Aracaju/Se,

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015

Avenida Paulista

Artigo pessoal

Avenida Paulista
Clóvis Barbosa

Peguei um taxi no aeroporto de Congonhas em direção ao Hotel Caesar Business, na Avenida Paulista, próximo à estação metroviária da Consolação. No início da Paulista a via foi interditada. Tinha uma passeata de professores da rede estadual de ensino. Resultado: um trecho que não daria mais de 10 minutos para chegar ao destino, durou duas horas pelas ruas transversais. Reclamações e xingamentos dos mais diversos contra os professores e o governo. Consegui chegar à Consolação, no outro lado da pista do hotel, mas, qual nada, quem disse que os grevistas deixavam fazer o retorno após o túnel. Mais uma vez, o táxi teve de ir em direção das Clínicas para fazer o retorno a uns 8 km.  Putz! Finalmente cheguei ao hotel. Mas não é assim hoje? Os grevistas do serviço público estão pouco se lixando para a população. O princípio de que o seu direito termina quando o meu começa foi transformado em conversa pra boi dormir. Também! Pra que é que serve o otário do contribuinte? Não é pra pagar pela farra do assembleísmo e do corporativismo de certas categorias? Eu já fiz greve e a primeira coisa que se fazia era escolher uma comissão de propaganda e relação com a população. Era preciso ganhar o apoio popular antes, no decorrer da greve e depois. Ah! A greve é um direito da classe trabalhadora! Está na Constituição! - Alto lá! É um direito do servidor público e dos empregados das estatais. Alguém já viu categorias da iniciativa privada em greve? Tudo bem, diria-se, a bancária. Sim, mas veja a diferença. Avisam com antecedência, prepara a população e quase sempre angaria simpatia. Se for verdade que a greve é um direito com previsão constitucional, também é verdade que quase 25 anos após a promulgação da Carta de 1988, o direito de greve no serviço público não foi regulamentado. E se não o foi, não é autoaplicável. Na democracia, eu só tenho direito de agir até onde eu não prejudique ninguém e pronto.


O professor Norberto Bobbio escreveu um pequeno opúsculo, chamado “O Futuro da Democracia – Uma defesa das regras do jogo”, onde ele alerta que o respeito às normas e às instituições da democracia é o primeiro e mais importante passo para a renovação progressiva da sociedade, inclusive em direção a uma possível reorganização socialista. O respeito a quem não pensa como nós, a quem não compartilha dos mesmos propósitos, é conditio sine qua non para começar a pensar democraticamente. A democracia não é o progresso de alguns em detrimento  a outros, mas o de todos com ajuda de todos. Sabe-se que a democracia é um regime por realizar-se. Não está acabado. Afinal, nós, brasileiros, após a República, não tivemos tempo de emplacar o modelo por muito tempo. Os períodos autoritários representados pelo Estado novo e pela ditadura militar obstaram qualquer possibilidade de avanço. Tudo bem que a democracia, do ponto de vista filosófico, para além de ser uma forma de governo é a procura da vida em comum. Mas, se é assim, é bom saber e entender que nossas atitudes não podem ferir ou ofender o próximo por qualquer motivo. Aliás, já se disse que uma sociedade democrática, paradoxalmente, é “uma sociedade de iguais que são diferentes”. Por outro lado, frise-se, com letras garrafais, que não se quer aqui cercear o direito de greve, mas ele não é incompatível com o respeito ao direito de outrem. Daí porque é interessante conhecer um espaço de quase 3 km que se tornou um dos pontos mais característicos da cidade de São Paulo: a Avenida Paulista. Confesso que adoro percorrê-la de cabo a rabo, indo pelo lado direito e voltando pelo esquerdo. Nas idas e vindas, adentrando as livrarias, a Martins Freitas e a Cultura. Indo ao MASP, passando pelo Parque Trianon: em plena selva de pedra surge uma área verde remanescente da Mata Atlântica, que resplandece, dando um glamour sem igual à artéria.
Sigo adiante. Conjunto Nacional, prédio da FIESP, Instituto Pasteur, Casa das Rosas, Hospital Santa Catarina, bancos, restaurantes, consulados da África do Sul, Argentina, Líbano, Mônaco, Japão, Suíça, República Dominicana, Síria, Itália, França e outros países, hotéis, Colégios, as estações metroviárias da Consolação, do Trianon-MASP, do Brigadeiro Luiz Antônio, e o vai-e-vem constante de pessoas, pelos seus calçadões formatados por um desenho preto e branco. A minha relação com a Avenida Paulista desta vez foi diferente. Quis conhecê-la a noite. O vai-e-vem de pessoas não pára e adentra a madrugada. Guetos são formados por toda a avenida. Grupos de rock, cantores de rua, músicos, boêmios, mendigos, garotos de programa, prostitutas, travestis, casais apaixonados, heterossexuais ou homossexuais, os bares sempre cheios. O calçadão do Banco Safra reúne gente de todos os lugares. Faz frio. De repente, preguiçosamente, o dia amanhece e nova paisagem surge. É domingo. Uma feira de antiguidades é montada no vão livre do Museu de Arte de São Paulo, o MASP. Os ciclistas começam a surgir pelo canteiro central entre a Bela Cintra e a Rua da Consolação. Pedalam lentamente vivenciando a poesia que encerra o logradouro ícone de um povo. São Paulo é uma cidade fascinante. Qualquer evento, marcado para qualquer hora do dia ou da noite tem público. Lembro-me da presença da nossa Orquestra Sinfônica no espaço da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, a FIESP, em 2008, em plena Avenida Paulista. O espetáculo estava marcado para o meio-dia de um domingo. Auditório repleto. Ingressos esgotados e muita gente de fora pleiteando uma nova apresentação. A democracia vive extenuamente na Avenida Paulista com todas as tribos perfilando e se respeitando. Os espaços são ocupados sem a necessidade de prejudicar o outro. O fascínio da Avenida Paulista é justamente pela forma plural que recebe a todos.

- Publicado no Jornal da Cidade, Aracaju-SE, edição de domingo e segunda-feira, 15 e 16 de maio de 2013, Caderno A-7.
- Postado no Blog Primeira Mão, Aracaju-SE, em 13 de maio de 2013, segunda-feira, às 00:39:09 –
http://www.primeiramao.blog.br/post.aspx?id=5688&t=avenida-paulista

2 comentários:

  1. Somente um deslumbrado de terras alhures e subdesenvolvidas seria capaz de tamanha carga reacionária contra movimentos criados na terra da garoa. Não fosse Sampa, o chicote (que talvez lhe agrade sobremaneira, pelo lugar de onde vem) correria solto e as greves nunca ocorreriam. Já há bastantes representantes da burguesia bem feita de S. Paulo, balofa e arrogantemente egoísta e por isso, não precisa a cidade de mais gente assim, desta com sotaque macio das brisas do atlântico norte. Caetano ao menos foi elegante, o que não se pode dizer de vossa prepotência.

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    1. O que fala mal das terras alheias é muito reacionário. cada um com a sua cultura e o seu modo de viver. São Paulo foi construída com o trabalho de nordestinos. Discordar de qualquer opinião emitida é salutar, porém simplesmente condenar o ato de reflexão sobre determinado assunto, sim, é falta de decência intelectual, arrogante e reacionário. leia sobre o direito de livre expressão. Voltaire, por exemplo. (Alberto Magalhães)

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