Aracaju/Se,

terça-feira, 30 de agosto de 2011

Mulheres da Antiguidade - TÔMIRIS

Isto é história

Mulheres Audaciosas da antiguidade
TÔMIRIS
Vicki León

Rainha Tômiris

Em 550 a.C., o rei Ciro, o Grande, da Pérsia havia talhado um gigantesco império do mar Mediterrâneo à Índia, e sua temporada de sorte fez com que ele acreditasse em seu próprio estilo de relações públicas. Depois de dar uma surra nos assírios, ele procurou ao seu redor por um oponente ainda pior. Todos concordaram: esses seriam os massagetas, nômades de origem cita que viviam entre os rio Araxes e o mar Cáspio. Sua líder, Tômiris, governava como rainha e comandante suprema do temível exército massageta, junto com seu filho adulto, Spargapises, como segundo no comando.



No início, Ciro tomou a viúva Tômiris por uma tola. Ele acampou seu exército às margens do rio e lhe enviou uma proposta de casamento. Enquanto isso, suas tropas estavam o tempo todo ocupadas construindo pontes por sobre as águas. Sabendo que o rei persa estava louco para possuir suas terras e não seu corpo, Tômiris respondeu com uma polidez mordaz: “Ciro, meu conselho é que você esqueça dos massagetas – apenas governe seu povo e tente aceitar a imagem de minha pessoa governando o meu povo.” Ela fez uma contraproposta, sugerindo que ambos os exércitos recuassem do rio enquanto os lideres se encontravam para negociar.
Rei Ciro da Pérsia
 Ciro e seus oficiais estavam inclinados a aceitar a idéia, mas isso não aconteceu com o súdito e velho amigo Creso, um rei podre de rico da Ásia Menor que já havia apanhado dos persas. Ele jogou a cartada mortal do “macho banana”: “Você está falando ignomínias aqui, Ciro, dando terreno para uma mulher.” Creso propôs uma armadilha: monte um acampamento no território inimigo e use como isca umas poucas tropas insignificantes e um banquete repleto de comida e de potente vinho persa para os rapazes massagetas, que eram conhecidos por comer qualquer coisa e não estarem acostumados ao álcool (Nas festas nômades, eles jogavam um tipo de fruta no fogo cuja fumaça supostamente os deixava ligadões). Tômiris designou um terço de suas tropas para seu filho, que caiu sobre o acampamento, massacrou os persas e atacou a isca, logo ficando saciado e bêbado. Foi então uma sopa para as tropas de Ciro matarem os massagetas e aprisionarem seu filho. Quando ela recebeu a noticia, detonou outro bilhete: “Que golpe baixo, Ciro. Devolva meu filho e saia de minhas terras – ou eu juro que lhe darei mais sangue do que até mesmo você poderá beber.” No acampamento persa, o filho de Tômiris pediu que lhe retirassem as cadeias. Antes que eles percebessem, o garoto havia cometido suicídio. Agora sua mãe tinha ainda maiores razões para estar fervendo.

Spargapises preso por Ciro
 Com Tômiris no comando, os massagetas atacaram o exército maior de Ciro, primeiro com arcos e flechas, depois lutando corpo a corpo com lanças e punhais de bronze. Ao final de uma das batalhas mais violentas que o mundo já presenciara, mais de 200 mil persas, inclusive Ciro, jaziam mortos. Ao final daquele longo e sangrento dia, as tropas de Tômiris procuraram pelo corpo do rei. Quando eles se aproximaram dela com o cadáver, Tômiris encheu uma pele de cabra com sangue humano. Empurrando a cabeça do rei desdenhosamente de encontro a ela, disse: “Ainda está sedento pelo sangue dos citas, Ciro? Vamos – beba tudo a que tem direito.”

(*) - No próximo domingo, dia 4 de setembro de 2011, você vai conhecer ATOSSA, uma criança superestrela, filha de Ciro, rei persa, que teve três casamentos, sendo dois com os próprios irmãos, Cambises II e Dario. Ao lado do seu marido e irmão, Dario, governou a Pérsia por trinta e cinco anos. Construiu Susa, a nova capital do que tinha sido a Babilônia.

(**) - Do livro "Mulheres audaciosas da antiguidade", de Vicki León, Editora Rosa dos Tempos, 1997, Tradução de Miriam Groeger. Título original: "Uppity women of ancient times".


A Autora
Vicki León



sexta-feira, 26 de agosto de 2011

Orlando Silva - O cantor das multidões

Grandes Personalidades

ORLANDO SILVA
O dono da voz
Escrito por Natália Pesciotta   

Foi Francisco Alves que afirmou: “Nenhum intérprete brasileiro jamais alcançou o nível de Orlando Silva”. Com grandes sucessos, o trocador de ônibus conquistou o Brasil nos anos 1940 e inspira gerações de cantores até hoje. Há quem diga que ninguém no mundo soube aliar o microfone a uma voz potente como o cantor das multidões.
Esta é a história de uma voz. “Talvez a mais bela que o cancioneiro popular já utilizou. Uma voz que surge do nada, paira por um curto tempo entre os mortais para logo desaparecer numa bruma tão misteriosa quanto o relâmpago que a fez surgir”, descreve o biógrafo Jorge Aguiar. Desde a mais remota memória de Orlando, em que os Oito Batutas ensaiavam na sua casa, ele já se interessava por música. Celeste, o pai, poderia ter sido definitivamente um dos oito do grupo de Pixinguinha, se não tivesse três filhos para criar. Deixou a profissão de violinista pela de ferroviário, mas mesmo assim conviveu pouco com o caçula. Morreu de gripe espanhola em 1918, sem deixar muita coisa. E sem tampouco imaginar que algum dia o pequeno de três anos teria um programa de rádio aberto com tema especialmente feito por Pixinguinha e João de Barro: Meu coração / Não sei por que / Bate feliz / Quando te vê... Além de Carinhoso, Orlando consagraria outras tantas músicas feitas por compositores que conheciam exatamente seu gosto e timbre. Marchinhas, sambas-canção, valsas, baladas. Por fim, influenciaria cantores tão distintos quanto Cyro Monteiro, Nelson Gonçalves e João Gilberto.
 
Modelo do antimodelo

Orlando costumava levar para a escola folhetos de modinhas entre os livros. Acompanhava os sucessos do rádio na casa dos vizinhos que tinham o aparelho. Depois das aulas, subia descalço em um pé de amora no jardim e desfiava canções. As primeiras ouvintes do “cantor das multidões” moravam nas casas ao lado e gostavam de escolher as músicas. O gogó e a interpretação impecável faziam sucesso também na linha de ônibus em que o garoto trabalhava como trocador. O emprego era bom porque permitia que ficasse sentado – anos antes sofrera um trágico acidente no pé, quando subia em um bonde para fazer entregas. Os passageiros e vizinhos o incentivavam a cantar, mas na quarta vez em que foi até uma rádio no centro por indicação de um conhecido, começou a desanimar. Para Jonas Vieira, outro biógrafo, por ser “o modelo do antimodelo de artista e de grande ídolo, ainda mais puxando de uma perna”, a figura mulata e suburbana não conquistava atenção nas emissoras. Mais adiante, as roupas do cantor rasgadas por fãs enlouquecidas e a disputa do público por qualquer bituca de cigarro atirada na calçada comprovariam que as profecias estavam erradas.

Uma voz na multidão

O compositor e boêmio Bororó entrava na Rádio Nacional quando ficou paralisado. Perguntou ao menino que cantarolava na antessala: “Ei, você é da Nacional?”. Ao saber que não, insistiu: “Guanabara, Rádio Clube, onde você canta?”. Levou-o imediatamente até Francisco Alves. Depois de uma breve demonstração em seu carro, o Rei da Voz levou o menino de 17 anos para seu programa. O apresentou com o nome artístico Orlando Navarro. O pessoal de Engenho de Dentro, no entanto, reclamou, e o novato preferiu ficar com o nome da família: Orlando Silva, o cantor das multidões. O título famoso e definitivo foi dado por causa de uma apresentação em 1938. O auditório da Rádio do Comércio tinha ficado pequeno para ele. Improvisaram a sacada do prédio paulista para um show aberto, que reuniu 60 mil pessoas. Mas a nomenclatura representa também algo ainda maior: pelas ondas radiofônicas, foi imbatível sucesso de público. Nos anos 1940, era o campeão de vendas de discos e tinha o mais alto cachê. Os produtores brincavam que seus discos tinham lado A e lado A, pois tudo que gravava era um estouro. Durante toda a década de 1950, era sagrado o seu programa Quando os Ponteiros Se Encontram, ao meio-dia dos domingos, na Rádio Nacional. Certa vez, Orlando procurou no Teatro Municipal Tito Schippa, cantor lírico italiano com quem gostaria de tomar aulas. Ao ouvir Lágrimas na sua voz, porém, Tito vetou: “Não estude jamais. Cante exatamente desse jeito em qualquer lugar do mundo”.

Melhor do mundo
“É possível arriscar que, de 1936 a 1942, ele foi o melhor cantor popular do mundo, ao saber como ninguém aliar a tecnologia do microfone a uma voz já potente”, defende o jornalista Ruy Castro. Os oito anos a partir de 1936 são considerados o período de ouro de Orlando. Depois disso, os mais críticos notam que não havia mais a limpidez absoluta peculiar. Há quem diga que a voz, quase uma entidade independente, o deixou depois de uma desilusão na conturbada relação que mantinha com a radioatriz Zezé Fonseca. Como no samba A Primeira Vez, em que cantava: Um dia você partiu / Meu pinho emudeceu / E a minha voz na garganta morreu. Mas há também quem aponte fatores mais concretos: Orlando precisou arrancar alguns dentes, o que o fez entrar em contato e se viciar em morfina. Com isso e com a separação sofrida, afundou-se em bebida. Quem o tirou da situação foi outra mulher. A partir do casamento com Maria de Lourdes, o jeito manso de falar e a pureza do olhar estavam de volta. Além disso, ninguém jamais negou a afinação, o timbre e a postura do cantor das multidões, que também se poderia chamar de cantor dos mandachuvas – Getúlio Vargas tinha como xodó A Jardineira; já Juscelino Kubitschek preferia Sertaneja. Continuou afamado em apresentações e LPs pelo Brasil todo. Em 7 de agosto de 1978, quando morreu, já tinha se recolhido com a esposa para uma vida calma na Ilha do Governador. Voltou para a Zona Sul do Rio para ser velado na sede do Flamengo, seu time do coração, como um dia havia pedido.

Obs. Clássicos da músiva popular brasileira gravadas por Orlando Silva:
Aos Pés da Santa Cruz, de Marino Pinto e José Gonçalves.
A Jardineira, Benedito Lacerda e Humberto Porto
Nada Além, de Custódio Mesquita and Mário Lago.
Atire a Primeira Pedra, de Ataulfo Alves e Mario Lago
Sertaneja, de René Bittencourt

A Autora
Natália Pesciotta

Artigo publicado no http://www.almanaquebrasil.com.br/ 

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Mulheres da Antiguidade - ENNIGALDI

Isto é história

Mulheres Audaciosas da antiguidade
ENNIGALDI
Vicki León

Não são muitas mulheres hoje em dia que conseguirão exercer três carreiras em uma existência; menos ainda, mulheres eram capazes de fazê-lo na antiga Babilônia. Entretanto, na metade do século VI a.C., Ennigaldi-Nanna de Ur deu um jeito de espremer em sua agenda três carreiras diferentes: diretora de museu, administradora escolar e suma sacerdotisa. E falar de passos (pegadas) rápidos! Ennigaldi começou sua vida simplesmente como a amada filha de Nabonido, o último rei da Babilônia e de Ur de origem local, antes que os persas assumissem o controle. A maioria dos reis babilônios gostava de esportes sangrentos, como a guerra e a caçada ao leão, atividades que eram bem representadas em murais heróicos. Poucos reis tinham um lado contemplativo, como Nabonido. Antiquário e restaurador, ele adorava lidar com coisas antigas, e também ensinou Ennigaldi a apreciá-las.

Quando arqueólogos escavaram certas partes do complexo que incluía o palácio e o templo de Ur, ficaram surpreendidos em encontrar dúzias de artefatos, arrumados organizadamente lado a lado, cujas idades variavam de centenas de anos. Então, apareceram tambores de argila com rótulos em três idiomas – os primeiros rótulos de museu conhecidos. Eles especularam que Ennigaldi e seu pai poderiam ter escavado pessoalmente algumas das peças do museu que ela mantinha – artefatos que já eram antiguidades naquele tempo. Essa jovem diretora de museu achou possível assumir mais de um cargo, porque não tinha de fazer uma coisa: deslocar-se diariamente para o trabalho. Os terrenos do palácio incluíam o templo e seus prédios subsidiários, além das habitações, o prédio do museu e uma escola para sacerdotisas, administrada por Ennigaldi – e onde ela possivelmente também ensinava. Naquela altura, essa escola já estava em operação contínua no mesmo local por 845 anos. O equipamento e as técnicas de ensino de sua escola eram similares aos de outras escolas para escrivães – embora, com jovens sacerdotisas como estudantes, pode ter sido dado uma ênfase menor a surras diárias de bengala e outros tipos de punição corporal, que faziam parte do currículo normal da escola suméria.

Assim como a instrução masculina era bastante reservada para as classes altas, a instrução feminina seguia o mesmo padrão na Mesopotâmia. As mulheres instruídas tinham até mesmo seu próprio dialeto escrito, chamado de Emesal. Por causa desse dialeto, os arqueólogos podem saber quando as mulheres escreveram – ou pessoas escreveram para elas – nos tabletes de argila. Em 547 a.C., Ennigaldi-Nanna se tornou suma sacerdotisa, tal como sua recém-falecida avó Adad-Guppi havia sido. Nanna era um deus, equivalente a Sin, o deus da lua. Portanto, ela era uma sacerdotisa de Sin, que não era um cargo tão pecaminoso quanto soa em inglês (com todo esse trabalho, lhe parece provável que ela tivesse tempo ou inclinação para isso?). Agora Ennigaldi passava noites de devoção religiosa ao deus da lua, na pequena sala azul no topo do grande zigurate de Ur.

Quando os babilônios falavam sobre correspondência, eles não diziam: “Você recebeu minha carta?”. Em vez disso, perguntavam: “Você ouviu meu tablete?”. Nós ainda temos de ouvir qualquer dos tabletes de Ennigaldi-Nanna; talvez amanhã uma pá desenterre algumas palavras deste dínamo da antiga Ur.

(*) - No próximo domingo, dia 28 de agosto de 2011, você vai conhecer TÔMIRIS, comandante suprema do temível exército massageta. Ela enfrentou o rei Ciro, o Grande, da Pérsia, por volta do ano 550 a.C. e o derrotou numa das batalhas mais violentas que o mundo já presenciara.

(**) - Do livro "Mulheres audaciosas da antiguidade", de Vicki León, Editora Rosa dos Tempos, 1997, Tradução de Miriam Groeger. Título original: "Uppity women of ancient times".

A Autora
Vicki Leon

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Assim Caminha a Humanidade

Artigo pessoal

Assim caminha a humanidade
Clóvis Barbosa

Michel Onfray

No ano passado foi lançado em Paris um livro que causou a maior polêmica. Tratava-se de uma obra de Michel Onfray, doutor em filosofia, defensor do hedonismo, do ateísmo e da anarquia, autor de mais de 40 livros publicados. A obra, “Le Crépuscule d’une Ídolo – L’affabulation Freudienne” é tida como um morteiro de alto calibre direcionado à vida e obra freudiana. Após passar o sarrafo na psicanálise, acusando-a de ser uma ciência nazista e fascista, entra na vida pessoal de Freud, acusando-o de se apropriar de textos de Schopenhauer e Nietzsche, de ser um burguês inveterado pela celebridade e até de manter uma relação adúltera com uma cunhada que vivia em sua casa. Por fim, taxa-o de falocrata, misógino e homofóbico. A reação ao escrito de Onfray, segundo matéria publicada na Folha de São Paulo, edição de 25 de abril de 2010, Caderno Mais, vieram de dois intelectuais: Elisabeth Roudinesco, psicanalista, nascida em 1944, professora de História da Universidade de Paris, autora de “Em defesa da Psicanálise” e a “A Parte Obscura de Nós Mesmos”; e John Forrester, Chefe do Departamento de História e Filosofia da Ciência na Universidade de Cambridge, no Reino Unido, autor de “Seduções da Psicanálise”. Roudinesco, inclusive desafiou Onfray para um debate e ele não aceitou. Interessante, tanto o nazismo como o fascismo não morriam de amores pela psicanálise. E sabem de uma coisa: não estou nem aí para o que dizem de Freud. O que interessa é o legado que ele deixou para a humanidade, como, por exemplo, quando ele enfoca a questão do desenvolvimento humano.


Sigmund Freud

A propósito, a civilidade pressupõe três elementos essenciais para sua desenvoltura: beleza, limpeza e ordem. Isto é de Sigmund Freud (1856-1939), o pai da psicanálise. Não só isso, mas o homem que reinventou tudo o que se sabia até então sobre a alma humana. Tudo o que é “civilizado” é limpo e, portanto, ordenado. Zigmunt Bauman, sociólogo polonês, professor da Universidade de Varsóvia, na sua obra “O mal-estar da pós-modernidade”, afirma que o estado de “limpo” ou “sujo” relaciona-se ao estado de “ordenado” ou “desordenado”. A limpeza em sua concepção é o estado de ordenamento das coisas. O que está no lugar certo está limpo e não está “sujando” outras coisas. Ele diz: “O oposto da ‘pureza’, o sujo, o imundo, os ‘agentes poluidores’ – são coisas ‘fora do lugar’. Não são as características intrínsecas das coisas que as transformam em ‘sujas’, mas tão-somente sua localização e, mais precisamente, sua localização na ordem das coisas idealizada pelos que procuram a pureza. As coisas que são ‘sujas’ num contexto podem tornar-se puras exatamente por serem colocadas num outro lugar – e vice-versa. Sapatos magnificamente lustrados e brilhantes tornam-se sujos quando colocados na mesa de refeições. Restituídos ao mundo dos sapatos, eles recuperam a prístina pureza. Uma omelete, uma obra de arte culinária que dá água na boca quando no prato de jantar, torna-se uma mancha nojenta quando derramada sobre o travesseiro”. A concepção de limpeza, nesse contexto de elo com a civilização, ou na cultura, como queria Freud, importa na análise de uma questão abordada por Bauman.

Zigmunt Bauman
Veja: “Há, porém, coisas para as quais o ‘lugar certo’ não foi reservado em qualquer gmento da ordem preparada pelo homem. Elas ficam ‘fora do lugar’ em toda parte, isto é, em todos os lugares para os quais o modelo de pureza tem sido destinado. Mais freqüentemente, estas são coisas móveis, coisas que não se cravarão no lugar que lhes é designado, que trocam de lugar por livre vontade. A dificuldade com essas coisas é que elas cruzarão as fronteiras, convidadas ou não a isso. Elas controlam a sua própria localização, zombam, assim, dos esforços dos que procuram a pureza ‘para colocarem as coisas em seu lugar’ e, afinal, revelam a incurável fraqueza e instabilidade de todas as acomodações”. Conceber-se civilizado é, portanto, não sujar nem estar sujo, ou, ainda, não desordenar a ordem exigida pela civilização. Ante essa proposição, configurada e até um tanto intrínseca à mentalidade do homem civilizado, obtemos resposta para as atitudes individuais e coletivas de rejeição ao estranho e ao estrangeiro. Noutra quadra, o homem deseja obter felicidade. Todos querem ser e permanecer felizes. Para atingir esse objetivo, a ação humana deve visar não apenas a supressão do sofrimento e do desprazer, mas também a experimentação de sentimento de prazer, intensa e permanentemente. As experiências de prazer podem ser intensas, mas permanentes não. Qualquer prazer perma-nente deixa de ser prazer. Freud cita Goethe: “nada é mais difícil de suportar do que a sucessão de dias belos”. Assim, a felicidade resume-se a momentos, a experiências passageiras.


Winston Churchill

A infelicidade, por sua vez, não perde sua força nem vigor se perseverar. Pode até se tornar crônica no indivíduo. E quais são os motivos da infelicidade, senão o sofrimento? Freud reflete sofrimento a partir de três direções: de nosso próprio corpo, do mundo externo e de nossos relacionamentos com os outros homens. Nosso corpo envelhece, adoece e nos ameaça constantemente de dissolução. A decadência natural de nosso corpo sempre foi motivo de profundo sofrimento e, nos tempos atuais, tem sido francamente combatida por processos médicos de todo o gênero. A medicina desenvolve, testa e aplica dezenas de métodos de manutenção e conservação do corpo utilizando medicamentos e cirurgias – como a plástica – que rejuvenescem. Contudo o tempo é implacável e todos sabem que o corpo não resistirá. A segunda fonte de sofrimento advém do mundo externo, “que pode voltar-se contra nós com forças de destruição esmagadoras e impiedosas”. Essa ameaça é tão evidente quanto o da dissolução do corpo. Semanalmente, sabemos da ocorrência de catástrofes e a cada ano elas se aproximam de nossas casas, como resultado de nosso saque à natureza. Finalmente, nosso relacionamento com outros homens é a fonte mais penosa do sofrimento que qualquer outra. Podemos nos conformar com a fatalidade da morte e das catástrofes por estarem além de nossas possibilidades de evitá-las; mas sucumbir à vontade, ao capricho ou à ganância de outro homem não nos é dado resignar. Enfim, Sr. Michel Onfray, como diria Winston Churchill, “é melhor fazer história do que se submeter a ela; ser um ator em vez de um crítico”.

(*) Publicado no Jornal da Cidade, Aracaju-SE, edição de sábado e domingo, 17 e 18 de julho de 2011.

Mulheres da Antiguidade - ADAD-GUPPI

Isto é história

Mulheres Audaciosas da antiguidade
ADAD-GUPPI
Vicki León
Às vezes a duração de noventa anos para uma vida é simplesmente demais. Tome como exemplo Adad-Guppi, que viu os judeus chegarem à Babilônia para iniciar seu exílio; presenciou a era dourada da cidade e do rei-constrtutor Nabucodonosor; e, por fim, testemunhou o canto do cisne do controle local na Mesopotâmia, presidido por seus igualmente inéptos filho e neto. Ela era originalmente procedente de Harran, uma cidade do norte famosa por sua devoção a Sin, o deus da lua. Sacerdotisa de profissão, criou seu filho Nabonido como um devoto seguidor. Os dois acabaram se estabelecendo na Babilônia, a Nova Iorque de seus dias, onde Adad-Guppi conseguiu um emprego na corte para seu filho sem juízo. Em 555 a. C., agora com seus sessenta anos, Nabonido finalmente se tornou rei. Talentoso para restaurar objetos, ele não tinha qualquer aptidão para a política. O que é pior, ele deixou a Babilônia nas mãos do filho Belsazar, popular como a praga, enquanto se isolava no deserto por uma década (a essa altura sua mãe estava retorcendo as mãos). De tempos em tempos, a Babilônia recebia uma trégua. Quando os deveres militares chamavam Belsazar para longe, vovó Guppi provavelmente ocupava o cargo para dirigir as coisas. Mas a verdadeira ruína política de Nabonido resultou de sua devoção. Ele tentou estabelecer o bom e velho culto de Harran ao deus da Babilônia, enquanto cortava os fundos financeiros dos sacerdotes de Marduk, o deus mais importante da cidade. Esta receita de desastre fez com que fosse sopa para Ciro, o rei persa, fazer seu trabalho de dentro. Em 539 a.C., ele tomou a cidade sem derramar sangue. Adad-Guppi não viveu para presenciar este acontecimento deprimente. Morreu em torno de 547 a.C., e foi enterrada com honras de rainha em Harran.

*No próximo domingo, dia 21 de agosto de 2011, você vai conhecer ENNIGALDI, uma mulher que exerceu três carreiras em sua existência: diretora de museu, administradora escolar e suma sacerdotisa. Ela era filha do último rei babilônico, Nabonido e neta de Adad-Guppi.

(**) - Do livro "Mulheres audaciosas da antiguidade", de Vicki León, Editora Rosa dos Tempos, 1997, Tradução de Miriam Groeger. Título original: "Uppity women of ancient times".

quinta-feira, 11 de agosto de 2011

Mulheres da antiguidade - ASSURSARRAT

Isto é história

Mulheres Audaciosas da antiguidade
ASSURSARRAT
Vicki León

Os assírios tomaram a maior parte de sua cultura – o que não significa que tivesse muita – emprestada dos babilônios e dos sumérios. Eles realmente brilharam numa coisa: crueldade. Militarizados ao máximo, eles inventaram estados-fantoche, genocídio e formas engenhosas de punição através da mutilação. Na época que a rainha Assursarrat e o rei Assurbanipal assumiram o poder, em 668 a.C., seu império se espalhava da Síria à Rússia.

Uma assíria típica, Assursarrat tinha um estômago forte. Ela e o rei costumavam comer cigarras mergulhadas em mel, num jardim cujas árvores eram decoradas com os troféus de cabeças recém-decapitadas. A única coisa que não descia no seu estômago era a mania de seu marido de se vestir de mulher. Esse guerreiro mucho macho gostava de roupas femininas – mais confortáveis, ele dizia (não que alguém perguntasse – a não ser que essa pessoa fosse suicida). Em geral, os homens assírios gostavam de jóias grandonas e de barbas perfumadas coladas em cachos. Mas Assurbanipal se excedia, usando cosméticos no rosto e no corpo e imitando a voz de uma mulher ao falar.

Famoso por criar a primeira grande biblioteca do mundo, seu reino foi o último ato do Império Assírio. Pouco antes de sua queda, diz-se que Assurbanipal preparou uma pira funerária, encheu-a de seus perfumes preferidos e subiu a bordo com Assursarrat e todas as suas esposas. A versão B conta que Assurbanipal estava passando lápis na sobrancelha quando um dos seus generais entrou no aposento e o surpreendeu. Enojado – ou talvez invejoso – ele apunhalou o rei ali mesmo.

(*) - No próximo domingo, dia 14 de agosto de 2011, você vai conhecer ADAD-GUPPI, uma sacerdotisa que tinha um filho, Nabonido, e que se tornou rei na Babilônia nos anos 500 antes de Cristo. Com um filho complicado e sem talento para a política, a Babilônia foi praticamente administrada por ela. A complicada administração resultou na tomada da cidade pelo rei Ciro, da Pérsia.

(**) - Do livro "Mulheres Audaciosas da Antiguidade, de Vicki Leon, Editora Rosa dos Tempos, 1997, tradução de Miriam Groeger. Título original: "Uppity Women of ancient times".
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