Aracaju/Se,

segunda-feira, 30 de novembro de 2015

Mulheres da Antiguidade - Taís de Atenas

Isto é história
Mulheres Audaciosas da Antiguidade
TAÍS DE ATENAS

Vicki León
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Uma vendedora de sexo se dava muito bem. Taís iniciou sua carreira como uma cortesã de grife de Atenas e a terminou regiamente, casando-se com sua paixão favorita, um general que se tornou rei do Egito. Além de ter uma mobilidade ascendente, Taís era sempre a mais animada numa festa. Por essa razão, ela foi convidada a ir ao resplandecente palácio de Persépolis, onde Alexandre, o Grande, estava dando uma festança de vitória em 330 a. C. Seu par era Ptolomeu, um dos generais mais importantes de Alex. Após um longo dia, bebendo vinho esfriado na neve com um grande número de moças flautistas, cortesãs e animais de festa macedônios, Taís decidiu agitar as coisas. “Lembra-se de como o rei Xerxes profanou nossa Acrópole em Atenas durante a guerra?”, disse ela a Alex, que aquela altura estava bêbado como uma gambá. Taís, como outros gregos, tinha uma memória privilegiada: aquela determinada guerra com os persas havia acontecido 150 anos antes. “Está na hora de pagar na mesma moeda – vamos queimar o palácio”.
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Nada como um incêndio premeditado para animar uma festa: todos puseram grinaldas dionisíacas (um sinal grego de “vale-tudo”) e iniciaram uma fileira em estilo de conga. Alex valeu-se de sua posição e jogou a primeira tocha; Taís pôde jogar a segunda. Como acontece às vezes com os anfitriões, Alex recobrou um pouco de sobriedade em relação a toda aquela confusão e finalmente ordenou que alguém apagasse o fogo. Tarde demais. O gigantesco e magnífico palácio já estava sendo consumido pelo incêndio incontrolável. Os arqueólogos, que encontraram muito pouco nas ruínas do palácio além de pedras e cinzas, teriam classificado aquela festa de realmente quente – e uma história memorável de uma garota que vingou seu território natal com uma pequena combustão provocada por ela mesma.
A autora
Vicki León
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- A próxima postagem de Mulheres Audaciosas da Antiguidade vai falar de “CORINA E AS SUAS COMPANHEIRAS POETAS”, ela, natural de Tânagra, viveu no século V, a. C., era uma contemporânea de Píndaro. Você vai conhecer, além de Corina, Anite de Tegra, admirada pelos seus encantadores epigramas e Erina de Telos, poeta obsessiva.

– Do livro “Mulheres Audaciosas da Antiguidade”, título original, “Uppity Women of Ancient Times”, de Vicki León, tradução de Miriam Groeger, Record: Rosa dos Tempos, 1997.


- Todas As imagens foram extraídas do Google.

terça-feira, 17 de novembro de 2015

Ratos e Homens

Artigo pessoal
Ratos e homens
Clóvis Barbosa
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Volto à temática acerca do sentido da existência humana, tão explorada, em todos os tempos, pelos mais variados campos de conhecimento. Quem somos? O que fazemos? Para onde vamos? Quem nos move?  Por incrível que pareça esta preocupação não é de agora. Contudo, continuamos no mesmo lugar: impotentes diante do absurdo do mundo e da barbárie cada vez mais injustificada. O que é que está havendo com o homem? Será que a verdade está numa quadrinha de autor desconhecido que diz: De tanto encontrar canalhas penso que Deus, por capricho, resolveu fazer da terra um depósito de lixo? Parece-nos que nada evoluiu desde o dia em que Kierkegaard, o grande filósofo dinamarquês do século XIX, falou que a sociedade em geral estava contaminada pela condescendência e hipocrisia. Aliás, uma fase de sua vida mundana foi importante para a sua transformação. Nesta fase, chegou a dizer que “com um rosto eu rio e com o outro eu choro”, mostrando o lado falso de uma vida fútil, fixada na busca intensa do prazer, mas que invariavelmente deixa sentimentos de tédio e insatisfação. A procura do significado da vida fez com que ele deixasse um legado extraordinário para a humanidade através das suas obras filosóficas, como “Ou isso ou aquilo”, que fala de dois modos de vida, o ‘estético’ e o ‘ético’; “Repetição”, que trata do conflito de um jovem prestes a casar e o temor ao compromisso ético que esse pacto exige; já “Temor e tremor”, analisa os conflitos entre as demandas da ética e da religião; e em “O conceito de angústia”, se concentra nos momentos da vida onde a angústia precede a fé. Conta ainda que desde Darwin sabemos que compartilhamos a nossa origem com o mais dos insignificantes seres do reino animal. E a grande diferença entre nós e o rato, por exemplo, é que temos que enfrentar um inimigo muito poderoso, que está ao nosso lado e em todo lugar, sempre preparado, como uma cobra, pronta para dar o bote: a estupidez.
Albert Einstein dizia: Só duas coisas são infinitas, o universo e a estupidez humana, mas não estou seguro sobre a primeira. E o pior é que os ensinamentos estão aí à disposição de todos, mas, infelizmente, não aprendemos e teimamos em repetir os mesmos erros. Vestimos a couraça da vaidade e da arrogância e, quando fazemos besteiras, sempre culpamos a inconsciência ou nos justificamos com a célebre frase ‘errar é humano’. O problema é que o homem não assimila os bons ensinamentos e opta quase sempre pela mediocridade como exemplo. Esquece-se de ouvir ou ouve mal e incorpora maus sentimentos em seu cotidiano. Não sabem o que é a gratuidade, pois vivem sempre à espera de compensações e do seu egoísmo. É sempre desconfiado, violento, sempre dedicado a defender-se de tudo que possa ameaçar os seus privilégios. Vitimiza-se de tudo e de todos porque estes estão sempre procurando prejudicá-lo. Não sabe perdoar, não tem censo de autocrítica, é injusto e mesquinho. Penso que Nietzche tinha razão ao dizer que “Deus acertou ao limitar a inteligência humana, mas errou em não limitar a burrice”. Estou com Vinícius de Moraes: Quem já passou por essa vida e não viveu. Pode ser mais, mas sabe menos do que eu. Porque a vida só se dá pra quem se deu. Pra quem amou, pra quem chorou, pra quem sofreu. Ah, quem nunca curtiu uma paixão nunca vai ter nada, não. Não há mal pior do que a descrença. Mesmo o amor que não compensa é melhor que a solidão. Abre os teus braços meu irmão, deixa cair. Pra que somar se a gente pode dividir. Eu, francamente, já não quero nem saber de quem não vai porque tem medo de sofrer. Ai de quem não rasga o coração, esse não vai ter perdão. Pois bem, o grande desafio é a luta para a criação de uma nova estrutura ética para o homem. De compromisso com o seu crescimento interior, que sempre é um processo de conversão e esta exige luta interior, onde o denodo e a vontade de mudar estejam presentes.
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Essa mudança está cada vez mais difícil, mas é a luta do bom combate do apóstolo Paulo: despertar as consciências e libertar o homem do egoísmo, da vaidade e da ganância. Gracian (A Arte da Prudência) acentua que a vida humana é uma luta contra a malícia do próprio homem, adiantando, também, que conhecimento sem bom senso é uma dupla loucura. A insensatez, lamentavelmente, é um cancro que impregna o tecido humano, vicia a alma e destrói os sonhos. Está presente em todos os lugares, entre as classes mais abastadas e entre as menos favorecidas. Entristece, contudo, quando a inteligência sucumbe à insensatez. Não cabe, aqui, discutir as origens desse rebaixamento moral, mas é importante enfrentarmos o dragão verde que solta bolas de fogo pelas narinas existente em nós, como pensado por Nietzsche. Ele não pode continuar impedindo o nosso peregrinar em busca da perfeição. A bíblia ensina que “assim como algumas moscas mortas podem estragar um frasco inteiro de perfume, assim também uma pequena tolice pode fazer a sabedoria perder todo o valor” (Ec 10,1). Estamos no limiar de um ano novo. Fazemos dele o caminheiro da evolução do homem e de uma nova oportunidade de seu progresso. Ando teimando com o tema. Fui buscar o título na obra de John Steinbeck (1902-1968), um californiano que teve toda a sua obra baseada nas anotações que fazia da sua região. Ele é Nobel de Literatura de 1962. Dentre suas obras está “Ratos e homens” (Of mice and men), que trata do tema da fraternidade, bem como sobre a crueldade de um mundo que não admite o estabelecimento de um vínculo entre dois homens. Faço minhas as palavras de Steinbeck: “Eu podia passar a noite toda falando coisas, mas depois você ia esquecer, e eu ia ter de falar tudo de novo”.

Retratos da vida - O Checheiro [1]
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Filadélfio é um sessentão rabugento que vive sozinho numa casa do centro da cidade de Aracaju. Só duas casas residenciais existem espremidas no trecho. Ali, pelo dia, funciona o comércio com lojas e órgãos públicos e privados. À noite, travestis perambulam de lá para cá oferecendo seu corpo aos passantes.  – É cada carro ‘pancada’, meu irmão, que sai com as ‘meninas’. Disse ele a um professor da Universidade que estava com alguns alunos fazendo uma pesquisa na área. É de Pajero pra cima, falava orgulhoso da sua bisbilhotagem. Até casal vem aqui rebocar os ‘traveco´. Tem um, todo jeitoso, com cara e corpo de mulher que faz sucesso. No mínimo ele faz 10 a 12 programas por noite. O professor perguntou pelo nome da “beldade”, e de pronto ele respondeu: - Bárbara. Ao concluir, com cara de nojo, arrematou: - é uma sem-vergonhice. Não sei como alguém tem coragem de fazer sexo com essas almas sebosas. O professor saiu satisfeito com o resultado das informações precisas recebidas. Tinha anotado o nome de quinze ‘meninas’, todas caracterizadas pelos seus trejeitos, tão bem minimamente detalhado por Filadélfio. Não teve dificuldade em conversar com cada uma delas. Idade, faturamento diário, violência, nível social da clientela, tipos de relação sexual, além de outras questões, foram colacionadas. Essa turma passou cerca de um mês fazendo esse trabalho de extensão e nunca mais teve contato com Filadélfio. Um dos alunos, impressionado com a riqueza dos detalhes relatados por Filadélfio sobre a vida das “moças”, ousou perguntar a uma das ‘meninas’ se conhecia a sinistra figura. – Seu Filadélfio, o checheiro. Eu mesma recebi dois chechos. Ele se deu mal com Vaneska. Tomou uma surra de “cipó caboco”. Tá no hospital com a bunda, a chibata e as costas em carne viva.   




[1] Checheiro ou xexeiro – caloteiro, aquele que contrata um programa sexual e não paga.

- Publicado no Jornal da Cidade, Aracaju-SE, edição de domingo e segunda-feira, 19 e 20 de janeiro de 2014, Caderno A-7.

- Postado no Blog Primeira Mão no domingo, 19 de janeiro de 2014, às 16h18min, sítio:

- Postado no Notíciasaju no domingo, 30 de março de 2014, às 09h02min, sítio:

- Todas as fotos foram retiradas do google.

segunda-feira, 9 de novembro de 2015

Mulheres da Antiguidade - Cinisca

Isto é história
Mulheres Audaciosas da Antiguidade
CINISCA

Vicki León
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Até Cinisca aparecer, “sair atrás do ouro” não significava empenho olímpico – acontecia que as mulheres espartanas bem-nascidas eram proprietárias de 40 por cento dos bens imobiliários na Lacônia. Mas o fato de ser uma baronesa latifundiária entediava a inflexível Cinisca; ela preferia usar sua determinação e riqueza para abrir os Jogos Olímpicos para as mulheres. Entre os espartanos, meninas e mocinhas seguiam uma longa tradição de prática de luta livre, corrida, equitação e tomar banho nu com os garotos nas águas geladas dos rios. Soa altamente estimulante, mas o principal objetivo era produzir mães com bom preparo físico e bebês mais saudáveis que futuramente fossem soldados. Felizmente, o produto derivado do preparo físico feminino espartano foi uma população feminina mais independente.
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Bem cedo na vida, Cinisca, que era louca por cavalos, começou a criar e treinar seus próprios animais. Ela também começou a influenciar seu irmão, então rei de Esparta, para que ele a deixasse se inscrever numa corrida de carruagens de quatro cavalos nos Jogos. O mais chocante de tudo é que ela evidentemente queria conduzir a charrete, como as mulheres espartanas faziam comumente em festivais e na vida diária. Se ela tomou as rédeas ou contratou um cocheiro, é uma conclusão que continua indefinida. Cinisca ganhou pelo menos três medalhas de ouro em sucessivas olimpíadas, o que lhe deu direito a uma estátua de bronze, quase de tamanho natural, junto com seus cavalos nos templos de Zeus em Olímpia e Esparta. Sua inscrição exultante diz: “Os reis de Esparta eram pais e irmãos meus; com minha carruagem e cavalos tempestuosos, eu, Cinisca, ganhei o prêmio, e aqui coloco minha efígie para proclamar que, de todas as mulheres gregas, fui a primeira a ostentar a coroa”. Ela merecia se regozijar. Graças à Cinisca e às mulheres que ela encorajou a seguir sua conduta, as mulheres gregas deixaram de ser os prêmios nas competições atléticas dos tempos troianos, e passaram a ser as premiadas.

A autora
Vicki León
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- A próxima postagem de Mulheres Audaciosas da Antiguidade vai falar de “TAÍS DE ATENAS”, uma vendedora de sexo que se aproveitou da bebedeira de Alexandre, o Grande, para incendiar completamente um palácio.

– Do livro “Mulheres Audaciosas da Antiguidade”, título original, “Uppity Women of Ancient Times”, de Vicki León, tradução de Miriam Groeger, Record: Rosa dos Tempos, 1997.


- Todas As imagens foram extraídas do Google.

terça-feira, 3 de novembro de 2015

As Núpcias da Princesa CIgana

Artigo pessoal

As núpcias da princesa cigana
Clóvis Barbosa
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Nada mais extasiante do que o espetáculo de uma mulher nua. Pela nudez feminina, o rei Davi viu-se encurralado. Enquanto Israel sangrava na guerra e os soldados judeus verberavam suor, Davi meditava pela varanda de seu castelo. De lá, avistou uma jovem a banhar-se. Nua. Deliciosamente nua. A limpidez arquitetônica daquele singelo corpo o hipnotizou. O monarca, possesso, indagou quem seria tão rara espécime. Responderam tratar-se de Betsabéia, esposa de Urias, filha de Eliam. O rei, ainda assim, não se conteve. E mandou trazer-lhe a moça, embora casada, para o seu quarto, onde a estuprou. Sucede que Betsabéia engravidou e mandou dar ciência a Davi da tragédia. Ele empalideceu. A coisa piorou ainda mais com a maldição que lhe foi irrogada pelo profeta Natã. Quem quiser conhecer toda a história, que se debruce sobre os capítulos 11 e 12 do segundo livro de Samuel. Relevante, por enquanto, é reconhecer que a perdição de Davi principiou com a delirante nudez de uma mulher. E que mulher!
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Mas isso foi há cerca de mil anos antes de Cristo. Todavia, de lá para cá ninguém resiste ao perfume que a nudez feminina é capaz de borrifar. Quase três mil anos depois de Davi ter sido enfeitiçado por Betsabéia, a princesa cigana Ana Maria atiçou a volúpia de outro membro da realeza desse especial povo (também conhecido sob a denominação romas): Birita Mihai. Ela, com doze anos; ele, com quinze. O episódio passou-se na Romênia em 2003. Foi um pandemônio. Gente ligada aos direitos humanos, com o apoio de uma parlamentar européia, pugnou pela anulação do casamento. O rei cigano Florin Cioaba, pai da noiva, não esmoreceu, mesmo diante dos protestos de quem bradava, durante a cerimônia: “Abaixo Birita”. Ana Maria, uma ninfa cigana de áurea exuberância, estava aos prantos. Mas teve que aceitar os desígnios da cultura dentro da qual foi gerada. Casou e, naquela mesma noite, foi desvirginada.
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A imprensa dá conta de que, soberbamente, a família do nubente exibiu um lençol branco ensanguentado, comprovando que a virilidade de Birita Mihai subjugara a adolescente, a qual se viu compelida à consumação do cerimonial. Quem encontrar uma foto da princesa Ana Maria talvez compreenda a concupiscência de Birita Mihai. Ela é de uma lindeza egípcia. De uma pintura parnasiana que só os dedos de Michelangelo seriam capazes de conceber. A perfeição de Ana Maria, por si só, já absolveria Birita Mihai. O problema é que Birita não apenas teria pecado. Para muitos, ele delinquira. Por quê? Fácil. Porque a lei romena só autoriza que garotas com mais de quinze anos tenham relações sexuais, sem ressaltar que tão-somente aquelas que exibem mais de dezesseis podem convolar núpcias. Numa palavra, Birita, em tese, estuprara Ana Maria. E, tal qual Davi, ele também teve o seu Natã: os intelectuais dos direitos humanos, que, às vezes, se esquecem de estudar direito penal.
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Na época de Davi, falar em direito penal era gracejar com o Pentateuco: “olho por olho; dente por dente”. Nada de humanitário nessa filosofia! Mas em pleno século XXI? Os europeus desaprenderam tudo sobre a teoria do crime? Olvidaram os blocos de composição da culpabilidade? Desprezaram o erro de proibição? Não deram sequer a mínima importância para o fato de que o vestido da noiva custou quatro mil euros! Esse pessoal, de quando em vez, extrapola os marcos da sensatez e descamba para o universo da esquizofrenia. De qualquer maneira, é salutar dar umas pinceladas na doutrina penal, a fim de que os acusadores de Birita Mihai tenham uma chance de rever esse posicionamento ordinário e moralista. Com efeito, crime é fato típico, ilícito e culpável. Os dois primeiros componentes levam em conta o comportamento reprovável; o último se concentra na reprovabilidade do sujeito.
 
Fato típico, integrado por conduta, resultado (nos crimes materiais), nexo causal e tipicidade, é o encaixe da ação humana na lei penal. Assim, por exemplo, o art. 121 do código penal diz: “matar alguém”. Dessa forma, se A mata B, o fato é típico, pois se amoldou ao mandamento proibitivo contido na lei incriminadora. À perfeita subsunção dá-se a denominação tipicidade. Mas isso não significa poder prognosticar que A cometeu um crime. É que, além de típico, o fato deverá ser ilícito. Veja-se que outros dados relevantes estão sendo aqui postos de escanteio, a exemplo das teorias da conduta, buriladas ao longo de anos por cientistas do naipe de Liszt, Beling, Radbruch (causalismo), Welzel (finalismo), Jescheck e Wessels (teoria social da ação), sem falar no funcionalismo (Claus Roxin e Günter Jacobs), até porque o propósito é enfrentar a culpabilidade, acerca da qual ainda se discorrerá. Retorne-se, por conseguinte, à ilicitude, segundo bloco do comportamento criminoso. Ilícito é, genericamente, todo fato típico que vem à tona sem o pálio das excludentes, hajam vista estado de necessidade, legítima defesa, estrito cumprimento do dever legal e exercício regular de direito.
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Portanto, se ­A mata B, mas mata porque B queria assassiná-lo, antes e sem justa razão, A não comete crime, embora tenha aperfeiçoado um fato típico. É que A agiu em legítima defesa. Logo, seu comportamento não é ilícito. Mas não é só. Ainda há a culpabilidade. Culpabilidade é a possibilidade de impor uma censura àquele que praticou fato típico e ilícito. Várias escolas tentaram diagramar a culpabilidade: o talião, o direito romano, o bárbaro, o da Idade Média, o da modernidade (onde se destaca o nome de Beccaria), a escola clássica, a imundície que foi a escola positiva italiana, com as lengalengas de Lombroso, Ferri e Garofalo, até a atualidade, com a substancial preponderância de Mezger. Ora, três fatores, aos quais se dá a denominação de dirimentes, laboram na concepção de culpabilidade, quais sejam a imputabilidade, a consciência potencial da ilicitude e a exigibilidade de conduta diversa. Assim, se A (maior de dezoito anos, mentalmente sadio, cônscio de que seu ato é criminoso, com o adendo de que dele podia exigir-se outra conduta) mata B, isso associado ao fato de que ele não o matou revestido de quaisquer das excludentes de ilicitude (também conhecidas como justificativas), A comete um crime: fato típico, ilícito e culpável.
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Imagine-se, porém, que A não tenha a potencial consciência da ilicitude de seu ato. Por exemplo: todos sabem que, na Holanda, o uso da maconha é descriminalizado. Assim, vislumbre-se um turista holandês, que vem a Sergipe, e, na praia de Atalaia, supondo que a legislação daqui não reprime a utilização da cannabis, resolve, abertamente, dar um trago na marijuana. Ora, o fato praticado pelo holandês é típico. Também é ilícito. Mas ele não é culpável, porquanto lhe falte a potencial consciência da ilicitude. Como o ordenamento pátrio adotou a teoria limitada da culpabilidade, essa dirimente é conhecida no direito brasileiro como erro de proibição, vale dizer, uma suposição equivocada de que um dado comportamento (fumar maconha) é lícito. É o caso do príncipe cigano Birita Mihai. Por conta de sua cultura, ele e todos os que compactuaram com o casamento, não são culpáveis. A isso a ciência do direito refere-se como valoração paralela na esfera do profano. Por quê?
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Ora, o profano é o não-iniciado na ciência do direito. Suas concepções sobre a ordem normativa em muito são influenciadas por questões sociais, morais, religiosas. O próprio mestre Reale categoriza que o que leva o indivíduo a cumprir a norma jurídica são os valores espirituais, morais, financeiros, culturais etc., em face dos quais ele foi moldado. Assim, o príncipe cigano não cometeu crime algum. Dentro de sua mente, desenhada na conformidade de uma cultura secular, ter relações com uma jovem de doze anos era algo absolutamente tolerável. A cátedra de Immanuel Kant, a propósito, disseca haver uma diferença ontológica entre as coisas como elas são vistas (phenomena) e as coisas como de fato elas são (noumena). Birita Mihai andou pela senda do phenomena, mesmo porque o homem, segundo ensinava o ativista político Ortega y Gasset, é ele e suas circunstâncias. A valoração paralela na esfera do profano, em síntese, isenta Birita Mihai de qualquer pena, malgrado os conservadores europeus quisessem sua cabeça. Coisa de um povo sem capacidade de amar calientemente, sem energia sensual, sem libido. Coisa de quem é oportunista na aplicação da lei penal. Todo moralista, no fundo, é um fanfarrão. Que o diga García Márquez, em “memória de minhas putas tristes”.
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Para essa rapaziada, fica a lição que Olavo Bilac deu, em 1888, quando lançou o livro Sarças de Fogo. O primeiro poema dessa obra, intitulado O julgamento de Frinéia, narra a história de uma cortesã grega que foi levada ao Areópago porque estaria corrompendo a moral das famílias helênicas. O acusador, Eutias, exige a condenação de Frinéia, valendo-se de um argumento moral. Afinal de contas, todo acusador que se preze sempre apela para uma moral tão vagabunda quanto ele, a fim de que seus pontos-de-vista, quase sempre tacanhos, prosperem. Passada a acusação, o povo quer Frinéia condenada. Os juízes querem Frinéia condenada. É a vez da defesa. Fala o advogado, Hiperides, cujo timbre de voz se confunde com o sabor da liberdade. Advogados trabalham pela liberdade. Ainda assim, os espectadores permanecem irresignados. Frinéia capitulará. Desse modo, Hiperides apela para o profano. Arranca a roupa de Frinéia, deixando-a magnificamente nua. Nua e reluzente. Tão quanto Betsabéia. Tão quanto Ana Maria. E o Areópago, em apoteose, prolata uma sentença de absolvição. De fato, o profano, sabiamente, às vezes traspassa o jurídico. O argumento profano vem da cabeça do homem ponderado, do homem que enxerga o direito dentro de um sistema que consagra outros valores. O argumento profano, assim como a nudez de Frinéia, deixa a “multidão atônita e surpresa, no triunfo imortal da carne e da beleza”.

Obs. Artigo republicado a pedido.


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