terça-feira, 27 de fevereiro de 2018
Elogio da Loucura
Opinião pessoal
Elogio da Loucura
Clóvis Barbosa
Dizia Baudelaire que é preciso embriagar-se para não ser escravo
martirizado do tempo, mas embriagar-se sem cessar! De vinho, de poesia ou de
virtude, à nossa maneira. Ultimamente estou vivenciando essa embriaguez, não do
vinho ou outra bebida qualquer, mas de literatura, filosofia, de reminiscências
e, sobretudo, da sabedoria da natureza. Durante trinta e cinco anos dediquei-me
com tenacidade à advocacia, profissão que garantia a sobrevivência minha e da
família. A advocacia me proporcionou participar da Ordem dos Advogados do
Brasil, onde tive a honra de ocupar os mais importantes cargos, como o de
presidente da Seção de Sergipe e de conselheiro federal por diversas vezes.
Também, nesse ínterim, ocupei importantes cargos públicos. O fardo do tempo,
entretanto, não me permitiu acompanhar os acontecimentos à minha volta. Era
preciso sobreviver. Deixei nas estantes os livros que não li, nos cinemas os
filmes que não vi,nos palcos os shows, as peças teatrais e os grandes concertos
que não assisti. A minha curiosidade só estava voltada para os livros técnicos,
processos, audiências e aqui e ali dando uma pequena contribuição à luta contra
a ditadura militar, pela redemocratização do país, pela cidadania e civilidade.
Confesso: não tive o necessário talento para enriquecer com a profissão. Sempre
fui romântico. O fato de ter estudado em escola pública fez com que eu me
tornasse devedor da classe trabalhadora. Com o seu imposto o meu estudo era
pago. Por isso, o meu escritório sempre esteve com as portas abertas para os
pobres e oprimidos. Pois bem. Aos poucos estou retirando das estantes os livros
empoeirados que não li, assistindo a filmes, peças teatrais, concertos e shows
que não vi. Deparo-me com um pequeno livro que comprei há mais de quarenta
anos, "Elogio da Loucura", de Erasmo Desidério, ou melhor,
Erasmo de Rotterdam, como era conhecido por ter nascido em Gouda, Holanda, perto
de Rotterdam, mais ou menos em 1469.
O livro é dedicado ao seu amigo, o grande autor de Utopia, Tomás
Morus, obra em que cria uma sociedade em que todos vivem em paz. Erasmo pede no
final da dedicatória: defenda com zelo esta loucura que agora lhe pertence.
Quem fala na obra é a loucura, e como todos a consideram uma doença
indesejável, ela propõe-se a fazer a sua própria apologia, ou como diz o
provérbio, se ninguém te louva, farás bem em louvar-te tu mesmo. O livro
é um libelo contra a filosofia, a fé e, sobretudo, o comportamento humano.
Erasmo é taxativo ao afirmar que a insanidade está presente na vida de todos
nós. É uma obra que ninguém deveria deixar de ler. De repente, deparo-me com a música
de Caetano Veloso, na voz de Maria Bethânia, Reconvexo. Lá pras tantas,
tá lá: Eu sou o cheiro dos livros desesperados, sou Gitá Gogoya / Seu olho
me olha, mas não me pode alcançar / Não tenho escolha, careta, vou descartar.
Fico intrigado e telefono imediatamente para meu irmão em Salvador. Pergunto-lhe
se "Gitá Gogoya" era aquela mulher que se vestia de roxo e vivia na Rua
Chile na porta da loja Sloper. Ele não soube responder. Tento falar com
Rodrigo, irmão de Caetano, em Santo Amaro, e nada. Falo com minha filha no Rio
de Janeiro e peço para tentar localizar Caetano. Ele está viajando com Maria
Gadu. Finalmente, recebo um e-mail de meu irmão me informando que Gitá
Gogoya é outra personagem popular, porém da cidade de Santo Amaro, cidade
onde nasceu Caetano Veloso. Incrível! Como pode uma música, de repente, me
transportar para um passado distante e me colocar diante de uma mulher que me
causava temor? O olho dela me olhava, mas eu não deixava o seu olho me
alcançar, como dito na música. A Rua Chile, na época, década de sessenta do
século passado, era o ponto chique da capital baiana, onde as melhores lojas
estavam ali instaladas. Eu tinha muito medo daquela mulher de quem se contava
estórias escabrosas. Diziam que ela era macumbeira do mal e torcedora do
Vitória.
Em todo jogo do Bahia e Vitória ela fazia um bozó gigantesco
nas imediações da Fonte Nova para amarrar as pernas dos jogadores do Bahia.
Diziam também que não podíamos deixá-la nos olhar nos olhos, pois teria ela o
poder de nos transformar em sapo. Muita coisa era dita sobre a Mulher de Roxo, mas, na verdade, eram
mitos. Ela foi uma misteriosa lenda viva que viveu em Salvador. As versões da origem
de sua loucura são várias: que fora uma moça educada e muito instruída e que
sofrera, na sua juventude, uma desilusão amorosa; que ela teria perdido uma
grande fortuna em dinheiro e imóveis; que teria visto a mãe matar o pai,
suicidando-se depois. Enfim, sua verdadeira história ainda é desconhecida. A
verdade é que ela se transformou em uma grande personagem da capital baiana, lembrança
eterna para todos que lá viveram nos idos de 1960. Seu nome verdadeiro teria
sido Florinda Santos. Cumpria religiosamente o horário comercial. Era só as
lojas abrirem as suas portas que ela chegava de mansinho, sempre descalça, de
manta longa caracterizada por um veludo violáceo, um enorme crucifixo no peito
e parava na loja Sloper, um magazine frequentado pela alta sociedade
soteropolitana. Certo dia, a Mulher de Roxo surpreendeu a todos ao
desfilar pela Rua Chile, no seu ritual diário, desta vez, vestida de noiva, com
buquê, véu e grinalda. Esta cena impactou a todos e fez com que ela se tornasse
ainda mais conhecida. Uma grande onda de comoção tomou conta da população que a
conhecia. Ela passou a ser mais respeitada, embora fizesse da sarjeta o seu
ambiente de trabalho, sempre maquiada no rosto e nos lábios. Glauber Rocha, no
filme O Dragão da Maldade contra o Santo
Guerreiro, baseou-se nela para incluir cenas com uma moça de manta
roxa. Ela morreu na década de 1990, já
octogenária, mas a sua presença nas ruas de Salvador ainda nos traz gratas
recordações.
É isso! Perquiro como Erasmo: seria suportável a vida, nas suas
desilusões e desventuras, se a loucura não suprisse as pessoas de um ímpeto
vital irracional e incoerente? Não é mérito da loucura o haver no mundo laços
de amizade que nos liguem a seres perfeitamente imperfeitos e defeituosos?
Aliás, a Bíblia já diz que o número de loucos é infinito,
ou que todo homem se torna louco por sua sabedoria, ou que no coração
dos sábios, a tristeza; no coração dos loucos, a alegria. Finalmente, a
loucura fala na voz de Erasmo: Digam de mim o que quiserem, pois não ignoro
como a loucura é difamada todos os dias, mesmo pelos que são os mais loucos. Sou
eu, somente eu, por minhas influências divinas, que espalho a alegria sobre os
deuses e sobre os homens. Como diria um provérbio grego, “Muitas vezes, até
mesmo o louco raciocina bem”.
Post Scriptum
Será que ele
era...
Filomeno era uma
figura enigmática da década de 60 do século passado em Aracaju. Vivia envolvido
no mundo cultural e, diga-se de passagem, era uma espécie de mecenas,
estimulando os jovens com aptidões artísticas a se desenvolverem em suas artes.
Outra grande paixão era o candomblé. Algumas pessoas, talvez por despeito,
diziam que Filomeno gostava mesmo era de namorar os meninos. Mas, justiça se
faça, ninguém, mas ninguém mesmo, jamais comprovou qualquer ato de pedofilia
praticado por ele. Certa vez, eu estava no Cine Palace conversando com Djaldino
Moreno, o jornalista Barrinhos e o gerente do cinema, Valfrido. Nisso, aparece
Filomeno com quatro jovens. Barrinhos não deixou por menos: - Lá vem Dona Filó e seus meninos. Mas o
tempo passou e Filomeno desapareceu. Depois veio a notícia de que havia se
casado com uma moça de Itabaiana, de educação rígida, chamada Laura. As pessoas
íntimas do casal diziam que a mulher mais bruta e atrevida empatava com ela. Nas
rodas de amigas, quando se falava em sexo, para se gabar, era peremptória: - Com ele ou sem ele tem sexo aqui em casa
todos os dias,às 21 horas. Na verdade, Laura tinha certa dúvida sobre o
passado de Filomeno e a marcação em cima dele, como se diz no futebol, era de
“homem a homem”. Ele só saía com ela e nada de cerveja com amigos, futebol ou
candomblé. Certa vez, ela abriu uma exceção e foi com Filomeno no terreiro de Lê, no Bairro Cirurgia. Começou a dança
e, de repente, Filomeno desapareceu da vista de Laura. Aturdida, passou a procurá-lo.
Ele estava dançando na roda, com os braços para cima e para baixo, olhos
revirados, num remelexo sensual que faria inveja a uma dançarina do “É o
Tchan”. O pau quebrou na moleira de Filomeno. Enraivecida, Laura puxou Filomeno
pelos braços, ele caiu, e ela o arrastou gritando para que todos ouvissem:
“Vamos prá casa, safado, que você não é viado não!”
- Publicado no Jornal da Cidade, Aracaju-SE, edição de domingo e
segunda-feira, 4 e 5 de janeiro de 2015, Caderno A-7.
- Postado no Blog Primeira Mão,
em 06 de janeiro de 2015, às 06h56min, conforme site:
sábado, 17 de fevereiro de 2018
Mulheres da Antiguidade - AGRIPINA
Isto é História
Mulheres Audaciosas da Antiguidade
AGRIPINA
Vicki León
O nome Claros, um oráculo na
costa da Turquia com vista para a ilha grega de Samos, não nos diz nada hoje em
dia. Nos tempos de Agripina, a Jovem, ele certamente dizia. Em 18 d.C., o
oráculo previu que Germânico, uma popular celebridade militar e pai de Agripina,
estaria morto dentro de um ano. Ele morreu, e as ações de Claros subiram até as
nuvens.
Trinta anos mais tarde, quando
Agripina já tinha se casado e divorciado duas vezes, e seu tio, o imperador
Cláudio, estava procurando sua terceira esposa, Claros entrou em cena outra
vez. Os jogadores romanos diziam que a corrida para imperatriz estava pau a pau
entre Agripina e Lolia Paulina, filha de um cônsul. Lolia fez uma viagem rápida
para perguntar ao oráculo quem sobreviveria ao corte. Não só o oráculo estava
errado, errado, errado, mas a vencedora fez seu próprio corte. Cláudio escolheu
casar com Agripina, que celebrou a escolha forçando Lolia a se suicidar com a
clássica espada romana.
Agripina Júnior tinha suas
próprias cruzes para carregar, é claro. Agripina, a Velha era sua íntegra e
impetuosa mãe, era a “boa”, um desempenho sempre difícil de superar. Depois,
havia seu irmão Calígula, que tinha insistido em dormir com ela e suas irmãs;
ela se vingou do trauma do incesto participando de uma conspiração malsucedida
contra ele, pela qual foi exilada. O pior de tudo é que, em seu primeiro
casamento, Agripina havia dado à luz um nome feio de quatro letras que
soletravam Nero. Até mesmo o pai do garoto avisou: “Qualquer criança que
tenhamos estará fadada a se tornar uma ameaça pública”.
Entretanto, Agripina, a Jovem,
não via as coisas do mesmo jeito que ele. Um ano após as suas núpcias, ela
apoquentou Cláudio para adotar seu anjinho adolescente, embora já existisse um
herdeiro. O imperador entregou os pontos, garantindo assim sua saída precoce (e
a de seu herdeiro) do mundo dos vivos.
Com um temperamento
extremamente nervoso, Agripina agora tinha conseguido o que seu coração
desejava: um adolescente de dezessete anos que governava. Eles iam juntos a todos
os lugares. Nero usava a frase “a melhor das mães” como uma senha para sua
guarda. Agripina Júnior adorava aquele negócio de mamãe imperial, mesmo que seu
filho de vez em quando tentasse pular e cima dela. Ciente das pequenas
fraquezas de seu filho adolescente (paranoia, estranhos parceiros sexuais), ela
contratou Sêneca, o mais famoso filósofo da época, para trabalhar com ele. A
ética sensata de Sêneca manteve o lado sombrio do garoto controlado por algum
tempo. Todavia, Nero finalmente se irritou em relação à intimidação e ao
cérebro de Agripina por trás do trono, e teve a coragem de cortar o cordão
umbilical.
Isolada do poder palaciano em
sua propriedade costeira em Bauli, Agripina debruçou-se para escrever um
relatório completo sobre sua família. Deve ter sido um ótimo livro de bolso
pornográfico para levar para a praia! O historiador Tácito o devorou, até mesmo
citando passagens dele em seu livro – o único fragmento que restou.
Enquanto isso, Nero, um medroso
crônico, divisou um novo esquema perfeito para matar a mãe: um cruzeiro só de
ida num barco com um teto de chumbo que entraria em colapso. Os técnicos
fizeram um trabalho malfeito, atingiram outra mulher, e Agripina nadou para
local seguro – mas só temporariamente. Uma segunda tentativa, desta vez em
terra, foi bem sucedida, depois do que a rainha-mãe foi cremada em seu próprio
sofá. Anos antes, quando os astrólogos tinham avisado que Nero seria o
imperador e mataria sua mãe, Agripina replicou: “Ele tem toda a liberdade para
me matar, contanto que se torne imperador”. Essa senhora não ficava atrás de um
bom jogador de cartas profissional: sabia que tinha de pagar para jogar.
A Autora
Vicki León
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A próxima postagem de “Mulheres Audaciosas da Antiguidade” vai falar de LOCUSTA,
uma envenenadora profissional que viveu por volta de 331 a.C. Ela foi
responsável pela morte do imperador Cláudio, a mando de Agripina, a Jovem,
preparando uma boa dose de veneno.
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Do livro “Mulheres Audaciosas da Antiguidade”, de Vicki León, tradução de
Miriam Groeger, Editora Rosa dos Tempos.
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As imagens aqui reproduzidas foram retiradas do Google.
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