segunda-feira, 1 de junho de 2015
Curai Enfermos e Expulsai Demônios
Artigo pessoal
Curai
enfermos e expulsai demônios
Clóvis Barbosa
A razão estava com Nietzsche. O
homem consegue realizar-se apenas quando se consubstancia no reflexo da
perversão. Fazendo isso, ele reduz-se ao poder que se vitupera na carne. O que
está acontecendo agora no Brasil demonstra esse ponto-de-vista. A histeria
tomou conta de parte da classe médica nacional. Principalmente daquele segmento
que segue a orientação de entidades corporativas. É um anteprojeto ignóbil da
patuléia, que elegeu a preguiça, por um lado, e a ganância pelos bens
materiais, por outro, como mola propulsora da existência. Deixa que os outros
pensem por ela (até porque ela não pensa). Daí o vazio, a não-perspectiva, a
decidibilidade quase sempre incompetente em face das políticas eleitas para a
profissão escolhida. Trata-se de uma alcatéia indomável, pois, para projetar
sua arquitetura de destruição, mostra-se capaz de tudo, até de matar o
semelhante. Nesse sentido, não perdoo aqueles que dizem estar de boa-fé (se é
que existe boa-fé quando a pessoa se nega a pensar). Aliás, Descartes pugnava que,
para existir, é preciso pensar, raciocinar, assimilar e criar o seu pensamento
crítico sobre tudo que ocorre ao redor (“penso; logo, existo”). Pois bem. Todos
estão acompanhando a tentativa do Governo em implantar o chamado “Mais
Médicos”. Quando se esperava que a crítica fosse veemente pelo atraso na
implantação do programa, eis que uma onda xenofóbica tomou conta do País,
principalmente diante dos tratados internacionais firmados com países para
importação de médicos, como é o caso de Cuba. Os médicos de Portugal, Espanha,
Argentina e dos países nórdicos podem vir à vontade. São bonitos, tem olhos
verdes, independentemente de sua capacidade. Alto lá! Cubanos, não! Nesta
terça-feira que passou, uma linda mulher, loira, jornalista, postou, às
9h59min, no seu facebook: "Me perdoem
se for preconceito, mas essas médicas cubanas têm uma cara de empregadas
domésticas. Será que são médicas mesmo? Arre, que terrível! Médico geralmente
tem postura, tem cara de médico, se impõe a partir da aparência... Coitada da nossa
população. Será que eles entendem de dengue? E febre amarela? Deus proteja o
nosso povo"! Pobre país, o nosso Brasil, por haver em seu seio pessoas dessa
estirpe.
No entanto, o festival de
baboseiras continua a infestar o país contra os médicos cubanos. Um dia antes
da postagem do facebook, em
Fortaleza, um grupo de sociopatas, todos de jaleco branco, liderado pelo
sindicato da categoria, vaiou estrepitosamente os cubanos que saíam de um
curso. Os cubanos só não apanharam porque não reagiram aos insultos. Essa
virulenta reação contra a vinda de seis mil médicos cubanos para trabalhar em
áreas carentes do país é muito mais do que uma atitude meramente
corporativista. Na verdade, por detrás disso está o pavor de uma determinada
elite da classe médica brasileira diante do elogiável êxito do modelo adotado
por Cuba, que prioriza a prevenção e a educação para a saúde. Isso faz com que
haja uma redução das enfermidades e redução dos custos com o setor. Esta não é
a primeira investida radical contra a prática vitoriosa dos médicos cubanos
entre nós. Em 2005, quando o governo do Tocantins não conseguia médicos para a
maioria dos seus pequenos e afastados municípios, recorreu a um convênio com
Cuba e viu o quadro da saúde mudar rapidamente com a presença de apenas uma
centena de profissionais daquele país. A reação das entidades médicas do
Tocantins, comprometidas com a baixa qualidade da medicina pública que favorece
o atendimento privado, beirou o pandemônio. Esses médicos, possuidores de
parafilias fóbicas, só descansaram quando obtiveram uma liminar de um juiz de
primeira instância, determinando, em 2007, a imediata revogação do convênio
mantido pelo Estado do Tocantins com o Governo cubano. Cuba tem uma tradição de
exportar médicos desde os anos 70 do século passado. Eles estão na África, no
Leste Europeu, na América Latina e no Oriente Médio. Grande parte do seu modelo
foi abarcado por um dos países mais desenvolvidos do mundo, o Canadá. Só em
2011, médicos cubanos recuperaram a visão, gratuitamente, de dois milhões de
pessoas em 35 países.
Uma das mais respeitáveis revistas
dos EUA, Foreign Affairs, citando
fontes do próprio governo americano, colocou o sistema de saúde cubano como
superior ao de outros países em desenvolvimento e com capacidade de competir com
o de muitos países desenvolvidos. Estudos mostram que a mortalidade materna, em
2008, estava em 21,2 por cem mil crianças nascidas vivas, taxa virtualmente
igual à dos Estados Unidos, de 20,8. Mas ainda superior aos níveis de países
europeus e do Japão. Para que se tenha uma idéia, a média latino-americana,
nesse mesmo ano, foi de 190 por cem mil. Um aspecto importante para o sucesso
da medicina de Cuba é a participação ativa das organizações da sociedade, como
a Central de Trabalhadores, a Associação Nacional de Pequenos Agricultores e a
Federação Estudantil Universitária, que ajudam a disseminar a cultura de
prevenção da saúde e lideram campanhas de doação de sangue, de vacinação, de
diagnóstico precoce do câncer, de bons hábitos alimentares e de higiene, além
do trabalho de conscientização da população para evitar enfermidades. Essa
mobilização social, tão bem caracterizante da solidariedade desse povo, faz com
que a média atual em Cuba, em termos de doação de sangue, seja de 1 por 19
pessoas. A Organização Mundial de Saúde (OMS) considera desejável, para países
desenvolvidos, uma doação por 20 pessoas. O The
New York Times, em matéria publicada no Globo Online, perguntou: “Como pode
um país pobre, no qual os gastos anuais com saúde chegam a uma média de US$ 230
por pessoa, em comparação com os US$ 6.096 gastos no EUA, chegar perto do país
mais rico do mundo?”. E o próprio NYT
respondeu: “As estatísticas da OMS, da CIA e de outras fontes mostram que as
populações de Cuba e dos Estados Unidos têm mais ou menos a mesma expectativa
de vida - 77 anos, com uma diferença de alguns poucos meses.”
Tudo isso, com efeito, me traz à
lembrança a obra de T. L. Osborn, “curai enfermos e expulsai demônios”,
aclamada como um clássico do século passado. Nesse livro, que aborda a cura
divina, destacam-se os resultados do poder da ressurreição de Jesus Cristo,
manifestado no povo por meio de curas milagrosas. Osborn chama a atenção para o
capítulo 16 do Evangelho de Marcos, no versículo 18, onde Jesus determinou a
seus discípulos que fossem "por todo o mundo" (todo o mundo) para
fazerem o que Ele ordena (curar enfermos). E arrematou: "Porão as mãos
sobre os enfermos e os curarão." Parece que os médicos cubanos estão
cumprindo o evangelho da cura. Por outro lado, alguns médicos brasileiros
precisam ser submetidos a outro tipo de cura. A cura
moral. A cura ética. Precisamos, urgentemente, expulsar deles o demônio da
intolerância, sob pena de vermos nosso povo enfermo padecer à míngua. Osborn
estava certo. Penso, pois, ser preciso pôr as mãos sobre os médicos
brasileiros, que estão enfermos de ganância, para curá-los e salvá-los de uma
inevitável condenação popular que virá em breve.
Clóvis Barbosa escreve aos domingos, quinzenalmente
- Publicado no Jornal da Cidade, Aracaju-SE, edição de domingo e segunda-feira, 1
e 2 de setembro de 2013, Caderno A, página 7.
- Postada no Blog Primeira Mão, Aracaju-SE, em 01 de setembro de
2013, domingo, às 17h41min, site:
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Este fato atual a semelha-se ao velho flasi : Boi de Carreira quer dizer que o primeiro vai na frente os demais seque sem saber o destino.
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