quarta-feira, 20 de setembro de 2017
Ciclo da Vida
Clóvis
Barbosa
Akira Kurosawa. Japonês e um dos mais
brilhantes cineastas da história do cinema. Qual o cinéfilo que não assistiu Os sete samurais, Yojimbo, O guarda-costas?
Pois bem, revi, um dia desses, Viver
(Ikiru), um dos mais líricos filmes de sua carreira e com uma grande carga de
humanismo. O filme foi realizado em 1952 e, na época, recebeu o prêmio especial
do senado de Berlim durante o Festival Internacional daquela cidade. A
história: Kenji Watanabe é um servidor público que tinha o maior orgulho de
nunca ter faltado a um só dia do seu trabalho numa repartição da prefeitura de
Tóquio, durante 30 anos. Era um troféu que ele carregava pela sua vida trivial.
Mas, um dia ele descobre que está com câncer e o seu tempo de vida é muito
curto. O câncer lhe ensinou a redescobrir a vida em relação às suas conquistas
e prioridades e se volta para o projeto de construir uma praça na sua pequena
aldeia. Um gesto simples, mas importante na reviravolta dada na vida do
personagem. Muitas vezes, é através do sofrimento que se atinge a felicidade. Não
foi Vinícius de Moraes que disse que o sofrimento é o intervalo entre duas
felicidades? Como se vê, foi preciso que houvesse a perspectiva da morte para
mudar um tipo de vida aparentemente medíocre. Embora triste e fale sobre esta
doença cruel, o filme é a favor da vida. Mas este é o ciclo da vida: nascer,
viver e morrer. Entre o nascer e o morrer o homem sempre está à procura da
felicidade. E o que é isto? Platão dizia que a felicidade está na perseguição daquilo
que você não tem. E quando consegue não se satisfaz, e se apega a uma nova busca.
Em outras palavras, a felicidade nunca se estabelece no homem. Aristóteles, por
seu turno, acreditava que a felicidade estava naquilo que a gente já tem. Santo
Agostinho dizia que a vida virtuosa e a comunhão com Deus levam a uma vida
feliz. Já Nietzsche afirmava que não existe a felicidade plena. O homem, para
ele, é um ser pervertido. Reduz-se ao prazer da carne.
Na
região onde hoje estão situados o Irã e o Afeganistão, no século VII a.C.,
Zoroastro foi fundador de uma doutrina religiosa, chamada zoroastrismo, que defendia um estado de felicidade plena quando o
bem derrotasse o mal, transformando a vida do homem em algo agradável e repleto
de justiça e de saúde. O problema é que o bem sempre está guerreando contra o
mal e, felicidade que é bom, jamais. Nessa mesma época, dois filósofos chineses apontavam dois caminhos para se atingir a
felicidade: Lao Tsé dizia que ela poderia ser atingida pela prática de nossas
ações e pela relação com a natureza; Confúcio pregava o disciplinamento
rigoroso das relações sociais como fórmula de atingir a perfeita felicidade. O
Dalai Lama Tensin Gyatso enfatizava o caminho da auto-reflexão. O budismo,
doutrina religiosa criada na Índia por Sidarta Gautama, defende a tese de que a
felicidade se atinge com o fim do sofrimento. Muitos filófosos identificaram a
felicidade associando-a ao prazer, como é o caso de John Locke e Kant. Mas, no
século XX, dois filósofos, o inglês Bertrand Russel e o espanhol Julián Marias,
voltaram a tocar no assunto. O primeiro escreveu A Conquista da felicidade, onde, utilizando-se do método da
investigação lógica, conclui que para ser feliz é preciso eliminar o egoísmo.
Para o segundo, autor de A felicidade
humana, a humanidade é infeliz, justamente por não se importar com a
reflexão filosófica sobre a felicidade. Já no período helênico, Epicuro
defendia a tese que ser feliz é ter liberdade e prazer. Por muito tempo chegou
a se confundir o epicurismo com o hedonismo. Conversa fiada. O que Epicuro
defendia era a tranquilidade da mente e o domínio das emoções, e não o prazer
pelo simples prazer. Outras ignomínias foram traçadas através do tempo sobre o
assunto. Todos nós sabemos que o futuro é fator de inquietações. Horácio e
Epicuro defendiam a vida presente sem se preocupar com o futuro.
Tom
Jobim escreveu uma das mais belas músicas do nosso cancioneiro, A felicidade. Para ele, tristeza não tem fim, felicidade sim. E
arremata: a felicidade é como a pluma que
o vento vai levando pelo ar, voa tão leve, mas tem a vida breve, precisa que
haja vento sem parar. Para aqueles que defendem a inatingibilidade da
felicidade, Jobim nos conta uma estória: A
felicidade do pobre parece a grande ilusão do carnaval. A gente trabalha o ano
inteiro pra fazer a fantasia de rei ou de pirata ou jardineira e tudo se acabar
na quarta-feira. Ou a felicidade é
como a gota de orvalho numa pétala de flor. Brilha tranquila, depois de leve
oscila e cai como uma lágrima de amor. Os poetas Pessoa e Drummond têm
posições bem simples: Do primeiro, às
vezes ouço passar o vento; e só de ouvir o vento passar, vale a pena ter
nascido; Do segundo, ser feliz sem
motivo é a mais autêntica forma de felicidade. Enfim, filósofos, religiosos, escritores e poetas sempre se dedicaram a tentar definir
um tipo de comportamento ou estilo de vida que representasse a felicidade
plena. Mas,
na verdade, todos procuram a felicidade e não dá para precisar um conceito
absoluto sobre ela. Somos dependentes dessa procura. Com efeito, o que é
felicidade para mim pode não ser para outrem. O retorno à tardinha dos pardais
com o seu canto agoniado pode ser um momento de exuberância, de satisfação para
uns, mas de chatice para outros. Portanto, não existe uma fórmula acabada que
leve o homem a atingir a real felicidade. Ela não existe. Mas há uma verdade
que todos devem refletir. Quem faz a felicidade é a própria pessoa. Lembremos que
não se colhe o que não se planta. Há um provérbio aborígene que diz mais ou
menos que somos todos visitantes deste tempo, deste lugar. Estamos só de
passagem. O nosso objetivo é nascer, crescer e amar... depois vamos para casa. Este
é o ciclo da vida!
Post
Scriptum.
01. A deselegância
do plagiador
Moacyr Scliar,
brasileiro, autor de Max e os Felinos;
Iann Martel, canadense, autor de As
aventuras de Pi. Duas estórias idênticas contadas por escritores diferentes.
Scliar fala de um jovem judeu que foge da Alemanha nazista em um navio com
destino ao Brasil. No caminho o navio naufraga, mas ele se salva num bote com
um jaguar que também vinha na viagem; Martel fala de um jovem indiano que
emigra com os pais, dono de um zoológico, para o Canadá. No meio do caminho o
navio naufraga e o jovem se salva num bote com um tigre de bengala. A
semelhança entre as obras não é mera coincidência. É plágio mesmo. O livro de
Martel foi transformado em filme que teve 11 indicações ao Oscar de 2013.
Questionado com a semelhança das obras, Martel confessou ter usado a idéia do
brasileiro e acachapou: “quis aproveitar uma boa idéia, estragada por um
escritor ruim”. Scliar, médico e professor universitário gaúcho, morreu em 27
de fevereiro de 2011 sem ter visto essa safadeza.
02. O Resgate de
uma história
- Publicado no Jornal da
Cidade, Aracaju-SE, edição de domingo e segunda-feira, 28 e 29 de setembro
de 2014, Caderno A-7.
- Publicado no Blog Primeira Mão, Aracaju-SE, em 28 de
setembro de 2014, às 12h16min, sítio:
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