segunda-feira, 30 de novembro de 2015
Mulheres da Antiguidade - Taís de Atenas
Mulheres Audaciosas da Antiguidade
TAÍS DE ATENAS
Vicki León
Uma
vendedora de sexo se dava muito bem. Taís iniciou sua carreira como uma cortesã
de grife de Atenas e a terminou regiamente, casando-se com sua paixão favorita,
um general que se tornou rei do Egito. Além de ter uma mobilidade ascendente,
Taís era sempre a mais animada numa festa. Por essa razão, ela foi convidada a
ir ao resplandecente palácio de Persépolis, onde Alexandre, o Grande, estava
dando uma festança de vitória em 330
a . C. Seu par era Ptolomeu, um dos generais mais
importantes de Alex. Após um longo dia, bebendo vinho esfriado na neve com um
grande número de moças flautistas, cortesãs e animais de festa macedônios, Taís
decidiu agitar as coisas. “Lembra-se de como o rei Xerxes profanou nossa
Acrópole em Atenas durante a guerra?”, disse ela a Alex, que aquela altura
estava bêbado como uma gambá. Taís, como outros gregos, tinha uma memória
privilegiada: aquela determinada guerra com os persas havia acontecido 150 anos
antes. “Está na hora de pagar na mesma moeda – vamos queimar o palácio”.
Nada
como um incêndio premeditado para animar uma festa: todos puseram grinaldas
dionisíacas (um sinal grego de “vale-tudo”) e iniciaram uma fileira em estilo
de conga. Alex valeu-se de sua posição e jogou a primeira tocha; Taís pôde
jogar a segunda. Como acontece às vezes com os anfitriões, Alex recobrou um
pouco de sobriedade em relação a toda aquela confusão e finalmente ordenou que
alguém apagasse o fogo. Tarde demais. O gigantesco e magnífico palácio já
estava sendo consumido pelo incêndio incontrolável. Os arqueólogos, que
encontraram muito pouco nas ruínas do palácio além de pedras e cinzas, teriam
classificado aquela festa de realmente quente – e uma história memorável de uma
garota que vingou seu território natal com uma pequena combustão provocada por
ela mesma.
A autora
Vicki León
- A próxima postagem de Mulheres Audaciosas da
Antiguidade vai falar de “CORINA E AS SUAS COMPANHEIRAS POETAS”, ela, natural
de Tânagra, viveu no século V, a. C., era uma contemporânea de Píndaro. Você
vai conhecer, além de Corina, Anite de Tegra, admirada pelos seus encantadores
epigramas e Erina de Telos, poeta obsessiva.
– Do livro “Mulheres Audaciosas da Antiguidade”,
título original, “Uppity Women of Ancient Times”, de Vicki León, tradução de
Miriam Groeger, Record: Rosa dos Tempos, 1997.
- Todas As imagens foram extraídas do Google.
terça-feira, 17 de novembro de 2015
Ratos e Homens
Artigo pessoal
Ratos e homens
Clóvis Barbosa
Volto à temática acerca do sentido da existência
humana, tão explorada, em todos os tempos, pelos mais variados campos de
conhecimento. Quem somos? O que fazemos? Para onde vamos? Quem nos move? Por incrível que pareça esta preocupação não
é de agora. Contudo, continuamos no mesmo lugar: impotentes diante do absurdo
do mundo e da barbárie cada vez mais injustificada. O que é que está havendo
com o homem? Será que a verdade está numa quadrinha de autor desconhecido que
diz: De tanto encontrar canalhas penso
que Deus, por capricho, resolveu fazer da terra um depósito de lixo? Parece-nos
que nada evoluiu desde o dia em que Kierkegaard, o grande filósofo dinamarquês
do século XIX, falou que a sociedade em geral estava contaminada pela
condescendência e hipocrisia. Aliás, uma fase de sua vida mundana foi
importante para a sua transformação. Nesta fase, chegou a dizer que “com um rosto eu rio e com o outro eu choro”,
mostrando o lado falso de uma vida fútil, fixada na busca intensa do prazer,
mas que invariavelmente deixa sentimentos de tédio e insatisfação. A procura do
significado da vida fez com que ele deixasse um legado extraordinário para a humanidade
através das suas obras filosóficas, como “Ou
isso ou aquilo”, que fala de dois modos de vida, o ‘estético’ e o ‘ético’;
“Repetição”, que trata do conflito de
um jovem prestes a casar e o temor ao compromisso ético que esse pacto exige; já
“Temor e tremor”, analisa os
conflitos entre as demandas da ética e da religião; e em “O conceito de angústia”, se concentra nos momentos da vida onde a
angústia precede a fé. Conta ainda que desde Darwin sabemos que compartilhamos
a nossa origem com o mais dos insignificantes seres do reino animal. E a grande
diferença entre nós e o rato, por exemplo, é que temos que enfrentar um inimigo
muito poderoso, que está ao nosso lado e em todo lugar, sempre preparado, como
uma cobra, pronta para dar o bote: a estupidez.
Albert Einstein dizia: Só duas coisas são infinitas, o universo e a estupidez humana, mas não estou seguro sobre a primeira. E o pior é que os ensinamentos estão aí à disposição de todos, mas, infelizmente, não aprendemos e teimamos em repetir os mesmos erros. Vestimos a couraça da vaidade e da arrogância e, quando fazemos besteiras, sempre culpamos a inconsciência ou nos justificamos com a célebre frase ‘errar é humano’. O problema é que o homem não assimila os bons ensinamentos e opta quase sempre pela mediocridade como exemplo. Esquece-se de ouvir ou ouve mal e incorpora maus sentimentos em seu cotidiano. Não sabem o que é a gratuidade, pois vivem sempre à espera de compensações e do seu egoísmo. É sempre desconfiado, violento, sempre dedicado a defender-se de tudo que possa ameaçar os seus privilégios. Vitimiza-se de tudo e de todos porque estes estão sempre procurando prejudicá-lo. Não sabe perdoar, não tem censo de autocrítica, é injusto e mesquinho. Penso que Nietzche tinha razão ao dizer que “Deus acertou ao limitar a inteligência humana, mas errou em não limitar a burrice”. Estou com Vinícius de Moraes: Quem já passou por essa vida e não viveu. Pode ser mais, mas sabe menos do que eu. Porque a vida só se dá pra quem se deu. Pra quem amou, pra quem chorou, pra quem sofreu. Ah, quem nunca curtiu uma paixão nunca vai ter nada, não. Não há mal pior do que a descrença. Mesmo o amor que não compensa é melhor que a solidão. Abre os teus braços meu irmão, deixa cair. Pra que somar se a gente pode dividir. Eu, francamente, já não quero nem saber de quem não vai porque tem medo de sofrer. Ai de quem não rasga o coração, esse não vai ter perdão. Pois bem, o grande desafio é a luta para a criação de uma nova estrutura ética para o homem. De compromisso com o seu crescimento interior, que sempre é um processo de conversão e esta exige luta interior, onde o denodo e a vontade de mudar estejam presentes.
Albert Einstein dizia: Só duas coisas são infinitas, o universo e a estupidez humana, mas não estou seguro sobre a primeira. E o pior é que os ensinamentos estão aí à disposição de todos, mas, infelizmente, não aprendemos e teimamos em repetir os mesmos erros. Vestimos a couraça da vaidade e da arrogância e, quando fazemos besteiras, sempre culpamos a inconsciência ou nos justificamos com a célebre frase ‘errar é humano’. O problema é que o homem não assimila os bons ensinamentos e opta quase sempre pela mediocridade como exemplo. Esquece-se de ouvir ou ouve mal e incorpora maus sentimentos em seu cotidiano. Não sabem o que é a gratuidade, pois vivem sempre à espera de compensações e do seu egoísmo. É sempre desconfiado, violento, sempre dedicado a defender-se de tudo que possa ameaçar os seus privilégios. Vitimiza-se de tudo e de todos porque estes estão sempre procurando prejudicá-lo. Não sabe perdoar, não tem censo de autocrítica, é injusto e mesquinho. Penso que Nietzche tinha razão ao dizer que “Deus acertou ao limitar a inteligência humana, mas errou em não limitar a burrice”. Estou com Vinícius de Moraes: Quem já passou por essa vida e não viveu. Pode ser mais, mas sabe menos do que eu. Porque a vida só se dá pra quem se deu. Pra quem amou, pra quem chorou, pra quem sofreu. Ah, quem nunca curtiu uma paixão nunca vai ter nada, não. Não há mal pior do que a descrença. Mesmo o amor que não compensa é melhor que a solidão. Abre os teus braços meu irmão, deixa cair. Pra que somar se a gente pode dividir. Eu, francamente, já não quero nem saber de quem não vai porque tem medo de sofrer. Ai de quem não rasga o coração, esse não vai ter perdão. Pois bem, o grande desafio é a luta para a criação de uma nova estrutura ética para o homem. De compromisso com o seu crescimento interior, que sempre é um processo de conversão e esta exige luta interior, onde o denodo e a vontade de mudar estejam presentes.
Essa mudança está cada vez mais difícil, mas é a luta
do bom combate do apóstolo Paulo: despertar as consciências e libertar o homem
do egoísmo, da vaidade e da ganância. Gracian
(A Arte da Prudência) acentua que a
vida humana é uma luta contra a malícia do próprio homem, adiantando, também,
que conhecimento sem bom senso é uma dupla loucura. A insensatez, lamentavelmente,
é um cancro que impregna o tecido humano, vicia a alma e destrói os sonhos.
Está presente em todos os lugares, entre as classes mais abastadas e entre as
menos favorecidas. Entristece, contudo, quando a inteligência sucumbe à
insensatez. Não cabe, aqui, discutir as origens desse rebaixamento moral, mas é
importante enfrentarmos o dragão verde que solta bolas de fogo pelas narinas
existente em nós, como pensado por Nietzsche. Ele não pode continuar impedindo
o nosso peregrinar em busca da perfeição. A bíblia ensina que “assim como algumas moscas
mortas podem estragar um frasco inteiro de perfume, assim também uma pequena
tolice pode fazer a sabedoria perder todo o valor” (Ec 10,1). Estamos no limiar
de um ano novo. Fazemos dele o caminheiro da evolução do homem e de uma nova
oportunidade de seu progresso. Ando teimando com o tema. Fui buscar o título na
obra de John
Steinbeck (1902-1968), um californiano que teve toda a sua obra baseada nas
anotações que fazia da sua região. Ele é Nobel de Literatura de 1962. Dentre
suas obras está “Ratos e homens” (Of mice
and men), que trata do tema da fraternidade, bem como sobre a crueldade de
um mundo que não admite o estabelecimento de um vínculo entre dois homens. Faço
minhas as palavras de Steinbeck: “Eu
podia passar a noite toda falando coisas, mas depois você ia esquecer, e eu ia
ter de falar tudo de novo”.
Retratos da
vida - O Checheiro [1]
Filadélfio é
um sessentão rabugento que vive sozinho numa casa do centro da cidade de
Aracaju. Só duas casas residenciais existem espremidas no trecho. Ali, pelo
dia, funciona o comércio com lojas e órgãos públicos e privados. À noite, travestis
perambulam de lá para cá oferecendo seu corpo aos passantes. – É
cada carro ‘pancada’, meu irmão, que sai com as ‘meninas’. Disse ele a um
professor da Universidade que estava com alguns alunos fazendo uma pesquisa na
área. É de Pajero pra cima, falava
orgulhoso da sua bisbilhotagem. Até casal
vem aqui rebocar os ‘traveco´. Tem
um, todo jeitoso, com cara e corpo de mulher que faz sucesso. No mínimo ele faz
10 a 12 programas por noite. O professor perguntou pelo nome da “beldade”,
e de pronto ele respondeu: - Bárbara.
Ao concluir, com cara de nojo, arrematou: - é
uma sem-vergonhice. Não sei como alguém tem coragem de fazer sexo com essas
almas sebosas. O professor saiu satisfeito com o resultado das informações
precisas recebidas. Tinha anotado o nome de quinze ‘meninas’, todas caracterizadas pelos seus trejeitos, tão bem minimamente
detalhado por Filadélfio. Não teve dificuldade em conversar com cada uma delas.
Idade, faturamento diário, violência, nível social da clientela, tipos de
relação sexual, além de outras questões, foram colacionadas. Essa turma passou
cerca de um mês fazendo esse trabalho de extensão e nunca mais teve contato com
Filadélfio. Um dos alunos, impressionado com a riqueza dos detalhes relatados por
Filadélfio sobre a vida das “moças”, ousou perguntar a uma das ‘meninas’ se
conhecia a sinistra figura. – Seu
Filadélfio, o checheiro. Eu mesma recebi dois chechos. Ele se deu mal com
Vaneska. Tomou uma surra de “cipó caboco”. Tá no hospital com a bunda, a chibata
e as costas em carne viva.
[1] Checheiro ou xexeiro – caloteiro, aquele que contrata um programa
sexual e não paga.
- Publicado no Jornal da Cidade, Aracaju-SE, edição de
domingo e segunda-feira, 19 e 20 de janeiro de 2014, Caderno A-7.
- Postado no Blog Primeira Mão no domingo, 19 de janeiro
de 2014, às 16h18min, sítio:
- Postado
no Notíciasaju no domingo, 30 de
março de 2014, às 09h02min, sítio:
- Todas as fotos
foram retiradas do google.
segunda-feira, 9 de novembro de 2015
Mulheres da Antiguidade - Cinisca
Isto
é história
Mulheres Audaciosas da Antiguidade
Vicki León
Até
Cinisca aparecer, “sair atrás do ouro” não significava empenho olímpico –
acontecia que as mulheres espartanas bem-nascidas eram proprietárias de 40 por
cento dos bens imobiliários na Lacônia. Mas o fato de ser uma baronesa
latifundiária entediava a inflexível Cinisca; ela preferia usar sua
determinação e riqueza para abrir os Jogos Olímpicos para as mulheres. Entre os
espartanos, meninas e mocinhas seguiam uma longa tradição de prática de luta
livre, corrida, equitação e tomar banho nu com os garotos nas águas geladas dos
rios. Soa altamente estimulante, mas o principal objetivo era produzir mães com
bom preparo físico e bebês mais saudáveis que futuramente fossem soldados.
Felizmente, o produto derivado do preparo físico feminino espartano foi uma população
feminina mais independente.
Bem
cedo na vida, Cinisca, que era louca por cavalos, começou a criar e treinar
seus próprios animais. Ela também começou a influenciar seu irmão, então rei de
Esparta, para que ele a deixasse se inscrever numa corrida de carruagens de
quatro cavalos nos Jogos. O mais chocante de tudo é que ela evidentemente
queria conduzir a charrete, como as mulheres espartanas faziam comumente em
festivais e na vida diária. Se ela tomou as rédeas ou contratou um cocheiro, é
uma conclusão que continua indefinida. Cinisca ganhou pelo menos três medalhas
de ouro em sucessivas olimpíadas, o que lhe deu direito a uma estátua de
bronze, quase de tamanho natural, junto com seus cavalos nos templos de Zeus em
Olímpia e Esparta. Sua inscrição exultante diz: “Os reis de Esparta eram pais e
irmãos meus; com minha carruagem e cavalos tempestuosos, eu, Cinisca, ganhei o
prêmio, e aqui coloco minha efígie para proclamar que, de todas as mulheres
gregas, fui a primeira a ostentar a coroa”. Ela merecia se regozijar. Graças à
Cinisca e às mulheres que ela encorajou a seguir sua conduta, as mulheres
gregas deixaram de ser os prêmios nas
competições atléticas dos tempos troianos, e passaram a ser as premiadas.
A autora
Vicki León
- A próxima postagem de Mulheres Audaciosas da
Antiguidade vai falar de “TAÍS DE ATENAS”, uma vendedora de sexo que se
aproveitou da bebedeira de Alexandre, o Grande, para incendiar completamente um
palácio.
– Do livro “Mulheres Audaciosas da Antiguidade”,
título original, “Uppity Women of Ancient Times”, de Vicki León, tradução de
Miriam Groeger, Record: Rosa dos Tempos, 1997.
- Todas As imagens foram extraídas do Google.
terça-feira, 3 de novembro de 2015
As Núpcias da Princesa CIgana
Artigo pessoal
As núpcias da princesa cigana
Clóvis Barbosa
Nada mais extasiante do que o espetáculo de uma
mulher nua. Pela nudez feminina, o rei Davi viu-se encurralado. Enquanto Israel
sangrava na guerra e os soldados judeus verberavam suor, Davi meditava pela varanda
de seu castelo. De lá, avistou uma jovem a banhar-se. Nua. Deliciosamente nua.
A limpidez arquitetônica daquele singelo corpo o hipnotizou. O monarca, possesso,
indagou quem seria tão rara espécime. Responderam tratar-se de Betsabéia,
esposa de Urias, filha de Eliam. O rei, ainda assim, não se conteve. E mandou
trazer-lhe a moça, embora casada, para o seu quarto, onde a estuprou. Sucede que Betsabéia engravidou
e mandou dar ciência a Davi da tragédia. Ele empalideceu. A coisa piorou ainda
mais com a maldição que lhe foi irrogada pelo profeta Natã. Quem quiser
conhecer toda a história, que se debruce sobre os capítulos 11 e 12 do segundo
livro de Samuel. Relevante, por enquanto, é reconhecer que a perdição de Davi
principiou com a delirante nudez de uma mulher. E que mulher!
Mas isso foi há cerca de mil anos antes de Cristo.
Todavia, de lá para cá ninguém resiste ao perfume que a nudez feminina é capaz
de borrifar. Quase três mil anos depois de Davi ter sido enfeitiçado por Betsabéia,
a princesa cigana Ana Maria atiçou a volúpia de outro membro da realeza desse
especial povo (também conhecido sob a denominação romas): Birita Mihai. Ela, com doze anos; ele, com quinze. O
episódio passou-se na Romênia em 2003. Foi um pandemônio. Gente ligada aos
direitos humanos, com o apoio de uma parlamentar européia, pugnou pela anulação
do casamento. O rei cigano Florin Cioaba, pai da noiva, não esmoreceu, mesmo
diante dos protestos de quem bradava, durante a cerimônia: “Abaixo Birita”. Ana
Maria, uma ninfa cigana de áurea exuberância, estava aos prantos. Mas teve que
aceitar os desígnios da cultura dentro da qual foi gerada. Casou e, naquela
mesma noite, foi desvirginada.
A imprensa dá conta de que, soberbamente, a
família do nubente exibiu um lençol branco ensanguentado, comprovando que a
virilidade de Birita Mihai subjugara a adolescente, a qual se viu compelida à
consumação do cerimonial. Quem encontrar uma foto da princesa Ana Maria talvez
compreenda a concupiscência de Birita Mihai. Ela é de uma lindeza egípcia. De
uma pintura parnasiana que só os dedos de Michelangelo seriam capazes de
conceber. A perfeição de Ana Maria, por si só, já absolveria Birita Mihai. O
problema é que Birita não apenas teria pecado.
Para muitos, ele delinquira. Por quê?
Fácil. Porque a lei romena só autoriza que garotas com mais de quinze anos
tenham relações sexuais, sem ressaltar que tão-somente aquelas que exibem mais
de dezesseis podem convolar núpcias. Numa palavra, Birita, em tese, estuprara
Ana Maria. E, tal qual Davi, ele também teve o seu Natã: os intelectuais dos
direitos humanos, que, às vezes, se esquecem de estudar direito penal.
Na época de Davi, falar em direito penal era
gracejar com o Pentateuco: “olho por olho; dente por dente”. Nada de humanitário
nessa filosofia! Mas em pleno século XXI? Os europeus desaprenderam tudo sobre
a teoria do crime? Olvidaram os blocos de composição da culpabilidade?
Desprezaram o erro de proibição? Não deram sequer a mínima importância para o
fato de que o vestido da noiva custou quatro mil euros! Esse pessoal, de quando
em vez, extrapola os marcos da sensatez e descamba para o universo da
esquizofrenia. De qualquer maneira, é salutar dar umas pinceladas na doutrina
penal, a fim de que os acusadores de Birita Mihai tenham uma chance de rever
esse posicionamento ordinário e moralista. Com efeito, crime é fato típico, ilícito e culpável. Os
dois primeiros componentes levam em conta o comportamento
reprovável; o último se concentra na reprovabilidade do sujeito.
Fato típico, integrado por conduta, resultado (nos
crimes materiais), nexo causal e tipicidade, é o encaixe da ação humana
na lei penal. Assim, por exemplo, o art. 121 do código penal diz: “matar
alguém”. Dessa forma, se A mata B, o fato é típico,
pois se amoldou ao mandamento proibitivo contido na lei incriminadora. À
perfeita subsunção dá-se a denominação tipicidade.
Mas isso não significa poder prognosticar que A cometeu um crime. É que, além
de típico, o fato deverá ser ilícito. Veja-se que outros dados
relevantes estão sendo aqui postos de escanteio, a exemplo das teorias da
conduta, buriladas ao longo de anos por cientistas do naipe de Liszt, Beling,
Radbruch (causalismo), Welzel (finalismo), Jescheck e Wessels (teoria social da
ação), sem falar no funcionalismo (Claus Roxin e Günter Jacobs), até porque o
propósito é enfrentar a culpabilidade,
acerca da qual ainda se discorrerá. Retorne-se, por conseguinte, à ilicitude,
segundo bloco do comportamento criminoso. Ilícito é, genericamente, todo fato
típico que vem à tona sem o pálio das excludentes,
hajam vista estado de necessidade, legítima defesa, estrito cumprimento do dever legal e exercício regular de direito.
Portanto, se A mata B, mas mata porque B queria
assassiná-lo, antes e sem justa razão, A não comete crime, embora tenha aperfeiçoado
um fato típico. É que A agiu em legítima defesa. Logo, seu comportamento não é
ilícito. Mas não é só. Ainda há a culpabilidade. Culpabilidade é a
possibilidade de impor uma censura àquele que praticou fato típico e ilícito.
Várias escolas tentaram diagramar a culpabilidade: o talião, o direito romano,
o bárbaro, o da Idade Média, o da modernidade (onde se destaca o nome de
Beccaria), a escola clássica, a imundície que foi a escola positiva italiana,
com as lengalengas de Lombroso, Ferri e Garofalo, até a atualidade, com a
substancial preponderância de Mezger. Ora, três fatores, aos quais se dá a
denominação de dirimentes, laboram na
concepção de culpabilidade, quais sejam a imputabilidade,
a consciência potencial da ilicitude
e a exigibilidade de conduta diversa.
Assim, se A (maior de dezoito anos, mentalmente sadio, cônscio de que seu ato é
criminoso, com o adendo de que dele podia exigir-se outra conduta) mata B, isso
associado ao fato de que ele não o matou revestido de quaisquer das excludentes
de ilicitude (também conhecidas como justificativas),
A comete um crime: fato típico, ilícito e culpável.
Imagine-se, porém, que A não tenha a potencial consciência da ilicitude de
seu ato. Por exemplo: todos sabem que, na Holanda, o uso da maconha é descriminalizado.
Assim, vislumbre-se um turista holandês, que vem a Sergipe, e, na praia de
Atalaia, supondo que a legislação daqui não reprime a utilização da cannabis, resolve, abertamente, dar um
trago na marijuana. Ora, o fato
praticado pelo holandês é típico. Também
é ilícito. Mas ele não é culpável, porquanto lhe falte a
potencial consciência da ilicitude. Como o ordenamento pátrio adotou a teoria limitada da culpabilidade, essa
dirimente é conhecida no direito brasileiro como erro de proibição, vale dizer, uma suposição equivocada de que um dado
comportamento (fumar maconha) é lícito. É o caso do príncipe cigano Birita
Mihai. Por conta de sua cultura, ele e todos os que compactuaram com o casamento,
não são culpáveis. A isso a ciência do direito refere-se como valoração paralela na esfera do profano.
Por quê?
Ora, o profano é o não-iniciado na ciência do
direito. Suas concepções sobre a ordem normativa em muito são influenciadas por
questões sociais, morais, religiosas. O próprio mestre Reale categoriza que o que leva o
indivíduo a cumprir a norma jurídica são os valores espirituais, morais,
financeiros, culturais etc., em face
dos quais ele foi moldado. Assim, o príncipe cigano não cometeu crime algum.
Dentro de sua mente, desenhada na conformidade de uma cultura secular, ter relações
com uma jovem de doze anos era algo absolutamente tolerável. A cátedra de
Immanuel Kant, a propósito, disseca haver uma diferença ontológica entre as
coisas como elas são vistas (phenomena)
e as coisas como de fato elas são (noumena).
Birita Mihai andou pela senda do phenomena,
mesmo porque o homem, segundo ensinava o ativista político Ortega y Gasset, é ele e suas circunstâncias. A valoração
paralela na esfera do profano, em síntese, isenta Birita Mihai de qualquer
pena, malgrado os conservadores europeus quisessem sua cabeça. Coisa de um povo
sem capacidade de amar calientemente,
sem energia sensual, sem libido. Coisa de quem é oportunista na aplicação da
lei penal. Todo moralista, no fundo, é um fanfarrão.
Que o diga García Márquez, em “memória de minhas putas tristes”.
Para essa rapaziada, fica a lição que Olavo Bilac
deu, em 1888, quando lançou o livro Sarças
de Fogo. O primeiro poema dessa obra, intitulado O julgamento de Frinéia, narra a história de uma cortesã grega que
foi levada ao Areópago porque estaria corrompendo a moral das famílias helênicas.
O acusador, Eutias, exige a condenação de Frinéia, valendo-se de um argumento moral.
Afinal de contas, todo acusador que se preze sempre apela para uma moral tão vagabunda quanto ele, a fim de que seus
pontos-de-vista, quase sempre tacanhos, prosperem. Passada a acusação, o povo
quer Frinéia condenada. Os juízes querem Frinéia condenada. É a vez da defesa.
Fala o advogado, Hiperides, cujo timbre de voz se confunde com o sabor da
liberdade. Advogados trabalham pela liberdade. Ainda assim, os espectadores
permanecem irresignados. Frinéia capitulará. Desse modo, Hiperides apela para o
profano. Arranca a roupa de Frinéia,
deixando-a magnificamente nua. Nua e
reluzente. Tão quanto Betsabéia. Tão quanto Ana Maria. E o Areópago, em apoteose,
prolata uma sentença de absolvição.
De fato, o profano, sabiamente, às vezes traspassa o jurídico. O argumento
profano vem da cabeça do homem ponderado, do homem que enxerga o direito dentro
de um sistema que consagra outros valores. O argumento profano, assim como a
nudez de Frinéia, deixa a “multidão
atônita e surpresa, no triunfo imortal da carne e da beleza”.
Obs.
Artigo republicado a pedido.
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