quarta-feira, 25 de junho de 2014
Mulheres da Antiguidade - JEZABEL
Isto
é história
Mulheres Audaciosas da Antiguidade
JEZABEL
Vicki León
Como
você se sentiria se seu nome passasse a representar o mesmo que
“Superprostituta, sem-vergonha e sacrílega”? Isso foi o que aconteceu com
Jezabel, a rainha fenícia de Israel.
Levando
em conta o comportamento geral das rainhas, ela não era tão imoral ou perversa
assim. De fato, foi seu fervor religioso (e talvez uma mão pesada na
maquilagem) que a botou em maus lençóis. Filha do rei Etbaal da podre de rica
Tiro, Jezabel cresceu assistindo ao jogo político de cabo-de-guerra entre os
fenícios e os israelitas. Por um curto período, essas nações tornaram-se
parceiras no comércio e aliadas políticas, e o rei israelita concordou em casar
o seu filho Acab com Jezabel. Os recém-casados construíram uma casa de marfim
na capital judaica da Samaria e começaram a desembrulhar os presentes. Quem
disse que casamentos mistos não dão certo? O deslumbrado Acab logo começou a
fazer o que quer que fosse necessário para manter Jezabel feliz, o que para ela
significava construir um novo templo para cultuar os ritos de Baal. Acab e os
habitantes locais podiam aceitar isso; na realidade, alguns judeus achavam Baal
mais atraente do que Javé (o culto a Baal incluía várias práticas repugnantes
que já estavam ultrapassadas para os judeus, incluindo prostituição no templo e
o sacrifício de crianças). Jezabel também trouxe 400 sacerdotisas e 450
profetas com ela, que tiveram de ser hospedados, alimentados e abastecidos com
rações de incenso.
Entretanto,
esta rainha não era só do tipo sugadora. Quando Acab começou a desejar
ardentemente os vinhedos do vizinho ao lado, ela não descansou até que os
tivesse conseguido para ele – falsificando seu selo real num documento que
levou o dono dos mesmos a uma conveniente morte por apedrejamento. Seu
proselitismo, personalidade extravagante e situação de estrangeira fizeram dela
o mau exemplo perfeito para o profeta Elias. Elias e Jezabel tiveram brigas
incontáveis: ela venceu os rapazes de Baal numa exibição pública de profecias,
reivindicou o crédito pela previsão de uma seca e profetizou um fim
desagradável para ela, servindo de prato principal para um cachorro vira-lata.
Para poder ter um pouco de paz e tranquilidade, Jezabel finalmente escorraçou o
velhote para fora do país, onde ele morreu.
Já
de meia idade, Acab foi morto em batalha, o que encorajou Jeú, o comandante do
exército, a pular para o trono. Jeú tinha alguns assassinatos de faxina para
fazer, mas finalmente chegou a vez de Jezabel, para alegria da facção do profeta.
Vestindo uma roupa de arrasar, ela esperou à janela, zombando de Jeú
arrogantemente. Lívido, ele ordenou que os eunucos da casa a empurrassem para
fora, e em seguida a atropelou com sua carruagem, deixando o trabalho de
limpeza para os vira-latas locais. Mais tarde, sentindo-se mal sobre o lance
dos cachorros, ele foi recolher seu corpo para enterrá-lo – mas tudo o que a
unidade canina havia deixado foram os pedaços maiores de Jezabel, um eco
nitidamente suspeito das terríveis palavras do profeta Elias.
A autora
Vicki León
- A próxima postagem de Mulheres Audaciosas da
Antiguidade vai falar de “ELISSA”, sobrinha-neta de Jezabel, era uma
manipuladora de pessoas e via o mundo através da diplomacia. Foi praticamente a
mulher que fundou a cidade de Cartago que, num rápido tempo, transformou-se
numa potência mundial.
– Do livro “Mulheres Audaciosas da Antiguidade”,
título original, “Uppity Women of Ancient Times”, de Vicki León, tradução de
Miriam Groeger, Record: Rosa dos Tempos, 1997.
segunda-feira, 16 de junho de 2014
Mulheres de Atenas
Artigo Pessoal
Mulheres de Atenas
Clóvis Barbosa
Chico
Buarque e o teatrólogo Augusto Boal escreveram Mulheres de Atenas, que foi tema
musical da peça Lisa, a Mulher
Libertadora, de autoria do segundo. Não vi nem conheço a peça, mas tudo
leva a crer que trata da mesma personagem de Aristófanes, em sua comédia
satírica, burlesca, obscena, mas, sobretudo, revolucionária, de nome Lisístrata, escrita em 400 AC. A este
título, o tradutor acrescentou o termo A
greve do sexo. Voltando à peça, o apelo é feito na música a todas as
mulheres do mundo: “Mirem-se no exemplo
daquelas mulheres de Atenas. Vivem pros seus
maridos, orgulho e raça de Atenas. Quando amadas, se perfumam, se banham com
leite, se arrumam e quando fustigadas, não choram, se ajoelham, pedem,
imploram. Sofrem por seus maridos, poder e força de Atenas. Quando eles
embarcam, soldados, elas tecem longos bordados. E quando eles voltam sedentos,
querem arrancar violentos, carícias plenas, obscenas. Quando eles se entopem de
vinho, costumam buscar o carinho de outras falenas, mas, no fim da noite, aos
pedaços, quase sempre voltam pros braços de suas pequenas Helenas. Geram pros
seus maridos os novos filhos de Atenas. Elas não têm gosto ou vontade, nem
defeito nem qualidade, tem medo apenas. Não têm sonhos, só tem presságios, o
seu homem, mares naufrágios. Lindas sirenas! Temem por seus maridos, heróis e
amantes de Atenas. As jovens viúvas marcadas e as gestantes abandonadas. Não
fazem cenas, vestem-se de negro, se encolhem, se conformam e se recolhem às
suas novenas, serenas. Mirem-se no exemplo daquelas mulheres de Atenas”.
A música não fez justiça a essas mulheres.
Tudo bem que elas fossem tudo isso que foi poetizado. Acredito que até mais.
Aliás, em 1976, data do seu lançamento, houve acusações sérias a Chico, uma vez
que a letra da música seria uma ode à submissão feminina. Buarque retrucou,
justificando que a idéia era exatamente a contrária:
“Eu disse: mirem-se no exemplo daquelas mulheres que vocês vão ver no que vai
dar”. Mas me interessa aquelas mulheres atenienses, mesmo sendo ficção,
representadas pelo texto de um dos maiores dramaturgos da Grécia antiga,
Aristófanes. Através da peça “Lisístrata” ou “a greve do sexo”, usa a
abstinência sexual como fator determinante do fim de uma guerra. E quem agüenta
ficar muito tempo sem sexo? A coisa viaja à estratosfera e acaba por ganhar a
tonalidade da escuridão. Mas também, burrice tem que ser tratada com
brutalidade. Enquanto a grande ameaça para as cidades-estado gregas (Atenas e
Esparta) estampavam a bandeira Medo-Pérsio, os patetas pelejavam entre si. Foi
necessário que uma ateniense, de nome Lisístrata, conclamasse todas as mulheres
gregas a fazerem uma greve de sexo, forçando seus maridos a suspenderem a
batalha. Deu certo. Mas antes, ela teve que demonstrar todo o seu talento. Em
um diálogo com um comissário, chamado pelo Corifeu-Velho para interrogá-la
sobre a inusitada rebelião feminina, Lisístrata discursa: Trancamos as portas
da Acrópole prá dominar o tesouro. Onde está o tesouro está o poder. Sem
dinheiro não há guerra. O dinheiro que é usado na guerra, falta na paz. Por
isso a guerra é opulenta e a paz é miserável. Pisandro, o oligarca, vive
pregando mil rebeliões, e a cada uma aparece mais rico e mais potente. Pois
resolvemos acabar com isso. Nem mais uma dracma do povo será gasto na guerra.
Lisístrata teve um
trabalho árduo para colocar em prática a sua revolução sexual. Primeiro teve
que fazer uma lavagem cerebral nas mulheres, que até então viviam entornadas
nas festas de Baco, nos usuais
bacanais. Foi um trabalho diuturno de persuasão, mostrando a
necessidade de se deixar por um tempo os prazeres para se dedicarem aos
interesses da comunidade. E delas próprias, pois as ausências dos pais de seus
filhos duravam muito tempo, isso quando voltavam vivos das guerras. Pacto
fechado, perante Afrodite juraram: Eu não deixarei que nenhum homem do mundo,
marido, amante, ou mesmo amigo, se aproxime de mim de membro em riste; se for
tentada, reagirei, me transformando na própria tentação; me farei provocante,
usando minha túnica mais leve, pra que meu homem se queime no fogo do desejo,
mas jamais me entregarei a ele voluntariamente; e, se abusando da minha
fraqueza de mulher, quiser me violentar, serei fria como o gelo, não moverei um
músculo do corpo, nem mostrarei ao teto a sola das sandálias, nem o ajudarei me
botando de quatro como as leoas dos relevos assírios; e porque manterei meu
juramento, me seja permitido provar desta bebida. Todas beberam do vinho e
selaram o compromisso. A segunda parte do plano, então, foi concretizada.
Invadiram a Acrópole e expulsaram os burocratas, ocupando todo o prédio. A
terceira parte do plano era a de convencer as mulheres de Esparta, ao tempo,
também, que se livravam dos velhos e do seu Corifeu.
Ainda no diálogo
com o comissário, Lisístrata dá uma aula de política: se vocês tivessem um
pouco mais de bom senso iriam, como nós, buscar as grandes soluções nas coisas
simples. A tecelagem é uma lição política. Quando pegamos a lã bruta, o que
fazemos primeiro é tirar dela todas as impurezas. Pois faremos o mesmo com os
cidadãos, separando os maus dos bons a bastonadas, eliminando assim o refugo
humano que há em qualquer coletividade. Aí pegamos os que vivem correndo atrás
de cargos e proventos, e os classificamos como parasitas do tecido social.
O curioso na
comédia é que à época, para incentivar o crescimento da população ateniense, o
governo estimulava os cidadãos a terem vários filhos com mulheres diferentes, o
que seria crucial para as autoridades e população masculina, se a ficção tivesse
sido realidade. Mas, diferentemente das greves dos dias de hoje, essa presepada
de burgueses anticapitalistas, Lisístrata, na sua insurreição, criou o matiz da
paz. Ou para se ter amor é preciso
ter paz. Todos deveriam lê-la para entender que quem não dialoga perde. E vendo
e conhecendo Lisístrata, pensarão menos na escuridão da guerra e mais na
brancura do amar.
- Publicado no Jornal da Cidade, Aracaju-SE, edição de domingo e segunda-feira, 25
e 26 de novembro de 2012, Caderno B, página 11.
- Postado no Blog Primeira Mão, Aracaju-SE, dia 29.11.2012, 20:49:48:
sexta-feira, 6 de junho de 2014
Mulheres da Antiguidade - "J"
Mulheres Audaciosas da Antiguidade
“J”
Vicki León
Tudo
o que diz respeito a ela é provocante: sua ironia e compreensão da psicologia
humana; seu sexo; sua identidade, conhecida apenas como “J” (soa até como uma
mulher audaciosa do programa de proteção às testemunhas); e seus feitos
literários, que a fizeram a autora inicial do primeiro dos três livros do Velho
Testamento: Gênese, Êxodo e Números. “J” não é exatamente uma palavra familiar
– ou letra – ainda. Sua história começou em nosso século, quando arqueólogos e
estudiosos eruditos encontraram manuscritos muito antigos das Escrituras
Sagradas hebraicas e as classificaram por antiguidade e autor ou editor, sendo
“J” a primeira autora, seguida de “E”, “P”, e “R”.
O
ilustre autor e estudioso do assunto Harold Bloom considera hipoteticamente que
a Srta. “J” viveu em Israel na metade do século X a.C., uma era dourada da
literatura, durante os reinados de Salomão e de seu filho Roboão. Descendente
de família real ou nobre, como sua educação sugere, “J” atuava abertamente como
escritora, trocando confidências e dados com um colega, que era provavelmente o
historiador da corte. A narrativa picante deste seu colega sobre Davi e Betsabé
aparece no segundo livro de Samuel; assim como sua amigável rival, ele a
redigiu numa escrita fenícia-hebraica antiga.
“J”
escreveu seus trabalhos seis séculos antes da grande obra hoje conhecida como
Velho Testamento tomar forma. Intercalando uma variedade de autores de épocas
diferentes, o Velho Testamento (e seu equivalente Judeu, o Pentateuco) foi
reconfigurado por editores através dos séculos, os quais adicionaram, omitiram,
misturaram e traduziram com anotações e graus de precisão variados. Às vezes,
aparentemente assoberbado com tal tarefa, um determinado editor jogava a toalha
– é por isso que se vê mais de uma versão de um certo episódio.
Em
vez de ser considerada uma escritora religiosa pelo estudioso Bloom, “J” é
vista por ele como uma autora de virtuosismo sofisticado, cujos altos índices
de talentos para caracterização fizeram com que suas histórias sobre Moisés e
as fortes figuras femininas da Bíblia, como Tamara e Rebeca, fossem
inesquecíveis. Mas “J” estava fadada a encontrar aquela ruína de todos os
escritores, o editor (ou possivelmente editores) do inferno, que revisaram e
mais tarde enterraram seu trabalho num molde de versões mais pias e aceitáveis.
Seu retrato de Deus – chamado Javé em sua versão – era constrangedoramente
irônico. Como Bloom disse, “o esperto Javé de “J” aparece inicialmente como um
fomentador de discórdias e evolui para um líder intensamente nervoso de uma
turba indisciplinada de nômades do deserto”.
Antes
que você dispense “J” como uma fantasia da imaginação de um estudioso, dê uma
espiada no Livro de J, um livro
maravilhoso que expande a mente e cuja tradução por David Rosenberg preserva
muito do jogo de palavras e do tempero shakespeariano com que J” escrevia.
A autora
Vicki Leon
- A próxima postagem de Mulheres Audaciosas da
Antiguidade vai falar de “JEZABEL”, rainha fenícia de Israel, cujo nome passou
a representar os epítetos de “Superprostituta”, sem-vergonha e sacrílega.
- Do livro “Mulheres Audaciosas da
Antiguidade”, título original, “Uppity Women of Ancient Times”, de Vicki León,
tradução de Miriam Groeger, Record: Rosa dos Tempos, 1997.
- Todas As imagens foram extraídas do Google.
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