segunda-feira, 31 de outubro de 2016
Barbárie e Civilização
Opinião pessoal
Barbárie e
Civilização
Clóvis Barbosa
O Brasil, como sabemos, é uma república
democrática. República porque organizado a partir da ideia do poder
descontinuado, ao contrário da monarquia, onde o poder central é familiar e
vitalício, substituindo-se pela descendência. Na república o poder é exercido
por um mandato com tempo determinado, admitindo-se, em alguns países, a
reeleição. É democrático porque o poder político é exercido por todos,
diferentemente da autocracia onde apenas um manda, e da oligarquia onde alguns
mandam em detrimento do restante. Quando falamos de monarquia, república e de
sua terceira via, a anarquia, estamos falando da forma de organização de um
governo, embora esta última, a anarquia, seja caracterizada pela ausência do Estado
na forma de conduzir a vida da população. Como estabelecido na Constituição, o
Brasil se constitui em um Estado democrático de direito, ou seja, no respeito
às regras legais. E ainda: a sua democracia é representativa, onde o poder, que
é do povo, é exercido através de representantes devidamente eleitos para os
cargos diretivos e legislativos por um determinado período. Assim, cada um de
nós é representado por vereadores, prefeitos, deputados estaduais e federais,
senadores, governadores e presidente da república, que elegemos a cada quatro
anos. Depois dos anos ditatoriais vividos pela sociedade brasileira, estamos
vivenciando um período democrático, mas, como já disse aqui neste espaço, não
podemos varrer para debaixo do
tapete a crise que vive a nossa democracia representativa. A classe política,
por exemplo, precisa repensar a sua prática. A instituição partidária não
respeita a vontade dos seus representados, mas a de sua cúpula, e na maioria
dos casos o que prevalece é aquilo que é determinado pelo seu dono. Sim, pelo
dono do partido político. É preciso entender que há um desencanto acentuado com
os resultados apresentados pela representação política. Que o digam as
manifestações de junho de 2013.
Lévi-Strauss
Todos nós temos que entender que é importante lutar pelo processo
de sedimentação da democracia como valor para chegarmos à civilidade. Se é
verdade que a evolução humana se cristaliza em três estágios, quais sejam, selvageria,
barbárie e civilização, não podemos permitir que se torne realidade a profecia
de Lévi-Strauss na qual o Brasil passaria da barbárie à decadência sem
conhecer a civilização. Os índices de violência urbana atingem picos e grau de
crueldade e de horror vistos até bem pouco tempo como uma exceção. Perde-se,
cada vez mais, o sentimento de solidariedade. O mundo econômico, sempre ávido
pelo lucro fácil, pela concentração de riqueza e pela manutenção dos seus
privilégios, acha que nada tem a ver com os acontecimentos. O corporativismo
desenfreado, sempre por um interesse localizado e oportunista, dá, também, a
sua contribuição, prejudicando o conjunto da sociedade. As greves sempre têm
sido deflagradas contra a população. Vejam o exemplo da greve dos motoristas de
ônibus em várias capitais brasileiras. Se quisessem fazer a paralização contra
a empresa, em vez de parar, porque não trabalhar e liberar a catraca?
Recordo-me de uma greve há dois anos em uma das rodovias pedagiadas. Os
trabalhadores não pararam o seu labor, mas liberaram gratuitamente os acessos.
Antigamente acusavam a polícia de ser truculenta, mas hoje esse comportamento
foi absorvido pelos manifestantes que acham que tem o direito de bloquear ruas
e rodovias, impedindo as pessoas de ir trabalhar, agindo contra a garantia
constitucional de ir e vir. O que preocupa é a irritação e a indignação da
sociedade, que passa a ver como inimigos os próprios trabalhadores.
Recentemente, em São Paulo, uma manifestação do MTST (movimento dos
trabalhadores sem teto) quase resulta em uma carnificina quando, disfarçados de
manifestantes, integrantes de uma torcida organizada intervieram para defender
o estádio do seu clube, ameaçado por uma ocupação.
Winston Churchill
Enfim, todos querem ter razão e fazem da manipulação do discurso a
sua arma que muitas vezes volta-se contra eles próprios. Sabemos que a
democracia é um regime por realizar-se. Ela não existe em nenhum país do mundo
em sua integridade, mas apenas em parcial concretização. No Brasil, talvez
pelos ínfimos períodos democráticos vividos desde a sua descoberta em 1500,
estamos ainda titubeando diante desses acontecimentos. Mas, no momento em que
deveríamos colocar a nossa curiosidade a serviço da melhoria da educação, no
combate à corrupção que se tornou uma praga, no grande debate sobre a violência
urbana que aflige cada vez mais a maioria dos brasileiros, no processo de
solidariedade que devemos aplicar - e de outros caminhos - que nos conduzam à
civilidade, estamos cada vez mais nos indignando contra nós mesmos. Isso não é
bom para ninguém. A quem interessa, pois, a instauração do
caos. A tensão é permanente, pois todos os setores da sociedade querem manter
os seus interesses, mas isso não pode ser a qualquer custo. Não se chegará a
lugar nenhum sem o estabelecimento de critérios éticos. A decência é que tem
que ser a regra, e não a corrupção e o oportunismo. Não se pode deixar que a
crise do processo democrático se aprofunde, porque a continuar esse
desequilíbrio, todos vão perder. Para o bem de todos, é preciso que haja
preponderância da “razão dialógica”, de que nos fala Jurgen Habermas, na sua
obra Modernidade versus Pós-Modernidade.
Para ele, o
último grande racionalista, a razão
crítica de Adorno cede campo para a “razão dialógica”, onde a linguagem e a
argumentação preponderam. Mas não basta a intenção. As armas devem ser deixadas
em casa. O argumento é o que deve prevalecer, enfim, a razão dialógica. Dizia
Winston Churchill, premier inglês,
que a democracia é a pior forma de governo, exceto todas as outras que têm sido
tentadas de tempos em tempos.
No dia que entendermos que civilização é um
método de viver, uma atitude de respeito igual por todos os homens, estaremos
construindo um novo mundo, aquele em que o meu direito termina quando começa o
do outro.
Post
Scriptum
As Quatro Sergipanas
Recebo de um amigo promotor de justiça um presente raro: uma cópia do
livro do Padre F. Montenegro “As quatro sergipanas”, um estudo genealógico. O
livro é uma publicação do Programa Editorial da Casa José de Alencar da
Universidade Federal do Ceará e foi lançado em 1996. A pesquisa exaustiva do
autor tenta demonstrar quem foram os verdadeiros desbravadores da região do
Cariri cearense. Após colacionar diversas obras, jornais e documentos, teve a
confirmação que na primeira metade do Século XVIII fixou-se no Sítio
Corrente-Crato o português José Pereira Lima Aço, que era consorciado com a
sergipana Apolônia Correia de Oliveira, filha do português Antônio de Oliveira
e da sergipana Isabel de Oliveira. Destacou que do casamento de José Pereira e
Apolônia nasceram os Ferreira Lima, os Ferreira Lima Verde, os Gonçalves
Martins, os Pereira Pinto Callou, os Sucupira e os Romão Batista, dentre
outros. Uma descoberta interessante: uma das filhas do casal, Francisca Pereira
de Oliveira, caririense, casou-se com o tenente-coronel Antônio José Batista de
Melo. Estes, por sua vez, foram os genitores do capitão Romão José Batista, avô
do Padre Cícero Romão Batista, o nosso “Padim Ciço”. Ao montar residência na
região do Cariri, Apolônia trouxe consigo as suas três irmãs: Luzia, que se
casou com Mateus Ferreira Lima, Desidéria, casada com João Gonçalves Diniz, e
Bárbara, casada com Leão da Franca. O livro de 150 páginas mostra a saga dessas
sergipanas, cujos descendentes fazem a história do Estado do Ceará. A
naturalidade das quatro sergipanas é desconhecida, mas, pela época em que
viveram em Sergipe, dá-se a impressão que elas são de Estância, dado ao fato de
que na época abrigava o principal porto do Estado. Depois, seus pais foram
morar nas margens do rio São Francisco, acima da então Vila de Penedo. Foi nessa
cidade que Apolônia conheceu o português José Pereira Lima Aço, com quem casou
em 1702. Interessante conhecer a saga desbravadora das irmãs, nossas
conterrâneas, e saber que o sangue sergipano corria nas veias do Padre Cícero.
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