Aracaju/Se,

quinta-feira, 1 de novembro de 2018

Todas as Mulheres do Mundo


Opinião Pessoal

Todas as mulheres do mundo
Clóvis Barbosa
Resultado de imagem para A Virgem com o Menino de Pé Abraçando a Mãe

Qual a mensagem pictórica que o renascentista Giovanni Bellini quis passar no quadro “A Virgem com o Menino de Pé Abraçando a Mãe”? Deixo de lado as diversas especulações de cunho teológico, as hipóteses da simbologia bizantina e até as sugestões da presença de uma metáfora explicando o “aspecto divino” do menino Jesus e da Virgem Maria. O quadro dá margem, por exemplo, ao entendimento da ausência de ternura entre os protagonistas. Uma criança de pé sobre uma sacada tentando sufocar a mulher com as mãos? A criança irritada com algum gesto agressivo tentando se defender? E o olhar de desprezo da virgem para com o menino? Ou tudo não passa de um olhar crítico à mulher? A verdade é que a história das mulheres desde a antiguidade se reflete no papel de subjugação que lhe foi imposto na visão de mundo predominantemente masculino. Desde o momento em que Eva colheu aquela maçã no Jardim do Éden, à mulher têm sido imputadas personalidades inconstantes e até mesmo limítrofes. Considerada imperfeita por natureza, Pitágoras, o grande filósofo grego, a via como um ser originado das trevas. Aristóteles entendia a mulher como sendo um homem incompleto, alegando, ainda, que nenhuma característica dela era herdada pelos filhos, pois isso decorria exclusivamente do sêmen do homem. À mulher cabia somente a função de abrigar e fazer nascer o fruto vindo do seu ventre. Até Platão deu o seu pitaco em A República, Livro V, ao desenvolver a ideia de que se o homem vivesse de forma covarde, reencarnaria como mulher, ao passo que se essa assim se portasse, reencarnaria como pássaro. Hegel, tido e havido como o filósofo que mais impacto causou à filosofia nos séculos XIX e XX, era um convicto defensor da razão. Por isso, identificava que a diferença entre o homem e a mulher era que ela agia de acordo com as suas emoções ou com o seu estado de espírito. O comando de um Estado, por exemplo, dado a uma mulher, seria um desastre. Na verdade, a vida da mulher sempre foi muito difícil, tida quase sempre como propriedade de seus maridos.
 Resultado de imagem para a mulher na antiguidade
Mas por que entre 2500 a.C. e o começo do cristianismo – seja na Mesopotâmia, passando pelo Egito e chegando ao norte da África e outras regiões - existiu um número grandioso de mulheres que teve um papel importante no mundo cultural, político e social?  Por que elas deixaram de ser sujeito da história para ser objeto a partir da era cristã? A Idade Média, como se sabe, foi uma época de grande religiosidade e as três maiores religiões monoteístas deram um freio de arrumação na vida dos seres humanos. Moisés, com a sua Bíblia hebraica de trinta e seis livros, Jesus e a Bíblia cristã com setenta e três livros e Maomé, com o seu Alcorão num só livro, aporrinharam por vinte séculos a vida da mulher. Era tida como o “símbolo vivo do pecado original”. Certo, não devemos culpar os profetas, mas os seus fiéis mais exagerados. Ela não podia sair de casa, falar com estranhos, ocupar cargos, frequentar escola e o seu casamento não dependia de escolha própria, mas de seus pais. E a situação na época de Péricles não era melhor. Conta-se que, no seu último dia de vida, Sócrates estava na prisão acompanhado dos seus discípulos. De repente, surge sua mulher Xantipa, toda pesarosa e com muito amor nos olhos: - Ó Sócrates, esta é a última vez que o vejo! Você vai morrer inocente. Sócrates chama Critão e balbucia para ele com os dentes cerrados: - Que alguém a leve embora, por favor, pois do contrário ela não vai deixar ninguém conversar. Tertuliano dizia que a mulher era “A porta do diabo”. Se alguém quisesse destruir uma mulher bastava espalhar que ela mantivera relações sexuais com o diabo. Logo seria levada a uma sala de tortura na qual era obrigada a confessar tudo que tinha feito com o demônio. A Inquisição, chamada de “Santa”, era o tribunal de exceção que mandava para a fogueira essas pobres vítimas de um sistema que via a mulher não como um ser humano, mas como uma “bruxa” ou “cadela monstruosa com órgãos genitais”. Santo Tomás, na Summa contra gentiles, escreveu que a alma da mulher é uma alma inferior. O preconceito contra ela era comum no povão e nos intelectuais.
Resultado de imagem para a mulher na bíblia 
Este texto, obviamente, não vai agradar a alguns fanáticos. Algum babolorixá da beatice poderá, talvez, me dar uma aula da Bíblia cristã, do Alcorão ou mesmo da Bíblia hebraica. Os cristãos, por exemplo, vão atacar o islamismo que, tanto no seu livro sagrado como na sua literatura teológica, “discrimina e rebaixa gravemente a mulher a ponto de torná-la um objeto de propriedade”, seja do pai ou do marido.  Vão dizer, por exemplo, que a Bíblia cristã, em vários locais, valoriza a mulher, tais como: homem e mulher foram criados por Deus, à sua imagem e semelhança; homens e mulheres têm o mesmo valor para Deus; ambos se sujeitam e dominam a natureza; ambos terão domínio sobre os peixes do mar e sobre as aves dos céus, e sobre todo o animal que se move sobre a terra; ao criar a mulher, a partir de Adão, Deus declara que ambos provêm da mesma essência; o casamento, como instituição divina, implica que o homem foi feito para a mulher, assim como a mulher foi feita para o homem, e dessa forma ambos andam como uma unidade em dois corpos; a proibição da poligamia, demonstrando a igualdade; o cuidado com as viúvas, que deveriam ser amparadas e sustentadas pela igreja se não tivessem recursos; a condenação da prostituição, ao declarar que o corpo não pertence a nós mesmos, mas a Deus, e que ele é templo do Espírito Santo; a aprovação do instituto do casamento, que protege a mulher da exposição aos males sociais; a proteção da vida desde a concepção; e a proibição da pornografia, interpretada como equivalente ao adultério. Não vou discutir, até porque é perda de tempo e também porque não leio a Bíblia literalmente. O que interessa é que a mulher passou a ser figura de relevo nas relações sociais a partir da metade do século passado. E hoje, sem precisar de cota, vem ocupando de forma competente os espaços em toda atividade humana. Como diria Erasmo Carlos: Dizem que a mulher é o sexo frágil / Mas que mentira absurda / (...) Mulher! Mulher! / Na escola em que você foi ensinada / Jamais tirei um 10 / Sou forte, mas não chego aos seus pés. Viva todas as mulheres do mundo!

 Post Scriptum
A Irmã de Caridad
Resultado de imagem para irmã de caridade
Havana, Cuba, 9 de setembro de 2013, 5 horas da manhã. Saio do Meliá Cohiba e começo a correr pelo Malecon. Uma boa reta, embora a calçada seja, em alguns pontos, irregular. Passo por alguns jovens curtindo a bela e radiante manhã. 3.500 metros depois, faço o retorno até o hotel, completando uma corrida de 7 km. Encontro-me no elevador com Bosco Mendonça, companheiro de viagem, que foi logo me dizendo: - Vou tomar café com uma irmã de Caridad. Desça depois para conversarmos. Tomei banho e voltei para o restaurante. Lá, numa mesa, encontro Bosco e a irmã de Caridad. Fui apresentado e Bosco se retirou para se reabastecer do café da manhã. Comecei a conversar com a irmã, uma senhora de aproximadamente 60 anos de idade, vestida com uma roupa listrada de azul e branco, que lembrava muito um sari indiano. Fui logo tratando de assuntos religiosos. Sobre a revolução cubana e sua relação com a igreja, o motivo de as igrejas que visitei em Havana estarem sempre desertas e como Fidel enfrentou a reação da igreja católica na época da revolução. Falei sobre as religiões monoteístas, principalmente de Moisés, seu nascimento na época do faraó Ramsés II, no século XIII a.C., colocado na correnteza do Nilo dentro de uma cesta; sobre Cristo, seu nascimento em Belém, numa gruta, bem perto de Jerusalém, e sua vida e morte; e finalmente de Maomé, nascido em Meca por volta do ano 570, fundador do islamismo. Falei rapidamente sobre algumas curiosidades de Santo Agostinho, Santo Ambrósio, São Jerônimo, São Francisco, Santo Tomás e vários outros assuntos ligados à religião. Comecei a observar que alguma coisa estava errada. A nossa irmã era bastante lacônica e vez ou outra, dizia: sim, foi, foi mesmo? Interessante, mas que beleza! Não, não sabia! Depois de uns 30 minutos de conversa chegaram Bosco e Manoel Cardoso Barreto Filho, outro companheiro de viagem. Sentaram-se à mesa e eu continuei com o meu discurso sobre Cuba e a religião, a tese do “ópio do povo” quando, de repente, fui apartado por Bosco que me perguntou: - Por que você está falando com ela sobre religião? Ao que respondi: – Ora, ela não é uma irmã de caridad? E Bosco: – Porra nenhuma Clóvis! Ela é irmã de Caridad, uma amiga minha jornalista, que conheci no Brasil e hoje trabalha na TV Cubana. Parei estupefato e não sabia o que dizer com o “mico” cometido. Ela riu para mim. Não preciso falar da gozação de Barreto e Bosco até o fim da viagem em Santo Domingos, República Dominicana, onde eu fiquei e eles foram para Porto Rico.

Clóvis Barbosa escreve quinzenalmente, aos domingos.

- Publicado no Jornal da Cidade, Aracaju-SE, edição de 02 e 03 de agosto de 2015, Caderno A-7.
- Postado no Blog Primeira Mão em 06 de agosto de 2015 às 16h15min, conforme site:

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...