quarta-feira, 11 de outubro de 2017
Primavera sem Flores
Opinião Pessoal
Primavera sem flores
Clóvis Barbosa
Tento
entender, confesso, com minhas elucubrações filosóficas, o comportamento humano.
E cada vez mais me conscientizo que o que nos humaniza é o fracasso. Não
pretendo discutir teses antropológicas, mas refletir um pouco sobre as
mesquinharias da vida a que tanto damos importância e nossa dificuldade em lidar
com a felicidade coletiva. Se, como dizia a poetisa Florbela Espanca, “tudo no
mundo é frágil, tudo passa...” por que elegemos determinados tipos de
sentimentos como prioridade no nosso dia-a-dia? O ódio, exteriorizado com
prazer orgástico, encontra neste momento de eleições ambiente propício para se
desenvolver e, por vezes, desencadear um processo de obsessão contra aquele que
pensa diferente de nós. Lembro-me de Millôr na sua conceituação de democracia e
ditadura: “Democracia é quando eu mando; ditadura é quando você manda”. Tenho
vivenciado, neste momento de escolha de representação política, casos
inusitados que me fazem lembrar o talento desse grande escritor pernambucano
Nelson Rodrigues, quando disse que “vivemos numa época dominada pelos idiotas”.
A frase continua atualizada. Cícero, pensador romano, que viveu entre os anos
106 e 47 a.C, afirmava que “A verdade se corrompe tanto com a mentira como com
o silêncio”. a mentira é caolha e é arma dessa
matilha tíbia de caráter; e o silêncio, a conduta dos dúbios de personalidade e
dos castrados de mente e espírito. Infelizmente, a luta contra esse tipo de
gente já nasce perdida, daí a impotência da minoria pensante. A mediocridade
domina os ambientes em detrimento do mérito. Essa alcateia está em todos os
lugares marcando posição. Recentemente estava numa festa quando, na roda de
pessoas em que me encontrava, uma delas sugeriu a um dos interlocutores, um
médico, que votasse em determinado candidato majoritário. A resposta foi
violenta e os mais absurdos adjetivos foram desferidos contra o candidato, por
sinal também médico. A coisa ficou feia e uma forte discussão tomou conta do
recinto, somente não chegando a maiores consequências em face da intervenção
dos presentes. Mas, a roupa suja que foi lavada naquele momento, deixando todos
perplexos com as acusações reveladas, levou-me a uma dura constatação: ali
estava consagrado o chamado ódio de classe, onde predominava a obsessão pela
intocabilidade egoística da corporação. A contratação de médicos estrangeiros
para atender a população pobre do interior era radicalmente contestada,
entretanto, não se oferecia uma alternativa para uma prestação de saúde mais eficaz
pelos profissionais da terra.
Enquanto penso
nesse tipo de comportamento humano, emociono-me ao lembrar-me de uma menina de
13 anos, Blanche Zybert. No dia 21 de setembro de 1943, ela escreveu um bilhete
a lápis sobre um papel que dizia: “Querido Henri: estamos bem, em um vagão de
trem que provavelmente nos levará à Holanda”. Jogou o bilhete pela janela do
trem que a levava de Mechelen, Bélgica, a Auschwitz-Birkenau, o campo de
extermínio criado pelos nazistas na Polônia. Esse bilhete foi encontrado e se encontra
hoje no Kazerne Dossin, uma espécie
de museu sobre o Holocausto, inaugurado em 2012 em Mechelen, no exato local
onde servia de terminal para a chamada última viagem. Mas, os exemplos
históricos estão aí para nos alertar daquilo que Kant, em “Crítica da Razão
Prática”, nos dizia. O homem é um ser capaz de seguir uma lei moral racional.
No entanto, também ele é suscetível de ser desviado dela pelos desejos. Agir
moralmente, como se nota, é sempre uma batalha. Kant, como se observa, continua
atualizadíssimo. O desejo tem sido o estopim dos grandes males que atormentam a
humanidade. Por ele, cometem-se os atos mais vis ou crueis. Mas, o desrespeito com o pensamento
alheio tornou-se objeto de virulentos ataques e da oportunidade do destilamento
de ódio contra alvos preferidos. Recentemente, uma polêmica tomou conta da
mídia e das redes sociais. O presidente da OAB-DF, Ibaneis Rocha, deu entrada
na Comissão de Seleção e Prerrogativas daquela seccional em um pedido de
impugnação à inscrição nos quadros de advogados do ministro aposentado do STF,
Joaquim Barbosa. O impugnante lembra vários fatos praticados pelo ministro
contra advogados no exercício da profissão e até conceitos firmados em desfavor
da OAB. Cita o caso de Maurício Correia, ex-ministro do STF e ex-presidente da
OAB-DF, a quem lhe foi imputado pelo impugnado a prática do crime de tráfico de
influência previsto no Código penal, tendo salientado: “Se o ex-presidente
desta Casa, Ministro Maurício Correia não é advogado da causa, então, trata-se,
de um caso de tráfico de influência que precisa ser apurado”. Em sessão do CNJ,
generalizou suas críticas a juízes e advogados: “Há muitos juízes para colocar
para fora. Esse conluio entre juízes e advogados é que há de mais pernicioso.
Nós sabemos que há decisões graciosas, condescendentes, absolutamente fora das
regras”. Sobre a criação de novos Tribunais Regionais Federais, disse que “Os
Tribunais vão servir para dar emprego aos advogados e vão ser criados em resorts, em alguma grande praia”.
Outras
diatribes praticadas pelo antigo ministro do STF contra advogados foram
citadas, todas merecendo o repúdio da instituição em várias oportunidades. Mas,
o que se quer aqui registrar é o direito de petição que tem toda e qualquer
pessoa. Se há o bom direito na pretensão do battonier
da corporação advocatícia, esta vai ser avaliada, após o devido processo legal,
onde a parte impugnada vai ter a oportunidade de se manifestar e rechaçar os
argumentos produzidos contra si. Pronto, não há necessidade de tratar o evento
como se fosse um ato insano ou de retaliação. Soa estranho que um homem integrante
da mais alta Corte do país, que tratou a advocacia com desdém, fazendo
acusações generalizadas, queira, agora, fazer parte dessa mesma instituição. Penso que o homem quedou-se inerte ao seu
cotidiano. E toda vez que ameaçam esse cotidiano nos transformamos em feras
banais. É uma pena! Que fazer com pessoas que se contentam com uma primavera
sem flores? Apesar de tudo, como Vandré, ainda acredito nas flores vencendo o
canhão da insensatez.
Post Scriptum
Quarta-feira de
cinzas
Durante
a semana que estava escrevendo o artigo da quinzena passada (Ciclo da Vida, republicado
em 28/09/2014), indagava a alguns amigos sobre a felicidade. – o que era
felicidade? Recebi do amigo Luiz Eduardo Oliva, após publicação do artigo, o
seguinte e-mail: “Na quarta feira de
cinzas cai o pano. A vida volta à realidade. Os bacantes recolhidos salivam o
sabor azedo da ressaca. Há ainda uma confusão na mente, ressoa o eco dos dias
da tríade momesca. Vem a velha canção ‘carnaval desengano, deixei a dor em casa
me esperando e brinquei e gritei e fui vestido de rei, quarta-feira sempre
desce o pano!’ Ah, a felicidade... e afinal, o que é a felicidade? Indagava-me
ontem o velho Clóvis Barbosa ao brindar um Pinot
Noir numa cantina ítalo-sergipano nada momesca. Eis a pergunta para nenhuma
resposta convincente. A única que me ocorre é que a felicidade é a festa do
coração, dura enquanto durar a festa. Lembrei-lhe o grande J. Inácio, o mágico
pintor do amarelo, da luz do sol e das bananeiras nas terras Del Rey que um
dia, exaltando o pintor de paredes no seu ofício numa manhã nos anos oitenta
dum festival de arte de São Cristóvão, disse-me: ‘- Não sei porque os homens
fazem festas. Para mim a festa é o sol que invade meu quarto trazendo todas as
cores quando acordo e me diz: homem, vai pintar...’ Então lembrei a canção de
Haroldo Barbosa e Luiz Reis ‘...eu abri a janela e esse sol
entrou...de repente, em minha vida já tão fria e sem desejos...estes
festejos, esta emoção...luminosa manhã...porque tanta luz, tanto azul...é
demais pro meu coração...’ Vejo o quadro ‘Quarta-feira de cinzas’, obra do
pintor alemão Carl Spitzweg e observo quanta verdade há nele para retratar o
fim do carnaval... Um pierrot e sua realidade: finda a festa, de volta à prisão
da vida, uma tosca moringa d'água e um exuberante raio do sol da esperança a
atravessar as grades da prisão da vida... Carnaval desengano... Volto à
pergunta do velho Clóvis Barbosa: E a felicidade...? Uma luminosa manhã...”
- Publicado no Jornal da Cidade, edição de domingo e segunda-feira, 12 e 13 de outubro de 2014, Cqderno A-7.
- Postado no Blog Primeira Mão, em
12 de outubro de 2014, às 10h34min, sítio:
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