Os portões da OAB, a escadaria de Odessa
Em 1930, foi criada a OAB, cujo rito histórico não tinha nada a ver com cachaça. Isso, até 7 de dezembro último, data da consulta pública aos advogados sergipanos, realizada a fim de que fosse concretizada a lista sêxtupla com os candidatos à vaga de desembargador do Tribunal de Justiça. Engraçado. A OAB até que teve sua biografia estilhaçada por bombas. Que o diga agosto de 1980, quando radicais de extrema-direita enviaram uma carta-bomba à sede da Ordem, na avenida Marechal Câmara (RJ), para matar seu então presidente, Seabra Fagundes. Terminaram assassinando a secretária, Lyda Monteiro. A história de D. Lyda também não guarda qualquer sintonia com cachaça. Ela morreu lúcida. Especialmente, com lucidez cívica. De fato, civismo e civilidade não são ingredientes muito comuns aos cachaceiros. Cachaceiros, efetivamente, gostam mesmo é de cachaça. A história da cachaça é a história da bagaceira. Estudiosos afirmam que ela nunca gozou de muito prestígio. Seu consumo sempre foi ligado a escravos e miseráveis. Na Rússia de Nicolau II, um fraco, a cachaça, que por lá é chamada vodka, produz-se a partir de centeio. A cachaça brasileira vem da cana. O intrigante é que a cachaça, de tão associada que está à esculhambação, terminou por ver sua matéria-prima atrelada à noção de cadeia. Daí, dizer-se: “entrar em cana”. É, parece que cachaça é um troço do diabo. Quando Cristo se apresentou a Herodes, o governante estava cheio de “cana”, tal qual Nicolau II. Deu no que deu. Massacre na Rússia. Crucifixão em Jerusalém. Nicolau II também era anti-semita. Todo cachaceiro gosta de tachar os outros com algum epíteto depreciativo. Os nazistas, quase todos cachaceiros, referiam-se aos judeus, valendo-se do adjetivo “imundo”. Já outros cachaceiros se deliciam com o adjetivo “picareta”. Complicado saber qual o pior.
O cachaceiro Nicolau II mandou exterminar o povo de Odessa. Os cachaceiros alemães, que denominam a bebida como kirsch, prenderam os judeus em Ausch-witz-Birkenau, Bergen-Belsen, Dachau, Mauthausen, Treblinka etc. Os cachaceiros do 7 de dezembro trancaram Henri Clay e César Britto na OAB. Se havia advogados entre os cachaceiros, que fique claro desde logo: advogado cachaceiro não é advogado, é cachaceiro. O adjetivo é tão ultrajante que ofusca o profissional. Mas não ofusca a profissão. Se uma bomba não maculou a OAB, o que dizer de umas garrafas de cachaça. Se o massacre de Odessa não espezinhou a ideologia do povo russo, o que dizer de umas garrafas de cachaça. Se o nazismo não dizimou a nobreza do povo judeu, o que dizer de umas garrafas de cachaça. A cachaça só acaba com um tipo de gente: os cachaceiros. A cachaça é uma coisa tão miserável que o direito penal cunhou a expressão actio libera in causa para designar o estado de quem se põe bêbedo para delinqüir, na expectativa de não ser censurado. Pois bem, vai “em cana” do mesmo jeito. Em alguns casos, isso é até agravante, conforme já decidiu, em 2003, a 5ª Turma do TRF da 2ª Região, através de voto do desembargador federal Antônio Ivan Athié: “Independentemente de se cuidar aqui da famosa teoria da actio libera in causa, o que se verifica é um ato em que a própria bebida, em tese, pelo menos, não exclui a responsabilidade e nem o dolo, podendo até agravar”. Como se percebe, o direito também não gosta dos cachaceiros. A justiça não gosta dos cachaceiros. E por que, então, a OAB haveria de tolerar cachaceiros? E nem se diga que aquilo foi um ato de indignação. Não. Foi um ato de indignidade. O argumento de que a OAB deveria divulgar os votos não passa por uma análise primária, nem se levada a cabo por um cachaceiro.
Bertolt Brecht, em Histórias do Sr. Keuner, preleciona que “o que é sábio no sábio é a postura”. Segundo Brecht, não interessa o objetivo daquele que não tem postura. Um cachaceiro não tem postura. Quando reivindica, fá-lo sem postura. Mal fica de pé, embora consiga chamar um colega de picareta. Mas haverá um outro escrutínio. E lá estarão os cachaceiros. Malgrado tudo isso, os cachaceiros se acham os melhores. E, citando novamente Brecht, um dia indagaram de um homem, que se achava o “melhor”, qual seria seu próximo passo. A resposta foi: “Tenho muito o que fazer. Preparo meu próximo erro”. É só esperar para ver.



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