Um mérito parlamentar para um comunista
domingo, 18 de janeiro de 2015
Doña Sara de La Mancha
Artigo pessoal
Doña Sara de la Mancha
Clóvis Barbosa
Interessante,
a minha vida foi marcada por etapas. Sempre vivi intensamente esses momentos.
Fui inteiro em tudo que fiz. Nada fiz pela metade, mas me dediquei
completamente àquilo que propunha fazer e vivenciar. Assim foi com o cinema.
Rodei toda Salvador e subúrbios, na década de 1960, do século passado, atrás de
um filme em que meus ídolos trabalhavam. Os cinemas do Centro: Guarany (hoje Glauber Rocha), Tamoyo, Art, Excelsior, Liceu, Popular, Santo Antônio, Pax, Aliança,
Jandaia, Tupy; os dos bairros: Amparo,
no Engenho Velho de Brotas, São Caetano,
no Largo do Tanque, Liberdade (depois
São Jorge) e Brasil, na Liberdade, Bonfim, na Calçada, Roma, no Largo do mesmo nome, além de cinemas localizados em
Plataforma e Periperi. Levado pelo meu irmão mais velho Cristovam, aos 10 anos
passei a ser um negociante de gibis. Comecei com 10 revistas e cheguei a ter
mais de 600. O meu ponto de troca e venda dessas revistas era o cinema Santo
Antônio, na Rua São Francisco, entre a Igreja de São Francisco, no Terreiro, e
uma rua estreita que saía da Baixa dos Sapateiros em direção ao viaduto da Sé,
onde, aos sábados à tarde, a procura pelos seus filmes era enorme, pois além de
exibir os clássicos do western, eram
apresentados seriados do Super-Homem, Batman, Roy Rogers, Rock Lane, Capitão Marvel. No
final de um seriado, numa cena de perigo para o mocinho, o filme era
interrompido com a frase “volte na
próxima semana”. Tempos bons onde a inocência preponderava e a maldade era
uma mera exceção.
Meus
ídolos masculinos preferidos eram Burt Lancaster e Tony Curtis. Claro que
gostava de outros, mas desses não perdia um filme. De Lancaster, nunca me esqueço
de Brutalidade, A filha da pecadora, O homem
de bronze, O pirata sangrento, O gavião e a flecha, Pecadora dos mares do sul, A um passo da eternidade, onde ele
contracena com Debora Kerr, Vera Cruz,
A rosa tatuada, Trapézio, Sem lei e sem alma,
e O mar é nosso túmulo, foram alguns
dos filmes em que ele atuou e que assisti nessa época. Depois, li que ele era
ativista político e participava das marchas de Martin Luther King. A minha
admiração por ele aumentou. De Tony Curtis, lembro-me de Spartacus, Trapézio, Quanto mais quente melhor, Acorrentados, O homem que odiava as mulheres, Houdini,
o homem miraculoso, Taras Bulba, Só ficou a saudade e tantos outros. Das
mulheres, Rita Hayworth (nunca houve uma mulher como ela), que apareceu divina
em Gilda e em Quando os deuses amam; Ingrid Bergman, linda sueca que emocionou
toda uma geração com a sua beleza e sensualidade. Guardo na minha memória e na
minha estante os filmes Casa Blanca e
Por quem os sinos dobram. Essa etapa
da minha vida tinha passado, contudo, nas minhas recordações, sonhava com esses
momentos de iniciação para a vida, onde tudo era mágico e fascinante. Fernando
Pessoa dizia mais ou menos que há nos olhos humanos, ainda que litográficos,
uma coisa terrível: o aviso inevitável da consciência, o grito clandestino de
haver alma. Se for assim, a minha alma guarda com muita saudade esse tempo de
sonho e emoção.
Pois
bem, estava quieto em meu canto quando, de repente, tomo conhecimento da morte
em Madri, no dia 8 deste mês de abril, uma segunda-feira, de Sarita Montiel,
cujo nome de batismo era Maria Antônia Alejandra Vicenta Elpidia Isidora Abad
Fernández. Pronto, as lembranças do passado retornaram numa velocidade de
trem-bala. Sara ou Sarita era de uma
beleza ímpar e bastante sensual. Nunca me esqueço de quando assisti umas dez
vezes um filme onde ela cantava e seu peito arfava por cima de uma blusa dando
a impressão que a qualquer momento o pano se rasgaria e apareceria aos nossos
olhos aqueles seios tão desejados. Na minha santa fantasia, achava que a blusa
não iria suportar a força do canto daquela música que muito puxava pelo peito.
Atriz, tendo conquistado Hollywood através de vários filmes em que participou
com os mais destacados atores. Trabalhou ao lado de James Dean, Gary Cooper,
Marlon Brando, Burt Lancaster, Maurice Ronet, Charles Bronson, Rod Steiger.
Quem não se lembra de Vera Cruz, um
clássico do cinema americano, de Robert Aldrich, onde ela tem uma atuação de
destaque? Don Quixote de la Mancha, Eu não creio nos homens, Serenata, La Violetera, Carmen de la
ronda e Meu último tango, foi
alguns de seus filmes que vi. Gravou
muitos discos, mas a sua interpretação das músicas Fumando espero, besame mucho
e Contigo aprendi, são inesquecíveis.
Dedicou-se, também, ao teatro e vários foram os musicais que encantavam o
público. A televisão foi também seu ambiente, tendo feito dois programas de
muito sucesso na Espanha.
Um de seus últimos espetáculos foi o musical 'Doña Sara
de la Mancha', cuja estréia foi no Teatro Auditório da cidade onde ela nasceu.
Durante a turnê por toda a Espanha, ela registrou a sua satisfação em conectar
com a sua gente, através do canto que a consagrou no cinema e na música. Sarita
morreu aos 85 anos de idade. É difícil a gente acreditar. Na nossa memória, ela
nunca chegou a essa idade. Aliás, como disse Rui Castro numa crônica na FSP,
quatro dias após esse infausto acontecimento, “Sarita, 85? Que mentira. Ela nunca passou dos 31, 32 – quando sua
beleza siderava as plateias em filmes como “A Última Canção, La Violetera e Carmen
de Ronda”.
Post Scriptum
Um mérito parlamentar para um comunista
Um mérito parlamentar para um comunista
No próximo dia 6 de maio de 2013, o
ex-vereador Marcélio Bonfim vai receber a Medalha da Ordem do Mérito
Parlamentar outorgada pela Assembleia Legislativa do Estado de Sergipe, por
indicação do deputado Garibalde Mendonça. Antes de ser uma homenagem ao velho
camarada, isoladamente, que dedicou grande parte de sua vida à luta por uma
sociedade justa e igualitária, a comenda é, também, uma homenagem aos
comunistas sergipanos, muitos deles já mortos, mas que deram a sua alma pelo
socialismo. Conheci Marcélio na minha mocidade quando cheguei a Sergipe e pelas
suas mãos ingressei no partidão e no partido dos trabalhadores. Tinha um
respeito muito grande pelo “velho”, como carinhosamente era chamado. Admirava a
sua capacidade de organização, a sua disciplina e seu amor à causa comunista.
Convivemos juntos muito tempo. Ele foi preso várias vezes, torturado e
processado pelos órgãos de repressão da ditadura militar, nunca renegando a sua
militância e sempre procurando resguardar os seus companheiros das garras da
opressão. Ao saber dessa notícia, sinto-me também homenageado e, nesse momento,
estou sentindo muito a falta de velhos companheiros. O que mais queria era
tirar essas pessoas do sono eterno para abraçá-los.
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Publicado no Jornal da Cidade, Aracaju-SE, edição de domingo e
segunda-feira, 28 e 29 de abril de 2013, Caderno B, página 11.
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Postado no Blog Primeira Mão, Aracaju-SE, domingo, dia 28 de abril de 2013, domingo, às 16:03:46, site:
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