domingo, 3 de maio de 2015
Habemus Papam
Artigo pessoal
Habemus Papam
Clóvis Barbosa
Após ser escolhido como Papa, ainda na Capela
Sistina, e lhe perguntado se aceitava a escolha, ele disse: “Eu sou um grande
pecador, confiando na misericórdia e paciência de Deus, no sofrimento,
aceito”. Logo, o cardeal protodiácono
Jean-Louis Pierre Tauran anunciou o habemus
Papam. Annuntio vobis gaudium magnun:
habemus Papam! Eminentisissimum ac Reverendissimum Dominum Georgium Marium,
Santae Romanae Ecclesiae Cardinalem Bergoglio, sibi nomen imposuit Franciscum.
A fumaça branca tomava conta da Basílica de São Pedro. O povo aplaudia e
vibrava com a notícia. A surpresa era que o cardeal Bergoglio era o primeiro
jesuíta a ser eleito Papa, o primeiro do continente americano e do hemisfério
sul e o primeiro não nascido na Europa em mais de 1.200 anos, desde São
Gregório III, nascido na Síria e que governou a Igreja Católica entre 731-741.
Fiquei curioso com a escolha e passei a acompanhar as suas palavras ainda com
muita desconfiança, embora orgulhoso da sua condição de sul-americano. Não
tinha qualquer simpatia por Bento XVI e tinha má-vontade de declinar o seu nome
na missa. Não sei, talvez não tenha bem assimilado o seu papado. A verdade é
que ele passava-me a ideia da prepotência. Mas com o Papa Francisco foi
diferente. Havia certa identidade. Assim como eu, ele tinha Fiodor Dostoievski,
autor de Crime e Castigo, como o seu
escritor preferido e imprescindível. Só faltou dizer que Fernando Pessoa era o
seu poeta de cabeceira. Aí seria demais! Mas outra faceta que o caracteriza é o
de dizer o que todo mundo já disse, mas de maneira dócil, didática, mas firme.
O seu discurso é assimilável por todos. Mas ninguém quer ouvir. Num mundo
eminentemente materialista, como o nosso, a civilidade dá cada vez mais lugar à
barbárie. O homem tem uma grande capacidade em avançar nos inventos, na
tecnologia, mas tem muita dificuldade em lutar contra a violência da fome, da
miséria, ou como ele diz: a violência que corta na carne e na alma dos
desvalidos. É preciso sempre lembrar o compromisso do homem com o próprio
homem. Se todos somos irmãos, não podemos fazer letra morta do senso que todos
devemos ter da solidariedade. A regra não pode ser a insensibilidade entre nós.
Esta, a insensibilidade, tem que ser a exceção.
A Igreja Católica sabe muito bem dos seus
erros durante a história. Erros que fulminaram o seu avanço. Ela se revela
muitas vezes em oposição à realidade. Não acompanha o avanço social e insiste
em defender teses contrárias ao que acontece diuturnamente na sociedade. O
nascimento do protestantismo, com Martinho Lutero, no século XVI, foi o marco
divisório de uma instituição que mandava sozinha como representante de Deus na
terra. Antes, o patrocínio da inquisição pela Igreja abalou completamente a sua
estrutura e tornou-se um dos atos mais abjetos que a humanidade conheceu. Foi
responsável pela morte coletiva na fogueira, em penas aplicadas pelos tribunais
públicos medievais, funcionava como corte de exceção, sempre castigando aqueles
que não rezavam pela sua cartilha. Em 1022, a igreja criou o primeiro Tribunal
Público Medieval em Orleans contra a Heresia e suas primeiras vítimas foram os
reformistas. O terror e a delação estavam na ordem do dia e as mortes na
fogueira eram inevitáveis. Os suspeitos eram perseguidos e julgados e as penas
impostas variavam desde a prisão temporária ou perpétua até a morte na
fogueira, onde os condenados eram queimados vivos em praça pública, sob os
olhares da multidão que vibravam com a cena dantesca. Esta forma de julgamento
se alastrou por toda a Europa. Muitas figuras da ciência foram perseguidas,
censuradas e até condenadas por defenderem teses e ideias contrárias à doutrina
cristã. Dois casos bastante conhecidos foram o de Galileu Galilei e Giordano
Bruno. O primeiro, astrônomo italiano que afirmava que o planeta Terra girava
ao redor do Sol, escapou por pouco da fogueira; o segundo, também cientista
italiano, não teve a mesma sorte, sendo julgado e condenado à morte por heresia
ao defender teses semelhantes, sendo queimado vivo na fogueira. Mulheres,
homossexuais, judeus, muçulmanos, reformistas, cientistas, loucos e até quem
tomava banho eram vítimas da inquisição. Até sorrir era proibido. Mas foi na
Espanha que a inquisição foi mais marcante. Autorizada por uma Bula do Papa
Sisto IV, em seis de fevereiro de 1481 seis pessoas foram queimadas vivas na
estaca. Em Sevilha, em novembro desse mesmo ano, 288 pessoas foram queimadas ao
mesmo tempo.
No momento em que o mundo acompanhou a
Jornada Mundial da Juventude, realizada
no Brasil, e que contou com a presença do Papa Francisco, dá-nos alento e
esperança o surgimento de uma nova Igreja Católica. Uma Igreja que não tem medo
de criticar os seus erros, que revaloriza a tradição popular, que questiona a
incoerência dos cristãos e de seus ministros, da defesa das pessoas que passam
fome, de quem é perseguido pela religião, pelas ideias, pela cor da pele e até
pelas opções sexuais. O mais importante, a pregação da solidariedade, tão
esquecida nos dias presentes: “Quando somos generosos acolhendo uma pessoa e
partilhamos algo com ela não ficamos mais pobres, mas enriquecemos. Quando
alguém que precisa comer bate na sua porta, vocês sempre dão um jeito de
compartilhar a comida; como diz o ditado, sempre se pode ‘colocar mais água no
feijão’.” Claro que alguns temas são ainda tabu, como as condenações do divórcio,
do aborto, da eutanásia, contraceptivos artificiais, sexo pré-marital, homossexualidade,
etc., mas, o importante é que o Papa Francisco está tendo a coragem de tirar do
armário os esqueletos que contribuem para perda de fiéis e os colocou na
antessala do debate. É revolucionária a assertiva dita no Santuário de Nossa
Senhora da Aparecida: “Sejamos luzeiros da esperança! Tenhamos uma visão
positiva sobre a realidade”. Faço minhas as palavras do cantor e compositor
inglês Elton John: O Papa Francisco é
para a Igreja Católica a melhor notícia dos últimos vários séculos. Este homem,
sozinho, foi capaz de reaproximar as pessoas dos ensinamentos de Cristo (...)
Os não católicos, como eu, se levantam para aplaudir de pé a humildade de cada
um dos seus gestos, porque Francisco é um milagre da humildade na era da
vaidade. Agora, na hora da missa, quando formos chamados a declarar
“Lembrai-vos, ó Pai, de vossa Igreja que se faz presente pelo mundo inteiro”,
vamos gritar “que ela cresça na caridade, com o papa FRANCISCO (...)”. Sim,
porque queremos um papa mais coerente com os ensinamentos de Cristo do que
apegado aos dogmas da igreja; um papa que fale a linguagem do povo. Hoje,
podemos bradar com todas as nossas forças, sem medo: Habemus Papam.
- Publicado no Jornal da Cidade, Aracaju-SE, edição de
domingo e segunda-feira, 4 e 5 de agosto de 2013, Caderno A, página 7.
- Postado no
Blog Primeira Mão, Aracaju-SE, em 5 de agosto de 2013, às 13h20min, site –
http://www.primeiramao.blog.br/post.aspx?id=6065&t=clovis-barbosa----habemus-papam
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