quarta-feira, 7 de junho de 2017
O Profeta do Absurdo
Opinião pessoal
O profeta do
absurdo
Clóvis Barbosa
Volto a Albert Camus, romancista,
dramaturgo e filósofo. Nasceu na Argélia em 1913, mas, aos 27 anos, em plena
eclosão da Segunda Guerra Mundial, irresignado com o processo de perseguição
imposto pelo governo francês a então colônia argelina, foi morar em Paris e
depois em Lyon. Com a França totalmente tomada pela Alemanha, retornou à
Argélia. Mas, logo depois, voltou a Paris. Era 1942 e duas obras já o
consagravam como um grande literato das letras francesas: O Estrangeiro e O Mito de
Sísifo. Outras obras vieram: Estado
de Sítio, peça em três atos; O Homem
Revoltado; Núpcias, O Verão; Reflexões sobre a Pena Capital; A Queda; e O Exílio e o Reino, dentre outras. Após a sua morte, em 1960, foi
publicado O Primeiro Homem, livro que
estava inacabado e que aborda aspectos biográficos de sua infância pobre, da
morte de seu pai e do afeto que distinguia a sua relação com a mãe semisurda e
analfabeta. O conjunto de sua obra fez
com que ele fosse agraciado em 1957 com o prêmio Nobel de Literatura. No mais,
Camus se tornou um dos mais respeitados pensadores do século XX. Enfim,
biscoito fino da literatura mundial. Camus foi um preocupado com a existência
humana e a sua vida absurda diante de um mundo igualmente absurdo e irracional. Em O
Mito de Sísifo, ele questiona a importância de se responder “se a vida vale
a pena ser vivida”. A história de Sísifo está descrita na mitologia
grega. Era um pastor de ovelhas e filho de Éolo, o deus dos ventos. Fez uma
série de estripulias, inclusive a de dedurar Zeus. O resultado é que a sua vida
enrolada fez com que ele fosse condenado a repetir sempre a mesma tarefa, ou
seja, deveria empurrar uma gigantesca pedra até o topo de uma montanha. Depois
desse esforço a pedra se lhe soltaria e voltava a rolar morro abaixo. No dia
seguinte o processo se repetia e assim seria até o fim de sua vida. Pagou caro
pela sua esperteza em fugir da morte da qual fora condenado e da tentativa de
enganar os deuses. Mas, qual o princípio que se encerra neste exemplo
mitológico na obra citada de Camus? A vida, o cotidiano, a repetição dos atos
no dia-a-dia, a busca ou não do supérfluo, o desencanto, a falta de
expectativas, enfim, a rotina diária sem sentido, quase sempre imposta pela
religião ou mesmo pelo sistema capitalista de produção.
O Mito de Sísifo está
organizado em quatro capítulos: 1 – Um
absurdo raciocínio; 2 – O absurdo do homem; 3- Criação do absurdo; e 4 – O mito
de Sísifo. Camus, mais uma vez,
trata da sua chamada filosofia do absurdo, já vista em outras obras de sua
autoria. Descreve que parte de nossa vida é alicerçada na esperança do amanhã.
Só que o mundo é contraditório, pois, entre os desejos da razão humana está a
insensatez. As várias formas do absurdo são mostradas na obra, culminando com
uma frase lapidar ao ser indagado se a realização do absurdo exige uma tomada
de posição de pôr fim à vida através do suicídio. Ele responde que não, “O que
exige é revolta”. Tanto a obra de Camus quanto a mitologia nos leva à reflexão
da razão da vida humana. Mas, se ela é isto que aí está, ou seja, a busca
incessante pela felicidade, pela eternidade, pelo inútil esforço de parar o
tempo para permanecer sempre jovem, no credo de que o infortúnio e a morte
serão sempre problemas de outrem, não resta a menor dúvida que a vida é um
absurdo. Daí vem a revolta, ou como denuncia Camus, “o movimento de revolta
apoia-se ao mesmo tempo na recusa categórica de uma intromissão julgada
intolerável e na certeza confusa de um direito efetivo, ou mais exatamente, na
impressão do revoltado de que ele tem o direito de...”. É a partir daí a sua
afirmativa, de que “só existe um problema filosófico realmente sério: o
suicídio”. Ora, se a vida é um absurdo, o suicídio seria uma solução para o
absurdo da vida? A vida seria sem sentido, como pensava o jovem Werther (Os
Sofrimentos do Jovem Werther), de Goeth, onde “cada vez mais se torna uma
certeza que a existência de um ser humano tem muito pouca importância”? Enfim,
temos a oportunidade de fazer várias reflexões sobre o sentido da vida. O Prof.
Carlos Hugo Honorato da Silva, mestre em filosofia pela UFPB, pesquisador das
obras de Kierkegaard, em ensaio denominado “Camus e a Questão do Suicídio”, faz
as seguintes indagações: Há uma lógica na existência de um indivíduo? A
existência e sua finitude podem ser entendidas logicamente? A vida tem sentido
e, se tem, qual? Será que realmente é necessário um sentido à vida para ser
vivida? Pois bem, o grande desafio é procurar respostas a essas perguntas.
A literatura
psicanalítica ou psicológica classifica o comportamento suicida em três
categorias: a ideação, a tentativa e o suicídio propriamente dito. Há uma
perfeita concatenação entre esses três comportamentos. Na ideação, os
pensamentos e o desejo da morte. Isto leva à tentativa e, posteriormente, ao
ato próprio do suicídio. Recentemente tivemos dois suicídios que abalaram o
mundo: o do ator Robin Williams, encontrado morto aos 63 anos em sua casa no
dia 11 de agosto, na cidade de San Francisco, Estados Unidos, enforcado com um
cinto; e o da cantora americana Simone Battle, do grupo G.R.L., em sua casa, em
Hollywood, no Condado de Los Angeles, no último dia 5. O que os levaram ao
suicídio? Williams, um dia antes de sua morte, conversou com um amigo sobre
projetos e acordos futuros para sua carreira. A única observação negativa que o
amigo fazia era que ele, Robin, estava infeliz como de costume, mas isso não
era algo incomum. Uma nova versão surgia sobre a possibilidade da influência do
remédio que ele tomava contra o Mal de Parkinson. Um dos efeitos colaterais era
o suicídio. E Simone Battle que não tinha um motivo plausível para enforcar-se?
Todos elogiavam o seu comportamento expansivo e solidário. E o nosso querido
ator Walmor Chagas que morreu no início de 2013? Ele foi encontrado sentado na
copa de sua casa, morto por um tiro disparado contra a sua própria cabeça.
Walmor tinha 82 anos e vivia retirado numa fazenda em Guaratinguetá, interior
paulista. Gostava de conversar sobre assuntos filosóficos. A um amigo que
sempre o visitava fazia reflexões sobre a morte. “Era um cético convicto”,
disse o amigo. - “Para ele, a morte era realmente o fim”. Interessante! Em
2004, Walmor Chagas escreveu e levou ao palco o seu último espetáculo teatral,
“Um Homem Indignado”. O monólogo fala de ator veterano que faz reflexões sobre enfermidades
sociais e desesperança com a própria condição de velhice. Desesperançoso com a
vida vivida, mata-se. Seria uma alusão ao absurdo da vida? A monotonia e as
incompreensões levaram aquele personagem a entregar-se ao suicídio na busca da
liberdade? E se o absurdo é algo inexplicável, como diria Camus, a morte, no
caso, foi a solução?
Evidente que
Camus não defende o suicídio como solução para o absurdo da vida. Ao contrário,
diante dessa situação de conflito, o homem deve enxergar novos caminhos,
valorizando-se e criando novos sonhos, buscando novas alternativas de vida. A
liberdade, como diz Camus, não está somente no suicídio, mas na sedimentação de
uma consciência de que devemos sempre lutar contra a monotonia de uma vida
rotineira. É preciso construir uma nova forma de vida consciente. O indivíduo
tem que aprender a conviver com choques, traumas, catástrofes e com o absurdo
da vida. A resposta de Camus, portanto, diante do conflito do absurdo da vida, é
saber lidar e aprender a renovar-se em cada situação. O caso de Sísifo, embora
paradoxal, é o exemplo típico. A vida, como se vê, é uma diuturna escolha entre
o subjugar-se ao cotidiano e o aprendizado de se libertar para uma vida
alternativa. À propósito, se Albert Camus foi o profeta do absurdo, não é que a
sua morte teve um quê de absurdo? Ele morreu em 1960, em acidente de automóvel,
na estrada que liga Sens a Paris. Quatro pessoas viajavam no carro e só ele
morreu. No seu bolso, encontrou-se uma passagem de trem para o mesmo percurso
naquele mesmo dia, 4 de janeiro. Fez a escolha de última hora. Errada. Por isso
morreu. A vida é um absurdo.
Clóvis Barbosa escreve aos
domingos, quinzenalmente.
- Publicado no Jornal da Cidade,
Aracaju-SE, edição de domingo e segunda-feira, 14 e 15 de setembro de 2014,
Caderno A-7.
- Postado
no Blog Primeira Mão, em 14 de
setembro de 2014, às 15h28min, conforme sítio:
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