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domingo, 4 de janeiro de 2015

A morte de God (=Thomaz Bastos)

Artigo pessoal

Com orgulho, publico, abaixo, artigo de Carlos Alberto Menezes, um dos mais brilhantes advogados criminalistas de Sergipe. Doutor em Direito Penal pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Carlos Alberto saiu do meu escritório de advocacia para estudar e iniciar a sua vida acadêmica, primeiro no Curso de Mestrado e depois no de Doutorado. Uma conversa de sessenta minutos com ele, sem qualquer exagero, equivale à leitura de um clássico da filosofia. Com ele, você sempre aprende e nunca deixa de refletir. Ele é um dos meus grandes amigos, como o foi em vida o personagem abordado em seu artigo, Márcio Thomaz Bastos. Este artigo foi publicado no semanário Cinform, logo após a morte de Márcio.


A morte de God
[=Thomaz Bastos]
Carlos Alberto Menezes
Publico muito pouco na imprensa. A causa disso talvez seja carência de motivação. A motivação surgiu semana passada. Recebi uma ligação de Jozailto Lima (diretor deste jornal). Ele queria um artigo com o tema da morte de Márcio Thomas Bastos. Thomas Bastos era advogado criminalista e teve forte militância na OAB. Eu também mexo com o direito criminal (como professor e advogado) e militei naquela instituição.  Tal semelhança deve ter orientado a encomenda feita pelo jornalista. Aceitei a tarefa. Depois disso, meu problema consistiu em definir sob que aspecto o tema seria abordado. Afinal, a mídia do país (grandes jornais do Sul, revistas semanais, televisão, internet, etc.) explorou-o na forma que a ocasião exige, a do epitáfio. O epitáfio é o elogio póstumo.  Assim, dele foi dito que fora o maior advogado criminal de seu tempo, criador de novos talentos [teria formado a elite da advocacia nacional], arquiteto do novo desenho da Polícia Federal, avalista do nome de muitos Ministros do STF, enfim, um profissional carismático, cuja luz irradiava algo de divino, tanto que muitos colegas chamavam-no de God [=Deus].
 
Bastos não precisa mais de elogios. Já foi alvo de incessantes celebrações na passarela onde desfilou pela vida. Com efeito, o termo ‘passarela’ é a metáfora que associo à advocacia criminal. Neste domínio, Bastos foi intenso, mas pagou caro por isso. Morreu aos 79 anos. (Meu pai também morreu nessa idade. Na ocasião, eu estava em São Paulo. Fazia o doutorado. Meu professor orientador era Dirceu de Mello. Lembro da pergunta que ele fez ao me encontrar num corredor da PUC: qual é mesmo a idade de seu pai?  Quando respondi que tinha 79 anos, ele, um pouco assustado, reagiu: mas é muito cedo para morrer! Bem, o Dirceu estava com 80 anos, já tinha sido Presidente do Tribunal de Justiça do Estado e naqueles dias disputava, em eleição direta, o cargo de Reitor daquela Universidade.) Morreu num leito do Sírio-libanês. Mas, mesmo ali, embora à procura de cura, despachava com sua equipe, orientando-a, definindo estratégias na busca de saídas para o rolo de seus novos clientes, o pessoal capturado na operação lava-jato.
Seu sucesso tinha origem aí, nesse convulsivo desejo de vencer que era a marca de seu perfil. Claro que a vontade é uma força (no sentido nietzschiano), mas como tal enfrenta outras forças, por exemplo, a da polícia, do Ministério Público, para não falar dos traidores ou inimigos em geral.  De qualquer modo venceu muito mais do que perdeu. A derrota que deve ter lhe machucado mais foi a do mensalão. Consta que confessava para os amigos mais próximos seu desencanto com algumas figuras do STF. Sua confissão, no entanto, tinha o propósito de buscar alívio. Ninguém suporta carregar sozinho o peso das mágoas adquiridas no cotidiano da experiência profissional. Muito menos o advogado criminalista. Sua responsabilidade é colossal. O sentimento de desamparo da clientela cria em torno dele expectativas que, às vezes, beiram ao delírio. Bastos deve ter comido o pão que o diabo amassou quando ouvia os acordes da linguagem atrevida de Lula, reclamando do que aconteceu no julgamento do mensalão. É difícil para clientes a compreensão de que o compromisso do advogado é somente com o princípio do desempenho e não com o princípio do resultado. Mas a turma do crime, em grande parte, é assim mesmo. Nunca se emancipa e, tal como as crianças, não conseguem se separar do mundo mágico da fantasia.
O autor
Carlos Alberto Menezes
      

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