sexta-feira, 22 de dezembro de 2017
O Colecionador de Ossos
Opinião Pessoal
o cOLECIONADOR DE oSSOS
Clóvis
Barbosa
Vejam que dado chamativo. Dostoiévski
escreveu, em 1861, “Recordações da Casa
dos Mortos”, reconhecida como uma verdadeira obra-prima da literatura
mundial. O seu personagem principal é Alieksandr Pietróvitch Gorjantchikov, um
professor que vivia numa pequena cidade da Sibéria, dando aulas de reforço aos
jovens. Antes, ele havia cumprido pena de prisão por ter assassinado a esposa
um ano depois do casamento, movido por ciúmes, entregando-se após o crime,
atitude que atenuou a sua pena. Dostoiévski apaixonou-se pela figura taciturna
do professor e ex-presidiário. Tentou aproximar-se, sendo repelido. Ao
retornar, meses depois, à Sibéria, tomou conhecimento da morte do velho
rabugento. Ao visitar o alojamento em que ele viveu, foi presenteado pela
proprietária do local com uma cesta cheia de papéis velhos pertencentes ao seu
antigo inquilino. Foi nessa documentação que Dostoiévski descobriu a
experiência vivida pelo seu personagem durante o período em que esteve preso
numa penitenciária de segunda categoria: as instalações eram precárias, a
alimentação deficiente, o frio insuportável, as relações difíceis entre pessoas
de várias castas sociais e reinava a corrupção na guarda penitenciária. Enfim,
uma verdadeira aula voltada para a psicologia criminal e para a máxima de que a
prisão não cura, corrompe.
Na verdade, uma experiência inesquecível
para o personagem, ao ponto de dizer que “Não
resta dúvida de que o tão gabado regime de penitenciária oferece resultados
falsos, meramente aparentes. Esgota a capacidade humana, desfibra a alma,
avilta, caleja e só oficiosamente faz do detento ‘remido’ um modelo de sistemas
regeneradores”. Mas, na verdade, a figura do professor Alieksandr
Pietróvitch Gorjantchikov é puramente ficcional. O próprio Dostoiévski, preso
em abril de 1849, vivenciou aquela situação. Ele foi condenado à morte por
fuzilamento em dezembro, acusado de envolvimento na conspiração do
revolucionário Mikhael Petrachévski, que objetivava assassinar o Czar Nicolau
I. Sempre negou a sua participação no evento, embora reconhecesse que era um
opositor do regime totalitário e feudal czariano. Na época da execução da pena,
já experimentando a sensação da morte que se aproximava, após todos os rituais
que antecederam aquele momento, foi comunicado da substituição da pena anterior
pela de prisão e trabalhos forçados na Sibéria. Dostoiévski, pois, foi o
próprio protagonista daquela viagem ao inferno. E ele fala do dia-a-dia na
prisão, numa autoanálise: “Mas o tempo
flui e dei em me habituar gradativamente. À medida que os dias passavam, as
realidades cotidianas iam me irritando menos. Os meus olhos, por assim dizer,
iam-se habituando aos acontecimentos, ao ambiente e aos homens”.
Recordações da Casa dos Mortos é uma obra
penetrante. Na prisão, ele fala da esperança ao dizer: “Quando o sol brilhava, a gente pensava na liberdade muito mais
intensamente do que nos dias cinzentos do outono e nas horas opacas do inverno”.
Sobre o sofrimento, as atrocidades praticadas pelos servidores do presídio, as
condições desumanas, o uso de grilhões de ferro, inclusive nos doentes
moribundos, os castigos tortuosos, a vida animalesca, ele fala: “É atroz, dá a impressão de fogo aplicado
demoradamente na pele. Assa as costas como uma grelha”. O livro é um libelo
contra o fracassado sistema prisional no mundo. E esse fracasso permanece até
hoje, século XXI. A prisão continua sem ressocializar o preso e se transforma, cada
vez mais,em uma universidade do crime. Aqui em Dostoiévski, uma história
contada com base na experiência vivida. Acolá, em “O colecionador de ossos”, a
ficção, onde um assassino em série brinca com a polícia num jogo de gato e
rato, dando pistas do próximo crime a ser praticado e da possibilidade de
evitá-lo. Mas o importante em o colecionador,
no livro, é a aula de investigação criminal que se dá, com todas as suas
engrenagens científicas, como, por exemplo, o Princípio da Troca de Locard, que sustenta que há sempre uma troca
de prova material entre o criminoso e a cena do crime ou a vítima, por mais
minúscula ou difícil de detectar que possa ser essa prova. Em suma: enquanto os
presos são amarrados ao silêncio, os mortos gritam, embora poucos consigam
ouvi-los. Nesse sentido é que o sistema perdeu os sentidos. Nem quebra o
silêncio do cárcere e, tampouco, é capaz de escutar o sussurro dos mortos. Por
isso, mais presos tornam-se doutores em silenciar a eficácia da polícia (quando
saem da cadeia, com mestrado e doutorado na arte do terror) e mais mortos
gritam à toa. A polícia não sabe interpretar-lhes as vozes afônicas. A polícia
também está tornando-se uma surda colecionadora de ossos que não soube se
ADAPTAR à visão humanista do combate ao crime.
Post
Scriptum
Um
sergipano no STM
Hoje,
Sergipe só tem um representante nos tribunais superiores. Ele é Augusto César
Leite de Carvalho, Ministro do Tribunal Superior do Trabalho (TST), um dos mais
brilhantes magistrados da safra da justiça trabalhista sergipana. Sergipano de
Aracaju, Augusto César formou-se em Direito pela Universidade Federal de
Sergipe. Agora, o nosso Estado poderá ter mais um representante, o almirante de
esquadra da Marinha Brasileira, Carlos Augusto de Souza, que poderá ser
Ministro do Superior Tribunal Militar (STM). Ele já foi aprovado,à unanimidade,
no último dia 19, pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado,
faltando, apenas, o plenário daquela Casa referendar o ato. Carlos Augusto de
Souza nasceu em Estância, Sergipe, é casado e tem uma filha. Ele tem mestrado e
doutorado em Ciências Náuticas pela Escola de Guerra Naval. Com a sua indicação
aprovada, ele substituirá o também almirante de esquadra Marcos Martins Torres,
falecido recentemente.
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