Aracaju/Se,

domingo, 25 de março de 2018

Operação Lava Jato e a Teoria dos Jogos



Opinião pessoal

Operação Lava Jato
e a Teoria dos Jogos
Clóvis Barbosa
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Lamentavelmente, a corrupção tornou-se, no Brasil, regra. A decência, por sua vez, passou a ser exceção. A cada dia que passa, descobrem-se novos escândalos que sempre têm como vítima o erário ou a sociedade, esta a principal responsável pela manutenção do sistema através dos seus impostos. E o interessante é que a própria sociedade também dá a sua contribuição ao processo corruptivo quando busca privilégios à custa do dinheiro público. Há um pacto de mediocridade firmado entre os diversos atores sociais, sejam de origem pública ou privada. Agentes públicos servem de despachantes para os interesses privados que, por seu turno, engordam as contas particulares daqueles servidores em ilhas fiscais espalhadas pelo mundo. Com a Operação Lava Jato, um segmento empresarial que sempre desfilou à margem dos grandes escândalos começa a ser desmascarado: as empreiteiras. A sua participação na corrupção não é coisa nova em nosso país. O grande jornalista Samuel Wainer, na sua obra autobiográfica Minha Razão de Viver - Memórias de um Repórter, já alertava a sociedade brasileira sobre a promiscuidade existente entre as construtoras e o poder público: “Nos anos 50, os barões do café foram substituídos pelos grandes empreiteiros. (...) Com a cumplicidade da imprensa, seria sempre mais fácil, também, receber do governo – um mau pagador crônico – o dinheiro a que tinham direito pelas obras executadas. Feitas tais constatações, logo se forjaram sociedades semiclandestinas bastante rentáveis”. Adiante, Wainer continua: “O esquema era simples. Quando se anunciava alguma obra pública, o que valia não era a concorrência. Todas as concorrências vinham com cartas marcadas, funcionavam como mera fachada. Valiam, isto sim, entendimentos prévios entre o governo e os empreiteiros, dos quais saía o nome da empresa que deveria ser contemplada na concorrência. Feito o acerto, os próprios empreiteiros forjavam a proposta que deveria ser apresentada pelo escolhido. Era sempre uma boa proposta. Os demais apresentavam propostas cujas cifras estavam muito acima do desejável, e tudo chegava a bom termo. Naturalmente, as empresas beneficiadas retribuíam a boa vontade do governo com generosas doações, sempre clandestinas”.
Resultado de imagem para FCPA – Foreign Corrupt Practices Act
O Brasil ainda engatinha no processo de criação de mecanismos que tenham como objetivo frear a corrupção dos segmentos empresariais. Nos EUA, desde 1977, há uma legislação dura, o chamado FCPA – Foreign Corrupt Practices Act, onde se tenta moralizar as práticas comerciais das empresas norte-americanas. A grande constatação foi a de que a debilidade das fiscalizações por parte das instituições de controle era a grande responsável pelo aumento das práticas de atos ilícitos. O FCPA começou a atuar e grandes empresas americanas e multinacionais foram punidas severamente pela prática de corrupção desenfreada dentro dos EUA e em outros países. Alguns casos são emblemáticos. Foi descoberto, por exemplo, que a poderosa Siemens mantinha uma “contabilidade paralela”, com a qual se pagava, em vários países, subornos de bilhões de dólares para obtenção de benefícios para a empresa. A partir do momento em que a Siemens passou a ter ações na Bolsa de Nova York, automaticamente ficou subordinada à legislação americana. Daí veio o processo e a decisão, onde a empresa alemã teve que pagar uma multa de 395 milhões de euros ao Ministério Público de Munique, uma multa de 450 milhões de dólares ao Departamento de Justiça (DOJ) e um confisco de 350 milhões de dólares dos seus lucros à SEC – Securities and Exchange Comission, ambos dos EUA. Uma curiosidade é que o direito federal norte-americano prevê, nas chamadas Sentencing Guidelines, duas atenuantes para a criminalidade corporativa: uma, é o “confessar” e “cooperar” com as investigações levadas a efeito pelas autoridades; outra, é a de ter programa de compliance no momento em que foram praticados os fatos delituosos, ou seja, um conjunto de regras estabelecidas no âmbito interno das empresas para prevenir o cometimento de ilícitos ligados à corrupção. A Johnnie Walker, assim como outras empresas, foi incursa no FCPA pelo pagamento de altas propinas a funcionários dos governos da Índia, Tailândia e Coréia do Sul, através das suas subsidiárias, para obter vantagens lucrativas. O resultado é que teve de pagar mais de 16 milhões de dólares em multas. No Brasil, a legislação anticorrupção vem cada vez mais se aprimorando, combinada com a vontade de uma militância briosa e combatente de jovens juízes, promotores de Justiça e procuradores da República.
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No direito brasileiro, as estratégias de prevenção e repressão da criminalidade empresarial têm sido incrementadas a partir do avanço das legislações sobre a matéria, algumas permitindo atenuações de penas e até mesmo extinção da punibilidade ou perdão judicial, quando ocorrer colaboração premiada. A advocacia vem criticando a delação premiada como uma prática que impinge ao cidadão uma série de atrocidades. Sou originário da advocacia e não entendo assim. Se a corrupção utiliza-se de elementos cada vez mais sofisticados na consecução dos seus fins ilícitos, é natural que a sociedade procure também utilizar-se de mecanismos modernos e cada vez mais ágeis em defesa do erário. E uma das saídas é aquela oferecida pela teoria dos jogos e, mais especificamente, pelo jogo cognominado “dilema do prisioneiro” (prisioner’s dilemma), inspirado no equilíbrio de Nash. John Nash, Nobel da economia em 1994, professor de matemática da Princeton University, criou uma doutrina segundo a qual a impossibilidade de o jogador mudar sua estratégia, unilateralmente, sem prejuízo, estabeleceria um equilíbrio tal a ponto de o jogador só vencer com a vitória dos demais. A esse tipo de jogo, convencionou-se chamar jogo de soma diferente de zero. No jogo de soma zero, um jogador só vence quando o outro perde: jogador A (+1), jogador B (-1). No jogo de soma diferente de zero, um jogador só vence quando o outro ou os outros também vencem: jogador A (+1), jogador B (+1) etc. O erário, nesse jogo, não tem interesse em soma zero. Ele não pode perder: nem ele, nem os órgãos de repressão e, muito menos, a sociedade. Só há uma escapatória: aplicar o “dilema do prisioneiro”. Como assim? Imagine-se que o sistema prendeu A e B, mas não tinha provas para condená-los. Assim, o sistema joga com eles, obrigando-os a jogar entre si. É dito para ambos: (1) se você confessar e seu parceiro silenciar, ele será condenado e você beneficiado; (2) se vocês dois silenciarem, serão apenados igualmente; (3) se, afinal, ambos depuserem contra o parceiro, cada um será apenado sem os benefícios da lei. Acontece que um não sabe o que o outro fará. Vale dizer, o jogo é jogado na expectativa de que o outro pense como você: amavelmente, como se diz na teoria dos jogos.
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Elementar que para a investigação é fundamental Teoria dos Jogos, hoje também usada na economia, antropologia e biologia, além, é claro, nas ciências sociais, sempre buscando um resultado. No caso da Operação Lava Jato a sua aplicação tem contribuído para a descoberta de um dos maiores escândalos de corrupção da história do país, envolvendo empreiteiras, servidores de alto escalão da Petrobrás e políticos. E o grande mérito desse momento histórico que vive o país é, justamente, o fato de a justiça criminal brasileira, como bem diz o professor Luiz Flávio Gomes, sair do modelo conflitivo para entrar no modelo consensual. E o uso da Teoria dos Jogos é o instrumento capaz de incentivar a delação, pois quem assim o faz tem muito a ganhar. E ganha também a sociedade e o erário com a possibilidade de punições e de ressarcimento das quantias desviadas. Os instrumentos capazes de revolucionar a justiça criminal brasileira estão principalmente em duas Leis: a de n° 12.850, de 2013, que define organização criminosa e dispõe sobre a investigação criminal, os meios de obtenção da prova, infrações penais correlatas e o procedimento criminal; e a de n° 9.807, de 1999, que estabelece normas para a organização e a manutenção de programas especiais de proteção a vítimas e a testemunhas ameaçadas, institui o Programa Federal de Assistência a Vítimas e a Testemunhas Ameaçadas e dispõe sobre a proteção de acusados ou condenados que tenham voluntariamente prestado efetiva colaboração à investigação policial e ao processo criminal. Oxalá que esse momento histórico sirva para reverter o quadro de indecência que vive o país. E que os componentes da honestidade, como conceituado por Cícero, se insiram em todos os brasileiros, mormente os administradores públicos, eleitos ou concursados: sabedoria, magnanimidade, justiça e decoro. Rui, em discurso no Senado Federal, disse que “De tanto ver triunfar as nulidades; de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça. De tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar-se da virtude, a rir-se da honra e a ter vergonha de ser honesto”. Esse é o nosso grande desafio, fazer da decência a regra.


- Publicado no Jornal da Cidade, Aracaju-SE, edição de domingo e segunda-feira, 18 e 19 de janeiro de 2015, Caderno A-7.

- Postado no Blog Primeira Mão, em 18 de janeiro de 2015, às 15h19min, conforme site:


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