terça-feira, 10 de janeiro de 2017
A Copa e o Erro Proibido
Opinião Pessoal
A Copa e o Erro
Proibido
Clóvis Barbosa
Antes,
durante e pós-Copa do Mundo, deu de tudo nas redes sociais, na mídia, nas
conversas de botequim e em tudo que é lugar. A euforia ficou estabelecida no
momento da escolha do Brasil para sediá-la, em 30 de outubro de 2007, durante a
reunião do comitê executivo da FIFA em Zurique, na Suíça. Lá estavam o então presidente
Lula, o ex-técnico da seleção brasileira, Dunga, e o jogador Romário, hoje
deputado federal. Depois veio a fase das fortes críticas aos instrumentos
jurídicos criados para aceleração das construções das arenas desportivas.
Qualquer evento jurídico onde tivessem profissionais ligados ao direito
administrativo, críticas ferozes eram feitas aos órgãos do governo incumbidos
de realizar as obras. Ao mesmo tempo, os pessimistas começavam a pregar que os
estádios de futebol não seriam concluídos no prazo previsto. Veio a fase dos
chamados “ativistas sociais”, de um lado formado por pessoas de boa-fé,
comprometidas com um processo de transformação da sociedade onde a decência no
comportamento fosse a regra e a corrupção a exceção; de outro, uma alcatéia de
desordeiros que saíram para as ruas durante as manifestações munidos de martelo, paus ou pedras em punho,
rostos cobertos, vestidos de preto, destruindo tudo que encontravam pela frente.
Apedrejavam carros de luxo encontrados nas concessionárias, terminais bancários,
estilhaçavam paredes de vidro de lojas e bancos, e até partiam para o
enfrentamento com o aparelho policial. Abro um parêntese para dissecar a
filosofia desse grupo, o “Black Bloc”:
“O que nos motiva é a insatisfação com o sistema
político e econômico. Nossa sociedade vive permeada por símbolos.
Participar de um Black Bloc é fazer uso deles para quebrar preconceitos, não só
do alvo atacado, mas da ideia de vandalismo. Não há violência. Há performance. Não me sinto representado por partidos. Não sou a favor de democracia
representativa e, sim, de uma democracia direta”.
Esse depoimento de um jovem participante do grupo
conclui que “Não se trata de depredar
pelo simples prazer de quebrar ou pichar coisas, mas de atacar o símbolo
representado ali. Quando atacamos uma agência bancária, não somos ingênuos de
acreditar que estamos ajudando a falir um banco, mas tornando evidente a
insanidade do capitalismo. Política também se faz com as próprias mãos”. A
verdade, até pela juventude da nossa democracia, é que não estamos acostumados com
esse tipo de manifestação. A democracia, como já disse nesse espaço por
diversas vezes, é o regime de respeito às regras. Evidente que quando a classe
política perde a noção do seu papel enquanto agente transformador, quando o
capitalismo deixa de ser um instrumento de incentivo ao processo de
distribuição de renda, o resultado passa a ser desastroso. Os exemplos das
insatisfações que culminaram em revoluções e quedas de governos são inúmeros. A
Primavera Árabe, a partir de dezembro de 2010, na Tunísia, com a derrubada do
ditador Zine El Abidini Ben Ali,
gerou uma onda de protestos e revoluções por todos os países dessa região, como
na Líbia, Egito, Argélia, Iêmen, Marrocos, Bahrein, Síria, Jordânia e Omã. Mas
é preciso entender que a nossa realidade é diversa desses países árabes.
Vivemos hoje num estado democrático de direito. O ambientalista e escritor
americano, Derrick Jensen, um dos
críticos da civilização moderna e dos seus valores, transformou-se na voz mais afiada
contra a tática do Black Bloc. Ele
diz: “Sua antipatia contra qualquer forma
de organização que iniba sua liberdade de ação faz com que eles tentem destruir
até organizações lutando pela revolução social”. Jensen é taxativo: “Para quem
busca alcançar conquistas sociais concretas, a tática é um desserviço. Atos
gratuitos de destruição com espírito de carnaval não vão arranhar o capitalismo.
É preciso estratégia, objetivos. E certa
ética”.
Mas a
Copa do Mundo continuou produzindo um festival de incoerências e de besteiras
que assolou o país de norte a sul. Políticos frustrados com as derrotas
eleitorais começaram a disseminar ideias idiotas, como “Esta Copa foi comprada pelo Governo”. Os argentinos entraram na
onda e repetiam a frase como papagaio; grupos de ativistas ameaçavam queimar
ônibus com as delegações estrangeiras; a mídia, nacional e estrangeira,
aterrorizava os pretensos turistas com matérias sobre insegurança; as
embaixadas e consulados emitiam circulares para os seus países disseminando o
perigo e o caos, com elaboração de cartilhas de comportamento para aqueles que
teimosamente desejassem comparecer ao evento no Brasil; as redes sociais, a
cada minuto, apregoavam o insucesso da Copa por conta da nossa desorganização e
falta de estrutura nos aeroportos, no transporte coletivo e nas áreas de acesso
aos estádios. Enfim, criou-se uma ciranda de milhares e milhares de torcedores
anti-Copa. Alguns por interesses políticos com o objetivo de desestabilizar o
governo em ano eleitoral; outros, por ignorância, acompanhando a onda ou por
simples anarquia, invocando o lema, Hay
gobierno, soy contra. Até a Igreja, através do arcebispo de Salvador, Dom
Murilo Krieger, referindo-se aos gastos, declarou que “sediar uma Copa do Mundo ou uma Olimpíada é coisa para país rico”. Mas
a Copa começou e, à proporção das vitórias do Brasil e da espetacularidade do
evento, esses movimentos começaram a se quedar diante da realidade. Tudo
funcionou a contento. Um jornalista do Financial
Times, Simon Kuber, disse que “Pelo
menos fora do campo, o Brasil ganhou a Copa do Mundo. Para nós, estrangeiros,
tudo parece ter funcionado bem”. E como funcionou! Pesquisa do Datafolha com estrangeiros, dizia que
95% gostaram da hospitalidade; 83% elogiaram a organização e 82% sentiram-se
seguros. E ainda: 30 bilhões de reais foram injetados na economia durante a
Copa.
Uma
nova onda de dúvida surgiu durante o jogo do Brasil com a Colômbia nas redes
sociais, no lance em que envolveu o lateral Zúñiga,
da Colômbia, e o nosso Neymar. Não
seria o caso do jogador colombiano sair do campo preso, em flagrante delito,
pela prática de lesão corporal de natureza grave? Não, e explico: Em tese, o
jogador colombiano praticara o crime, pois Neymar
ficaria por mais de 30 dias impossibilitado de exercer a sua atividade. Ocorre
que no desporto há o risco permitido e o risco proibido. No primeiro, quando da
disputa da bola, o jogador atinge o adversário; no segundo, o atleta deixa a
bola de lado e atinge diretamente seu oponente. Mesmo ocorrendo a prática do
erro proibido, há um princípio na ciência criminal denominado subsidiariedade, ou seja, quando outros
ramos do direito tratam do assunto e é considerado suficiente, a aplicação do
Código Penal fica afastada. No caso, devem ser aplicadas as sanções do direito
desportivo, tanto para Zúñiga, como
para Suarez, do Uruguai, que mordeu o
seu adversário. Por fim, erraram os que
apostavam no caos, no trágico, na desordem. Tudo deu certo, até o erro proibido.
- Publicado no Jornal da Cidade, edição de domingo, 20 de julho de 2014, Caderno
A-7.
- Postado no Blog Primeira Mão em 20 de julho de 2014, domingo, às 10h48min, sítio:
http://www.primeiramao.blog.br/post.aspx?id=7790&t=a-copa-e-o-erro-proibido
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