sexta-feira, 8 de agosto de 2014
Governabilidade e Hipocrisia
Artigo pessoal
Governabilidade
e hipocrisia
Clóvis Barbosa
Charles-Louis de Secondat, ou simplesmente
Montesquieu, viveu na França de 1869 a 1755. Consagrou-se como um grande
ideólogo da sociologia política, mais precisamente pela sua Teoria da Separação
dos Poderes que influenciou a Revolução Francesa e as modernas constituições
dos países do mundo. Ele viveu numa época em que reinava o absolutismo, onde a
vontade do governante se dizia emanar do poder divino. Um de seus expoentes
chegou a enunciar a celebre a frase L’Etat
c’est moi (O Estado sou eu, supostamente atribuída a Luiz XIV, monarca
polêmico, um dos últimos representantes do poder absoluto). Em sua Teoria sobre
a necessidade de um sistema de freios e contrapesos entre os poderes
constituídos, Montesquieu afirma que “(...) tudo estaria perdido se o mesmo homem ou o mesmo corpo dos
principais ou dos nobres, ou do povo, exercesse esses três poderes: o de fazer
leis, o de executar as resoluções públicas, e o de julgar os crimes ou as
divergências dos indivíduos”. Portanto, é essa experiência do absolutismo e
a desconfiança com os magistrados do rei que deram causa ao surgimento de uma
política de consolidação do Estado de Direito, da supremacia das leis sobre os
indivíduos (“rule of law”) e da eficácia
de um sistema de “checks and balances”.
Mas não se iludam com Mostesquieu! Este, contudo, nobre de origem, nunca
admitiu a idéia de o povo assumir o
poder, nunca foi um revolucionário. Longe disso, era, digamos, um defensor da aristocracia liberal e, se vivesse
nos dias de hoje no Brasil, Lula seria
alvo de severas críticas por parte dele.
A priori, Montesquieu defendia a divisão
do poder em três funções: A função de administração e
execução das leis no âmbito do território e concentrado nas mãos do monarca ou
regente (na república brasileira, por exemplo, presidente, governador ou
prefeito) capitaneada pelo Poder Executivo; a segunda função seria responsável
pela elaboração das leis e fiscalização de seu cumprimento, sendo exercida pelo
Poder Legislativo, que
tinha em sua configuração embrionária a divisão em duas casas: a Câmara dos
Lordes, indicados pelo rei, representando a aristocracia, e a Câmara dos
Comuns, de representantes eleitos pelo povo, tendo inspiração do parlamento
inglês. E por último a função judicial
com atribuição precípua de dizer o direito nos casos concretos e em ultima
análise, representado pelo Poder Judiciário. Essas ideias, constantes em
sua obra político-jurídica, “L’Esprit de Lois”, foram absorvidas pela Revolução
Francesa e pela Constituição americana, vindo influenciar os Estados Modernos.
Mas, fixemos-nos no Poder Legislativo, que detém a função de
fiscalizar os outros poderes, de votar leis orçamentárias e até de julgar o
presidente da República ou o monarca e os próprios membros do Parlamento.
Efetivamente, essa função legislativa de fiscalizar o respeito às leis
aprovadas, historicamente nunca foi exercida pelo Poder Legislativo.
Atualmente, nossa Constituição estabeleceu mecanismos de controle e
fiscalização cada vez mais diversificados e dotando órgãos com atribuições
eminentemente fiscalizatórias.
O Ministério Público, o Tribunal de Contas, e os
Órgãos de controle interno dos entes, têm tido um papel de destaque na
fiscalização dos gastos públicos e tem servido, inclusive, como instrumentos de
um próprio Poder, pois encerram uma visão contemporânea da teoria de Montesquieu,
a função de Controle. É comum ver membros do Poder Legislativo afirmarem
que farão denuncias sobre prática de ato ímprobo de algum gestor ao Ministério
Público! Ora, ele abdica da atribuição e outorga a outro órgão a função de
Fiscalizar, que é sua e do Poder ao qual está vinculado. Por outro lado, a
função legislativa principal também vem sendo negligenciada, tendo uma atuação
muito limitada, e que na maioria das vezes se resume na apreciação dos projetos
de leis advindas dos outros poderes, sem haver efetiva discussão. Mas o que
incomoda mesmo é outro papel que tem ocupado as pautas do legislativo que
queremos abordar: o da Governabilidade do Executivo. Esse tal presidencialismo
de coalizão, repetido no âmbito dos Estados! Como fica um governo que não tem
maioria parlamentar? Como ele vai aprovar os seus projetos que, em tese, foram
discutidos com os eleitores durante o período eleitoral? Quais as ferramentas
de persuasão ele terá para fazer o enfrentamento ao bloco de poder formado
pelos parlamentares? Quem partiu para o
enfrentamento no passado perderam: Almeida Lima, enquanto Prefeito de Aracaju,
quase é impichado pela Câmara; Collor, na presidência da República o foi; e
Marcelo Deda, governador atual de Sergipe, não aprova nada na Assembléia
Legislativa, nem um projeto de empréstimo.
A necessidade de
governabilidade expõe sobremaneira as relações institucionais entre o
Legislativo e o Executivo, deixando este refém daquele! Barganha-se tudo!
Loteia-se cargos e benesses junto aos órgãos, em nome da tão propalada e
necessária Governabilidade. Mas o que fazer? Como combater essa prática que é
ignóbil, sem dúvida, mas que condiciona existência de um governo que quer
beneficiar a sociedade. A AP 470, recentemente julgada pelo STF nos mostrou
como é vexatório esse sistema que corrói a imagem das instituições e fragiliza a sistemática republicana, tendo inclusive
repercussão no mundo jurídico, onde aquela Excelsa Corte atropelou
entendimentos constitucionais dos réus em nome duma moralidade aparente! De uma
“verdade” sabida, segundo alguns, mas não bastante provada.
Márcio
Thomas Bastos é advogado. Foi Ministro da Justiça no governo Lula.
Recentemente, numa entrevista dada ao Consultor
Jurídico, criticou a "tendência a tornar relativo o valor da prova
necessária à condenação criminal" e sustenta que, "quando juízes se
deixam influenciar pela 'presunção de culpabilidade', são tentados a aceitar
apenas 'indícios', no lugar de prova concreta (...) como se coubesse à defesa
provar a inocência do réu!", afirma. O que desponta muito claro é que
o Brasil ainda não atingiu o patamar educacional de países como a França,
Inglaterra e até a nossa vizinha Argentina, contudo, não se pode deixar de
reconhecer a existência nele de uma péssima realidade ética. O Brasil não é a
Suíça. Temos um sistema político arcaico e viciado. Enquanto as regras do jogo
não forem alteradas, novos mensalões surgirão pelo país afora. Pensar o
contrário é mera hipocrisia. Aliás, seria bom que todos se mirassem no exemplo
da vereadora de Maceió, Heloísa Helena, que durante a posse do prefeito da
cidade, Rui Palmeira, no dia 1º deste ano de 2013, disse para o empossado: “Tudo o que for bom para Maceió, o senhor não
precisa me ligar. Vai ter o meu apoio. Sem cobrar propina ou nenhum tipo de
acordo. Não vou correr o risco de prevaricar no cargo”.
1. Publicado no Jornal da Cidade,
Aracaju-SE, edição de domingo e segunda-feira, 6 e 7 de janeiro de 2013,
Caderno B, página 9.
2. Postado no Blog Primeira Mão em 6 de janeiro de 2013, às 21:18:31.
Acesso: http://www.primeiramao.blog.br/post.aspx?id=5026&t=clovis-barbosa---governabilidade-e-hipocrisia
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