quarta-feira, 20 de fevereiro de 2019
Tipos Populares de Aracaju - Santos Mendonça
Isto é História
Aracaju Romântica que Vi e Vivi
Tipos Populares
Santos
Mendonça
Murillo
Melins
José
Santos Mendonça nasceu na Barra dos Coqueiros, mas já na adolescência passou a
residir em Aracaju, cidade que tanto amou e por ela foi amado. Mendonça foi um
perfeccionista, apesar das muitas atividades que exerceu durante sua laboriosa
vida repleta de realizações. Podemos dizer que ele foi o homem dos sete
instrumentos. Lembramos o Santos Mendonça, atleta, goleiro do Palestra e
jogador de basquete, bancário do Banco Mercantil Sergipense, speeker,
radialista, ator, comerciante, proprietário de cinema, radio amador, vereador e
deputado. Conheci
Mendonça, o vaidoso e simpático goleiro, que já saia de casa uniformizado,
exibindo seu corpo malhado, graças aos exercícios praticados pelo método de
Charles Atlas, dirigia-se a pé pela rua de Vilanova até o velho campo do Adolfo
Rolemberg para defender o arco do Palestra.
Começou
como radialista na velha Rádio Aperipê, fazendo locução, rádio teatro, animando
programas, ao lado dos precursores da radiofonia sergipana: Alfredo Gomes, João
Ribeiro do Bonfim, José Raimundo, José Eugênio de Jesus, João Mello Bissextino,
Pinduca, Miguel Alves Carnera. Daí em diante, nunca mais largou o microfone.
Como rádio amador prestou inúmeros serviços à sociedade, em momentos de
calamidade, ou nas rádios em que trabalhou, levando a notícia, o entretenimento
e a cultura. Trabalhou e produziu programas esportivos, transmitindo futebol. Quando
em Aracaju ainda não tinha chegado a televisão, os programas de auditório
estavam em moda. Mendonça produziu na Rádio Difusora de Sergipe alguns
musicais, intercalados com perguntas e respostas sobre cultura geral,
oferecendo prêmios aos que acertavam as questões por ele levantadas e programas
de calouros.
Devido
o espaço do auditório da rádio ter se tornado pequeno, para o grande público
que afluía aos programas, e solidário ao seu velho amigo João Mello que por
questões de políticas fora proibido de cantar na única rádio, a Difusora,
Mendonça levou para os cinemas os seus programas, e seu público. Era casa cheia
nos domingos pela manhã, no auditório do Cinema Vitória, quando Santos Mendonça
comandava o seu novo programa, “O Que Somos e o Quanto Valemos”. Programa em
que todos os bons músicos e cantores da terra participavam, inclusive João
Mello. Mendonça
criou a seresta eletrônica, que se dava da seguinte maneira: nos fins de
semana, cantores e músicos eram levados ao bairro escolhido, e de lá o carro da
Empresa de Propaganda Guarany ou a Beverly, transmitiam através dos altos
falantes as modernas serestas. Ele também inovou os comícios políticos, levando
músicos e cantores para os palanques, transformando-os em showmícios.
Mendonça
foi um político hábil, sério, combativo e popular. Elegeu-se vereador e, devido
a sua atuação destacada na câmara, posteriormente foi eleito deputado estadual,
chegando a ser presidente da Assembleia Legislativa. Na
Rádio Liberdade, produziu e apresentou o programa Calendário, que ia ao ar
todas as noites a partir das 20 horas. Era audiência total em Aracaju e
Sergipe. Programa muito bem elaborado, contendo notícias, informações úteis,
política, curiosidades. Dentre muitos fatos curiosos que aconteciam durante o
Calendário, lembro-me do seguinte: No quadro, Utilidade Pública, Mendonça
anunciou: “Pescador de Atalaia Velha achou uma dentadura, que está à disposição
do seu verdadeiro dono, aqui na redação do programa”. O amigo Pina que havia
perdido o tal objeto, ao dar um mergulho naquela praia no domingo anterior,
estava ouvindo a notícia, e embora já com uma nova chapa, resolveu verificar se
os dentes achados eram os seus. Entrou no auditório, chamou um funcionário da
rádio e disse que queria falar com Mendonça, em particular. Mendonça, solícito
perguntou, “o que deseja meu querido?” Respondeu Pina: aqui pra nós, quero ver
se a dentadura é a minha. Mendonça exibiu a peça e entregou ao seu dono. Quando
ele passava entre as cadeiras do auditório, ocupadas por curiosos e pessoas que
iam participar do programa, ouviu-se Mendonça com seu vozeirão dizer ao
microfone: “É por isso que todo mundo diz, que o programa mais ouvido é o
Calendário. Olha aí a prova. O amigo Pina perdeu a dentadura, e ele agora está
saindo do programa sorrindo à toa”. O encabulado rapaz saiu chateado com a
indiscrição do Mendonça.
O
Mendonça irreverente. Em um espetáculo de luta livre, no velho Estádio de
Aracaju quando se debatiam duas chilenas. Após alguns rounds, ouviu-se a voz
microfônica de Santos Mendonça, que não estava gostando da luta, gritou ele:
Isso é marmelada... As lutadoras pararam a contenda, e uma delas gritou: venha
você aqui para apanhar. Mendonça, sem se perturbar, respondeu: não vou porque
não bato em mulher. Em
outra ocasião, Mendonça lendo ao microfone a propaganda de um patrocinador, ele
disse: A goiabada Trige é a mais
saborosa do Brasil. Percebendo a gafe, ele logo emendou: Erre na pronúncia, mas
não erre no produto. E acrescentou: Goiabada Tigre é a melhor goiabada. Depois
de algum tempo, atingido pelo AI-5, teve seus direitos políticos suspensos por
10 anos.
Em
consequência, a elite reacionária provinciana tratou de sufocar sua voz, e as
emissoras de rádio (uma do Estado e duas vinculadas diretamente à ex-UDN e ao
grupo político do ex-PSD/PR) fecharam seus microfones para ele. A
sua grande legião de ouvintes não se conformou e Mendonça passou a ser intimado
a voltar ao ar, a ponto de quase não poder trabalhar na sua Loja (Manufatura
Curvelo), que era visitada diariamente por verdadeira romaria de fãs e
patrocinadores que queriam continuar tendo o seu famoso programa Calendário, em
seus aparelhos de rádio todas as noites, no horário nobre das 20 horas. “Boa
noite, ouvintes. A voracidade do tempo anuncia a sua marcha. São decorridos tantos dias do ano cristão de
1900 e tantos, faltando tantos dias para o seu término”. Era o mote de abertura
diária do Calendário que a partir daí, cumpria extensa programação com um
noticiário perspicaz e cuidadosamente preparado. E não deu outra. Em uma visita
a Dom José Vicente Távora, então Arcebispo de Aracaju e após uma hora de
conversa, Santos Mendonça saía do Arcebispado com a determinação e o aval
daquela autoridade lúcida da Igreja Católica para que a Rádio Cultura de
Sergipe o acolhesse para que o famoso programa Calendário voltasse ao ar.
Um
retorno sacrificado porque o programa tinha que ser previamente gravado e
submetido à censura do regime, perdendo assim um pouco da sua espontaneidade.
Mas, com sua habilidade, volta e meia conseguia ludibriar seus censores e após
uma estocadinha aqui outra ali, uma crítica bem construída, nessa ou naquela
área, ele encerrava o quadro Curiosidade do dia com o seu famoso bordão:
“Curioso, não ouvintes? – Cu-ri-o-sís-si- mo!” Esse
é o tributo que faço ao querido amigo Santos Mendonça que tantos serviços
prestou a Aracaju e a Sergipe levando aos lares o divertimento, alegria e
solidariedade. Minha gratidão ao maior comunicador do rádio sergipano.
O autor
Murillo Melins
-
Do livro “Aracaju Romântica que vi e vivi”, de Murillo Melins, 4ª. Edição,
2011, Gráfica J. Andrade.
-
As imagens aqui reproduzidas foram retiradas do Google.
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