu os seus méritos. Annibal Theóphilo não foi o ser desprezível que depuseram os seus acusadores. Mais adiante, nas páginas próximas, transcreveremos o que foi publicado nas memórias que marcaram e prejudicaram fundamentadamente o nome do poeta. O linchamento moral assumiu o caráter de infâmia. O nosso repúdio teria que acontecer. Tínhamos o compromisso com a razão, sem o menosprezo com a emoção que o caso tanto provocava. Apagar os sentimentos de rancor que ficou registrado só com a alentada documentação histórica que tínhamos em mãos. Recuáramos no tempo para saber que episódios teriam iniciado o desencontro no meio de intelectuais que iriam culminar na tragédia de 1915. Aqueles que falaram em agressão e perseguição para justificar sua ação nefasta não pesquisaram nem investigaram sequer, para saber o porquê das animosidades. As versões desencontradas seriam eliminadas com o depoimento do escritor Coelho Neto, publicado nos órgãos da imprensa de 1915.

Lindolfo Collor

Vejamos: Os literatos que freqüentavam as reuniões da Rua do Rossi, casa de Coelho Neto e da chamada República das Laranjeiras, liderada pelo positivista Alcides Maia, reagiram contra Gilberto Amado quando souberam das atitudes descontroladas que tentavam desmoralizar aquele ambiente e muito de seus membros. Foi uma reação una e espontânea. Afastaram-se de Gilberto Amado de forma decisiva. Alguns até com palavras duras de reprovação ao ato desrespeitoso. Annibal Theóphilo – não somente o poeta – Heitor Lima, Martins Fontes, Leal de Souza, Olegário Mariano, Humberto de Campos, fizeram sentir o seu repúdio, rompendo com Gilberto Amado. Carlos Maul, em carta, dizia-nos que não houve jamais um elemento que pudesse intermediar na situação, no sentido de minimizar as partes em confronto. Olegário Mariano lembrou-nos que, certa feita, o cronista João do Rio, Paulo Barreto, conversava com Annibal Theóphilo, tentando convencê-lo a uma aproximação com Gilberto Amado. O poeta dizia: Paulo, como é possível, se ele, na coluna de O País continuava humilhando os nossos companheiros, expondo-os ao ridículo. Lindolfo Cóllor e Eloy Pontes mandaram seus trabalhos com dedicatórias respeitosas e tiveram em troca da pena do cronista: "Simples espíritos medíocres incapazes de um escorço para além da mediania...” “Uma volumosa nulidade literária...” “que a minha serenidade e meu bom gosto se revoltaram”. Os autores ofendidos com a crítica pessoal reagiram: Em pleno centro da cidade, deu-se o encontro.

Coelho Neto

O cronista que sempre andava armado reagiu com dois tiros de arma de fogo contra Lindolfo Cóllor. A repercussão foi negativa e os membros da Sociedade Brasileira de Homens de Letras, reunidos, através de seu presidente, Oscar Lopes, deveria lembrar aos litigantes do espírito que deveria ser respeitado pelos sócios da entidade recém implantada, cujos propósitos eram os mais legítimos no meio da classe. Amado ainda sofria o desprezo da parte dos intelectuais depois dos episódios na casa de Coelho Neto. O orgulho de Gilberto Amado não poderia deixar que desmoronasse suas primeiras conquistas na capital do País. Trouxera do nordeste o ímpeto de vencer os meios intelectuais. Mas não poderia se impor por caminhos sinuosos. Outros episódios já teriam identificado o despreparo emocional do cronista de O País, comentavam os órgãos da imprensa, fazendo referências a outros episódios desagradáveis. Há momentos edificantes que conseguimos guardar ao longo de nossas entrevistas, numa demonstração de que o passado distante não apagou da memória a beleza que perpetua e vem aos nossos dias comprovando as verdades que o tempo não consegue apagar. Quantos sonetos de Annibal Theóphilo foram declamados pelos nossos entrevistados. Sempre era para nós uma surpresa. Não morrera o prestígio do poeta. Interessante é, também, lembrar o episódio que foi reproduzido na imprensa de 1915, e repetido em vários livros que falam de literatos e de literatura. No enterro do poeta uma fila de companheiros – num ato simbólico - iria derramar sobre o peito do poeta gotas do perfume ideal de houbigand, como última homenagem a Annibal Theóphilo, inclusive Luiz Edmundo confessou-nos ele próprio. Magalhães Júnior negou sempre o ato e ridicularizou aqueles que o relataram.

Apresentação do Autor


Arnaldo da Silva Rodrigues é neto do poeta Annibal Theóphilo. Isso basta para explicar o amor e o entusiasmo com que escreveu toda sua obra. Com declarada intenção de procurar retirar do esquecimento o grande e generoso avô poeta, escreveu o texto acima, resgatando, assim a memória do seu antepassado, brutalmente assassinado no Rio de Janeiro, em 1915.

(*) – Justificativas do autor de “Vida e Obra de Annibal Theóphilo – Triste Fim de um Poeta Assassinado”, de Arnaldo Rodrigues, reproduzido, com revisão, do site: http://www.livrovirtual.com/LivroVirtual/?categoria=livro&livro=7D398.

(**) Nova postagem no próximo dia 29 de março de 2011, onde continuaremos a publicar a versão do neto do poeta Annibal Theóphilo, morto em 1915, crime atribuido ao sergipano Gilberto Amado.

(***) Veja, também, neste blog, o crime do poeta Annibal Theóphilo, em 1915, no Rio de Janeiro e o julgamento do autor do crime, Gilberto Amado, na versão do escritor Acrísio Torres.

terça-feira, 15 de março de 2011

Juízes defendem direito de expressar suas opiniões

Debate

Juízes defendem direito
de expressar suas opiniões
Por Marina Ito


Houve um tempo em que a frase "o juiz não fala fora dos autos" era repetida à exaustão pelos magistrados. Mesmo com a abertura do Judiciário, nos últimos anos, é comum se deparar com juízes que evitam os meios de comunicação. Outros, como pode comprovar a internet e suas redes socias, opinam, criticam, defendem seus pontos de vistas sobre os mais variados assuntos. Qual o limite para a manifestação do juiz? Nesta semana, a ConJur noticiou a exceção de suspeição proposta pelo Ministério Público do Rio de Janeiro contra o juiz Rubens Roberto Rebello Casara. Pouco depois de ter sido deflagrada a operação policial no Complexo do Alemão, na zona norte do Rio de Janeiro, o juiz criticou, em entrevistas concedidas à imprensa, as irregularidades denunciadas pelos moradores do conjunto de favelas. Operadores do Direito, ouvidos pela reportagem, defenderam o direito de juízes expressarem sua opinião. O ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal, afirmou que o juiz é um cidadão. Desde que não se pronuncie antecipadamente sobre uma causa que esteja relatando ou prestes a dar uma decisão, afirmou, não pode ser amordaçado. "Pode haver a suspeição se o juiz antecipar um ponto de vista da causa." Causas, explicou o ministro, que envolvem direitos subjetivos e individuais entre partes. "A linha divisória é a causa que ele virá a julgar", explicou.



MInistro Marco Aurélio Mello
Marco Aurélio, ele próprio membro da mais alta Corte do país e que não se furta às perguntas que lhe são feitas, constantemente, pelos jornalistas, afirma que o juiz não pode antecipar seu ponto de vista em matérias que irá julgar. No mais, diz, vale a liberdade de expressão que é a tônica maior da democracia. "O meu receio, em termos de democracia, de Estado de Direito, é o silêncio, a apatia." O juiz só está impedido, diz, quanto à controvérsia que terá de julgar. "Se não for assim, nós, juízes, perdemos a cidadania." "O juiz não pode antecipar opinião e fazer pré-julgamento", disse o ministro Gilmar Mendes, também do Supremo. Ressalvando não conhecer o caso concreto e falar em tese, o ministro citou a Lei Orgânica da Magistratura, que proíbe o juiz de se manifestar sobre casos que estejam julgando. Mas isso não quer dizer, explica, que o juiz não possa alertar para determinadas condutas. O ministro lembrou que ele e outros integrantes do Supremo já criticaram muito operações da Polícia Federal, mas sem apontar uma específica.


Ministro Gilmar Mendes

Gilmar Mendes foi alvo de críticas durante todo seu mandato como presidente do Supremo e do CNJ, justamente porque nunca deixou de dar a sua opinião, muitas vezes, polêmica. Pouco antes de terminar sua gestão, defendeu que o presidente da mais alta Corte de Justiça do país tem um papel amplo, de liderança no Poder Judiciário, e portanto, o dever institucional de se manifestar. "O direito de crítica é inerente à função do juiz. Ele é um agente político, além de ser cidadão", disse o juiz federal Ali Mazloum, de São Paulo. "A tentativa de reduzir a magistratura a uma espécie de repartição pública", continua, "atenta contra a Constituição Federal e o Estatuto da Magistratura". No caso específico, diz Mazloum, o juiz tinha direito de fazer críticas genéricas à atividade policial. Para o juiz federal, o juiz tem o direito e o dever de criticar. "O MP precisa tentar exercer sua função de forma mais responsável e parar de fazer patrulhamento ideológico contra juízes", completou.


Juiz Ali Mazloum

O próprio juiz federal já foi investigado em uma operação da Polícia Federal, sendo que a denúncia foi trancada pelo Supremo por ser inepta. Ali Mazloum moveu ações contra promotores e delegados. Já condenou e absolveu delegados em processos que foram distribuídos à 7ª Vara Federal Criminal de São Paulo, da qual é titular. Em nenhum dos casos, a defesa arguiu a suspeição do juiz por ele estar à frente do feito, supondo que estaria impedido por já ter ele mesmo sofrido uma persecução penal que restou infundada e por ter acionado os autores desse processo criminal. O juiz Antônio Augusto de Toledo Gaspar, 2º vice-presidente da Associação dos Magistrados do Rio de Janeiro (Amaerj), afirma que a Loman e o Código de Ética, aprovado pelo Conselho Nacional de Justiça, impedem que o juiz se manifeste sobre processos que estejam sob seu crivo ou que possam ser distribuídos a ele. No Direito Penal, explica, as condutas são tipificadas. Para que o juiz fique impedido ou suspeito, tem de se manifestar sobre a conduta.

Juiz Rubens Casara

O 2º vice-presidente da Amaerj lembrou, ainda, que o juiz é vigiado 24 horas por dia pela sociedade. Tem de ter cuidado ao se pronunciar sobre temas que estão dentro do limite territorial onde atua. Entretanto, diz, se ele não se pronunciar de forma cabal sobre um fato que está sob o crivo dele, não há porque estar impedido ou ser suspeito. Em relação ao caso concreto, Gaspar disse que o juiz Rubens Casara é conhecido como garantista, além de ser professor e doutrinador. Todo mundo sabe qual é a posição dele, diz. "Eu também sou professor da Emerj e digo qual é a série de balizamentos para a condenação por dano moral. Nem por isso eu ficaria impedido de julgar casos que envolvam a matéria", afirmou. O juiz de Direito Gervásio dos Santos, do Maranhão, entende que o juiz se expressou na condição de cidadão. "Sequer tinha ideia de que processos gerados pela operação chegariam até ele", disse. Para Gervásio, querer afastar o juiz desses processos pelas declarações dadas equivale a tolher a capacidade do magistrado de ser cidadão e poder se expressar sobre fatos gerais.


Juiz Gervásio Santos

Ele afirmou que a operação policial no Alemão, que reuniu não só as Polícias Civil e Militares do estado, como a Polícia Federal e as Forças Armadas, foi muito repercutido não apenas no Rio de Janeiro. Juízes, de outras cidades inclusive, falaram sobre a operação, apontando pós e contras, críticas e elogios. "Apresentar exceção de suspeição contra um juiz que, na condição de cidadão, expressa sua opinião, parece exagero", afirmou. O secretário-geral do Conselho Federal da OAB, Marcus Vinicius Furtado Coelho, disse que há uma diferença entre expressar a opinião e fazer pré-julgamento. "O pré-julgamento é prejudicial ao processo, diferente de apenas uma opinião." Para o advogado, o caso reforça a tese de que não só o juiz como o próprio Ministério Público deveria ter prudência ao anunciar suas conclusões sobre uma matéria. "É preciso ter cautela no sentido de que as declarações sejam feitas de forma adequada", diz. Ao comentar o caso concreto, o secretário-geral da OAB disse que o juiz afirmou ser contra arbitrariedades. "Todos têm opinião", disse. O advogado estranhou, ainda, a postura do Ministério Público, já que seus membros costumam comentar sobre os casos que estão sob seus cuidados nem que por isso fiquem suspeitos. "O fato de alguém ser acusado não quer dizer que ele seja culpado", lembrou.


Advogado Marcos Vinícius Furtado Coelho


Crítica à abuso

Na exceção de suspeição apresentada contra o juiz fluminense, o Ministério Público diz que o juiz teria sua imparcialidade comprometida por declarações dadas à imprensa na época da deflagração da operação policial nas comunidades da Penha. Em um dos trechos, publicados em entrevista na revista Carta Capital, o juiz diz: "as notícias que chegam são de que estão invadindo casas, prendendo pessoas para averiguação e usando uma série de atos completamente desassociados do projeto constitucional". O juiz tece críticas em relação ao modo como se deu a operação policial. Ele disse ver com preocupação a atuação do Estado, já que, na tentativa de combater os que violam a lei, o próprio Estado a estava violando. "O que estimula a ilegalidade é toda uma cultura autoritária, com institutos e práticas que desrespeitam o outro e estão descompromissados com a democracia", disse na ocasião. Em dois dos cerca de oito processos distribuídos ao juiz, já houve sentença. Os aspectos legais da prisão dos réus nem chegaram a ser discutidas, já que o Ministério Público pediu a absolvição dos acusados.

 

Justiça Conforme a Lei

O que estou lendo?

Justiça Conforme a Lei
(Justice According to Law)
Autor: Roscoe Pound
Tradução de E. Jacy Monteiro
98 páginas
Editora – Ibrasa - Instituição Brasileira de Difusão Cultural S.A.




Contra-Capa


O mestre da jurisprudência norte-americana resume nestas páginas alguns dos pontos principais das opiniões que professa sobre o Direito. Pondera as grandes indagações que os homens têm formulado durante séculos: que é Justiça? que é Lei? que é Justiça Judiciária? – Indagações que se acentuaram durante os últimos anos devido à crítica violenta aos tribunais e à introdução de órgãos quase-judiciais como elementos administrativos.

Pound acredita na Lei conforme ministrada por juízes. Julga-a superior às decisões de órgãos substitutos, sujeitos a maior variedade de pressões do que os tribunais, e explica como e por que chegou a essas conclusões. Este volume baseia-se nas Preleções da Fundação Green, pronunciadas por Roscoe Pound, no Colégio de Westminster, em 1950. Roscoe Pound foi dirigente executivo da Faculdade de Direito de Harvard.
 
 


segunda-feira, 14 de março de 2011

Quem foi o poeta Annibal Theóphilo?

Debate

Quem foi Annibal Theóphilo
Arnaldo da Silva Rodrigues





Exposição de Motivos
Reflexões

Barbosa Lima
Sobrinho


Que direito nos assiste, agora, com os resultados de longos anos de pesquisas, com comprovações documentadas, recolhidas em entrevistas e estudos nos arquivos, bibliotecas e academias, com meia centena de depoimentos históricos – longos depoimentos – de contemporâneos de Annibal Theóphilo, datados e assinados, mais as respostas ao nosso questionário encaminhadas à Academia Brasileira de Letras, que mereceu a consideração daquelas que honram a posição de representantes da cultura brasileira, como Barbosa Lima Sobrinho, Levi Carneiro, Ribeiro Couto, Ivan Lins, Olegário Mariano, Maurício de Medeiros, Clementino Fraga, Gustavo Barroso, Álvaro Moreira, Rodrigo Otávio Filho e Augusto Meyer. Todos eles reconheceram o legítimo direito e dever do historiador-pesquisador expor os fatos à luz da razão. Vale, ainda ressaltar que os processos contra nós, que insistiam na nossa punição e na intenção de impedir a publicação do livro sobre a vida do poeta Annibal Theophilo, foram recusados pela Justiça. Tivemos o reconhecimento da autenticidade do nosso propósito honesto, que nos animava de fazer história. Até a mais Alta Corte conferiu-nos o direito que tanto necessitávamos: “Observo que o notificado não fez nenhuma crítica à decisão do Tribunal que julgou o homicídio ...” “É evidente a ausência do animus difamandi, injuriandi e Caluniandi...” “Há animus narrandi, exclusivamente...” “Movido pelo sentido da pesquisa histórica, sem qualquer sentimento de revanchismo...” “Os juízos e conceitos que, porventura, desfavoráveis à memória de Gilberto Amado foram colhidos em jornais, revistas e obras que exaustivamente mostrou em extensa bibliografia.”, tudo como contido nas folhas do processo.

Gilberto Amado
 Agora, a nossa posição há de invalidar, por completo, a intenção malévola dos nossos oponentes – memorialistas que gratuitamente tentam desfigurar e enxovalhar a honra e a memória daquele que nunca poderia ser colocado pelos seus detratores como um ser desprezível perante a História. A alentada documentação que tínhamos conquistado, ao longo do tempo, deveria nos proteger ao refutar a truculência verbal nos tortuosos caminhos do rancor. As memórias publicadas nos livros Minha Vida na Política (Terrível Prova), Rio de Janeiro do Meu Tempo e Olavo Bilac e sua Obra não trazem jamais uma comprovação, um testemunho que pudesse justificar suas intenções demolidoras. Parecia um ardil arquitetado para proteger Gilberto Amado e acusar a sua vítima como algoz do crime que abalou a sociedade cultural do Brasil num fim de festa literária, em 1915.
Raimundo Magalhães Jr
Os amigos de Gilberto Amado se valeram da distância do tempo para crucificar a imagem de Annibal Theóphilo como perseguidor e agressor de Gilberto Amado, dando como definitiva a versão negativa nas palavras do próprio Gilberto Amado, de Luiz Edmundo e Raimundo Magalhães Júnior. As publicações – memórias – estão comprometidas por que torcem os fatos históricos. Durante quatro décadas permaneceram nas livrarias, nas bibliotecas e nos arquivos, denegrindo o destino do poeta, numa campanha de difamação sem igual, em desrespeito a ética e a moral. A partir de agora – temos a convicção – o julgamento moral terá as bases nas fontes reais e na comprovação dos testemunhos que datam e assinam seus depoimentos para a posteridade. As palavras emitidas pelos contemporâneos do poeta soaram como verdade que a história revela. Os mortos que merecem as palavras luminosas dos seus condiscípulos hão de ser respeitadas pelas gerações futuras.

Sobral Pinto


Ouvimos o protesto veemente do doutor Sobral Pinto, que viveu aqueles momentos da história, conhecedor do episódio nos seus meandros e detalhes: “O poeta tinha valor no seio da literatura brasileira, tinha fama de homem honesto e digno. E a imagem pintada por Gilberto Amado não é confirmada pela história”. Agora podemos perguntar: quem foi Annibal Theophilo? Muitas vozes serão ouvidas nas linhas que se seguem, vozes consoantes com a nossa intenção de conquistar a verdade. Carlos Drummond de Andrade revela-nos: “o poeta fora uma pessoa amada de todos”. Emílio de Menezes: “O enterro de Annibal Theóphilo foi uma apoteose. Ninguém faltou. Nunca houve no Rio e Janeiro um movimento de solidariedade como esse”.



Carlos Drummond
de Andrade
No Rio de Janeiro, convocam o poeta para por em prática sua capacidade mnemônica, declamando Petrarca, Camões, a elite dos poetas franceses, os nossos parnasianos e simbolistas. Bem jovem, em Porto Alegre, já se sentia muito à vontade na sua vocação. Como cadete em Fortaleza e em Manaus merecia o aplauso da sociedade. O acadêmico Péricles Moraes dizia: “A elegância irrepreensível de sua dicção, sabia dizer como ninguém. Não havia mais enlevo do que ouvi-lo nesses minutos de embevecimento. Sabia de cor poemas inteiros, sem vacilar nunca”. A imprensa da capital da República reproduzia seus poemas ilustrados por Kalisto Cordeiro, J. Carlos, Raul Pederneiras, especialmente nas revistas Fon-Fon e Careta. O poeta publicou no Porto e trouxe-nos os exemplares de Rimas – Musa Erradia – Folhas de um Poema, autografados para os amigos escritores, jornalistas, artistas, com os quais mantinha, quando vivo, um relacionamento fraterno. É preciso que se questione os autores que torcem os fatos históricos nas suas infamantes memórias, que não acreditavam ser possível que a verdade aflorasse depois de tantos anos. Criaram a sua versão para iludir a opinião pública, maculando aquele que foi vítima de um crime perpetrado ao fim de uma festa literária.

(*) – Justificativas do autor de “Vida e Obra de Annibal Theóphilo – Triste Fim de um Poeta Assassinado”, de Arnaldo Rodrigues, reproduzido, com revisão, do site: http://www.livrovirtual.com/LivroVirtual/?categoria=livro&livro=7D398.


(**) Nova postagem no próximo dia 22 de março de 2011, onde continuaremos a publicar a versão do autor do assassinato do poeta Annibal Theóphilo.

(***) Veja, também, neste blog, o crime do poeta Annibal Theóphilo, em 1915, no Rio de Janeiro e o julgamento do autor do crime, Gilberto Amado, na versão do escritor Acrísio Torres.



segunda-feira, 7 de março de 2011

Pagu, a musa do modernismo

Grandes Personagens
PAGU
Olhos moles, alma forte
Natália Pesciotta 
Ela tem lugar garantido na lista das figuras femininas mais importantes do século
 passado. De aparência e personalidade marcantes, era “a nova mulher brasileira”,
segundo o poeta Augusto de Campos. Além de causar burburinho entre o grupo dos
modernistas, do qual foi proclamada musa, entregou-se à vida de corpo e alma.

Enquanto artistas e intelectuais proclamavam o Modernismo brasileiro, Patrícia Galvão era apenas uma garota de 12 anos. É verdade que já fugia dos padrões do lugar em que vivia ao falar palavrões, usar transparências e cabelos eriçados. Mas, apesar de não muito longe do bairro industrial do Brás, a Semana de Arte Moderna de 1922 acontecia alheia à menina de olhar distante. Seis anos se passariam até que ela estivesse entre eles. A defesa então era pela Antropofagia: que a cultura brasileira não ficasse isolada, abandonada ao tempo, mas continuasse se renovando com as influências estrangeiras. A normalista que enchia cadernos de escritos e publicava artigos no jornal do bairro foi apresentada ao grupo pelo poeta Raul Bopp. E logo apadrinhada pelo casal Oswald de Andrade e Tarsila do Amaral. Moça firme dos olhos caídos, lábios pintados de batom escuro, quase roxo, tornou-se musa do movimento. Pagu tem os olhos moles / uns olhos de fazer doer / Bate-coco quando passa / Coração pega a bater / Eh Pague eh! / Dói porque é bom fazer doer, escreveu Bopp. O poeta usou a alcunha Pagu por achar que a moça deveria adotar como nome artístico a primeira sílaba do nome e do sobrenome – ignorando o fato de ela se chamar Patrícia Galvão, e não Patrícia Goulart… Mas o fato é que Pagu ficou. E ela acabou casando-se com Oswald, 20 anos mais velho, que se separou de Tarsila. Para agravar o caso já controverso para a sociedade de 1930, celebraram a união em frente aos túmulos da família do noivo, no cemitério da Consolação. No mesmo ano, nasceu o filho do casal, Rudá de Andrade.

Nova mulher brasileira

Pagu e Oswald de Andrade

A marca como mulher forte e desejada, no entanto, não é o único nem o maior trunfo de Pagu. Ela fez história própria e foi das principais figuras femininas do século passado. Não à toa, Rita Lee e Zélia Duncan dedicaram a ela uma canção: Não sou atriz, modelo ou dançarina / Meu buraco é mais em cima / Sou rainha do meu tanque / Sou Pagu indignada no palanque. O poeta Augusto de Campos, seu biógrafo, a anuncia como símbolo da “nova mulher brasileira, sensível, politizada, desreprimida”. E reconhece que seu valor como personagem é maior do que sua obra: “A peripécia política, poética e existencial é que faz dela uma figura fascinante. Pagu foi revolucionária na política, na arte e na prática da vida”. Ela fez de tudo um pouco. A maior parte da obra está espalhada por artigos de jornal. Produziu críticas literárias e traduziu autores como James Joyce, inédito na época. Depois que morreu, em 12 de dezembro de 1962, os filhos descobriram até histórias policiais criadas por ela, assinadas com pseudônimos e publicadas por Nelson Rodrigues.

Pavio aceso


No movimento Antropofágico, de 1928, Pagu colaborou com artigos e desenhos, além de escrever com Oswald o caderno O Romance da Época Anarquista ou As Horas de Pagu que São Minhas. O casal ainda redigia A Hora do Povo, um jornal panfletário, depois de aderir ao Partido Comunista. Um encontro com Luís Carlos Prestes, nesse período, mudaria radicalmente a vida da recém-casada. Pagu era um pavio esperando algo que a acendesse, e ali estava a fórmula: “Convicção, grandiosidade do sacrifício e, principalmente, pureza”, dizia o líder comunista. A musa modernista já não aturava mais as rodas de comunistas nos cafés. Queria agir de verdade, entre o povo, e se colocou à disposição do Partido. Em um comício em Santos, foi presa pela primeira vez – ao longo da vida, seria detida 23 vezes. No Rio de Janeiro, trabalhou como operária em situação de miséria, com posição de destaque entre os líderes comunistas das fábricas. Apesar da recusa do Partido por qualquer tipo de trabalho intelectual, escreveu nesse período sua maior obra literária. Parque Industrial (1933) é um romance urbano, marxista e feminista. Retrata de forma crua a vida dos operários, sem esconder a linguagem do povo e a sexualidade. Quem assina, por ordens partidárias, é o pseudônimo Mara Lobo. Depois de abandonar a condição de musa modernista, trabalhou como operária, foi líder trabalhista, escreveu um romance marxista e feminista. Foi presa 23 vezes.

Retalhos de azul


Uma menina esfarrapada, na praça Vermelha, em Moscou, pedia esmola ao lado do túmulo de Lênin. A cena abalou as convicções de Pagu, mas ela seguiu viagem. Trabalhava como correspondente no Oriente de vários jornais brasileiros. Foi a única latina presente na coroação do último imperador japonês. Por sua amizade com ele, conseguiu trazer soja para ser plantada no Brasil. Ao atuar pelo PC na França, acabou expatriada. Passou então pela prisão mais longa, de cinco anos, naquele tempo de Estado Novo. A Famosa Revista, segundo e último romance de Pagu, deixa clara a mudança na vida dela. Em 1945, já separada de Oswald e casada há cinco anos com o jornalista Geraldo Ferraz, escreve com ele o que representa a nova crença. Candidata a deputada pelo Partido Socialista Brasileiro, anuncia: “Depois das rajadas de tempestade, colaremos nas retinas úmidas os últimos retalhos de azul”. Viveu os últimos anos em Santos, adorando o mar e agitando a cultura da cidade. O foco agora era o teatro. Levou para os palcos do litoral paulista gente como Plínio Marcos, Sérgio Mamberti e Zé Celso Martinez Corrêa. Até o fim, era a Pagu que ela mesma havia definido uma vez: “Mulher de ferro com zonas erógenas e aparelho digestivo”.

SAIBA MAIS Paixão Pagu: A autobiografia precoce de Patrícia Galvão (Agir, 2005). Pagu: Vida e obra, de Augusto de Campos (Brasiliense, 1982).

Jornalista Natália Pesciotta,
autora da matéria sobre Pagu


Almanaque Brasil

Tabacaria, de Fernando Pessoa

Poesia

TABACARIA (15-1-1928 )  

Álvaro de Campos (Fernando Pessoa)

Álvaro de Campos,
imaginados por Fernando Pessoa


Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.

Janelas do meu quarto,
Do meu quarto de um dos milhões do mundo que ninguém sabe quem é
(E se soubessem quem é, o que saberiam?),
Dais para o mistério de uma rua cruzada constantemente por gente,
Para uma rua inacessível a todos os pensamentos,
Real, impossivelmente real, certa, desconhecidamente certa,
Com o mistério das coisas por baixo das pedras e dos seres
Com a morte a pôr umidade nas paredes e cabelos brancos nos homens.
Com o Destino a conduzir a carroça de tudo pela estrada de nada.

Estou hoje vencido, como se soubesse a verdade.
Estou hoje lúcido, como se estivesse para morrer,
E não tivesse mais irmandade com as coisas
Senão uma despedida, tornando-se esta casa e este lado da rua
A fileira de carruagens de um comboio, e uma partida apitada
De dentro da minha cabeça,
E uma sacudidela dos meus nervos e um ranger de ossos na ida.

Estou hoje perplexo, como quem pensou e achou e esqueceu.
Estou hoje dividido entre a lealdade que devo
À Tabacaria do outro lado da rua, como coisa real por fora,
E à sensação de que tudo é sonho, como coisa real por dentro.

Falhei em tudo.
Como não fiz propósito nenhum, talvez tudo fosse nada.
A aprendizagem que me deram,
Desci dela pela janela das traseiras da casa.
Fui até ao campo com grandes propósitos.
Mas lá encontrei só ervas e árvores,
E quando havia gente era igual à outra.
Saio da janela, sento-me numa cadeira.
Em que hei de pensar?

Que sei eu do que serei, eu que não sei o que sou?
Ser o que penso? Mas penso ser tanta coisa!
E há tantos que pensam ser a mesma coisa que não pode haver tantos!
Gênio? Neste momento
Cem mil cérebros se concebem em sonho gênios como eu,
E a história não marcará, quem sabe?, nem um,
Nem haverá senão estrume de tantas conquistas futuras.
Não, não creio em mim.
Em todos os manicômios há doidos malucos com tantas certezas!
Eu, que não tenho nenhuma certeza, sou mais certo ou menos certo?
Não, nem em mim...
Em quantas mansardas e não-mansardas do mundo.
Não estão nesta hora gênios-para-si-mesmos sonhando.
Quantas aspirações altas e nobres e lúcidas -
Sim, verdadeiramente altas e nobres e lúcidas -,
E quem sabe se realizáveis,
Nunca verão a luz do sol real nem acharão ouvidos de gente?
0 mundo é para quem nasce para o conquistar
E não para quem sonha que pode conquistá-lo, ainda que tenha razão.
Tenho sonhado mais que o que Napoleão fez.
Tenho apertado ao peito hipotético mais humanidades do que Cristo,
Tenho feito filosofias em segredo que nenhum Kant escreveu.
Mas sou, e talvez serei sempre, o da mansarda,
Ainda que não more nela;
Serei sempre o que não nasceu para isso;

Serei sempre só o que tinha qualidades;
Serei sempre o que esperou que lhe abrissem a porta ao pé de uma parede sem porta,
E cantou a cantiga do Infinito numa capoeira,
E ouviu a voz de Deus num paço tapado.
Crer em mim? Não, nem em nada.
Derrame-me a Natureza sobre a cabeça ardente
0 seu sol, a sua chuva, o vento que me acha o cabelo,
E o resto que venha se vier, ou tiver que vir, ou não venha.
Escravos cardíacos das estrelas,
Conquistamos todo o mundo antes de nos levantar da cama;
Mas acordamos e ele é opaco,
Levantamo-nos e ele é alheio,
Saímos de casa e ele é a terra inteira,
Mais o sistema solar e a Via Láctea e o Indefinido.

(Come chocolates, pequena; Come chocolates!
Olha que não há mais metafísica no mundo senão chocolates.
Olha que as religiões todas não ensinam mais que a confeitaria.
Come, pequena suja, come!
Pudesse eu comer chocolates com a mesma verdade com que comes!
Mas eu penso e, ao tirar o papel de prata, que é de folha de estanho,
Deito tudo para o chão, como tenho deitado a vida.)

Mas ao menos fica da amargura do que nunca serei
A caligrafia rápida destes versos,
Pórtico partido para o Impossível.
Mas ao menos consagro a mim mesmo um desprezo sem lágrimas,
Nobre ao menos no gesto largo com que atiro
A roupa suja que sou, sem rol, pra o decurso das coisas,
E fico em casa sem camisa.

(Tu, que consolas, que não existes e por isso consolas,
Ou deusa grega, concebida como estátua que fosse viva,
Ou patrícia romana, impossivelmente nobre e nefasta,
Ou princesa de trovadores, gentilíssima e colorida,
Ou marquesa do século dezoito, decotada e longínqua,
Ou cocote célebre do tempo dos nossos pais,
Ou não sei quê moderno - não concebo bem o quê -,
Tudo isso, seja o que for, que sejas, se pode inspirar que inspire!
Meu coração é um balde despejado.
Como os que invocam espíritos invocam espíritos invoco
A mim mesmo e não encontro nada.
Chego à janela e vejo a rua com uma nitidez absoluta.
Vejo as lojas, vejo os passeios, vejo os carros que passam,
Vejo os entes vivos vestidos que se cruzam,
Vejo os cães que também existem,
E tudo isto me pesa como uma condenação ao degredo,
E tudo isto é estrangeiro, como tudo.)

Vivi, estudei, amei, e até cri,
E hoje não há mendigo que eu não inveje só por não ser eu.
Olho a cada um os andrajos e as chagas e a mentira,
E penso: talvez nunca vivesses nem estudasses nem amasses nem cresses
(Porque é possível fazer a realidade de tudo isso sem fazer nada disso);
Talvez tenhas existido apenas, como um lagarto a quem cortam o rabo
E que é rabo para aquém do lagarto remexidamente.

Fiz de mim o que não soube,
E o que podia fazer de mim não o fiz.
0 dominó que vesti era errado.
Conheceram-me logo por quem não era e não desmenti, e perdi-me.
Quando quis tirar a máscara,
Estava pegada à cara.
Quando a tirei e me vi ao espelho, Já tinha envelhecido.
Estava bêbado, já não sabia vestir o dominó que não tinha tirado.
Deitei fora a máscara e dormi no vestiário
Como um cão tolerado pela gerência Por ser inofensivo
E vou escrever esta história para provar que sou sublime.

Essência musical dos meus versos inúteis,
Quem me dera encontrar-te como coisa que eu fizesse
E não ficasse sempre defronte da Tabacaria de defronte,
Calcando aos pés a consciência de estar existindo,
Como um tapete em que um bêbado tropeça
Ou um capacho que os ciganos roubaram e não valia nada.

Mas o Dono da Tabacaria chegou à porta e ficou à porta.
Olho-o com o desconforto da cabeça mal voltada
E com o desconforto da alma mal-entendendo.
Ele morrerá e eu morrerei.
Ele deixará a tabuleta, e eu deixarei versos.
A certa altura morrerá a tabuleta também, e os versos também.
Depois de certa altura morrerá a rua onde esteve a tabuleta,
E a língua em que foram escritos os versos.
Morrerá depois o planeta girante em que tudo isto se deu.
Em outros satélites de outros sistemas qualquer coisa como gente
Continuará fazendo coisas como versos e vivendo por baixo de coisas como tabuletas,
Sempre uma coisa defronte da outra,
Sempre uma coisa tão inútil como a outra,
Sempre o impossível tão estúpido como o real,
Sempre o mistério do fundo tão certo como o sono de mistério da superfície,
Sempre isto ou sempre outra coisa ou nem uma coisa nem outra.

Mas um homem entrou na Tabacaria (para comprar tabaco?),
E a realidade plausível cai de repente em cima de mim.
Semiergo-me enérgico, convencido, humano,
E vou tencionar escrever estes versos em que digo o contrário.

Acendo um cigarro ao pensar em escrevê-los
E saboreio no cigarro a libertação de todos os pensamentos.
Sigo o fumo como uma rota própria,
E gozo, num momento sensitivo e competente,
A libertação de todas as especulações
E a consciência de que a metafísica é uma conseqüência de estar mal disposto.
Depois deito-me para trás na cadeira
E continuo fumando.
Enquanto o Destino mo conceder, continuarei fumando.

(Se eu casasse com a filha da minha lavadeira
Talvez fosse feliz.)
Visto isto, levanto-me da cadeira. Vou á janela.

0 homem saiu da Tabacaria (metendo troco na algibeira das calças?).
Ah, conheço-o; é o Esteves sem metafísica.
(0 Dono da Tabacaria chegou á porta.)
Como por um instinto divino o Esteves voltou-se e viu-me.
Acenou-me adeus, gritei-lhe Adeus ó Esteves!, e o universo
Reconstruiu-se-me sem ideal nem esperança, e o dono da tabacaria sorriu.



Fernando António Nogueira Pessoa (Lisboa, 13 de Junho de 1888 — Lisboa, 30 de Novembro de 1935), mais conhecido como Fernando Pessoa, foi um poeta e escritor português. É considerado um dos maiores poetas da Língua Portuguesa, e o seu valor é comparado ao de Camões. O crítico literário Harold Bloom considerou a sua obra um “legado da língua portuguesa ao mundo”. Por ter crescido na África do Sul, para onde se mudou aos sete anos em virtude do casamento de sua mãe, Pessoa foi alfabetizado em Inglês. Das quatro obras que publicou em vida, três são na língua inglesa. Fernando Pessoa dedicou-se também a traduções desse idioma. Durante sua discreta vida, atuou no Jornalismo, na Publicidade, no Comércio e, principalmente, na Literatura. Como poeta, desdobrou-se em diversas personas conhecidas como heterónimos, em torno das quais se movimenta grande parte dos estudos sobre sua vida e sua obra. Centro irradiador da heteronímia, auto-denominou-se um “drama em gente”. Fernando Pessoa morreu de cirrose hepática aos 47 anos, na cidade onde nasceu. Sua última frase foi escrita em Inglês: “I know not what tomorrow will bring… ” (“Não sei o que o amanhã trará”). As informações são do Wikipedia

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