segunda-feira, 13 de julho de 2015
Carta do Caribe (III) - O mito de Sísifo
Artigo Pessoal
O mito de Sísifo
Clóvis
Barbosa
Todos conhecem a história de Sísifo
descrita na mitologia grega. Era um pastor de ovelhas e filho de Éolo, o deus
dos ventos. Fez uma série de estripulias, inclusive a de dedurar Zeus. O
resultado é que a sua vida enrolada fez com que ele fosse condenado a repetir
sempre a mesma tarefa, ou seja, deveria empurrar uma gigantesca pedra até o
topo de uma montanha. Depois desse esforço, a pedra se lhe soltaria e voltava a
rolar morro abaixo. No dia seguinte o processo se repetia e assim seria até o
fim de sua vida. Pagou caro pela sua esperteza em fugir da morte da qual fora
condenado e da tentativa de enganar os deuses. Mas, qual o princípio que se
encerra neste exemplo mitológico?
Albert Camus lançou em 1941 um ensaio
filosófico ao qual intitulou “O mito de Sísifo”, que está organizado em quatro
capítulos: 1 – Um absurdo raciocínio, 2 –
O absurdo do homem; 3- Criação do absurdo; e 4 – O mito de Sísifo. Enfim,
Camus, mais uma vez, trata da sua chamada filosofia do absurdo, já vista em
outras obras de sua autoria. Descreve que parte de nossa vida é alicerçada na
esperança do amanhã. Só que o mundo é contraditório, pois, entre os desejos da
razão humana está a insensatez.As várias formas do absurdo são mostradas na
obra, culminando com uma frase lapidar ao ser indagado se a realização do
absurdo exige uma tomada de posição de pôr fim ávida através do suicídio. Ele
responde que não, “O que exige é revolta”.
Tanto a obra de Camus quanto a mitologia
nos leva à reflexão da razão da vida humana. Mas, se ela é isto que aí está, ou
seja, a busca incessante pela felicidade, pela eternidade, pelo inútil esforço
de parar o tempo para permanecer sempre jovem, no credo de que o infortúnio e a
morte serão sempre problemas de outrem, não resta a menor dúvida que a vida é
um absurdo. Daí vem a revolta, ou como denuncia Camus, “o movimento de revolta
apoia-se ao mesmo tempo na recusa categórica de uma intromissão julgada
intolerável e na certeza confusa de um direito efetivo, ou mais exatamente, na
impressão do revoltado de que ele tem o direito de...”
Toda essa introdução me leva a retornar ao
tema da vida em Cuba. Costumo dizer que tirei do meu currículo o período de
minha vida de stalinista. Não admitia ler qualquer tipo de notícia ou ensaio
que falasse mal da Rússia e de Stalin. Para mim, tudo era mentira e invenção
dos cães anticomunistas. Quando participei em Salvador, ainda um garoto
imberbe, de debates ferrenhos entre os comunistas da linha soviética e os
maoístas, comecei a ter uma visão crítica da minha militância e da realidade
que rodeava o mundo comunista. Lembro-me, nesta época, de ter lido um ensaio
numa revista, da qual não me recordo, sobre o comportamento da vida do
trabalhador na então União Soviética. O autor era um revolucionário comunista
que fazia a crítica da igualdade nos regimes comunistas. Para ele, o sistema
comunista estava fadado ao insucesso, caso não modificasse a relação de
produção com a classe trabalhadora. A igualdade é para os iguais, dizia. Não se
pode tratar os desiguais de forma igualitária, sob pena da criação de um novo
tipo de sistema de governo, a ineptocracia, ou seja, o governo dos ineptos. E
exemplificava: dois operários trabalham numa fábrica. Ambos exercem a mesma
função, produzindo parafusos, dois ao dia, e recebem salário igual. Um deles desenvolve
uma técnica para produzir, não dois, mais seis a oito. Do ponto de vista dos
rendimentos nada lhe era acrescentado, continuando a perceber o mesmo daquele
que produzia dois. E vaticinava o autor: a permanecer com esta filosofia, a
sociedade comunista estaria condenada ao fracasso.
O tempo mostrou que esse ensaísta tinha
razão. E Cuba precisa se acordar desse berço esplêndido em que vive e faz o
povo viver. Há um processo de revolta no ar. Chego até a reconhecer que o povo
cubano, inclusive os jovens, tem uma admiração extraordinária por Fidel, como
tem por outro símbolo da revolução, Che Guevara. Mas se nada aconteceu até
agora deve-se tudo ao carisma e ao respeito devotado ao Comandante. Raul
Castro, presidente e irmão que sucedeu Fidel precisa fazer uma reflexão desse
momento histórico que vive o seu País. Não bastam as conquistas de uma educação
e de uma saúde eficientes; não bastam uma política internacional de caráter
marcadamente “terceiromundista”, que prioriza a solidariedade entre os povos. É
preciso mais. É preciso voltar-se para dentro de si, para alma do seu povo. As
reformas econômicas são lentas demais. E justiça se faça. A emissora oficial de
Cuba começou a apresentar em seu principal noticiário uma seção de nome “Cuba
diz”, onde os cubanos têm a oportunidade de reclamar de diversos temas, como
salário, habitação, transporte, preço de alimentos, etc. O ridículo disso tudo
é que se permite falar mal da economia, mas do modelo político não, como se um
não fosse irmão siamês do outro. Uma publicação da Igreja Católica de Cuba
lançou neste ano um movimento para debater a “Cuba sonhada”. A Conferência
Episcopal pediu em carta pastoral chamada “A esperança não decepciona”, que,
além das mudanças econômicas, o governo de Raul Castro faça reformas na ordem
política. Raul está anunciando a unificação do peso cubano (CUP) com o peso
conversível (CUC), o que não deixa de ser uma grande medida, até porque, a
manutenção das duas moedas (uma para o turista e estrangeiro, outra interna
para o povo), somente humilhava o trabalhador cubano.
Mas é preciso acelerar as reformas com mais
participação e ouvindo o conjunto da sociedade. Um grande debate tem que ser
aberto antes do pior acontecer. Cuba e o sonho do socialismo não podem perecer.
Mas, é preciso entender, como diria Camus, que o arco se verga e a madeira
geme. No auge da tensão, alçará voo, em linha reta, uma flecha mais inflexível
e mais livre.
Post Scriptum
Bienal do Livro de
Itabaiana
Estive
na II Bienal do Livro de Itabaiana nos dias 18 e 19 deste mês. Não tinha muita
expectativa sobre o evento, mas, para minha surpresa, um acontecimento marcante
da nossa vida cultural. Idealizada por três jovens, Júnior, da Revista Perfil,
Jâmisson Machado da provedora itabaianense ITNET e Carlos Eloy da FM Itabaiana,
o acontecimento, que contou com o apoio de várias instituições, deu um tapa na
cara nos órgãos oficiais de cultura do Estado e da própria Aracaju. Sem medo de
errar, foi o evento mais importante do mundo cultural sergipano nos últimos
tempos. Debates, feira de livros, apresentação de dança, música, cinema,
contadores de histórias infantis, exposição de fotos históricas, quadros, obras
de arte e carros antigos, oficinas de fotografia, pintura e escultura,
lançamentos de livros, enfim, três dias de efervescência cultural. A interação
entre os escritores foi marcante, quer discutindo literatura quer trocando as
suas obras. Curiosa a história do sorveteiro que se transformou em escritor,
tendo escrito uma biografia do líder político Chico de Miguel e lançando na
Bienal a sua mais recente biografia, a do Monsenhor Eraldo Barbosa de Capela.
Uma sugestão: a partir da próxima bienal, que seja homenageado com o seu nome
um escritor sergipano morto e outro vivo. Evidentemente com palestras sobre
ambos.
- Publicado no Jornal da Cidade, Aracaju-SE, edição de
domingo, 27 de outubro de 2013, Caderno A-7.
- Postado no Blog Primeira Mão no domingo, 27 de outubro
de 2013, às 16h33min, sítio: http://www.primeiramao.blog.br/post.aspx?id=6496&t=clovis-barbosa------carta-do-caribe-(iii)-------o-mito-de-sisifo
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