quarta-feira, 2 de janeiro de 2019
Aracaju Pitoresco e Lendário
Isto é História
Aracaju Pitoresco e
Lendário
Inácio Barbosa
Crônica de Zózimo Lima
Inácio Barbosa era um mestiço, pachola, cheio de fidúcias, em
virtude de ser detentor de uma carta de bacharel em Ciências Jurídicas e
Sociais e exercer, na época, o cargo de Presidente da Província de Sergipe, com
sede em São Cristóvão, a veneranda cidade que se debruça sobre o Paramopama não
pensava que um dia havia de perder o cetro de rainha que lhe dera o portuga colonizador Cristóvão de Barros. Mas não há,
nesta vida, estabilidade, principalmente, quando entra em jogo a política ou o
coração. Inácio Barbosa, além de não gostar da topografia cristovense,
impossibilitado de olhar, do seu Palácio, uma nesga de mar e a quilha dos
patachos nacionais e ultramarinos, não encontrava também, ali por perto, uma
cara bonita na qual pudesse descansar a vista cúpida de mulato vaidoso e
assanhado. Começou a matutar em como poderia sair daqueles montes e barrancos
onde só se ouvia o badalar de sinos agitados por frades preguiçosos que andavam
gordos de comer perus e curimãs.
Aracaju era uma praia fedorenta e baixa onde as febres de mau
caráter dizimavam caranguejeiros e fabricantes de beijus. Inácio Barbosa, um
dia, numa festa na Igreja da Misericórdia, enquanto atento ouvia uma peroração
empolgante do padre Barroso, deu com os olhos em linda moça, que na véspera
viera à Capital, procedente da feiticeira e progressista Laranjeiras. Dias
depois, em caravana composta de fidalgos de barbicha, andós, passa-piolho e
envergando redingote, Inácio chegava às portas da cidade que se orgulhava dos
milagres do Bomfim. O Presidente estava apaixonado e segredou ao brigadeiro
Horta que era seu intento mudar a capital para Laranjeiras. Dos engenhos do
importante município, destacava-se o “Brejo”, onde imperava a fidalguia dos
Diniz Gonçalves, Oliveira Ribeiro, e fazia parte desta família a moça bonitona
em quem Inácio pôs os olhos e o coração do infortunado João Tenório.
Foi, então, por iniciativa dos cidadãos em prol dos que
habitavam sobradões vetustos da Rua da Comandaroba, que se organizou elegante
festa na Casa Grande do Engenho do “Brejo”, onde compareceria o Presidente da
Província, este, satisfeito pela distinção de um convite que lhe fora feito
pela nobreza laranjeirense para aquela festa, ordenou a seu mordomo que
escovasse bem a patioba de sarja cor de vinho e lhe providenciasse a camisa com
punhos de renda de Malines e os sapatos duraque com fivela prateada. Um
fidalgo, Diniz, dava ordens aos escravos para a limpeza dos terreiros e das
cavalariças do “Brejo”, e severas matronas e graciosas senhoritas presidiam a
confecção dos doces e confeitos por mucamas peritas no mister.
Chegou o desejado dia da festança. Comendadores e barões de
diversos pontos da província se enterravam com volúpia nas galinhas, patos e
leitões e nos vinhos importados diretamente do reino português. As moças se
apresentavam com as mais finas arrecadas e anaguinhas de cachemira e gorgorão.
Inácio Barbosa, com o olho vítreo pelo vinho de Lisboa e a voz um tanto
pegajosa, formulou um brinde em que deixava, com audácia, escorrer paixão
melodramática que desvairadamente o empolgava. Um conviva que fazia praça de
sua descendência sem mescla de sangue afro tomou como insulto as declarações
veladas de Barbosa e respondeu inflamado, fazendo alusão às cabrochas e cafuzos
que se apaixonavam por criaturas inacessíveis aos seus impulsos amorosos.
Barbosa não quis mais conversa e cochichos e, encanfifado
pelos cantos, ruminava vingança, que se concretizaria em atos públicos que
levaria à ruína os Diniz Gonçalves. Lérias de apaixonado vigorosamente
derrotado e humilhado pelo fato de ter o cabelo tirado a pixaim. Mandou selar a
égua baia e a passo acelerado tocou para Maruim, onde, por uma noite, curtiu a
dor de cotovelo. Daí a 129 dias, pela resolução nº 413, de 17 de março de 1855,
Inácio Barbosa transferia de São Cristóvão para a areal e as praias mefíticas
de Aracaju a Capital.
- A próxima postagem vai mostrar
“COMO NASCEU ARACAJU, um artigo escrito pela redação da Revista de Aracaju, em 1944.
- Do livro “Aracaju Pitoresco e
Lendário”, de Murillo Melins, Empresa Gráfica da Bahia, 2015
- As imagens aqui reproduzidas
foram retiradas do Google.
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