segunda-feira, 16 de junho de 2014
Mulheres de Atenas
Artigo Pessoal
Mulheres de Atenas
Clóvis Barbosa
Chico
Buarque e o teatrólogo Augusto Boal escreveram Mulheres de Atenas, que foi tema
musical da peça Lisa, a Mulher
Libertadora, de autoria do segundo. Não vi nem conheço a peça, mas tudo
leva a crer que trata da mesma personagem de Aristófanes, em sua comédia
satírica, burlesca, obscena, mas, sobretudo, revolucionária, de nome Lisístrata, escrita em 400 AC. A este
título, o tradutor acrescentou o termo A
greve do sexo. Voltando à peça, o apelo é feito na música a todas as
mulheres do mundo: “Mirem-se no exemplo
daquelas mulheres de Atenas. Vivem pros seus
maridos, orgulho e raça de Atenas. Quando amadas, se perfumam, se banham com
leite, se arrumam e quando fustigadas, não choram, se ajoelham, pedem,
imploram. Sofrem por seus maridos, poder e força de Atenas. Quando eles
embarcam, soldados, elas tecem longos bordados. E quando eles voltam sedentos,
querem arrancar violentos, carícias plenas, obscenas. Quando eles se entopem de
vinho, costumam buscar o carinho de outras falenas, mas, no fim da noite, aos
pedaços, quase sempre voltam pros braços de suas pequenas Helenas. Geram pros
seus maridos os novos filhos de Atenas. Elas não têm gosto ou vontade, nem
defeito nem qualidade, tem medo apenas. Não têm sonhos, só tem presságios, o
seu homem, mares naufrágios. Lindas sirenas! Temem por seus maridos, heróis e
amantes de Atenas. As jovens viúvas marcadas e as gestantes abandonadas. Não
fazem cenas, vestem-se de negro, se encolhem, se conformam e se recolhem às
suas novenas, serenas. Mirem-se no exemplo daquelas mulheres de Atenas”.
A música não fez justiça a essas mulheres.
Tudo bem que elas fossem tudo isso que foi poetizado. Acredito que até mais.
Aliás, em 1976, data do seu lançamento, houve acusações sérias a Chico, uma vez
que a letra da música seria uma ode à submissão feminina. Buarque retrucou,
justificando que a idéia era exatamente a contrária:
“Eu disse: mirem-se no exemplo daquelas mulheres que vocês vão ver no que vai
dar”. Mas me interessa aquelas mulheres atenienses, mesmo sendo ficção,
representadas pelo texto de um dos maiores dramaturgos da Grécia antiga,
Aristófanes. Através da peça “Lisístrata” ou “a greve do sexo”, usa a
abstinência sexual como fator determinante do fim de uma guerra. E quem agüenta
ficar muito tempo sem sexo? A coisa viaja à estratosfera e acaba por ganhar a
tonalidade da escuridão. Mas também, burrice tem que ser tratada com
brutalidade. Enquanto a grande ameaça para as cidades-estado gregas (Atenas e
Esparta) estampavam a bandeira Medo-Pérsio, os patetas pelejavam entre si. Foi
necessário que uma ateniense, de nome Lisístrata, conclamasse todas as mulheres
gregas a fazerem uma greve de sexo, forçando seus maridos a suspenderem a
batalha. Deu certo. Mas antes, ela teve que demonstrar todo o seu talento. Em
um diálogo com um comissário, chamado pelo Corifeu-Velho para interrogá-la
sobre a inusitada rebelião feminina, Lisístrata discursa: Trancamos as portas
da Acrópole prá dominar o tesouro. Onde está o tesouro está o poder. Sem
dinheiro não há guerra. O dinheiro que é usado na guerra, falta na paz. Por
isso a guerra é opulenta e a paz é miserável. Pisandro, o oligarca, vive
pregando mil rebeliões, e a cada uma aparece mais rico e mais potente. Pois
resolvemos acabar com isso. Nem mais uma dracma do povo será gasto na guerra.
Lisístrata teve um
trabalho árduo para colocar em prática a sua revolução sexual. Primeiro teve
que fazer uma lavagem cerebral nas mulheres, que até então viviam entornadas
nas festas de Baco, nos usuais
bacanais. Foi um trabalho diuturno de persuasão, mostrando a
necessidade de se deixar por um tempo os prazeres para se dedicarem aos
interesses da comunidade. E delas próprias, pois as ausências dos pais de seus
filhos duravam muito tempo, isso quando voltavam vivos das guerras. Pacto
fechado, perante Afrodite juraram: Eu não deixarei que nenhum homem do mundo,
marido, amante, ou mesmo amigo, se aproxime de mim de membro em riste; se for
tentada, reagirei, me transformando na própria tentação; me farei provocante,
usando minha túnica mais leve, pra que meu homem se queime no fogo do desejo,
mas jamais me entregarei a ele voluntariamente; e, se abusando da minha
fraqueza de mulher, quiser me violentar, serei fria como o gelo, não moverei um
músculo do corpo, nem mostrarei ao teto a sola das sandálias, nem o ajudarei me
botando de quatro como as leoas dos relevos assírios; e porque manterei meu
juramento, me seja permitido provar desta bebida. Todas beberam do vinho e
selaram o compromisso. A segunda parte do plano, então, foi concretizada.
Invadiram a Acrópole e expulsaram os burocratas, ocupando todo o prédio. A
terceira parte do plano era a de convencer as mulheres de Esparta, ao tempo,
também, que se livravam dos velhos e do seu Corifeu.
Ainda no diálogo
com o comissário, Lisístrata dá uma aula de política: se vocês tivessem um
pouco mais de bom senso iriam, como nós, buscar as grandes soluções nas coisas
simples. A tecelagem é uma lição política. Quando pegamos a lã bruta, o que
fazemos primeiro é tirar dela todas as impurezas. Pois faremos o mesmo com os
cidadãos, separando os maus dos bons a bastonadas, eliminando assim o refugo
humano que há em qualquer coletividade. Aí pegamos os que vivem correndo atrás
de cargos e proventos, e os classificamos como parasitas do tecido social.
O curioso na
comédia é que à época, para incentivar o crescimento da população ateniense, o
governo estimulava os cidadãos a terem vários filhos com mulheres diferentes, o
que seria crucial para as autoridades e população masculina, se a ficção tivesse
sido realidade. Mas, diferentemente das greves dos dias de hoje, essa presepada
de burgueses anticapitalistas, Lisístrata, na sua insurreição, criou o matiz da
paz. Ou para se ter amor é preciso
ter paz. Todos deveriam lê-la para entender que quem não dialoga perde. E vendo
e conhecendo Lisístrata, pensarão menos na escuridão da guerra e mais na
brancura do amar.
- Publicado no Jornal da Cidade, Aracaju-SE, edição de domingo e segunda-feira, 25
e 26 de novembro de 2012, Caderno B, página 11.
- Postado no Blog Primeira Mão, Aracaju-SE, dia 29.11.2012, 20:49:48:
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