Aracaju/Se,

sábado, 18 de maio de 2019

A Beleza Eterna de Frineia

Opinião


A beleza eterna de Frineia
Clóvis Barbosa
Resultado de imagem para a beleza de frineia
A beleza sempre foi objeto de estudos. E de apreciação. Nada mais extasiante, por exemplo, que o espetáculo de uma mulher nua. Já falei aqui sobre a nudez feminina e do que ela é capaz, como aquela em que o rei Davi viu-se completamente hipnotizado pela limpidez arquitetônica do corpo nu de Betsabeia. Deu no que deu. Está na Bíblia. A Grécia antiga entendia de beleza, e a valorizava. Platão chegou a questioná-la à medida que dava o seu conceito. Para ele, a beleza existe separada do mundo sensível, sendo que uma coisa é mais ou menos bela conforme sua participação na ideia suprema da beleza. Em outras palavras, “o belo” estava na sabedoria. Já Sócrates o considerava pela concordância observada pelos olhos e ouvidos. O próprio Homero, que fez apologia à irresistível beleza de Helena, usou-a para responsabilizá-la pela Guerra de Troia. É claro que a beleza obedece a padrões estéticos e que mudam de tempo a tempo, de acordo com os valores culturais de uma determinada época. Teve um período, na própria Grécia antiga, que o conceito da beleza estava associado ao homem. A mulher não era colocada como protótipo do belo, até porque era tida como submissa e confinada no lar. Com o desenvolvimento das artes, principalmente com a pintura e escultura, um novo perfil surgiu para caracterizar aquela beleza onde a harmonia se entrelaçava com as proporções. Era a estética. O filósofo espanhol José Ortega y Gasset, na sua obra “Ensaios de Estética”, dizia que “Deus pôs a beleza no mundo para que fosse roubada. Afinal de contas, o roubo é um ato de admiração pelo objeto furtado e anda mais próximo do heroísmo que a civil e tranquila fruição ao amparo das leis. Quando o objeto belo é uma mulher, a incitação pelo rapto aumenta porque também, de certo modo, Deus pôs a mulher no mundo para ser arrebatada. Não digo que seja assim, mas o que vamos fazer se Deus dispôs as coisas dessa forma”.
Resultado de imagem para mona lisa 
Aliás, no seu ensaio sobre Mona Lisa, Gasset começa com a frase “A beleza foi colocada no mundo para ser roubada”. Essa frase foi baseada em um fato ocorrido no começo do século XX, quando o famoso quadro de Leonardo da Vinci foi roubado do Museu do Louvre por um funcionário do setor de limpeza, o italiano Vicenzo Perugia. Aproveitando-se da sua condição de empregado do Museu, “retirou a tela Mona Lisa de sua moldura, enrolou-a, colocou-a embaixo do braço, saiu do Museu pela porta da frente, como se nada tivesse acontecido, e foi para casa”. Lá, abriu uma garrafa de vinho e ficou a olhar admirado o quadro por muitas horas. Repetia o gesto todas as vezes que retornava ao seu lar e por mais de dois anos, até que resolveu vendê-lo ao governo italiano, de onde, para ele, a peça nunca deveria ter saído. Mas, a quantia solicitada foi tão irrisória que a justiça italiana resolveu investigar e descobriu o crime praticado por Perugia. Claro que a obra, admirada há mais de 500 anos, foi devolvida à França. Na verdade, a tese de que a beleza foi colocada no mundo para ser roubada não é defendida somente por Gasset, mas, como bem dito por Ricardo Araújo, na introdução da obra citada, por Edgar Allan Poe (A Trapaçaria e A Carta Furtada), Oscar Wilde (A Decadência da Mentira), Robert Louis Stevenson (O Clube dos Suicidas), Thomas de Quincey (Do Assassinato como uma das Belas-Artes) e Chesterton (Contos do Padre Brown). Bom, concordemos ou não, aos nossos olhos, a beleza da mulher nasce da divindade e a verdade é que ninguém resiste ao perfume que a nudez feminina é capaz de borrifar. Nunca, na história, uma beleza de mulher foi tão cantada e tão exaltada como a de Frineia, uma menina pobre que na sua infância, para sobreviver, colhia alcaparras e adulta, transformou-se numa cortesã vivendo maior parte de sua vida em Atenas por volta do ano 400 a.C.
Resultado de imagem para Afrodite surgindo das ondas apeles
Para a historiadora Vicki León, “sua pele sedosa cor de oliva, seu rosto de olhos sonhadores e suas formas generosamente femininas, todavia quase inocentes, fizeram dela a Marilyn Monroe da antiguidade”. A sua beleza contagiou o pintor Apeles, que a retratou em um famoso quadro denominado Afrodite surgindo das ondase Praxíteles, um escultor renomado de então, esculpiu uma Frineia completamente nua, o que foi motivo de muita inveja de um lado e muita babação de outro, pelo menos durante três séculos, até quando o inusitado aconteceu: ela foi roubada por Calígula. A beleza e a fama dessa prostituta da antiguidade atravessaram séculos sendo reverenciadas até os dias atuais. Além de Apeles e Praxíteles, para quem pousou como modelo para um quadro e uma escultura que se tornaram famosos, ela inspirou a pintura do artista Jean-Léon Gérôme, em 1861, na obra Friné devant l’Areopage, as poesias de Baudelaire, em Lesbos e La Beauté, e Rainer Maria Rilke, em Die Flamingos. Foi até objeto de uma ópera famosa de Camille Saint-Saëns, Phryne, de 1893. No cinema, a sua beleza foi representada em um filme de 1951, dirigido por Alessandro Blasetti, Al tri tempi, onde o último episódio é Il processo di Frine. Até um asteroide, descoberto em 1933, teve como registro a beleza de Frineia, com o nome 1291 Phryne. O dinheiro que ela faturou durante a sua vida de amante de figuras famosas da Grécia Antiga, aproveitando-se de sua extraordinária beleza, investiu em estátuas de si mesma. Para se ter uma ideia, uma delas repousa “recatadamente” em um dos espaços do Vaticano. Na sua obra, Biografia da Prostituição, Mariano Tudela, afirma que "Frineia passou à História como uma prostituta de enorme beleza e foi imortalizada por artistas como Apeles e Praxíteles, dado que, segundo a lenda, sua graça sobrepuja a mais ardente imaginação”.
Resultado de imagem para o julgamento de frineia
Mas foi um poeta brasileiro, Olavo Bilac, em sua obra Sarças de Fogo, que prestou uma bela homenagem à beleza dessa mulher ateniense, no poema O Julgamento de Frineia:
     
 “Mnezarete, a divina, a pálida Frineia,
Comparece ante a austera e rígida assembléia
Do Areópago supremo. A Grécia inteira admira
Aquela formosura original, que inspira
E dá vida ao genial cinzel de Praxíteles,
De Hiperides à voz e à palheta de Apeles.

Quando os vinhos, na orgia, os convivas exaltam
E das roupas, enfim, livres os corpos saltam,
Nenhuma hetera sabe a primorosa taça,
Transbordante de Cós, erguer com maior graça,
Nem mostrar, a sorrir, com mais gentil meneio,
Mais formoso quadril, nem mais nevado seio.

Estremecem no altar, ao contemplá-la, os deuses,
Nua, entre aclamações, nos festivais de Elêusis...
Basta um rápido olhar provocante e lascivo:
Quem na fronte o sentiu curva a fronte, cativo...
Nada iguala o poder de suas mãos pequenas:
Basta um gesto, — e a seus pés roja-se humilde Atenas...
Vai ser julgada. Um véu, tornando inda mais bela
Sua oculta nudez, mal os encantos vela,
Mal a nudez oculta e sensual disfarça.
Cai-lhe, espáduas abaixo, a cabeleira esparsa...
Queda-se a multidão. Ergue-se Eutias. Fala,
E incita o tribunal severo a condená-la:

‘Elêusis profanou! É falsa e dissoluta,
Leva ao lar a cizânia e as famílias enluta!
Dos deuses zomba! É ímpia! é má!" (E o pranto ardente
Corre nas faces dela, em fios, lentamente...)
Por onde os passos move a corrupção se espraia,
E estende-se a discórdia! Heliastes! condenai-a!’

Vacila o tribunal, ouvindo a voz que o doma...
Mas, de pronto, entre a turba Hiperides assoma,
Defende-lhe a inocência, exclama, exora, pede,
Suplica, ordena, exige... O Areópago não cede.
‘Pois condenai-a agora!’ E à ré, que treme, a branca
Túnica despedaça, e o véu, que a encobre, arranca...

Pasmam subitamente os juízes deslumbrados,
— Leões pelo calmo olhar de um domador curvados:
Nua e branca, de pé, patente à luz do dia
Todo o corpo ideal, Frineia aparecia
Diante da multidão atônita e surpresa,
No triunfo imortal da Carne e da Beleza”.
Resultado de imagem para a beleza de frineia
O poema, como se vê, narra a história de uma cortesã grega, Mnezarete, nome de batismo de Frineia, que foi levada ao Areópago porque estaria corrompendo a moral das famílias helênicas. O acusador, Eutias, exige a condenação de Frineia, valendo-se de um argumento moral. Afinal de contas, certos acusadores sempre apelam para uma moral tão vagabunda quanto ele, a fim de que seus pontos-de-vista, quase sempre tacanhos, prosperem. Passada a acusação, o povo quer Frineia condenada. Os juízes querem Frineia condenada. É a vez da defesa. Fala o advogado, Hiperides, cujo timbre de voz se confunde com o sabor da liberdade. Ainda assim os espectadores permanecem irresignados. Frineia capitulará. Desse modo, Hiperides apela para o profano. Arranca a roupa de Frineia, deixando-a magnificamente nua. Nua e reluzente. E o Areópago, em apoteose, prolata uma sentença de absolvição. De fato, o profano, sabiamente, às vezes traspassa o jurídico. O argumento profano vem da cabeça do homem ponderado, do homem que enxerga o direito dentro de um sistema que consagra outros valores. O argumento profano, assim como a nudez de Frineia, deixa a “multidão atônita e surpresa, no triunfo imortal da carne e da beleza”.

- Publicado no Jornal da Cidade, Aracaju-SE, edição de 7 de maio de 2016, Caderno A-7.

quinta-feira, 9 de maio de 2019

Tipos Populares de Aracaju - DECINHO


Isto é História

Aracaju Romântica que Vi e Vivi
Tipos Populares
                                                       Decinho
Murillo Melins
 Resultado de imagem para homem elegante casual
Edson Ribeiro da Costa, o popularíssimo Decinho, foi o rapaz que mais luxou em Aracaju. Era um tipo carismático, amigo dos mais humildes aos mais grã-finos da cidade. Boa pinta, elegante no vestir, chamava atenção por onde passava. Nas ruas era cumprimentado por todos. Frequentava os espaços mais requintados, mas também, às vezes, era encontrado conversando animadamente com carregadores de malas, engraxates e excluídos, levando, muitas vezes, um desses deserdados até sua residência, para saciar sua fome ou ofertar-lhes roupas e sapatos usados. Certa vez, montou um escritório de representações, tendo como sócio o também conhecido e elegante Domar Sucupira. Devido ao conhecimento que ambos tinham, arranjaram boas representações, como a Cia. Costa Pena, fabricante dos melhores charutos da Bahia e do Brasil, como também a representação de uma conceituada fábrica de calçados e outras empresas bem conhecidas.
Resultado de imagem para sapatos homem 
Ambos, sem tino empresarial, movidos mais pelo coração do que pelos negócios, admitiram uma secretária e dois vendedores amigos, mas sem nenhuma experiência no ramo, e não muitos afeitos ao trabalho. O escritório era mais ponto de encontro de amigos do que uma casa comercial. Era comum os visitantes fumarem os caros e perfumados charutos do mostruário. Os sapatos também eram calçados pelos vendedores Barbosinha e Macarrão. Eles visitavam as praças de Aracaju e do interior, trazendo pedidos dos fregueses. Solicitavam vales por conta das comissões, e eram plenamente atendidos. Algumas vezes, quando os pedidos chegavam, e eram levados à firma (compradora), muitas devolviam, dizendo desconhecerem aquelas solicitações de compras. Prejuízos e mais prejuízos fizeram com que a firma fechasse suas portas. O amigo radialista Wellington Elias fazia gratuitamente em redações impecáveis as correspondências da firma.
Resultado de imagem para representante laboratório farmaceutico 
Após essa experiência, Decinho passou a ser representante de laboratórios farmacêuticos. Tempos depois, era considerado o melhor vendedor e, apesar de ser gago, era disputado pelos melhores laboratórios. Sempre que algum amigo estava desempregado, procurava Decinho que, devido o conhecimento com gerentes e diretores de firmas, arranjava trabalho para o mesmo. Se alguém não tivesse uma roupa em boas condições para se apresentar no novo emprego, ele levava o amigo até sua residência, abria o guarda-roupa e mandava escolher a que mais o agradasse. Em seguida, telefonava ou ia a Salvador apresentá-lo para assinar o contrato. Quando ficou doente e inválido, protegidos o esqueceram. Foi confortado pela família e por dois ou três amigos até a morte.
Resultado de imagem para dançarino 
O mais elegante dos boêmios era quem melhor dançava, chamando atenção de todos nos seus traçados puladinhos e tesouras. Ele e sua esposa Marília, abrilhantaram réveillons e carnavais da Atlética. Na roda de amigos, nas retretas, festas de Natal, rua João Pessoa, apesar da gagueira, era quem mais falava e agradava. Em uma ocasião, estávamos na rua João Pessoa, assistindo a saída da matinê do Rio Branco. Passaram por ali duas garotas bonitas. Um companheiro chamou nossa atenção, dizendo: Puxa, que Dona Boa! Ao que Decinho respondeu: “Boa é minha mãe, ela é ótima”. Alguns minutos depois, passou por ali outra moça, quando um colega observou: “Olha, que dona boa”. O outro retrucou: “Boa é a mãe de Decinho, ela é ótima”. A frase tornou-se corriqueira.
Resultado de imagem para buenos aires corrientes 
Alguém contou que, a passeio por Buenos Aires, estando parado na rua Corrientes, um grupo de rapazes observava as “muchachas”, quando um deles disse, ao passar uma garota: Que mujer buena! Outro retrucou: “Buena es la madre de Decinho”. Ainda hoje, Decinho é lembrado pelas suas conversas, pelas suas danças e seu grande coração alegre e caridoso.    

O autor
Murillo Melins
Resultado de imagem para murillo melins 

- A próxima postagem você vai conhecer CHICO DE PAULA, o homem que forjou a própria morte depois de desaparecer de Aracaju. Quando todos achavam que ele tinha morrido, eis que ele retorna a Aracaju criando os maiores problemas.   
- Do livro “Aracaju Romântica que vi e vivi”, de Murillo Melins, 4ª. Edição, 2011, Gráfica J. Andrade.
- As imagens aqui reproduzidas foram retiradas do Google. 

quarta-feira, 1 de maio de 2019

Oração aos moços - A Vergonha de ser honesto


Opinião
Oração aos moços
A vergonha de ser honesto
Clóvis Barbosa
Resultado de imagem para corrupção

Dia 1° de fevereiro de 1992. Naquela data, estava assumindo pela segunda vez o cargo de presidente da OAB-SE. No auditório do Centro de Interesse Comunitário, proferi um discurso que, pela sua atualidade, permito-me  transcrevê-lo em parte. Após mostrar o aprofundamento da crise social que arrasava o país, com milhões de menores abandonados, com a violência urbana aterrorizante, com o sucateamento da educação pública, da saúde e dos bolsões de miséria que cada vez mais aumentavam, disse: Tem que ser um compromisso de cada um de nós reverter esse quadro assustador que assola o país. O nosso comportamento, portanto, passa pela cobrança às autoridades constituídas de que somente podemos admitir, na gestão da coisa pública, o respeito aos princípios constitucionais da legalidade, moralidade, publicidade e da impessoalidade, e que o Estado esteja voltado para a consecução do seu objetivo maior, o bem de todos, indiscriminadamente, através da construção de uma sociedade livre, justa e solidária, da garantia do desenvolvimento nacional, da erradicação da pobreza e da marginalização e redução das desigualdades sociais e regionais. A corrupção não pode continuar sendo a regra e a decência a exceção, quadro que contribui com a desigualdade social e envereda para o caminho da violência urbana, onde cada um de nós pode ser a próxima vítima. A decência, portanto, é que deve ser a regra e a corrupção a exceção. Há 23 anos, como se observa, o quadro era parecido com os dias atuais. Lamentavelmente, a corrupção continuou, no Brasil, como regra. A decência, por sua vez, continuou sendo a exceção. A cada dia que passa, descobrem-se novos escândalos que sempre têm como vítima o erário ou o povo, este o principal responsável pela manutenção do sistema através dos seus impostos. E o interessante é que a própria sociedade também dá a sua contribuição ao processo corruptivo quando busca privilégios à custa do dinheiro público.
Resultado de imagem para minha razão de viver samuel wainer
Há um pacto de mediocridade firmado entre os diversos atores sociais, sejam de origem pública ou privada. Agentes públicos servem de despachantes para os interesses privados que, por seu turno, engordam as contas particulares daqueles servidores em ilhas fiscais espalhadas pelo mundo. Com a Operação Lava Jato, um segmento empresarial que sempre desfilou à margem dos grandes escândalos começa a ser desmascarado: as empreiteiras. A sua participação na corrupção não é coisa nova em nosso país. O jornalista Samuel Wainer, na sua obra autobiográfica Minha Razão de Viver - Memórias de um Repórter, já alertava a sociedade brasileira sobre a promiscuidade existente entre as construtoras e o poder público: Nos anos 50, os barões do café foram substituídos pelos grandes empreiteiros. (...) Com a cumplicidade da imprensa, seria sempre mais fácil, também, receber do governo – um mau pagador crônico – o dinheiro a que tinham direito pelas obras executadas. Feitas tais constatações, logo se forjaram sociedades semiclandestinas bastante rentáveis. (...) O esquema era simples. Quando se anunciava alguma obra pública, o que valia não era a concorrência. Todas as concorrências vinham com cartas marcadas, funcionavam como mera fachada. Valiam, isto sim, entendimentos prévios entre o governo e os empreiteiros, dos quais saía o nome da empresa que deveria ser contemplada na concorrência. Feito o acerto, os próprios empreiteiros forjavam a proposta que deveria ser apresentada pelo escolhido. Era sempre uma boa proposta. Os demais apresentavam propostas cujas cifras estavam muito acima do desejável, e tudo chegava a bom termo. Naturalmente, as empresas beneficiadas retribuíam a boa vontade do governo com generosas doações, sempre clandestinas. Apesar de ainda engatinhar no processo de criação de mecanismos que tenham como objetivo frear a corrupção dessas atividades empresariais, O Brasil, através das suas instituições de controle, tem buscado mudar esse quadro.
Resultado de imagem para foreign corrupt practices act 
Nos EUA, desde 1977, há uma legislação dura, o chamado FCPA – Foreign Corrupt Practices Act, onde se tenta moralizar as práticas comerciais das empresas norte-americanas. A grande constatação foi a de que a debilidade das fiscalizações por parte das instituições de controle era a grande responsável pelo aumento das práticas de atos ilícitos. O FCPA começou a atuar e grandes empresas americanas e multinacionais foram punidas severamente pela prática de corrupção desenfreada dentro dos EUA e em outros países. Alguns casos são emblemáticos. Foi descoberto, por exemplo, que a poderosa Siemens mantinha uma “contabilidade paralela”, com a qual se pagava, em vários países, subornos de bilhões de dólares para obtenção de benefícios para a empresa. A partir do momento em que a Siemens passou a ter ações na Bolsa de Nova York, automaticamente ficou subordinada à legislação americana. Daí veio o processo e a decisão, onde a empresa alemã teve que pagar uma multa de 395 milhões de euros ao Ministério Público de Munique, uma multa de 450 milhões de dólares ao Departamento de Justiça (DOJ) e um confisco de 350 milhões de dólares dos seus lucros à SEC – Securities and Exchange Comission, ambos dos EUA. Uma curiosidade é que o direito federal norte-americano prevê, nas chamadas Sentencing Guidelines, duas atenuantes para a criminalidade corporativa: uma, é o “confessar” e “cooperar” com as investigações levadas a efeito pelas autoridades; outra, é a de ter programa de compliance no momento em que foram praticados os fatos delituosos, ou seja, um conjunto de regras estabelecidas no âmbito interno das empresas para prevenir o cometimento de ilícitos ligados à corrupção. A Johnnie Walker, assim como outras empresas, foi incursa no FCPA pelo pagamento de altas propinas a funcionários dos governos da Índia, Tailândia e Coréia do Sul, através das suas subsidiárias, para obter vantagens lucrativas. O resultado é que teve de pagar mais de 16 milhões de dólares em multas.
Resultado de imagem para teoria dos jogos
No Brasil, a legislação anticorrupção vem cada vez mais se aprimorando, combinada com a vontade de uma militância briosa e combatente de jovens juízes, promotores de Justiça, Delegados das Polícias Federal e Estaduais e procuradores da República. No direito brasileiro, as estratégias de prevenção e repressão da criminalidade empresarial têm sido incrementadas a partir do avanço das legislações sobre a matéria, algumas permitindo atenuações de penas e até mesmo extinção da punibilidade ou perdão judicial, quando ocorrer colaboração premiada. Se a corrupção utiliza-se de elementos cada vez mais sofisticados na consecução dos seus fins ilícitos, é natural que a sociedade procure também utilizar-se de mecanismos modernos e cada vez mais ágeis em defesa do erário. No caso da Operação Lava Jato, a sua atuação tem contribuído para a descoberta de um dos maiores escândalos de corrupção da história do país, envolvendo empreiteiras, servidores de alto escalão da Petrobrás e políticos. E o grande mérito desse momento histórico que vive o país é, justamente, o fato de a justiça criminal brasileira, como bem diz o professor Luiz Flávio Gomes, sair do modelo conflitivo para entrar no modelo consensual. E o uso da Teoria dos Jogos é o instrumento capaz de incentivar a delação, pois quem assim o faz tem muito a ganhar. E ganha também a sociedade e o erário com a possibilidade de punições e de ressarcimento das quantias desviadas. Os instrumentos que estão revolucionando a justiça criminal brasileira estão principalmente em duas legislações: a Lei n° 12.850, de 2013,que define organização criminosa e dispõe sobre a investigação criminal, os meios de obtenção da prova, infrações penais correlatas e o procedimento criminal; e a Lei n° 9.807, de 1999, que estabelece normas para a organização e a manutenção de programas especiais de proteção a vítimas, a testemunhas ameaçadas, e a acusados ou condenados que tenham voluntariamente prestado efetiva colaboração.
Resultado de imagem para oração aos moços rui barbosa
Abro um parêntese: Há 127 anos, em 1889, com a implantação da República, Dom Pedro 2° era obrigado a deixar o Brasil. Ele imperou de 1841 a 1889, exatos 48 anos. Nesse período, jamais permitiu que aumentassem o seu salário. Era com este dinheiro que sustentava a si próprio e à sua família e dava-se ao luxo de pagar os estudos de brasileiros no exterior, como o músico Carlos Gomes e o pintor Pedro Américo. Com recursos próprios financiou as suas viagens oficiais aos EUA, Europa e Oriente Médio, com comitivas de apenas quatro ou cinco pessoas. Numa nova viagem a esses países, teve que tomar dinheiro emprestado. Era um gestor austero. Em vez de criar impostos, cortava despesas. Seu palácio imperial, em São Cristóvão, era tido como o mais desmobiliado do planeta. Seus trajes oficiais eram puídos de fazer dó. Ao ser deposto pelos militares e ter de ir embora em 24 horas, Dom Pedro recusou o dinheiro que o governo da República lhe ofereceu para seu exílio em Paris. E ainda passou uma descompostura nos militares por estarem dispondo de recursos que não lhes pertenciam, mas ao povo brasileiro. Poucos dos sucessores republicanos de Dom Pedro seguiram o seu exemplo de austeridade. Prevaleceu na República a ideia de que a coisa pública, por ser de todos, não é de ninguém. Oxalá que esse momento histórico sirva para reverter o quadro de indecência que vive o país. E que os componentes da honestidade, como conceituado por Cícero, se insiram em todos os brasileiros, mormente os administradores públicos, eleitos ou concursados: sabedoria, magnanimidade, justiça e decoro. Rui, em discurso no Senado Federal, disse que De tanto ver triunfar as nulidades; de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça. De tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar-se da virtude, a rir-se da honra e a ter vergonha de ser honesto. Esse é o nosso grande desafio, fazer da decência a regra.

- Publicado no Jornal da Cidade, Aracaju-SE, edição de 10/03/2016, Caderno A-7.
- As fotos foram retiradas do Google.
Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...