domingo, 14 de junho de 2015
Carta do Caribe (I) - Um mojito com Hemingway
Artigo pessoal
Carta do Caribe (I)
Um mojito com
Hemingway
Clóvis Barbosa
Isla San Cristóbal de
la Habana. 2013. A cidade começa a escurecer. Saio do Iberostar, hotel
localizado no Parque Central. Fico em dúvida. E agora? Onde eu marquei o
encontro com Ernest Hemingway? No Floridita, ali no Obispo, esquina do Monesterato ou na Bodeguita del Medio, no Empedrado? Bem, resolvi ir ao
Floridita, que estava próximo. Fui logo assediado por supostos guias e por uma
prostituta. Consegui me desvencilhar. Se Hemingway não estivesse lá deixaria
recado e me dirigiria ao Bodeguita del Medio. Aquele encontro era importante
para mim, pois tinha algumas dúvidas a respeito de fatos ocorridos na época da
geração perdida que habitou os anos 20 do século passado em Paris. Ao chegar no
Floridita ele não estava. Falei para um funcionário do restaurante que se ele
chegasse aguardasse o advogado brasileiro com o qual ele marcara o encontro,
pois eu iria ao Bodeguita del Médio. De logo, o barman perguntou-me se
Hemingway tinha marcado tomar um daiquiri ou um mojito. Respondi-lhe
automaticamente: um mojito. E ele me disse, se foi um mojito, então ele está na
Bodeguita del Medio. Gracias, disse-lhe e tomei o rumo do Empedrado, uma rua
estreita na Havana velha. O assédio foi duro por parte de guias e prostitutas,
inclusive duas meninas de 13 ou 14 anos. Consegui chegar ao local. Ele estava
no bar saboreando um mojito. Apresentei-me e ele me convidou para irmos ao
interior do restaurante. Sentamos numa mesa. Ao lado, tinha uma mesa reservada
para dois clientes famosos: o poeta cubano Nicolás Guillén (1902-1989) e o
cantor americano Nat King Cole (1919-1965). O restaurante tem em suas paredes
de três andares fotos de famosos, como uma do próprio Hemingway ao lado de
Fidel. Até o nosso presidente Lula estava lá. Vários autógrafos nas paredes,
desde o do Comandante Fidel, passando por Hemingway, Nicolás Guillén e Salvador
Allende. Um grupo musical entra cantando “Hasta siempre comandante”, uma
homenagem do compositor Carlos Puebla a Che Guevara.
Atento, observo o autógrafo deixado por Salvador Allende, ex-presidente
chileno: “Viva Cuba libre. Chile espera. 28 junio 1961”. Torno meus olhos para
os olhos de Hemingway e pergunto-lhe sobre o mojito. Ele chama o barman que diz
sobre a sua receita: “Em um vaso de 8 onzas, ½ cucharadita de azúcar y ½ onza
de jugo de limón. Añadir hojas de hierba buena y 3 onzas de agua gaseada.
Macerar el tallo (sin danar las hojas). Anadir 2 o 3 cubitos de hielo y agregar
1 ½ onza de ron Havana Club 3 años. Revolver y ... listo para beber”. Peço um
para mim. Solicito cambiar o açúcar por um edulcorante. O barman não deu a
mínima e preparou o meu mojito com açúcar mesmo. Começamos a conversar sobre
diversos personagens e modo de vida da época. Chegamos a Francis Scott
Fitzgerald e sua vida conturbada com a mulher Zelda Sayre. Hemingway foi amigo
do casal. Viveram nos anos 20 do século passado em Paris numa época em que
Fitzgerald já era famoso. Já tinha lançado “Este lado do paraíso”, o seu
primeiro romance, e “Os belos e malditos”. Estava para lançar aquela que seria
uma de suas maiores obras: “O grande Gatsby”. Em duas horas e meia de conversa,
falou-me dos defeitos e virtudes daquele que seria consagrado como um dos
maiores escritores americanos do século XX. Ria ao me contar a viagem que
fizera de carro com ele por toda a França e de um fato curioso. Na época ele
morava num sobrado de nº 29 da Rue des Saints-Pères, hoje funcionando a
Brasserie L’Escorailles. Fitzgerald o procurou nesse endereço onde, à época,
funcionava o bistrô Michaud’s. Estava muito nervoso. Ao sentar-se, Hemingway
foi imediatamente inquirido: “Você acha que eu tenho um pau pequeno?” Sobre o
por quê da pergunta, Fitzgerald disse que tinha tido mais uma briga violenta
com Zelda e ela lhe dissera que ele não prestava nem para fazer amor, dada a
pequena dimensão do seu membro. Hemingway tentou acalmar Fitzgerald, mas esse
só se convenceu quando exibiu o seu pênis para o seu interlocutor e recebeu
como resposta: “Olha, meu caro, fique sabendo que seu pau é do tamanho do seu
talento literário”.
Saio da ficção e entro
na realidade. Um amigo rabugento me manda um SMS e pede para eu comprar uma
dessas obras do poeta cubano Heberto Padilla: “Las rosas audaces” (1949), “El
justo tempo humano” (1962), “Fuera de juego” (1968), “Provocaciones” (1973), “El
hombre junto al mar” (1981) ou “Um puente, uma casa de piedra” (1998). Saio do
La Bodeguita del Medio, entro em várias livrarias e começo a desconfiar que
Padilla era um poeta maldito para os cubanos. Mas encontro num “sebo” El justo
tempo humano, 1ª. Edição, num estado deplorável, já em fase de decomposição.
Pergunto o preço. “35 CUC”, diz o vendedor. Ofereço 10 CUC, e ele me responde
que o livro não foi roubado. Ao que rebati, “coincidência, o meu dinheiro
também não” e me retirei. Passei a ser um observador da vida cubana e do
comportamento ético daquela gente. As dificuldades ainda são inúmeras, mas o
país padece de uma doença crônica que ataca também outros países que teimam em
manter um sistema onde os desiguais são tratados em igualdade. E onde a burocracia
é institucionalizada e, ao contrário das intenções e das inúmeras determinações
de suas lideranças, especialmente de Fidel e do seu irmão Raul, as coisas não
acontecem. Para se ter uma ideia, de 16 a 18 de abril de 2011 aconteceu o Sexto
Congresso do Partido Comunista Cubano, com a participação de mil delegados.
Durante a discussão, 32 deliberações foram tomadas para aplicação imediata,
sendo a sua maioria de caráter econômico e social. Apesar de mais de dois anos
de sua realização, a maioria das teses ali aprovadas não foi aplicada, o que
contribui para uma situação de revolta cada vez maior em setores populares. O
direito de crítica ao sistema é louvado pela cúpula de poder, mas os
responsáveis pela gestão do sistema transformam em retórica essas orientações.
Ao assumir, Raul Castro disse que “Não vamos deixar de ouvir a opinião do
cidadão por temer o escândalo que a imprensa internacional arma a cada vez que
alguém faz uma crítica aqui”.
O cineasta Guevara
Valdés, no VII Congresso da União de Escritores e Artistas de Cuba, realizado
em abril de 2008, dizia que “O pior inimigo das revoluções é a ignorância, que
pode ser a conversão da ideia em ritual, palavrório e cerimônia”. Fidel Castro,
nessa sua lucidez extraordinária, teve a coragem de advertir em discurso na
Universidade de Havana, em 2005, que, “Se o imperialismo não conseguiu derrubar
a revolução, os cubanos poderão fazê-los, por seus erros e omissões”. Cuba, com
a sua revolução que marcou a história do século XX, é o símbolo dos desejos dos
povos da América Latina e do Terceiro Mundo. Ela não pode sucumbir.
- Publicado no Jornal da Cidade, Aracaju-SE, edição de domingo e segunda-feira, 29
e 30 de setembro de 2013, Caderno A, página 7.
- Postado no Blog Primeira Mão em
29.09.2013, domingo, às 16h04min, site: http://www.primeiramao.blog.br/post.aspx?id=6342&t=carta-do-caribe-(i)----um-mojito-com-hemingway
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