Aracaju/Se,

domingo, 26 de junho de 2011

Mulheres da antiguidade - KIRU

Isto é História

Mulheres Audaciosas da Antiguidade
KIRU
Vicki León

Embora Kiru tenha vivido no norte da Mesopotâmia há mais de 3.700 anos, sua história de carreira versus casamento, rivalidade familiar e maus-tratos domésticos, envolvendo ela mesma, sua provável irmã Sibatum e Haya-Sumu, seu marido, que provavelmente dividia o tempo com as duas, apresenta um roteiro com um tom bastante moderno. Do ponto de vista político, as terras da Suméria nunca foram o que poderíamos chamar de país. Em vez disso, vários pequenos reinos ou cidades-estados faziam manobras para alcançar mais poder. Cidades-estados maiores como Mari eram governadas por reis ou rainhas; as menores, que frequentemente pagavam impostos às maiores, eram governadas por prefeitos. Esses prefeitos não faziam promessas em campanhas nem beijavam um único bebê para conseguir o cargo – o indivíduo era designado para ele.

Em torno de 1715 a.C., Kiru, uma das aproximadamente dez filhas da rainha Shibtu e do rei Zimri-Lim de Mari, casou com o rei de Ilansura, um lugar miserável distante de Mari. Foi um casamento político e não uma união por amor – nada fora do comum para aquela época. Mas o pai de Kiru também a nomeou prefeita de Ilansura, dando-lhe autoridade para agir e algumas vezes passar por cima das decisões de seu marido, o rei. Por ser ao mesmo tempo um político realista e humanista, Zimri-Lim acreditava que as mulheres tinha cérebro e deviam usá-lo (seu relacionamento com a esposa Shibtu, com as filhas e outras mulheres em sua vida demonstrou que ele era bastante feminista para sua era). Por outro lado, o novo marido de Kiru era um mesopotâmio comum, um sujeito do tipo “de jeito nenhum minha mulher vai ser meu patrão”. Conflito e corações partidos esperavam logo à frente na estrada.

Embora os especialistas ainda discordem entre si sobre a interpretação das cartas de Kiru, parece que como prefeita ela era competente, influente e mantinha seu pai informado sobre a situação política em Ilansura e na região norte. Todavia, a parceria entre pai e filha (e as delações) realmente enfureceu seu marido. Em certa ocasião, Kiru escreveu para o pai sobre uma briga que tinha tido: “Haya-Sumu ficou cara a cara comigo e disse: ‘E daí se você dirige as coisas como prefeita? Vou matá-la, portanto é bom que você peça aquele seu papai, seu ídolo para vir buscá-la!””. Kiru implorou que seu pai permitisse que ela voltasse para Mari. Com os problemas de poder entre Kiru e seu marido, a situação ficou espinhosa, e sua irmã (ou meia Irmã) Sibatum, que vivia com os dois, fez as coisas ficarem pior. Quanto mais infeliz Kiru ficava, mais presunçosa Sibatum se tornava. Os arquivos insinuam que Sibatum também era uma esposa de Haya-Sumu, mas numa posição inferior. Agora ela estava subindo, fazendo-se passar astuciosamente por inocente aos olhos de Zimri-Lim, seu atormentado pai: “Por que estão sempre me acusando e me caluniando para você? É tudo mentira, papai!”.

Finalmente, Kiru teve seu desejo satisfeito. Ela retornou a Mari, à custa de perder seu casamento e sua posição de autoridade. E Sibatum? Astuta a seu próprio modo, como as outras filhas de Zimri-Lim, suas táticas podem tê-la feito conquistar a mais alta posição conjugal com Haya-Sumu. Porém – esta é uma suposição bastante segura – não o cargo de prefeita.

(*) – No próxima domingo, dia 3 de julho de 2011, conheça ERISTI-AYA, uma das dez filhas da rainha Shibtu e do rei Simri-Lim, que se tornou sacerdotisa. Viveu na Suméria, num templo em Sipar, à beira do Eufrates, por volta do ano 1715, a.C.

segunda-feira, 20 de junho de 2011

Um Cão Andaluz

Artigo Pessoal

Um Cão Andaluz
Clóvis Barbosa

Um Cão Andaluz foi o filme de estréia de Luis Buñuel, que contou com a colaboração do artista Salvador Dali. Lançado em 1928, é um dos marcos da cinematografia mundial, cuja imagem que ainda hoje é lembrada como impactante e pavorosa é o de uma navalha cortando um globo ocular. Lembrei-me desse filme no dia de ontem ao ler a “autobiografia” de Alice B. Toklas, escrita por Gertrude Stein, o grande amor de sua vida. É que Gertrude foi viver em Paris nos anos de 1920 e coube a ela a invenção da expressão “geração perdida”, aplicada aos artistas que viveram naquela década na capital francesa. Confesso que sou emotivo. Quando visitei recentemente Paris, chorei ao divisar a casa de número 27 da Rue de Fleurus, no complexo Montparnasse. Era uma noite muita fria e poucas pessoas andavam no local. Eu estava sozinho a imaginar Picasso (dizem que foi uma descoberta de Stein), Ernest Hemingway, Matisse, Scott Fitzgerald, Jean Cocteau, Apollinaire e tantos outros entrando naquela casa. Entrei num pequeno bar e pedi um conhaque. Tomei de uma só golada e fui embora, deixando a casa para trás. Eu tinha andado muito. Praticamente caminhei de Alesia até o final de linha onde tinha uma estação de trem ou terminal de ônibus. Depois voltei para Alesia e fui caminhando por toda a Avenue Maine. No retorno, pela mesma avenida, um turbilhão de imagens passou pela minha cabeça. A minha infância pobre no pobre Bairro da Liberdade, em Salvador de Bahia, andando em ruas e trechos com nomes curiosos, como Ladeira de Pedra, Curuzu, Largo da Central, Baixo da Gengibirra, Ladeira do Inferno, Largo do Tanque, Fim de Linha da Liberdade, etc.

Ernest
Hemingway


F. Scott
Fitzgerald

Lembrava-me daquele menino raquítico, que era chamado de amarelo empapuçado, com 13 anos e já trabalhando para ajudar a família de dez irmãos na época; estudava pela tarde e trabalhava pela manhã numa loja na Baixa do Sapateiro; aos sábados à tarde ganhava uns trocados vendendo gibis na porta do cinema Santo Antônio e aos domingos passava cera em sete escritórios no Ed. Rui Barbosa; a minha alegria quando passei no exame de admissão do Instituto Normal Isaias Alves; minhas noites no Instituto Goeth, Teatro Vila Velha, Cine Rio Vermelho, Concha Acústica do Teatro Castro Alves, programas de auditório na Rádio Sociedade da Bahia e Rádio Excelsior, no Clube de Cinema da Bahia, carnaval no Clube Palmeiras da Barra Avenida; tentativas, muitas vezes frustradas, de furar o bloqueio do Fantoches, Iate Clube e Clube Espanhol nos bailes de carnaval; e Aracaju quando aqui cheguei com as suas marinetes e kombis fazendo o transporte coletivo; os meus primeiros amigos, a Jovreu, Editora Jovens Reunidos, o Clube de Cinema de Sergipe, a Faculdade de Direito, a advocacia, a Universidade Federal de Sergipe, a Prefeitura de Aracaju, o Governo do Estado, lugares onde deixei a minha energia pela inteireza da minha dedicação; o saudoso Cacique chá; o cachorro quente de Seu João, vizinho à Catedral; a moqueca de camarão do Bairro Soledade; o churrasco de Carioca na Rua Porto Alegre com Pernambuco, onde cada pedaço de carne ou de osso era disputado com os olhares tristes dos cães que rodeavam a pequena churrasqueira; a sopa mão de vaca de Luis Ponta de Ouro, no Bairro Santo Antônio.

Eram recordações de dias tristes e felizes. Mas é isso: a felicidade é sempre amarga, como o sol é ilusório. Releio Kafka. A Metamorfose. Pela décima vez? Não sei se mais ou menos. Não quero saber do conceito que Theodor Adorno, da Escola de Frankfurt, de Georg Lukács e de Freud sobre a obra kafkaniana. A Metamorfose e O Veredicto eu estraçalho em um dia. Invado o mundo de Georg Bende (Mann) e Gregor Samsa. Pronto! Falei em contos, lá vem as lembranças: Ezequiel Monteiro. Tudo bem, não precisam ficar nervosos. Eu sei que Luiz Eduardo Costa é brilhante e tantos e tantos outros que desfilam com as suas penas nos jornais de Sergipe. Mas, por favor, não confundam as coisas. Eu sei que não sou crítico literário, mas tenho bom senso. Certa vez tive uma discussão com um professor de teoria literária. Lá pras tantas eu achei de defender a tese de que Chico Buarque e Vinícius de Moraes eram poetas com “p” maiúsculo e que nada ficavam a dever aos grandes poetas brasileiros. Pronto, o mundo desabou sobre mim e a minha ignorância. Isso tem uns quinze anos aproximadamente. Pois bem, hoje, a intelligentsia brasileira já reconhece Vinícius como um grande poeta. Aliás, quando vou ao Rio de Janeiro, quem quiser me encontrar pode ir na Toca do Vinícius, na Rua Vinícius de Moraes, em Ipanema. Ali eu recebo aulas de Teoria Literária de um professor aposentado da Universidade Federal Fluminense, que por prazer, toca a Toca. Um dia eu disse a um colega que se diz meu ex-amigo: meu irmão, você já viu o texto de Ezequiel Monteiro no Jornal da Cidade? Esse cara é um louco, ele é kafkaniano.


Franz Kafka

Florbela Espanca

E continuava enfático defendendo o talento de Ezequiel. Não fui feliz na minha abordagem. Não tinha com quem discutir. Peguei uns quinze artigos de Ezequiel e guardei. Na próxima viagem ao Rio vou levá-los para discutir com meu amigo professor de teoria literária. E o pior é que estou com saudade do seu texto, principalmente dos seus gostosos contos, cheios de mágoas pelos amores perdidos ou impossíveis que faz-nos lembrar a poesia de Florbela Espanca: “Eu sou a que no mundo anda perdida, eu sou a que na vida não tem norte, sou a Irmã do Sonho, e desta sorte sou a crucificada, a dolorida (...). Sou aquela que passa e ninguém vê, sou a que chamam triste sem o ser, sou a que chora sem saber porquê. Sou talvez a visão que Alguém sonhou, Alguém que veio ao mundo pra me ver e que nunca na vida me encontrou”. Jean Vigo, cineasta francês e de curta carreira, ao se reportar sobre a imagem contida no filme de Buñuel, afirmou que “essa imagem é mais pavorosa do que o espetáculo de uma nuvem tapando uma lua cheia”. Um Cão Andaluz, também é retocado por uma coleção de imagens sem qualquer conexão, impactantes e contraditórias. O que dizer de um cavalo morto em um piano? o que falar de formigas saindo da mão de alguém? Bem, a verdade é que este filme é considerado revolucionário na história do cinema, pois rompe com toda a lógica e linearidade narrativa existente nos filmes daquela época, sendo uma combinação do representativo, do abstrato, do irreal e do inconsciente. Tento, aqui, hoje, fazer uma viagem ao surrealismo. Mas, o da imagem real combinada com as recordações.

(*) Publicado no Jornal da Cidade, Aracaju-SE, edição de sábado, 30 de abril de 2011, Caderno B, pág. 06.

quarta-feira, 15 de junho de 2011

Mulheres da antiguidade - SHIBTU

Isto é História

Mulheres Audaciosas da Antiguidade
SHIBTU
Vicki León
Agora já podemos dizer: o memorando interno nasceu há mais de um milhão de dias em Mari, uma cidade de luxo situada na região superior do rio Eufrates. Esse reino dos primórdios da região da Suméria era famoso pelos seus tapetes e carroças de madeira de alta qualidade, seus magníficos cantores, suas cervejas com sabor de romã – e pela sua literatura. Rainha durante vinte anos e uma das estrelas da comunicação de Mari, Shibtu e seu marido Zimri-Lim deixaram uma montanha de cartas de amor, arquivos de funcionários e memorandos escritos em argila, oferecendo uma imagem íntima e vívida de suas vidas. Originária de Alepo (atual Síria), naquela época a fonte de influência da região, Shibtu era filha de um rei. Ela se casou com Simri-Lim com o objetivo de efetuar uma aliança política, após a qual seu pai ajudou seu novo marido a expulsar os assírios de Mari. Casamento arranjado ou não, Shibtu e Zimri-Lim obviamente tiveram sorte e desenvolveram entre eles o que chamamos de química, tanto física como intelectual.

Para segurar seu país recém-conquistado, Zimri-Lim passava muito tempo na estrada, recepcionando calorosamente e agradando aliados, anotando nomes e chutando traseiros, quando necessário. De volta ao palácio, Shibtu se tornava seu braço direito, auxiliar pessoal, confidente política e conselheira. Os dois se comunicavam quase incessantemente por meio de cartas. Não sendo o tipo de rainha de ficar presa ao palácio, ocasionalmente Shibtu se encontrava com ele em outras cidades, uma estratégia de negócios-com-prazer que pode ter mantido seu casamento na temperatura máxima.

O casal teve gêmeos e chegaram a ter dez filhas, mas a megamaternidade não fez com que Shibtu ficasse mais devagar. Uma horda de funcionários fazia relatórios para ela pessoalmente e por correspondência ou memorando. Shibtu também lidava com a tarefa de responder à correspondência do seu fã-clube, às cartas do tipo “tive um mau presságio num sonho”, à correspondência de pedidos e às notas queixosas de seus filhos à medida que cresciam até a idade adulta – mais ou menos. Entretanto, quando terminava as tarefas do dia, Shibtu simplesmente não conseguia se recostar e sorver ponches de vinho tinto gelados (outra das especialidades de Mari); ela tinha mais trabalho a fazer, supervisionando as atividades no complexo palaciano. Suas centenas de quartos, depósitos e pátios comportavam centros de produção de tecidos, couro e outros produtos de luxo; um mercado varejista; departamentos de recolhimento de impostos; docas e carregamento e de armazenamento e produtos importados e para exportação; uma escola de escrivãos; um templo; alojamentos residenciais para a família real e empregados do palácio; além disso, só os deuses sabiam quantos quartos eram usados para armazenar o excesso de documentos. A agenda de Shibtu também incluía elaborar tarefas de trabalho para os presos reais; medidas de segurança; fazer inventários; e lidar com problemas de pessoal, como os relativos a Ama-dugga, sua truculenta empregada. E ela ainda encontrava tempo para fazer pequenos presentes para Zimri e as crianças.

Shibtu e Simri-Lim construíram uma vida maravilhosa para si mesmos e para Mari; por décadas, sua diligência e diplomacia mantiveram afastada a agressão que avançava como um ciclone por toda a região, liderada pelo rei Hamurábi da Babilônia. Todavia, Hamurábi derrotou seus rivais um por um, finalmente ocupando Mari – o único local que impedia seu caminho para o Mediterrâneo – em 1695 a.C. Dois anos mais tarde, ele transformou em pó essa linda cidade, tão cheia de arte e de vida – ignorando o que hoje é o seu maior tesouro: as placas de argila que trazem Shibtu e sua família de volta à vida para nós.

(*) – Na próxima terça-feira, dia 21 de junho de 2011, conheça KIRU, uma das dez filhas da rainha Shibtu e do rei Simri-Lim, que viveu na Suméria, em Ilansura, onde se tornou sua prefeita, por volta do ano 1765 a.C.

A autora
Vicki León

sábado, 11 de junho de 2011

É o amor...

Isto é história

É o amor...
Escrito por Bruno Hoffmann,
para o Almanaque Brasil

Em grandes músicas, poemas inspirados, dribles desconcertantes e lutas sociais havia duas pessoas que se amavam – ou, pelo menos, uma delas. No mês dos namorados, lembramos histórias de amor que reviraram as cabeças de ilustres brasileiros. O filósofo francês Jean-Paul Sartre tratou de reinventar a matemática: “No amor, um mais um é igual a um”. O poeta brasileiro Mario Quintana sentenciou: “Tão bom morrer de amor e continuar vivendo...”. O escritor português Luís de Camões palpitou: “Amor é fogo que arde sem se ver”. Não importa a origem ou a posição social. Na hora em que o amor chama, filósofos, escritores, poetas, pedreiros, jornalistas e cobradores de ônibus agem de forma parecida. Lutam pela pessoa amada. Fazem planos a dois. Resmungam com os términos. Filosofam – a mais simples teoria talvez venha de Machado de Assis: “A melhor definição de amor não vale um beijo”. São histórias de amor que desfilam neste Especial. O amor de casais que enfrentaram preconceitos para unir os trapinhos, como Elza Soares e Mané Garrincha; de quem lutou lado a lado pelos ideais, como Anita e Giuseppe Garibaldi ou Olga e Luís Carlos Prestes; de amantes que nem a morte separou, como Stella Maris e Dorival Caymmi.

Mas como amor também rima com dor, compositores como Noel Rosa e Gilberto Gil trataram de verter suas lágrimas em canções inesquecíveis. O sofrimento é ingrediente da paixão, como bem explica Vinicius de Moraes em Consolação: Se não tivesse o amor / Se não tivesse essa dor / E se não tivesse o sofrer / E se não tivesse o chorar / Melhor era tudo se acabar. Convém acreditar: de amar o Poetinha entendia bem. Afinal de contas, foram nove casamentos, todos em busca do mais nobre dos sentimentos.

Elza enfrentou donas de casa e torcedores por Garrincha

Inimiga do lar!” Foi assim que um jornal se referiu a Elza Soares quando foi anunciado o seu relacionamento com Mané Garrincha. Os dois haviam se aproximado durante a Copa do Mundo do Chile, em 1962. O craque prometera, e cumprira, ganhar o mundial em sua homenagem. Acontece que Mané era casado, e o relacionamento caiu como uma bomba na opinião pública. Elza começou a ser vista como uma espécie de “destruidora da família brasileira”. O advogado da ex-mulher de Garrincha chegou a organizar uma passeata contra o relacionamento. Elza era perseguida nas ruas e foi até ameaçada de morte por donas de casa. Nem a torcida do Botafogo perdoava. Se Mané jogava mal, a culpa era da cantora. O que pouca gente sabia era da abnegação de Elza pelo amado. Ela aguentou firme brigas homéricas causadas pelo alcoolismo de Garrincha. Certa vez, chegou a ir de bar em bar em volta do Maracanã para pedir aos donos que não vendessem bebida ao marido. A relação – entre amor, polêmicas e brigas – durou 16 anos.

Anita lutou por liberdade e por Giuseppe

Durante a Guerra dos Farrapos (1835-1845), o revolucionário italiano Giuseppe Garibaldi passou por uma cidade do interior de Santa Catarina. A menina Anita, de 19 anos, se apaixonou pelos ideais libertários do europeu. Não só pelos ideais. Abandonou o marido e casou-se com o forasteiro. Esteve ao lado de Garibaldi em todas as batalhas. Na Itália, lutou pela independência do país, mesmo grávida de cinco meses do quarto filho do casal. Em fuga dos exércitos inimigos, morreu durante o parto. Giuseppe se desesperou e nunca se perdoou por não ter impedido a morte da amada. A “heroína de dois mundos” não perdeu a companhia de Giuseppe. Estão enterrados lado a lado em Roma.

Pedro amava Domitilia, mas prezava mais o poder

Pular diversas vezes a cerca não era novidade para dom Pedro 1º, mas seu coração era mesmo de Domitília de Castro, a marquesa de Santos. A relação ardente com a amante preferida durou sete anos. As trocas de cartas entre ambos era constante: “Não passa um momento que meu coração me não doa de saudades tuas”, se desmanchava o imperador. Algumas se destacavam pelo tom picante. Numa delas, Pedro 1º assinou como “Fogo Foguinho”. Noutra, como “Demonão”. Quando precisou se casar por conveniência com uma duquesa austríaca, se despediu numa outra missiva: “Eu te amo, mas amo mais a minha reputação”. Dois anos depois, se despediu definitivamente, e subscreveu: “Seu filho, amigo e amante até a morte, Pedro”.

Dorival Caymmi e Stella Maris começaram
a namorar em 1940 e nunca mais se separaram


Apesar da fama de conquistador, o baiano tinha pela esposa verdadeira devoção. Nem a morte os separou. Em 2008, Stella entrou em coma. Ninguém disse nada a Caymmi, mas ele desconfiou e entrou em depressão, o que acarretou sua morte. Duas semanas depois foi a vez de Stella.

Olga, o primeiro amor de Prestes
Em 1934, vivendo no exílio em Moscou, Luís Carlos Prestes recebeu uma notícia que lhe deixou animado: havia sido aceito como membro do Partido Comunista Brasileiro. A primeira missão não era lá muito simples: derrubar o regime de Getúlio Vargas e implantar o comunismo no Brasil. Como chefe de sua segurança foi escolhida a alemã Olga Benário, mais experiente em missões internacionais. A dupla passou clandestinamente pela Europa e rumou aos Estados Unidos com o intuito de chegar ao Brasil. Para disfarçar, fingiram ser um casal em lua de mel. Prestes não tinha muito jeito para o personagem. Pela dedicação desde jovem às causas em que acreditava, o Cavaleiro da Esperança, aos 37 anos, nunca tinha estado com uma mulher. E como todos esperam que recém-casados dividam a cama em hotéis e navios, os companheiros foram se aproximando. Na chegada a Nova Iorque, o que antes era uma história inventada em nome das causas comunistas tornou-se verdade: Prestes e Olga estavam juntos e apaixonados.

Amor de Gil morreu para germinar

Gilberto Gil estava triste com o iminente divórcio de Sandra, apelidada por Maria Bethânia de Drão. Era começo dos anos 1980. Depois de aceitar ser jurado de um programa de rádio no interior de Minas, tomou um susto ao ler o nome da empresa de ônibus que o levaria à cidade: Viação Sandra. No caminho, Gil foi reparando nas pessoas simples, nos personagens pitorescos que surgiam. Pensou nos filhos e na efemeridade da vida. Chegou ao fim do trajeto revigorado e aceitando a separação. E também com a letra de um de seus maiores sucessos num pedaço de papel: Drão, o amor da gente é como um grão / Uma semente de ilusão / Tem que morrer pra germinar...

Poetinha virou hippie por Gessy
O poeta está apaixonado por você”, passou o recado Maria Bethânia à atriz Gesse Gessy. E estava mesmo. Tanto que logo depois Vinicius de Moraes levou a baiana ao altar. Mas não pense em igreja católica. A cerimônia ocorreu num templo de candomblé de Salvador. O poeta e diplomata vestiu uma bata branca e uma coroa de margaridas na cabeça. E resolveu morar na Bahia. “Era o hippie mais velho do Brasil”, brinca o escritor Ruy Castro. De todas as esposas e amores de Vinicius, o sétimo casamento foi o que mais criou polêmicas. Mas também foi a época em que o poeta se tornou mais popular, em companhia do parceiro Toquinho. Em homenagem a Gessy, compôs Tarde em Itapuã e Morena Flor.

Houve escândalo entre os modernistas

Houve escândalo entre os modernistas quando Oswald de Andrade decidiu romper com Tarsila do Amaral para assumir o relacionamento com Pagu, 20 anos mais jovem. Estranhamento maior se deu quando foi anunciado o local do casamento: o cemitério da Consolação.


Noel castigou Ceci em sua última composição

Estar muito doente não impediu que Noel Rosa convocasse o parceiro musical Vadico para sua casa. A missão era lhe mostrar mais uma letra que acabara de compor para Ceci, o maior e mais conturbado amor de sua vida. Queria que Vadico fizesse a parte musical. Mas o pedido mais importante Noel fez ao se despedir: “Mostre a ela”. No dia seguinte, Vadico cumpriu a promessa. Bateu à porta da pensão da moça e deixou os escritos. Antes de sair, achou por bem avisar: “Acho que Noel te castiga um pouco neste samba, Ceci.”. Ceci espantou-se com o tom biográfico da letra. Estava tudo lá: quando se conheceram no cabaré Apolo, numa noite de são João; como Noel conquistou-a com o violão em punho; as inúmeras andanças na Lapa sob o luar; as vezes que o músico chorou em sua frente. Era Último Desejo, a derradeira canção de Noel: Nosso amor que eu não esqueço / E que teve o seu começo / Numa festa de são João / Morre hoje sem foguete / Sem retrato, sem bilhete / Sem luar, sem violão...

Música e poema não conquistaram Helô Pinheiro

Garota de Ipanema estava recém-composta e Tom Jobim continuava encantado com a moça cujo balançado era mais que um poema. O maestro estava apaixonado pra valer por Helô Pinheiro, a musa inspiradora de um dos maiores sucessos da música mundial. Mas a menina de 20 anos – filha de militar e 16 anos mais jovem que Tom – não dava mole. Ainda mais porque o pretendente era casado. O músico chegou a se declarar, mas o máximo que conseguiu foi arrancar-lhe um breve beijo. Tom apelou até para um convite-poema com o intuito de que se encontrassem novamente: Oh, minha eterna Heloísa / Sou teu constante Abelardo / Tu és a musa perfeita / E eu teu constante bardo / Venha depressa Heloisinha / Quem te chama é o Tom Jobim / Te espero na mesma esquina / Já comprei o amendoim. Helô não apareceu no encontro. E, um ano depois, convidou Tom para ser padrinho de seu casamento.

Bôscoli conquistou três das maiores cantoras do Brasil

O jornalista e compositor Ronaldo Bôscoli era um dos mais bem-sucedidos conquistadores do seu tempo. Não à toa, viveu casos de amor com três das mais importantes cantoras brasileiras. O relacionamento iniciado com Nara Leão, em 1956, era quase um conto de fadas. Para ela compôs emblemáticas canções da bossa nova, como O Barquinho, Nós e o Mar e Vagamente. Chegaram a ficar noivos. Estavam prestes a se casar quando, em uma turnê em Buenos Aires, Bôscoli envolveu-se com Maysa. O rapaz não queria terminar o noivado, mas não esperava o que a amante podia aprontar. Ao chegar ao Brasil, a apaixonada – e ardilosa – cantora convocou a imprensa e anunciou: “Vou me casar com Bôscoli”. Nara, claro, pôs um ponto-final no relacionamento.

Ninguém podia imaginar que o compositor acabaria casado com Elis Regina. Os dois não se bicavam. Conhecedor da personalidade de Bôscoli, um jornalista escreveu sobre o casamento: “Elis Regina terá o consolo de saber que a guerra do Vietnã é muito pior”. As brigas realmente se assemelhavam a batalhas. Numa delas, a gaúcha jogou todos os discos raros de Frank Sinatra pertencentes ao marido pela janela. Detalhe: Bôscoli afirmava gostar mais de Sinatra do que de mulher.

O autor
Bruno Hoffmann
Bruno Hoffmann
Jornalista, corinthiano e metido a entendedor de samba.
Almanaque Brasil
Artigo publicado no site:

quarta-feira, 8 de junho de 2011

Mulheres da Antiguidade - AMAT-MAMU

Isto é História

Mulheres Audaciosas da Antiguidade
AMAT-MAMU
Vicki León

Você alguma vez já tentou fazer um inventário verbal? Essa dificuldade motivou os sumérios a inventar a escrita, que se expandiu para uma linguagem de seiscentos símbolos denominada cuneiforme. Por usarem argila molhada como “papel”, uma quantidade gigantesca de suas listas de lavanderia, mandados judiciais, papéis escolares, cartas pessoais e canções amorosas ainda podem ser encontrados até hoje inscritos em tabletes de argila seca.

Conforme a escrita se tornou moda, a profissão de escrivão também ficou em evidência. Tornar-se um escrivão era o equivalente pré-cristão de se formar em direito: era custoso, vagaroso e uma profissão dominada pelo sexo masculino. As mulheres tinham de ser de uma família de escrivãos ou de classe alta para entrar no setor às cotoveladas e precisavam estar motivadas para comparecer às aulas do amanhecer ao pôr-do-sol. Além de escrever e ler, os alunos aprendiam aritmética, geometria e matemática avançada. Fazia parte do show dos escrivãos medir coisas; eles faziam pesquisas, dividiam espólios e arbitravam entre as partes interessadas, especialmente em assuntos jurídicos relativos a propriedades.

Amat-Mamu era uma escrivã de carreira; seu mandato de quarenta anos estendeu-se pelo domínio do rei Hamurábi – aquele do Código de Leis – portanto, estamos falando do século XVII a.C. Ela viveu e trabalhou num convento de sacerdotisas em Sippar, uma cidade e centro religioso importantes, a mais ou menos sessenta e quatro quilômetros da Babilônia. Seu convento não tinha nada de rústico: mais de 140 sacerdotisas viviam lá, além de supervisores, escravos, zeladores, escrivãos, cozinheiros e vários “sentinelas”. Parece um lugar difícil de onde fugir, mas a vida no convento era bastante relaxada. As sacerdotisas, muitas delas de famílias da alta sociedade, podiam ir e vir livremente. Umas poucas até eram casadas. Todavia, nenhuma delas tinha permissão para ter filhos – os sumérios contavam com “mães substitutas” (geralmente uma concubina ou a irmã da sacerdotisa) para essa função.

Longe de serem desinteressadas das coisas mundanas, as sacerdotisas faziam uma grande parte das transações de negócios na cidade. Como proprietárias de terras, cuidavam da administração das propriedades, compravam e vendiam escravos, e participavam ativamente de assuntos jurídicos. Quem vocês imaginam que era a espinha dorsal desta atividade febril? Amat-Mamu e sua equipe, é claro. Na mentalidade suméria, se não está registrado na argila, não existe. Quase tudo que consideramos “administração” passou por suas mãos ocupadas: por exemplo, os arquivos do templo, inclusive o registro do que era sacrificado para o deus-sol Shamash, quando havia sido sacrificado e por quem (os centros religiosos acumulavam bens e propriedades com uma rapidez espantosa). Em sua longa carreira, Amat-Mamu provavelmente chegou a supervisionar o trabalho dos outros escrivãos; em seu templo, parece ter havido só mulheres. Amat-Mamu não sabia naquela época, mas estava nos legando um tesouro – a maior parte do que sabemos sobre as mulheres da Mesopotâmia teve origem no trabalho de uma vida toda de Amat-Mamu e de suas companheiras escrivãs.

(*) – Na próxima terça-feira, dia 14 de junho de 2011, conheça SHIBTU, rainha de Mari, uma cidade de luxo nas margens do rio Eufrates, que viveu há dezesseis séculos a.C.  
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