Aracaju/Se,

segunda-feira, 10 de agosto de 2015

É Proibido proibir

Artigo Pessoal
É proibido proibir

Clóvis Barbosa
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Entro na polêmica das biografias autorizadas. Para começo de história, sou contra a ingerência do biografado ou herdeiros, na obra do autor. Também, tenho ojeriza a autor, seja na biografia, crônica, artigo, tese, etc., que quando são processados pela suposta prática de calúnia, difamação ou injúria, passam atacar o ofendido como um cerceador da liberdade de expressão e que o ato de ir à Justiça pedir reparação ao dano causado seria uma forma de censura. Ao contrário, isto é cidadania. Quem tiver a sua honra atingida por um escrito, deve sim pedir explicações, seja através do direito de resposta, interpelação, ação criminal ou reparação de danos. Os instrumentos jurídicos existem para isso. Agora, ficar o pretenso ofensor vociferando e tirando uma de vítima, aporrinhando instituições sérias com suas anomalias, não deixa de ser coisa de barraqueiro medíocre. Eu mesmo já respondi a oito processos em face dos meus escritos. Nunca fui me esconder atrás das saias de grupelhos corporativistas e jamais dei publicidade. Simplesmente fui para o embate ou, num caso, retratei-me diante da injustiça que entendi ter causado.
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Mas voltemos ao tema principal. Não dá para entender as derrapagens dadas por Caetano Veloso, Chico Buarque, Gilberto Gil e Roberto Carlos, dentre outros participantes de um grupo denominado “Procure saber”, que resolveram defender a tese de que as biografias deveriam ser autorizadas pelo biografado. Primeiro, ressalto, que sou admirador do talento musical de todos eles. Li todas as obras de Chico e sou leitor semanal das crônicas de Caetano. Segundo, que tais comportamentovão de encontro às próprias experiências de vida de todos eles em seus discursos musicais. Se alguém escrever qualquer tipo de ataque à honra de Chico Buarque, por exemplo, o que isso vai alterar a sua grande obra musical e literária? Em nada!
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Há uns três anos foi lançado em Paris um livro que causou a maior polêmica. Tratava-se de uma obra de Michel Onfray, doutor em filosofia, defensor do hedonismo, do ateísmo e da anarquia, autor de mais de 40 livros. A obra, “Le Crépuscule d’une Ídolo – L’affabulation Freudienne” é tida como um morteiro de alto calibre direcionado à vida e obra freudiana. Após passar o sarrafo na psicanálise, acusando-a de ser uma ciência nazista e fascista, entra na vida pessoal de Freud, acusando-o de se apropriar de textos de Schopenhauer e Nietzsche, de ser um burguês inveterado pela celebridade e até de manter uma relação adúltera com uma cunhada que vivia em sua casa. Por fim, taxa-o de falocrata, misógino e homofóbico. A reação ao escrito de Onfray, segundo matéria publicada na Folha de São Paulo, edição de 25 de abril de 2010, Caderno Mais, vieram de dois intelectuais: Elisabeth Roudinesco, psicanalista, nascida em 1944, professora de História da Universidade de Paris, autora de “Em defesa da Psicanálise” e a “A Parte Obscura de Nós Mesmos”; e John Forrester, Chefe do Departamento de História e Filosofia da Ciência na Universidade de Cambridge, no Reino Unido, autor de “Seduções da Psicanálise”. Roudinesco, inclusive desafiou Onfray para um debate e ele não aceitou. Interessante, tanto o nazismo como o fascismo não morriam de amores pela psicanálise. E sabem de uma coisa: não estou nem aí para o que dizem de Freud. O que interessa é o legado que ele deixou para a humanidade, como o enfoque que ele dá à questão do desenvolvimento humano.
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Claro que não acredito que Caetano e companhia tivessem a intenção de controlar o que se escreve sobre eles. Mas cometeram um grave equívoco naquele primeiro momento. Roberto Carlos, por exemplo, já disse que é a favor de biografias não autorizadas, desde que haja alguns “ajustes”. Que “ajustes”? Aquele imposto pelo próprio biografado? Meu amigo Roberto, escrever uma biografia, em princípio, é um ato de homenagem, de estima e de respeito ao biografado. É claro que aqui ou ali vai ter casos de biografias de achaques à honra e dignidade, como aquele a que me referi sobre Freud. Por outro lado, quem envereda pelo mundo da vida pública, como é o caso dos artistas e dos políticos, têm que entender que embora o ordenamento jurídico proteja a honra, tutele o decoro e ampare a dignidade do cidadão, não se presta para satisfazer caprichos, para atender injustificáveis melindres ou para encampar exageradas susceptibilidades. Portanto, é o preço que se paga por ter uma vida pública. Quem não quiser correr tal risco deve limitar suas atividades ao campo dos negócios privados. Algo idêntico evidencia-se na literatura. Poetas, romancistas etc., publicam suas obras. Esperam aplausos do público. Acontece que, frequentemente, a crítica é inexorável. Sempre haverá alguém para descer impiedosamente o sarrafo na produção artística do literato. Pois bem, se o poeta ou o romancista não desejarem submeter-se a esse desgaste, devem seguir o conselho contido na ponderação de lio Dantas: “A liberdade de criticar consagra um direito incontestável. E quem, pela sua excessiva sensibilidade, pela sua delicadeza doentia, não pode ou não quer ser criticado, não publica livros”.
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Por isso tudo, enfatizo e ratifico que qualquer cidadão com pendores para a pesquisa e com vocação para as letras, pode e deve escrever sobre a vida de quem quer que seja, sem qualquer tipo de cerceamento ao seu direito de livre manifestação do pensamento, desde, evidentemente, que respeite a honra alheia e seja fiel à verdade contida em suas pesquisas e material colhido. Vetar a publicação de biografias que não tenha a autorização prévia é censura e vai de encontro ao estado de direito democrático. Ademais, quem não quiser ter a sua vida estudada e avaliada, faça como a grande atriz Ava Gardner, que escreveu a sua autobiografia. Na orelha do seu livro de memórias, “Minha História”, ela diz: se eu não contar a minha versão da história, será tarde demais e aí algum biógrafo vai agir por conta própria, acrescentando incorreções”.
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A verdade é que todo o barulho nesse caso das biografias foi originado na Ação Direta de Inconstitucionalidade proposta pela Associação Nacional dos Livros (ANEL) contra as disposições dos artigos 20 e 21 do Código Civil, que dizem: Art. 20. “Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais”. Parágrafo único. “Em se tratando de morto ou de ausente, são partes legítimas para requerer essa proteção o cônjuge, os ascendentes ou os descendentes”. Art. 21. “A vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a requerimento do interessado, adotará as providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a esta norma”.
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Enfim, na certeza de que essas normas estariam corretas e numa falsa premissa que os interesses dos artistas estariam sendo vilipendiados pela ação dos editores de livros, o “Procure Saber” partiu em defesa do texto do Código Civil. Colocou-se mal na fita e foi mal interpretado. Afinal, Caetano Veloso, como ninguém, sabe que “é proibido proibir”.


- Publicado no Jornal da Cidade, Aracaju-SE, edição de domingo e segunda-feira, 24 e 25 de novembro de 2013, Caderno A-7.
- Postado no Blog Primeira Mão no domingo, 24 de novembro de 2013, às 21h03min, sítio: http://www.primeiramao.blog.br/post.aspx?id=6631&t=e-proibido-proibir


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