sábado, 29 de agosto de 2015
Meu Irmão Déda - Etnia, Idioma e Similitude
Artigo pessoal
Meu irmão Déda:
Etnia,
idioma e similitude.
Clóvis Barbosa
Não queria me
despedir de Déda. Ficaria em casa naquela segunda-feira. O traslado do seu
corpo já havia sido feito, e ele estava sendo homenageado pelo povo e
autoridades, inclusive a presidente da república, no prédio que ele mandou restaurar, o Palácio Olímpio Campos. Um filme passou
pela minha mente. As imagens surgiam como se estivéssemos voltando a trilhar os
mesmos caminhos andados em 37 anos de amizade, forjada no amor e nas
divergências. Muito carinho de um pelo outro, mas brigas também. Tudo começou
no Colégio Atheneu, onde fui dar um curso de história do cinema ao lado de Nilo
Jaguar, Djaldino Moreno, Alberto Carvalho e Antônio Jacintho Filho, onde quatro
meninos mostraram interesse pelo curso, Déda, Oliveira Júnior, Aragão e Evandro
Curvello, quarteto que só andava junto e partilhava dos mesmos interesses
culturais. Depois, veio a política, no PT e nos movimentos sociais, a
advocacia, no início de sua carreira, a noite, no Baixo Barão, Scooby-Doo, Bar do Vinícius, Gosto Gostoso e tantos outros. De 1990 a 1996, ficamos de mal,
embora em 1994 ele recebesse o meu voto, da minha família e amigos na sua
candidatura vitoriosa a Deputado Federal. Não nos falávamos. Mas eu sempre
falava dele, e ele de mim para amigos comuns. A noite
chegava e minha angústia aumentava cada vez mais.
Não, eu tenho que ir ao Palácio
Olímpio Campos. Eu tenho que vê-lo pela última vez. Olho seu rosto, dou-lhe um
beijo e volto para casa. Uma multidão na praça. Consigo entrar pelos fundos e
subo, cambaleante, a escadaria até a sala onde o seu corpo estava estendido. Ao
vê-lo, a emoção tomou conta de mim. Choro bastante. Recomponho-me e passo a
imaginar o cenário criado pelo poema de Walt Whitman, O Captain! My Captain. Subverto o texto e passo a me exprimir em
voz baixa: - Sobre o deque meu capitão jaz, frio e morto tombado, enquanto lá
fora as bandeiras do PT tremulam. Pedi-lhe: - Ergue-te, Ó capitão! Meu capitão!
A nossa viagem ainda não está finda, Ó capitão! Meu capitão! Ergue-te e ouve os
sinos; ergue-te - o clarim garganteia, por ti buquês e grinaldas engalanadas -
por ti eles chamam, a massa oscilante volta-lhe suas faces ansiosas; eis
capitão! Querido amigo! Este braço sob sua cabeça colocado! - Meu capitão não
responde, seus lábios estão pálidos e silentes. Meu querido amigo não sente meu braço, não tem pulso, a vontade ausente.
Lembrei-me do
seu aniversário de 50 anos. Fiz um artigo com o mesmo título do poema de Walt
Whitman. Ali, eu perquiria que fatores identificariam os homens, a ponto de
uni-los mediante laços de afeto? O que levaria alguém a não medir sacrifícios
por um amigo e, até mesmo, a definir outrem como tal? Por que nós nos ajuntamos
em bandos, grupos, partidos ou tribos, projetando marcas que nos distinguem de
outros, em face dos quais não encontraríamos afinidade? Após filtrar, com
rigor, ideias que deixei fluir com naturalidade, creio ter chegado a uma
razoável conclusão. Segundo elas, três seriam os ingredientes que imantariam os
indivíduos, irmanando-os e fazendo deles emergir uma mesma frequência, na forma
de acordo com a qual captariam a sonoridade do mundo, ou no modo de enxergar as
aflições que nosso coração faz ecoar pelas curvas da vida. Penso que etnia,
idioma e similitude de propósitos são os pilares que nos põem no mesmo bloco.
Por isso,
emocionei-me com a homenagem que se prestava ao nosso Déda, que estava
completando meio século naquele ano de 2010. Que beleza! Nessa fase da vida, o
alemão Bach já havia formatado a Arte da
fuga e escrito seus mais importantes trabalhos, a exemplo de O cravo bem temperado e da Paixão segundo São Mateus. Quando Bach tinha
cinquenta anos, adveio-lhe o filho caçula, que acabou por seguir carreira
idêntica à do pai. Naquele dia de festa, 11 de março, nasceu Astor Piazzolla,
que, aos cinquenta anos, já produzira seus mais reluzentes tangos (as
obras-primas Adiós Nonino e Libertango). Pois é, com apenas
cinquenta anos, Déda, artífice da palavra, estilista no trato com a
administração pública e regente singular do Estado, já tinha sido, na política,
quase tudo que se possa conseguir galgar.
No executivo,
só não ocupou a presidência da república, mas foi prefeito da capital de seu
Estado (Aracaju), por duas vezes (eleito pela primeira vez aos quarenta anos),
e governador de Sergipe, também duas vezes (sempre vencendo no primeiro turno).
Já no legislativo, apenas não ocupou uma cadeira de vereador e outra de
senador. Mas foi, com menos de trinta anos (em 1986), o deputado estadual mais
votado do pleito. Com menos de trinta e cinco anos (1994), elegeu-se deputado
federal, com a maior votação do Estado, reelegendo-se em 1998. Para mim,
todavia, dois anos, em especial, são marcantes: 1977 e 2000. Em 77, vi, pela
primeira vez, o imberbe Déda num curso de cinema no Atheneu, como dito acima.
Na época, eu era presidente do Clube de Cinema de Sergipe. Juntamente com
barbudos e velhos comunistas, exibi, malgrado percalços e riscos, o
“Encouraçado Potemkin”, de Serguey Eisenstein. Com efeito, os riscos advinham
do fato de a obra de Eisenstein expor a ditadura do czar. E nós vivíamos uma
ditadura. No ano anterior (1976), por exemplo, desencadeara-se a “Operação
Cajueiro”, na qual ilustres sergipanos foram presos pelo regime de exceção. Mas
o jovem e denodado Déda estava lá, como que, encouraçadamente, peitando a
ditadura. Os anos se passaram. Cheguemos, então (e sem rodeios), a 2000. Estava
eu (com um pouco mais de cinquenta anos), na sacada do meu escritório, na Rua
Laranjeiras, edifício Aliança, nas adjacências da agência central da ECT,
observando a passeata da virada de Déda. Era a eleição para a prefeitura de
Aracaju. Ele começara atrás nas pesquisas, mas, crescendo a cada dia, tomou a
dianteira e disparou (venceria com quase 53% dos votos válidos). De cima do
trio-elétrico em que conclamava a multidão, Déda viu-me e, olhando-me nos
olhos, gritou, para todos ouvirem: “Clóvis
Barbosa, seu lugar é aqui. Do nosso lado. Saia daí. Eu conheço sua história”.
Ri com o gesto, acenei e agradeci. Depois, entrei e chorei. Nada demais. Jesus
também chorou.
Dois ou três
anos depois, lá estava eu, procurador-geral do prefeito Marcelo Déda, aquele
mesmo menino de dezessete anos. Agora, timoneiro de um novo encouraçado. De lá
para cá, sempre estivemos juntos. Sim, e o porquê dessa amizade? Respondo. Sou
de Estância. Mas meu pai era de Simão Dias, terra de Déda. Além disso, por ter
sido do partidão (PCB), do antigo MDB e do PT (nos primórdios), minha linguagem
política, assim como a de Déda, está ligada ao trabalhismo (este é o idioma que
falamos, o idioma dos trabalhadores, o idioma da esquerda, marcadamente da
latino-americana). Nosso propósito ideológico, ademais, é o mesmo: construir
uma sociedade mais justa, onde a força do trabalho supere a exploração do
sangue e do suor do operário. Vejam, pois, que eu e Déda compartilhávamos da
etnia, do idioma e dos propósitos. Daí, meu orgulho por ter, de alguma forma,
inspirado o jovem que se tornou meu ídolo.
Déda via o mundo pelos olhos do povo. Era um agente de transformação
social. Ele tinha o arquétipo do político ideal: aquele que detém a magia de
transformar derrotas em vitórias e vitórias em conquistas ainda mais
memoráveis. Diferentemente do político estúpido, cuja débil ossatura só é capaz
de projetar a engenharia do caos. Quando vencedor, transforma a vitória em
derrota; quando derrotado, transforma a perda em sepultamento. O estúpido, na
política, não morre inúmeras vezes. Morre apenas uma. A morte política,
entretanto, depende mais da perspectiva do derrotado, do que do tratamento que
lhe é conferido pelo vencedor. Daí, a necessidade de encarar cada batalha
apenas como uma fase do longo processo que é a biografia política. Veja-se, por
exemplo, a biografia política do jovem Marcelo Déda. Perdeu algumas batalhas?
Sim. Mas por que transpira um ar como que de invencibilidade? Porque digeriu as
derrotas, capitalizando-as, a fim de, mais tarde, lucrar com elas.
Mas, e o
vazio que a ausência de Déda vai deixar em todos nós? Dizem que saudade é a
sétima palavra de mais difícil tradução e, também, de difícil conceituação. O
que é saudade? Neruda dizia que saudade é amar um passado que ainda não passou,
é recusar um presente que nos machuca, é não ver o futuro que nos convida. O
nosso menino Déda foi embora precocemente sob os aplausos do povo e o adeus dos
seus amigos e familiares. Mas ele vai voltar. Agora, com as suas cinzas
renascendo no Parque da Sementeira em forma de árvore.
Clóvis
Barbosa escreve quinzenalmente aos domingos.
- Publicado no Jornal da Cidade, Aracaju-SE, edição de
domingo e segunda-feira, 8 e 9 de dezembro de 2013, Caderno A-7.
- Postado no Blog Primeira Mão no domingo, 8 de dezembro
de 2013, às 17h14min, sítio:
domingo, 16 de agosto de 2015
Mulheres da antiguidade - Calipatira
Isto
é história
Mulheres Audaciosas da Antiguidade
CALIPATIRA
Vicki León
Calipatira
– que literalmente significa “Sra. Bom Papai” – era da Grécia. Ela começou sua
vida com o nome de Ferenique, recebendo mais tarde seu apelido pelos feitos
insolentes e fora do comum que a fizeram famosa. Ferenique veio da ilha de
Rodes, sendo de uma família de atletas e de superestrelas olímpicas, desde seu
pai Diágoras, campeão de boxe em 464 a.C., a seus irmãos, que durante décadas
dominaram o boxe e o pancrácio (uma mistura exibicionista do boxe, luta livre e
sadismo). Quando Ferenique e seu marido, Calíanax, tiveram dois meninos que se mostraram
promissores como boxeadores, a família começou a pensar: é hora de continuar a
dinastia! Realmente, o rapaz mais velho levou a medalha de ouro no boxe
masculino, e a dinastia estava rolando outra vez.
Então
o destino interveio – Calíanax morreu. A jovem viúva maníaca por esportes ficou
devastada. Era suficientemente ruim ter perdido seu companheiro, mas ainda por
cima seu filho mais jovem Pisodoro, já preparado para a Nonagésima Oitava Olimpíada, tinha perdido seu treinador. E também não era um pequeno detalhe
técnico: competidores e treinadores eram obrigados a morar na vila olímpica
diversos meses antes do evento, seguindo regras severas de dieta e
comportamento. Proveniente de uma família de machos que não se davam por
vencidos, Ferenique não estava disposta a deixar que esse detalhe fosse um
obstáculo no caminho de seu promissor campeão. Ela assumiu o trabalho de deixar
o rapaz capacitado e em perfeita forma.
Debaixo
de um sol tórrido de julho, foram abertos os Jogos Olímpicos de 388 a.C. com a
devida cerimônia. Ferenique vestiu um uniforme de treinadora (um roupão
comprido drapeado de um modo especial), pegou uma tradicional vara comprida com
uma forquilha (a melhor coisa para cutucar quem está sendo treinado) e começou
a se misturar obstinadamente aos outros, filtrando seu caminho até entrar no
recinto reservado aos treinadores para assistir à competição. Em sua era, as
mulheres casadas estavam proibidas de participar dos Jogos Olímpicos até mesmo
como espectadoras; aquelas desobedientes que acabavam presas eram jogadas de um
conveniente penhasco próximo. Isto não significa que alguma mulher já tivesse
tentado, entretanto, por segurança, é possível que Ferenique tenha usado uma
barba falsa para se misturar melhor com o pessoal.
Pisodoro
competiu furiosamente e venceu sua disputa. Rindo estridentemente de
satisfação, sua mãe pulou a barreira que separava os atletas dos treinadores.
Infelizmente, seu pulo revelou muito mais do que sua felicidade. Quando
souberam que o treinador era mulher e membro de uma ilustre família de atletas
olímpicos, os juízes ficaram num dilema. Finalmente, o caso foi resolvido por
meio de um acordo tipicamente grego: Pisodoro recebeu a coroa, sua mãe pode
sair da Olimpíada andando, em vez de ser jogada do penhasco, e o comitê
olímpico aprovou uma lei estipulando que, dali por diante, tanto treinadores
como atletas participariam nus nas olimpíadas. A Sra. Bom Papai acabava de
entrar para o livro de recordes.
Maior colecionadora do People’s
Almanac do que o escritor Michener, Panfília escreveu uns 33 livros. Filha
e esposa de indivíduos eruditos, ela viveu em Epidauro no sudeste da Grécia,
lugar famoso por seu santuário de teatro e saúde. Além de noveletas sobre
desejo sexual e resumos históricos, Panfília, escreveu uma miscelânea de
matérias populares – algo do tipo “pacote misto”, com citações, adivinhações e
anedotas, em uma enciclopédia desordenada que ela achava agradável. É difícil
imaginar quando ela encontrava tempo para escrever. Sua casa presenciou um
desfile de convidados, desde os cultos amigos do maridinho a um ator que estava
em tempo integral ao redor de sua mesa de jantar. Convidados que ficavam se
alimentando em troca de fofocas e boa lábia eram chamados pelos gregos de
“parasitas”. Qualquer escritor rico o suficiente para sustentar parasitas e
acesso a uma boa biblioteca, como era o caso da prolífica Sra. Panfília, devia
dispor de outras rendas. Consultada durante séculos, hoje só restam farrapos do
pacote misto de Panfília, espalhados entre os restos igualmente desordenados de
outras literaturas da antiguidade.
A autora
Vicki León
- A próxima postagem de Mulheres Audaciosas da
Antiguidade vai falar de “ASPÁSIA”, que viveu por volta da metade do Século V,
a.C. em Mileto, e era uma mulher inteligente. Foi viver em Atenas, onde manteve
uma relação amoroso com Péricles, o filósofo.
– Do livro “Mulheres Audaciosas da Antiguidade”,
título original, “Uppity Women of Ancient Times”, de Vicki León, tradução de
Miriam Groeger, Record: Rosa dos Tempos, 1997.
- Todas As imagens foram extraídas do Google.
segunda-feira, 10 de agosto de 2015
É Proibido proibir
Artigo Pessoal
É
proibido proibir
Clóvis Barbosa
Entro na polêmica das biografias autorizadas. Para começo de história, sou contra a ingerência do biografado ou
herdeiros, na obra do autor. Também, tenho ojeriza a
autor, seja na biografia, crônica, artigo, tese, etc., que quando são
processados pela suposta prática de calúnia, difamação ou injúria, passam atacar o ofendido como um cerceador
da liberdade de expressão e que o ato de ir à Justiça pedir reparação ao dano
causado seria uma forma de censura. Ao contrário, isto é cidadania. Quem tiver
a sua honra atingida por um escrito, deve sim pedir explicações, seja através
do direito de resposta, interpelação, ação criminal ou reparação de danos. Os
instrumentos jurídicos existem para isso. Agora, ficar o pretenso ofensor
vociferando e tirando uma de vítima, aporrinhando instituições sérias com suas
anomalias, não deixa de ser coisa de barraqueiro medíocre. Eu mesmo já respondi
a oito processos em face dos meus escritos. Nunca fui me esconder atrás das
saias de grupelhos corporativistas e jamais dei publicidade. Simplesmente fui
para o embate ou, num caso, retratei-me diante da injustiça que entendi ter
causado.
Mas voltemos ao tema principal. Não dá para entender
as derrapagens dadas por Caetano Veloso, Chico Buarque, Gilberto Gil e Roberto
Carlos, dentre outros participantes de um grupo denominado “Procure saber”, que
resolveram defender a tese de que as biografias deveriam ser autorizadas pelo
biografado. Primeiro, ressalto, que sou admirador do talento musical de todos
eles. Li todas as obras de Chico e sou leitor semanal das crônicas de Caetano.
Segundo, que tais
comportamentos vão de encontro às próprias experiências de vida de todos eles em seus discursos musicais. Se alguém escrever qualquer tipo de ataque à honra de
Chico Buarque, por exemplo, o que isso vai alterar a sua grande obra musical e
literária? Em nada!
Há uns três anos foi lançado em Paris um livro que
causou a maior polêmica. Tratava-se de uma obra
de Michel Onfray, doutor em filosofia, defensor do hedonismo, do ateísmo e da
anarquia, autor de mais de 40 livros. A obra, “Le Crépuscule d’une Ídolo –
L’affabulation
Freudienne” é tida como um
morteiro de alto calibre direcionado à vida
e obra freudiana. Após passar o sarrafo na psicanálise, acusando-a de ser uma
ciência nazista e fascista, entra na vida pessoal
de Freud, acusando-o de se apropriar de textos de Schopenhauer e Nietzsche, de
ser um burguês inveterado pela
celebridade e até de manter uma relação adúltera
com uma cunhada que vivia em sua casa. Por fim, taxa-o de falocrata, misógino e homofóbico. A reação ao escrito de Onfray, segundo
matéria publicada na Folha de São Paulo, edição de 25 de abril de 2010,
Caderno Mais, vieram de dois intelectuais: Elisabeth
Roudinesco, psicanalista, nascida em 1944, professora de História da
Universidade de Paris, autora de “Em defesa da Psicanálise” e a “A Parte
Obscura de Nós Mesmos”; e John Forrester, Chefe do Departamento de História e
Filosofia da Ciência na Universidade de
Cambridge, no Reino Unido, autor de “Seduções da Psicanálise”. Roudinesco,
inclusive desafiou Onfray para um debate e ele não aceitou. Interessante, tanto
o nazismo como o fascismo não morriam de amores pela psicanálise. E sabem de
uma coisa: não estou nem aí para o que dizem de Freud. O que interessa é o
legado que ele deixou para a humanidade, como o enfoque que ele dá à questão do desenvolvimento humano.
Claro que não acredito que Caetano e companhia
tivessem a intenção de controlar o que se escreve sobre eles. Mas cometeram um
grave equívoco naquele primeiro momento. Roberto Carlos, por exemplo, já disse
que é a
favor de biografias não
autorizadas, desde que haja alguns “ajustes”. Que “ajustes”?
Aquele imposto pelo próprio biografado? Meu amigo Roberto, escrever uma
biografia, em princípio, é um ato de homenagem, de estima e de respeito ao
biografado. É claro que aqui ou ali vai ter casos de biografias de achaques à honra e dignidade, como aquele a que me referi
sobre Freud. Por outro lado, quem envereda pelo mundo da vida pública, como é o caso dos artistas e dos políticos, têm que entender que embora o ordenamento jurídico
proteja a honra, tutele o decoro e ampare a dignidade do cidadão, não se presta
para satisfazer caprichos, para atender injustificáveis melindres ou para
encampar exageradas susceptibilidades. Portanto, é o preço que se paga por ter
uma vida pública. Quem não quiser correr tal risco deve limitar suas atividades
ao campo dos negócios privados. Algo idêntico evidencia-se na literatura. Poetas,
romancistas etc., publicam suas obras. Esperam aplausos do
público. Acontece que, frequentemente, a crítica é inexorável. Sempre haverá alguém para descer impiedosamente o sarrafo na produção
artística do literato. Pois bem, se o poeta ou o romancista não desejarem
submeter-se a esse desgaste, devem seguir o conselho contido na ponderação de Júlio
Dantas: “A liberdade de criticar
consagra um direito incontestável. E quem, pela sua excessiva
sensibilidade, pela sua delicadeza doentia, não pode ou não quer ser criticado,
não publica livros”.
Por isso tudo, enfatizo e ratifico que qualquer
cidadão com pendores para a pesquisa e com vocação para as letras, pode e deve
escrever sobre a vida de quem quer que seja, sem qualquer tipo de cerceamento
ao seu direito de livre manifestação do pensamento, desde, evidentemente, que
respeite a honra alheia e seja fiel à verdade
contida em suas pesquisas e material colhido. Vetar a publicação de biografias
que não tenha a autorização
prévia é censura e vai de encontro ao estado de direito democrático. Ademais,
quem não quiser ter a sua vida estudada e avaliada, faça como a grande atriz
Ava Gardner, que escreveu a sua autobiografia. Na orelha do seu livro de memórias, “Minha História”, ela diz: “se eu não contar a minha versão da história, será
tarde demais e aí algum biógrafo vai agir por conta própria, acrescentando
incorreções”.
A verdade é que todo
o barulho nesse caso das biografias foi originado na Ação Direta de
Inconstitucionalidade proposta pela Associação Nacional dos Livros (ANEL)
contra as disposições dos artigos 20 e 21 do Código Civil, que dizem: Art.
20. “Salvo se autorizadas, ou se
necessárias à administração da justiça ou
à manutenção da ordem pública, a divulgação de
escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a
utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e
sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou
a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais”. Parágrafo único. “Em se tratando de morto ou de ausente,
são
partes legítimas para requerer
essa proteção o cônjuge, os ascendentes ou os descendentes”. Art. 21. “A vida
privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a requerimento do
interessado, adotará as providências necessárias para
impedir ou fazer cessar ato contrário a esta norma”.
Enfim, na certeza de que essas normas estariam
corretas e numa falsa premissa que os interesses dos artistas estariam sendo
vilipendiados pela ação dos editores de livros, o “Procure Saber” partiu em
defesa do texto do Código Civil. Colocou-se mal na fita e foi mal interpretado.
Afinal, Caetano Veloso, como ninguém, sabe que “é proibido proibir”.
- Publicado no Jornal da Cidade, Aracaju-SE, edição de
domingo e segunda-feira, 24 e 25 de novembro de 2013, Caderno A-7.
- Postado no Blog Primeira
Mão no domingo, 24 de novembro de 2013, às 21h03min, sítio: http://www.primeiramao.blog.br/post.aspx?id=6631&t=e-proibido-proibir
domingo, 2 de agosto de 2015
Mulheres da Antiguidade - Gorgo
Isto
é história
Mulheres Audaciosas da Antiguidade
GORGO
Vicki León
Os
espartanos eram os Gary Cooper da Grécia: corajosos, austeros, escassos na
fala, abundantes na ação. Eles até tinham uma fala arrastada – sendo que o
caipira espartano era um tipo banal na comédia grega. Entretanto, em torno de
500 a.C., uma garotinha loquaz e educada chamada Gorgo, filha do rei Cleômenes,
se tornou uma heroína do povo. Durante séculos, suas piadas e ditos chegaram às
antologias e às conversas ao redor da mesa. Esta Shirley Temple espartana
começou a produzir anedotas com a idade de oito anos. Nesta ocasião, ela estava
ouvindo escondida uma conversa entre seu pai e um diplomata, que estava ocupado
tentando convencê-lo a lutar contra os persas, oferecendo-lhe mais e mais
dinheiro. Gorgo constrangeu a agressiva técnica de vendas do sujeito falando
estridentemente o equivalente a: “Cuidado, pai, se você não expulsar logo esse
cara desta casa, ele será a sua ruína”.
Com
a idade de mais ou menos vinte anos, Gorgo casou com Leônidas, um líder
espartano que mais tarde iria conquistar a fama de ter sido o general mais
corajoso da guerra com os persas. O fato de ter casado não limitou seu estilo.
Gorgo continuou sendo a resposta da era a.C. a Erma Bombeck. A despeito de sua
reputação de escassez, de agir como máquina de guerra da pesada, os espartanos
tinham uma maneira provocante de manter os casamentos excitantes: os maridos
não viviam com suas esposas, mas sim com os outros homens nos quartéis. Na
noite de núpcias e daí por diante, o noivo se esgueirava para o quarto da noiva
depois que escurecia para dormir com ela. Além disso, para sua “primeira vez”,
em vez de usar uma camisolinha sensual, a noiva cortava o cabelo à escovinha e
usava uma capa e sandálias masculinas!
Embora
com a loquaz Gorgo possa ter sido difícil falar alguma coisa, Leônidas conseguiu
lançar duas boas frases. Quando ele estava dizendo adeus, de partida para lutar
com os persas, Gorgo perguntou: “E se você não voltar”? (Estava claro que ela o
amava; as mulheres espartanas não deviam dizer coisas loucamente sentimentais
como essa). Ele respondeu: “Case com um homem honrado e tenha crianças
saudáveis”.
Realmente,
Leônidas morreu defendendo a passagem de Termópilas com trezentos dos seus
melhores homens. Como resultado, um aliado espartano na Pérsia, ao saber que o
rei Xerxes planejava invadir o resto da Grécia, enviou uma mensagem para avisar
aos espartanos. Para conseguir mandar a mensagem através das linhas inimigas,
ele pegou uma tábua coberta de cera, comumente usada para escrever notas,
raspou a cera, escreveu a mensagem na madeira, e a cobriu com cera nova, para
que parecesse que a tabuinha estava em branco. Quando ela chegou a Esparta,
nenhum dos generais conseguia descobrir o segredo, até que Gorgo apareceu e
disse espertamente: “Simples, pessoal – a mensagem está na madeira”.
Durante séculos, as pessoas acreditavam que as mulheres da
área rural da Tessália, uma grande região montanhosa ao nordeste de Atenas,
tinham o poder de fazer a lua descer quando bem entendiam. Como é que esta
história começou? Como muitas outras lendas, do núcleo da verdade histórica
sobre Aglonice, que pode ter sido nossa primeira mulher astrônoma. Intelectual
filha do rei Hegeter, ela estudou a observação do céu com os talentosos caldeus
da Mesopotâmia, concentrando-se no ciclo lunar de dezoito anos que eles haviam
descoberto, chamado de Saros. Durante o ciclo de Saros, os eclipses tanto da
lua como do sol se repetem quase na mesma ordem do ciclo precedente. Quando
Aglonice tornou pública sua prática, seus companheiros tessálio tiveram ataques
de superstição. Vendo que a lógica não a levaria a lugar algum, Aglonice se
acomodou ao seu papel de “feiticeira” e abriu a sua própria tenda de profecias
por encomenda. Seus anúncios de eclipse pode muito bem ter precedido a profecia
de 585 a.C. feita pelo filósofo grego e observador celeste, Tales,
invariavelmente apontado como o “primeiro” astrônomo.
A Autora
Vicki León
- A próxima postagem de Mulheres Audaciosas da
Antiguidade vai falar de “CALIPATIRA”, que viveu por volta dos anos 500 a.C.,
na Grécia, e era maníaca por esportes.
– Do livro “Mulheres Audaciosas da Antiguidade”,
título original, “Uppity Women of Ancient Times”, de Vicki León, tradução de
Miriam Groeger, Record: Rosa dos Tempos, 1997.
- Todas As imagens foram extraídas do Google.
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