Aracaju/Se,

segunda-feira, 13 de maio de 2013

Um sergipano Paraty e para todos


Artigo pessoal

Um sergipano Paraty e para todos
Clóvis Barbosa
 
Era uma tarde de sábado. Fui ao shopping com minha filha e meu neto de oito meses. Ao entrar numa livraria, logo na entrada, deparei-me com duas obras sobre a poetisa lusa Florbela Espanca, de quem sou admirador, “Sempre Tua” e “Afinado Desconcerto”. Os livros, organizados por Maria Lúcia Dal Farra, tratam da correspondência amorosa, contos, diário e cartas escritas por Florbela. Paguei pelos dois livros e só os abri quando cheguei em casa. Estava ávido para lê-los. Liguei para um amigo e falei do meu achado. Surpresa: Maria Lúcia Dal Farra foi professora da Universidade Federal de Sergipe, vive em Aracaju, é escritora reconhecida e mulher de Francisco J. C. Dantas, também um nome hoje nacional. Em rápidas pinceladas traçou todo o perfil do casal e da importância deles no cenário da literatura brasileira. Já tinha ouvido falar de Francisco Dantas e me passaram uma imagem de um homem que vivia isolado, muito vaidoso e que não comparecia a nenhum evento em Sergipe, dado o seu envaidecimento com os elogios da crítica nacional à sua obra. Talvez essa informação tenha contribuído para o meu desinteresse pelo seu trabalho. Mas, ao comprar as duas obras de sua mulher, aguçou-me a curiosidade por Francisco J. C. Dantas. Passei a querer conhecê-lo e a conversar com outras pessoas a seu respeito.
 
Soube que ele era irmão do historiador Ibarê Dantas, autor de várias obras que abordam a história política de Sergipe. Descobri que um Conselheiro do Tribunal de Contas da Bahia, em suas palestras sobre gestão pública, sempre invoca um personagem do livro “Os desvalidos”, de 1993, de Francisco Dantas, para concluir a sua exposição com certa dose de humor. Nesse ínterim, deparo-me com o programa da Décima Festa Literária Internacional de Paraty, à qual tento comparecer há cinco anos e que se transformou num dos cinco acontecimentos culturais mais importantes do mundo na área da literatura. Bingo! Dia 8 de julho de 2012, Mesa 16, “A imaginação engajada”, Rubens Figueiredo, Francisco Dantas, mediação de João Cezar de Castro Rocha. Pronto. Era a oportunidade de realizar o sonho de ir à FLIP e de conhecer melhor o conterrâneo. Convidei dois casais amigos e fomos ao evento que, neste ano, prestava homenagem ao poeta Carlos Drummond de Andrade. Na passarela, além de outros, grandes nomes da literatura mundial: a escocesa Jackie Kay, o russo Gary Shteyngart, o inglês Hanif Kureishi, os espanhóis Javier Cercas e Enrique Vila-Matas, os americanos Teju Cole, Stephen Greeblatt, Jennifer Egan e James Shapiro, o indiano Suketu Mehta, o poeta sírio Adonis, o colombiano Juan Gabriel Vásques e a portuguesa Dulce Cardoso.
 
Do lado dos brasileiros, nomes como os de João Ubaldo Ribeiro, Walcir Carrasco, Luiz Fernando Veríssimo, Zuenir Ventura, Fabrício Carpinejar, Luiz Felipe Pondé, Ruy Castro, Vladimir Safatle (debatiam vários temas, seja na programação oficial da Festa, seja nos espaços à parte). Fiquei impressionado com a organização e participação do público nos debates, ocorridos em 19 mesas, apesar do preço de 40 reais cobrados para cada debate. Além dos debates pagos, o Jornal Folha de S. Paulo disponibilizou um espaço, denominado “Casa Folha”, onde os seus articulistas, cartunistas e escritores convidados discutiam temas dos mais diversos, com o seleto grupo de pessoas que prestigiavam o encontro. Mas o grande dia ainda estava por chegar. Domingo, 11h45m, apresentam-se Rubens Figueiredo, Francisco Dantas e o mediador, o professor de teoria literária João Cezar de Castro Rocha. Auditório cheio. Dantas está desconfortável, nervoso (arranca de sua pasta um esboço, supostamente seu pronunciamento). O papel começa a tremer em suas mãos. A tibieza toma conta dele. A platéia reitera o nervosismo, principalmente os sergipanos presentes. Eis que Francisco Dantas começa a falar e a detalhar a forma como trabalha com a escrita. Fala de banalidades, lembra o cinquentenário da morte do escritor William Faulkner, fala de Graciliano Ramos. Recita Bandeira!
 
O público entra em ebulição. Palmas, gritos, assobios, risos e mais risos. Não, não estamos em show business. Continuamos no debate. Dantas solta-se e conquista o público: - “a palavra engajamento tornou-se pejorativa na literatura, pois está associada a romances maniqueístas; não vivo num limbo, vivo na sociedade, escrevo para mudar as coisas; sou um tímido e bisonho caipira; nunca me habituei a microfone e a tardes ou noites de autógrafo; em 'Os desvalidos' procurei mostrar o lado mais conhecido do cangaceiro Virgulino Ferreira, o Lampião, o selvagem, mas, ao mesmo tempo, seus momentos interiores, aqueles que quase o aproximam do bem; acredito que o mérito do livro está em se situar na ambiguidade – e só consigo isso porque sempre situo meus romances na minha região de Sergipe, que está embutida em mim sem que eu possa fazer algo”. Bravo! Bravo! Final do debate, após responder perguntas do mediador e do público. Povo de pé, aplaudindo. Apresentei-me a ele emocionado. Alguns sergipanos presentes, residentes em outros Estados, diziam que um novo nome, além do Ministro Carlos Britto e do Governador Marcelo Déda, nascia naquele momento para se tornar “orgulho de Sergipe”. Veio a sessão de autógrafos dos livros “Os desvalidos” (relançamento) e “Caderno de ruminações”. Fila extensa. Só fui atendido três horas e meia depois.
 
A FLIP valeu a pena. Se não bastasse essa homenagem ao talento sergipano, eis que me deparei com outro fato que alegrou a minha alma e a minha sergipanidade: O Fórum de Justiça de Paraty leva o nome do ensaísta, crítico literário, filósofo, professor e político lagartense Sílvio Romero.
 
É... Diz à lenda que Deus começou a distribuir terras pelo mundo. A certa altura, d’Ele se acercou Pedro, reclamando seu quinhão. – É lá, disse o Senhor – aquilo é Paraty! Pois foi nesta bela cidade fluminense, de um mar lindo com as suas dezenas e dezenas de ilhas, seus prédios coloniais, seu povo acolhedor, que o valor de um povo foi reconhecido através de uma alma tímida, simples e extremamente inteligente: Francisco. Um Francisco que não se esquece. Eternamente vivo na coivara da memória.

- Publicado no Jornal da Cidade, Aracaju-SE, edição de domingo e segunda-feira, 15 e 16 de julho de 2012, Caderno B, página 9.
- Publicado no “Blog Primeira Mão”, postado em 15 de julho de 2012, às 15h12min
- Fotos da internet - divulgação. 
Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...