domingo, 19 de abril de 2015
E a democracia, como vai?
Opinião pessoal
E a democracia, como vai?
Clóvis Barbosa
Em 13 de janeiro de 1898 começou a
circular no jornal parisiense “L’aurore”, a primeira de uma série de cartas
endereçadas ao então Presidente da República, onde o articulista e consagrado escritor Émile
Zola, fazia a defesa do capitão Alfred Dreyfus, que
havia sido condenado à degradação militar e à deportação perpétua num reduto fortificado,
na ilha do Diabo, Guiana Francesa. O crime tido como praticado pelo militar
teria sido o de traição à pátria. Não vou contar essa história, até porque
todos a conhecem. Faço registro que o aludido jornal tinha como um de seus
baluartes o estadista e jornalista francês Georges Benjamin Clemenceau, também
conhecido como “o tigre”. Foi um político destemido, atuante, de força
discursiva invejável, irreverente, e bastante firme na defesa de seus ideais.
Estava como Primeiro-Ministro no fim da Primeira
Guerra Mundial quando da conferência de paz de Paris, que culminou com o “Tratado de Versalhes”.
Pois bem, Dizia Clemenceau que, em matéria
de
desonestidade, a diferença entre o regime democrático e a ditadura é a mesma
que separa a chaga que corrói as carnes, por fora, e o invisível tumor que
devasta os órgãos por dentro. Para ele, as chagas democráticas curam-se ao sol
da publicidade, com o cautério da opinião livre; ao passo que os cânceres profundos
das ditaduras apodrecem internamente o corpo social e são por isto mesmo muito
mais grave. Em outras palavras, na democracia, é muito mais fácil detectar o submundo
da corrupção e as suas influências nefastas. Essa lição do líder político francês é mais uma
tentativa de explicar a importância da preservação do Estado de Direito
Democrático. Somente quem viveu durante o período autoritário pode avaliar as consequências e os males sofridos. As experiências do Brasil (1937-1945
e 1964-1985), Portugal (1926-1933 e 1933-1974) e Espanha (1939-1976), para não
falar em outras, atestam como é restringido o
exercício da cidadania e como se dá a repressão aos movimentos de oposição,
quase sempre com violência. Para se ter ideia, basta ver o grau de
desenvolvimento e melhoria das condições de vida após a redemocratização nos
três países citados.
Para Aristóteles e Platão, os tiranos
são ditadores que ganham o controle social e político despótico pelo uso da
força e da fraude. A intimidação, o terror e o desrespeito às liberdades civis
estão entre os métodos usados para conquistar e manter o poder. Se a ditadura é
o regime de desrespeito às leis, às instituições e às liberdades civis, a
democracia, ao contrário, faz o caminho inverso: o respeito às normas e às
instituições é o mais importante passo para a solidificação de uma sociedade
que tende a avançar no campo da civilidade, da solidariedade e do respeito
mútuo. Claro que sei que a democracia não é um regime inerte, mas dinâmico,
sempre estando em transformação. Como diz Bobbio, “o estar em transformação é
seu estado natural”. Sei, também, que a democracia não goza no momento de ótima
saúde, como, é bem verdade, sempre está em ebulição. Mas isso faz com que,
todos aqueles que tenham compromisso com a sua preservação, com seu avanço, da
busca do seu aperfeiçoamento, estabeleçam canais de reflexão com os setores da
sociedade que ignoram que é preciso respeitar as regras do jogo.
Não se pode varrer para debaixo do
tapete a crise que vive a nossa democracia representativa. A classe política
precisa repensar o seu comportamento. A instituição partidária não respeita a
vontade da maioria, mas a de sua cúpula, e na maioria dos casos o que prevalece
é aquilo que é determinado pelo seu dono. Sim, pelo dono do partido político. É
preciso entender que há um desencanto com os resultados apresentados pela
representação política. O mundo econômico, sempre ávido pelo lucro fácil, pela
concentração de riqueza e pela manutenção dos seus privilégios, acha que nada
tem a ver com o processo de sedimentação do processo democrático.
O corporativismo desenfreado, sempre em busca de melhoria de suas condições de
sobrevivência, dá, também, a sua contribuição e, o que é pior, de forma
atabalhoada, não importando se está desgostando ou não a quem quer que seja.
Enfim, todos querem ter razão e fazem da manipulação das palavras o seu tacape,
que muitas vezes volta-se contra ele próprio. E transformam em realidade a
máxima de Millor Fernandes, que conceitua:
“Democracia é quando eu mando em você. Ditadura é quando você manda em mim”.
A quem interessa, pois, a instauração do caos.
Sabemos que a democracia não é um regime acabado. A tensão é permanente, pois
todos querem manter os seus interesses, mas não pode ser a qualquer custo. Não
se chegará a lugar nenhum sem o estabelecimento de critérios éticos. A decência
é que tem que ser a regra, e não a corrupção. Não se pode deixar que a crise do
processo democrático se aprofunde, porque a continuar esse desequilíbrio, todos
vão perder. Para o bem de todos, é preciso que haja preponderância da “razão dialógica”,
de que nos fala Jurgen Habermas, na sua obra Modernidade versus Pós-Modernidade. Para ele, o último grande racionalista,
a razão crítica de Adorno cede campo para a “razão dialógica”, onde a linguagem
e a argumentação preponderam. Mas não basta a intenção. As armas devem ser
deixadas em casa. O argumento é o que deve prevalecer, enfim, a razão
dialógica. Dizia Winston Churchill, premier inglês, que a democracia é a pior
forma de governo, exceto todas as outras que têm sido tentadas de tempos em
tempos.
Celso Antônio
Bandeira de Mello, um dos maiores juristas do nosso País, recentemente falou
numa revista especializada em direito. E lá pras tantas, resolveu filosofar
sobre as relações humanas. Disse: “O fato de ser racional não faz o homem
diferente dos animais que vivem em manada, que têm uma cabeça que guia e os
outros vão atrás. Na sociedade humana é igual, há os que pensam, e eles são
poucos; os outros parecem que pensam, mas não pensam, repete. Eles não têm
coragem de pensar. O mundo tem que ser assim, alguns pensam e os outros acompanham
o pensamento. Nós vivemos um momento em que é a escória que pensa, que dirige.
Mas claro que sempre existem seres notáveis que lutam contra a escória e dizem
o que deve ser feito. São seres humanos maravilhosos”.
POST SCRIPTUM
Opinião dos Leitores
Este artigo foi publicado aqui no Jornal da Cidade, edição de 19 e 20 de agosto de 2012. Está sendo
republicado a pedidos e mais precisamente pelos fatos recentes ocorridos no
Brasil com o chamado “Grito das Ruas”. Recebemos as seguintes observações: De MAS (Brasília-DF): O artigo explica de forma
interessante o estado de Direito Democrático que vem sendo violentado
por atitudes fascistas que ainda convivemos, como: limpar as ruas dos pobres
(Alckmin em São Paulo e o Governo do Rio de Janeiro), internação compulsória
para o crack (Governo de São Paulo), a cura Gay sendo discutida no Congresso e,
recentemente a fúria dos médicos em não aceitar colegas estrangeiros no nosso
país. Parabéns!!! De DF (Salvador-BA): Esse artigo é o reflexo dos dias que
vivemos... Parabéns pelo texto. De BM (Aracaju-SE): Gostei bastante do artigo e me surpreendi
com a sua atualidade. Nem parece ser da safra de 2012, aliás, ótima safra, da
qual surge, inesperadamente, um produto bem equilibrado, onde sabor e aroma se
completam, mas nem sequer ousam o protagonismo. O seu artigo me trouxe a lembrança
do comentário de J.F. Kennedy quando visitou a Alemanha então dividida e disse
que: A democracia não é perfeita, mas pelo menos não construímos muros para
manter nosso povo confinado." Pode parecer provocativo, mas trazendo o
comentário para a atualidade, talvez, por extensão, estejamos permitindo que os
muros de hoje sejam erigidos sobre uma base de desencanto, de estupor diante
das práticas hoje corriqueiras de, em nome de uma governabilidade, se olvidar
os valores que um dia se diziam caros e norteadores dos compromissos dos homens
de bem. Seria hora de alguém, lume em punho, procurar por um homem honesto?
Advirta-se, como o fazia a piada irônica dos anos da dita branda, que não serve
um Ernesto, mesmo que de pedigree importado. Desejo muito sucesso e que a pena
se mantenha ativa, pois quando se cala o cantor, se cala a vida...
- Publicado no
Jornal da Cidade, Aracaju-SE, edição
de domingo e segunda-feira, 21 e 22 de julho de 2013, Caderno A, página 7.
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