segunda-feira, 20 de outubro de 2014
O Jumento Nosso Irmão
Artigo Pessoal
O jumento nosso
irmão
Clóvis
Barbosa
Burrice e estupidez! São sinônimas ou irmãs gêmeas?
Segundo os dicionários, estupidez é a característica de quem é estúpido, sem
discernimento ou senso. Também tido como sinônimo, no interior do Brasil, de
grande indelicadeza, descortesia, incivilidade e grosseria; a burrice é tida
como condição de quem é burro, de ausência de inteligência. Evidente que ambos
se confundem, pois a burrice é de uma enormidade descabida, porque além da
estupidez do ato praticado, ela vem aliada à falta de inteligência. Albert Einstein já disse que duas coisas são
infinitas: o universo e a estupidez humana. Mas, no que respeita ao universo,
acentua, ainda não adquiri a certeza absoluta. Certa vez, um jornalista
estúpido afirmou que um texto não presta quando obriga o leitor a consultar um
dicionário. Mas deixando de lado esse disparate, esqueceu-se o mesmo que
dicionários, às vezes, contém conceitos estúpidos. Por exemplo, a maioria
deles, senão todos, dão à palavra “jumento” o significado de “indivíduo sem
inteligência”. Puta que pariu meu louro (!) - diria um soteropolitano do
Tororó. E é justificável tal admiração. Para não dizer, uma grande injustiça. O jumento, todos nós sabemos, é um animal santo. Não foi num jumento que
Cristo entrou na cidade de Jerusalém? E quem foi que salvou a vida do profeta
Balaão? Claro, um jumento, ou melhor, uma jumenta. O episódio está na Bíblia no
Livro dos Números. Capítulo 22. A história passa pelo pavor do povo moabita,
governado por Balac, filho de Sefor (os nomes bíblicos são escatológicos) aos
israelitas que haviam acampado do outro lado do rio Jordão, na altura de
Jericó. Diz o quarto livro do Pentateuco que o acovardadão Balac, tendo
conhecimento da fragorosa derrota que os judeus haviam imposto aos amorreus,
resolveu contratar o profeta Balaão para amaldiçoar Israel. Balaão, após uma
inicial recalcitrância, aceitou a proposta, montou na jumenta e encaminhou-se
ao acampamento judaico para fazer a bruxaria.
Na verdade,
Balaão recebeu a reprovação de Deus que não queria ver um povo abençoado – os
judeus, serem amaldiçoados. Pois bem, no caminho, contudo, um anjo mandado pelo
Senhor, de espada em punho, surgiu para lhe barrar a passagem, pois a divindade
jamais iria admitir que seu povo sucumbisse diante de uma nação apóstata.
Sucede que Balaão não pôde ver o anjo. Mas a jumenta viu. Até nisso os jumentos
são melhores do que os homens: enxergam mais. Daí, como a jumenta parou
assustada, Balaão começou a espancá-la. Consequentemente, e diante de tamanha
injustiça com a jeguinha, Deus fez como que ela falasse. Falou. E falou para
repreender Balaão. Nisso também os jumentos são melhores do que os homens: na
capacidade de dar conselhos. Balaão, incrivelmente, foi persuadido pela jumenta
a não seguir; do contrário, morreria nas mãos do anjo. Ora, na Bíblia, uma
jumenta persuadiu um profeta. Como seria bom se a jumenta de Balaão ainda
estivesse viva para dar aula de comportamento a algumas pessoas, principalmente
a setores da esquerda brasileira durante a visita da blogueira cubana Yoani
Sánchez. Uma presença insignificante e que poderia passar despercebida foi
transformada numa pop star. Aliás, só
vi sonsice e malandragem nessa moça, principalmente em Feira de Santana, quando
pediram a ela que assinasse um manifesto contra os 50 anos de bloqueio
econômico dos EUA a Cuba e libertação de 5 conterrâneos dela, presos nos EUA. Ela se recusou a assinar. Este é o retrato dessa “patriota” fajuta cujo
endeusamento teve o dedo da nossa esquerda
estúpida. Mas como dito acima, burrice e estupidez andam de mãos juntas.
Não é que a direita também se envolveu no endeusamento da blogueira! Claro, a
seu favor e batendo boca com a esquerda. No Rio de Janeiro, um deputado,
sergipano por sinal, serviu de guia turístico da visitante, levando a mesma à tiracolo
para conhecer os points da Cidade
Maravilhosa.
Antes que me
esqueça: Sabem quem pagou as despesas dela no Rio? A Comissão de Turismo da
Câmara dos Deputados, que atendeu pedido do deputado bajulador, que é membro da
dita Comissão. Ou melhor, quem pagou foi, mais uma vez, o contribuinte. E o
festival de burrice e estupidez patrocinado por políticos da esquerda e direita
fez com que a visita da patriota de araque se tornasse a notícia mais veiculada
nos órgãos de imprensa, ultrapassando, inclusive, a renúncia do Papa Bento XVI.
Aliás, li em algum lugar que um cientista renomado do Reino Unido, em
entrevista a uma TV britânica, disse que a burrice é uma doença genética, e que
deveria ser tratada. Acredito que também seja contagiosa. Mas, por favor, não
associem a burrice ao jumento. Otto Lara Resende, em crônica publicada na Folha
de São Paulo, em 06.04.1992, fala de um grande defensor do jumento, o padre
cearense de Várzea Alegre, região do Cariri, Antônio Vieira, que pugnava pelo fim da sua matança, diante da sacralidade do animalzinho.
Sua obra principal é “O jumento nosso irmão”, de 1964. Mas o padre não
parou por aí. Fundou o clube mundial dos jumentos. Para adquirir a carteirinha
de sócio, explica Otto, o indivíduo deveria “reconhecer a própria burrice”. A
evolução seria natural. Admitido na confraria, o novo associado faria um
juramento: “até ontem fui burro; a partir de hoje, sou jumento”. A obra do
padre foi traduzida para o inglês: “The
donkey, our brother”. Mas para assimilar que o ato de burrice da esquerda
brasileira no caso Yoani Sánchez, não será necessário ler nenhum texto em
inglês. Basta saber português, ainda que sem dicionário. Afinal de contas, não
é preciso exigir tanto. O título não é de doutor, mas de jumento. No mais, é
pura jumentalidade, ou melhor, burrice. Não é lícito, numa situação de brutal
clareza acadêmica, ofender o jumento. O jumento é sábio, diferentemente do
burro, espírito menos evoluído, espécie ancestral, estado arquetípico outorgado
àqueles que ainda não fizeram o juramento dos sócios honorários do clube
internacional do jumento.
Post Scriptum. O
anjo de Hamburgo
Hoje,
3 de março, completam dois anos da morte dessa extraordinária brasileira,
nascida no interior do Paraná e que ficou conhecida como “O anjo de Hamburgo”.
Aracy Moebius de Carvalho, nome de solteira, e Aracy Carvalho Guimarães Rosa,
de casada. O seu nome está escrito no Jardim dos “Justos entre as Nações”, no
Museu do Holocausto (Yad Vashem) em Israel e no de Washington (EUA). Dona
Aracy, como era conhecida, trabalhou no Consulado do Brasil em Hamburgo,
Alemanha, onde conheceu o escritor Guimarães Rosa e com ele se casou. Salvou
judeus na Alemanha nazista, enfrentou as leis anti-semitas do Estado Novo e
escondeu perseguidos políticos durante a ditadura militar brasileira, como
intelectuais, artistas compositores, músicos, como Geraldo Vandré. O livro de
Guimarães Rosa, “Grande Sertão: Veredas”, lançado em 1956, foi dedicada a ela.
Quando morreu aos 102 anos, em São Paulo, sofria do mal de Alzheimer. A sua
história e seus feitos deveriam ser ensinados nas escolas. Uma mulher que
merece eternas homenagens, uma heroína, uma verdadeira cidadã do mundo. Esta,
sim, foi uma grande mulher.
- Publicado no Jornal da
Cidade, Aracaju-SE, edição de domingo e segunda-feira, 3 e 4 de março de
2013, Caderno B, página 5.
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