Aracaju/Se,

sexta-feira, 26 de janeiro de 2018

Eu, Caçador de Mim

Opinião Pessoal
Eu, Caçador de Mim
Clóvis Barbosa



Por tanto amor
Por tanta emoção
A vida me fez assim
Doce ou atroz
Manso ou feroz
Eu, caçador de mim

Vinícius de Moraes tinha razão sobre a vida. Aliás, ninguém viveu tão intensamente como ele. A vida não é brincadeira! A vida é pra valer, porque são muitos os perigos desta vida. Se você tem uma vida retilínea, baseado na decência, sempre procurando manter um comportamento ético, não se preocupe que vai ter que enfrentar, aqui ou ali, em determinado momento, os tiros de fuzis da maldade humana. E se você tiver posição crítica sobre determinados assuntos, não sendo daqueles que nunca se aproximam dos extremos, esqueça os fuzis e prepare-se para as balas de canhão. Evidente que uma crítica, mesmo dura, até injusta, desprovida de má fé, não é motivo para se abalar. Mas aquela desferida sem qualquer razão, mas motivada pelo ódio ou pela inveja, mesmo sendo doentia do ponto de vista psicanalítico, essa dói pela injustiça que traz. Certa vez, levado pela paixão futebolística, cometi uma injustiça com um cidadão, juiz de futebol, de nome Antônio Góes, que também era sargento do exército. Após o jogo do meu clube (eu era cartola), sendo entrevistado por uma emissora de rádio, para justificar os supostos erros de arbitragem, disse: “o que esperar de um homem que foi torturador durante a ditadura militar?”. Ele foi humilde e me procurou para informar que nunca foi torturador e que eu tinha cometido uma injustiça. Eu fui soberbo e todos os seus sinônimos, arrogante, orgulhoso, vaidoso e presunçoso. Mas aquilo se incrustou em minha alma, como uma ferida que não cicatrizava. Há pouco tempo, soube que Antônio Góes nunca foi torturador, mas um militar digno, um exemplar cidadão e que eu havia o confundido com outro seu colega de farda, também juiz de futebol. A minha máscara caiu. Como eu vou reparar a dor que infligi na alma dessa pessoa? Sim, porque a injustiça dói na alma do injustiçado. Mas também dói na de quem a praticou equivocadamente. Eu estou pedindo perdão, publicamente, a Antônio Góes, e ficaria feliz se ele aceitasse.
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Preso a canções
Entregue a paixões
Que nunca tiveram fim
Vou me encontrar
Longe do meu lugar
Eu, caçador de mim.

Obra: História Política de Sergipe, VII volume, 1982-1990, de Ariosvaldo Figueiredo, edição de 1996, Gráfica Editora J Andrade, páginas 338/339: “o processo de revalorização dos reacionários, golpistas e fascistas, ora em expansão na Universidade Federal de Sergipe, tem seu ponto culminante com a homenagem a José Aloísio de Campos, servidor da classe dominante, membro da reacionária ARENA, partido oficial, defensor do Golpe de 31/3/1964. Depois de José Aloísio de Campos, que dá seu nome ao ‘campus’, é a vez do Arcebispo de Aracaju, D. Luciano José Cabral Duarte, estrela da primeira grandeza da quartelada de 31/3/1964, querem dar seu nome à Biblioteca Central da Universidade Federal de Sergipe (UFS). Tudo, como convém à mentalidade autoritária, é feito de cima para baixo. A iniciativa da homenagem, decidida por unanimidade, é do Centro de Educação e Ciências Humanas, presidido pela provinciana Joelina Souza Menezes, borboleta ideológica que, desde que leve vantagem, pousa em qualquer flor. Dia 13/5/1991 o Conselho Universitário, sob a presidência do Reitor Clodoaldo de Alencar Filho, presentes (...), Bel. Clóvis Barbosa de Melo”. E continua, adiante: “... A verdade é que os membros do Conselho Universitário (CONSU) dizem amém, baixam as cabeças e as nádegas, homenageiam o fascismo, antigo e aceito, do Arcebispo Dom Luciano José Cabral Duarte. Por fraqueza cultural e moral os ‘esquerdistas’ Clóvis Barbosa de Melo, do Partido Socialista, Neilza Barreto de Oliveira, do Partido dos Trabalhadores (PT) e José Paulino da Silva, da apelidada ‘Igreja progressista’, três carreiristas fichados, estão entre os maiores defensores da homenagem ao fascista Luciano José Cabral Duarte”. O pau na minha moleira foi injusto e demonstra a ignorância do articulista. Eu era procurador da UFS e estava nessas reuniões como mero assessor do Reitor para dirimir qualquer dúvida de ordem regimental ou legal. Nas reuniões do CONSU o procurador não se envolve no mérito das discussões.
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Nada a temer senão o correr da luta
Nada a fazer senão esquecer o medo
Abrir o peito à força, numa procura,
Fugir às armadilhas da mata escura.

Entendo que a mais branda punição que pode ser destinada a um ato injusto é a indiferença e o desprezo ao seu autor. Mas nem sempre, principalmente quando ela vem carregada de ódio e é fomentada por uma vindita. No caso de Ariosvaldo Figueiredo, em um requerimento onde pleiteava na Universidade a percepção de vencimentos atrasados, opinei pelo indeferimento em virtude das provas contrárias à sua pretensão contidas no processo. Ele era implacável com as pessoas eleitas como inimigas. Basta ler a referida obra.

Em outro caso, estava eu presidindo a seccional de Sergipe da Ordem dos Advogados do Brasil. A imprensa denunciava quase que diariamente a morte de menores. O aparelho policial do Estado sempre justificava os assassinatos como uma suposta disputa de pontos de vendas de drogas entre traficantes ou, como era chamada na época, a “guerra da maconha”. Muitas mortes ocorreram, num total aproximado de 140 menores. Aquilo me deixou um pouco desconfiado até com a falta de lógica nas justificativas da polícia. Primeiro, em sua maioria, as vítimas eram crianças; segundo, o crime era sempre praticado da mesma forma, com armas de fogo e quase sempre marcado com uma cruz na testa do menor; terceiro, repentinamente, Sergipe passava a ser a capital da venda de drogas do País, fato desconhecido na época pela própria Polícia Federal, a quem também cabia a repressão do tráfico; e quarto, os traficantes seriam menores. Não dava para engolir tanta incongruência. A OAB passou a investigar e conseguiu detectar – após a ouvida de testemunhos, anexação de documentos e denúncias de agentes policiais – a existência de um “esquadrão da morte” no Estado, e o que é pior, com participantes da própria polícia civil. O caso foi denunciado na imprensa local, nacional e internacional e a repercussão foi muito grande. Pronto! A minha vida transformou-se num inferno com as ameaças diuturnamente recebidas. Mas fui em frente, inclusive dando nome aos principais denunciados do esquema de matança indiscriminada de menores. O principal suspeito, orientado pela cúpula da Secretaria de Segurança Pública, concedeu entrevista a jornais de Aracaju. Além de negar o seu envolvimento em qualquer tipo de violência contra menores, partiu para o ataque e me fez algumas acusações graves, registradas no Jornal da Cidade, Caderno Local, edição de 3 de março de 1990, pág. 7.
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Longe se vai
Sonhando demais
Mas onde se chega assim
Vou descobrir
O que me faz sentir
Eu, caçador de mim.

A primeira acusação: “Mostrando-se tranquilo, o policial fez questão de ressaltar o assassinato das manequins Rosa Estelita e Patrícia Cunha, fato ocorrido em agosto de 89. Nessa época, disse ele, fui procurado por Clóvis Barbosa, para que os policiais que prenderam os autores dos dois crimes facilitassem a liberação dos mesmos. Como não caí no papo dele estou sendo perseguido por Clóvis até hoje”. Na Gazeta de Sergipe, edição de 4 e 5 de março de 1990, pág. 7, em nova entrevista, além de repetir a acusação anterior, está registrado: “O agente disse que não sabe as razões das acusações de Clóvis contra ele e assegurou que foi seu vizinho durante 10 anos e ‘o conhecia muito bem, inclusive da forma como ele maltratava os seus familiares’”. As acusações maltrataram a minha alma, mas não podia perder a razão, até porque entendia que na história do “esquadrão da morte” ele era incentivado por setores importantes do aparelho policial de então. Por outro lado, tinha a minha consciência tranquila sobre as acusações, pois jamais mantive contato com o meu acusador sobre qualquer assunto e sempre nutri um excelente relacionamento com a minha família. Mas, o tempo é o senhor da razão. Na primeira acusação, eu tinha sido advogado dos suspeitos da morte das duas jovens, na fase ainda policial. Sempre tive a convicção da inocência de ambos, mas a polícia, a todo momento, apresentava provas falsas da participação dos mesmos e essa atitude tinha o apoio do magistrado responsável pelo processo. Falei com a família dos acusados e a orientei no sentido de contratar um criminalista e me afastei do processo. Em junho de 1990, o caso foi resolvido com a prisão de dois policiais que confessaram a autoria dos crimes. Em novembro de 1990, a imprensa anunciava o desbaratamento do chamado “esquadrão da morte”, com a prisão de vários policiais, dentre os quais o meu acusador. Pois bem, sabe-se que toda injustiça precisa ser superada para que não se torne um sofrimento que corrói a alma. Naquela que pratiquei, procuro aqui me redimir. Nas que sofri, procuro perdoar. Eu, caçador de mim.

- Publicado no Jornal da Cidade, Aracaju-SE, edição de 7 a 9 de dezembro de 2014, Caderno A-7.

- Postado no Blog Primeira Mão, Aracaju-SE, em 7 de dezembro de 2014, às 11h12min, site:
http://www.primeiramao.blog.br/post.aspx?id=8584&t=eu,-cacador-de-mim

- Fotos: Google

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