Aracaju/Se,

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Zuzu Angel, quem é essa Mulher?

Grandes Brasileiros

ZUZU ANGEL
Quem é essa mulher?
Natália Pesciotta

Foi por necessidade que ela começou a costurar, mas  fez da  profissão arte  e manifesto. Pioneira, Zuzu Angel inseriu o Brasil na moda, e a moda do Brasil no exterior. Soube domar tanto a beleza ingênua quanto a estética conceitual. Se o assunto for moda como linguagem, é ícone maior. Que mensagens podem ser maiores do que o assombro e a morte?  

Estilista Zuzu Angel
A passarela mais importante do País foi coberta por nuvens e, pairando no ar, bonecos fúnebres compunham o cenário. Não, não se trata de desfile assinado por Zuzu Angel. A criação de Ronaldo Fraga na São Paulo Fashion Week de 2001, no entanto, só existiu porque décadas antes essa mulher tinha inventado a moda de contestação. O trabalho levava nome sugestivo: “Quem Matou Zuzu Angel?”. Uma homenagem à pioneira. “Ela foi a primeira em buscar a identidade da moda brasileira, a falar de Brasil sem trajes típicos, a acreditar no poder panfletário da moda”, listou o estilista, mineiro como ela. Zuzu nasceu em Curvelo, 1923. Passou a juventude com os tios em Belo Horizonte e lá conheceu o norte-americano Norman Angel Jones, que trabalhava como caixeiro-viajante. O casal viveu um tempo em Salvador, onde teve três filhos: Stuart, Hildegard e Ana Cristina. Depois mudaram-se para a capital carioca, que veria nascer a marca Zuzu Angel.

Zuzu Angel

A cara do Brasil

A estilista – ou figurinista, como se dizia na época – declarou ao New York Times, em 1975: “Acham que moda é futilidade. Eu tento dizer que moda é comunicação, além de garantir emprego para muita gente”. A referência ao lado econômico revela sua própria história. Entrou no mundo dos panos e linhas para sustentar a família. Desquitada do marido, quase um palavrão nos anos 1950, passou a costurar para fora, incansavelmente.Com criatividade e ousadia, bolava roupas de identidade própria. Descobriu que os figurinos tinham algo a dizer. Montou uma equipe e uma loja, mas nunca deixou de ser costureira. E não se restringia a modelos magérrimas, como os ateliês tradicionais. Seu trabalho também não era privilégio de poucos, costume dos escassos nomes da moda nacional daqueles tempos: Clodovil e Denner.Numa realidade em que bonito era o que vinha de fora, Zuzu lançou coleções baseadas na mulher rendeira, em Maria Bonita, Carmen Miranda. Levou para a butique elementos tipicamente nacionais, antes considerados démodé: rendas e bordados nordestinos, chita, madeira, conchas e, para as roupas mais sofisticadas, pedras. Sem falar nas estampas sempre repletas de brasilidade.


Stuart Angel
Outra imensidão

O estilo fez sucesso aqui e nos Estados Unidos, tanto em desfiles quanto nas vendas. Foi parar em grandes lojas de departamento nova-iorquinas. Tendo como logotipo um anjinho, a carreira de Zuzu deslanchava. Foi então que um turbilhão mudou sua vida e, consequentemente, sua obra. Estava acostumada a traduzir imensidão em roupas. Só que, no lugar de um país, passaria a retratar a morte e a dor. O filho Stuart Angel, militante político, entrou para a Vanguarda Popular Revolucionária (VPR) aos 19 anos. Conheceu Carlos Lamarca no movimento comunista e era homem de sua confiança. Os dois integraram depois outro grupo armado, o MR8, e Stuart – codinome Paulo – vivia na ilegalidade, tendo pouco contato com a mãe. Em 1971 um telefonema anônimo avisou que ele tinha sido preso. Zuzu procurou o responsável por cada Força Armada, e nenhum assumiu ter detido Stuart. Pouco tempo depois, a carta de um companheiro de prisão política narrou os requintes de crueldade com que ele fora brutalmente assassinado. A mãe não podia publicar nem anúncio fúnebre. O nome do rapaz estava proibido de sair na imprensa.

Esse lamento


A arte de Zuzu 
 Zuzu não se conforma. Seu drama pessoal era o mesmo de tantas outras famílias que não tinham ao menos o direito de enterrar os entes assassinados. Dedica o resto da vida a denunciar o que acontecia nos porões da ditadura. Procura autoridades, firma contato com a Anistia Internacional. Escreve incontáveis cartas para artistas, deputados, pessoas influentes. E usa seu trabalho como arma. A marca do anjo vira uma espécie de símbolo contra o governo militar. De luto, passa a usar um colar com um anjo rodeado de flores. Na cintura, muitas cruzes, medalhas e patuás. A nova coleção trazia estampas bélicas, crucifixos e quepes. Organiza um desfile-protesto: vestidos brancos com desenhos do sol atrás das grades, canhões, anjos amordaçados. Para não desrespeitar a lei que proibia falar mal do Brasil no exterior, o evento se deu na casa do cônsul-geral do Brasil nos Estados Unidos, considerada território brasileiro. A dedicação ao assunto leva a estilista a um marco conceitual na história da moda. Por outro lado, acaba encerrando cedo uma carreira promissora.Quando descobriu que estava sendo seguida e passou a ser ameaçada, preparou uma declaração: “Se eu aparecer morta por acidente, assalto ou outro meio, terá sido pelos mesmos assassinos do meu filho”.

Túnel Zuzu Angel no Rio de Janeiro

Logo depois, em 14 de abril de 1976, morre em um estranho acidente de carro no túnel que hoje leva seu nome, no Rio de Janeiro. No ano seguinte, Chico Buarque, em parceria com Miltinho, compõe Angélica: Quem é essa mulher / Que canta sempre o mesmo arranjo / Só queria agasalhar meu anjo / E deixar seu corpo descansar.


Patrícia Pilar, que interpreta Zuzu no filme de
Sérgio Rezende
SAIBA MAIS
Zuzu Angel, filme de Sérgio Rezende (2006).
Ouça a música Angélica, de Miltinho e Chico Buarque


Jornalista Natália Pesciotta
Autora da matéria
 
Matéria publicada no site http://www.almanaquebrasil.com.br/ilustres-brasileiros/zuzu-angel/

Almanaque Brasil

terça-feira, 23 de novembro de 2010

O Crime de Pacatuba

Os Crimes que abalaram Sergipe

13. O Crime de Pacatuba (*)
Acrísio Torres


Depois dos crimes políticos em Nossa Senhora das Dores e do malogrado plano de empastelamento do Correio de Aracaju, e assassinato do diretor e redatores, houve uma trégua no partidarismo violento, sanguinolento, de Sergipe, até 1908, novembro, quando ocorreu o crime de Pacatuba. Houve nesse lapso, breve lapso de tréguas, arbitrariedades, mas sem conseqüências a lamentar, como em Itaporanga, numa tentativa de assassinato do “coronel” Firmino Barreto. Na noite de 18 de novembro, do ano citado, Maria Luíza, professora pública de ensino primário, conversava com uma menor, no interior de sua casa, quando foi atingida por um tiro de espingarda, cujos caroços de chumbo se cravaram no peito, matando-a instantaneamente. Também atingida pelo disparo traiçoeiro e fatal, a criança teve decepados três dedos da mão direita.


Vista do Pantanal de Pacatuba

Mistério impenetrável cercou, desde o início, o bárbaro crime, as causas que o determinaram, os seus autores intelectual e material. Pouco a pouco, porém, as trevas foram sendo dissipadas. Tratava-se de vingança, de satisfação de ódio armado de um potentado da localidade, cujo nome os jornais da época omitiram. Foi autor material, um indivíduo de nome Américo Lima, de trinta anos, e na descrição da imprensa da época “baixo, grosso, cor parda, rosto um pouco comprido, nariz afilado”. Uma circunstância o denunciou. No momento do crime, à noite, ao desfechar o tiro de espingarda, que matou instantaneamente Maria Luíza e decepou a mão da inocente criança, uma luz interior bateu em cheio no rosto do assassino, fazendo-o reconhecido de outras pessoas, que se encontravam na residência da inditosa professora, toda dedicada à nobilíssima missão de ensinar às crianças.

Vista do Pantanal de Pacatuba
Américo Lima, executor do crime, encontrou proteção no vigário da freguesia, Nunes Álvares. Era o criminoso empregado do vigário, que não era apenas “ministro” de Deus, na crença dos tolos, mas uma das influências que sustentavam, com fervor, o partidarismo que dominava as posições políticas, no centro do estado. Não era difícil, pois, compreender porque se procurava esconder do conhecimento público, os pormenores do hediondo crime, e, sobretudo, os comparsas que o haviam arquitetado e que o haviam executado, na calada da noite. Esses processos não eram típicos apenas da época, mas caracterizam um longo período da história política de Sergipe, só atenuados e afastados há pouco mais de um decênio.

Vista de Penedo-Alagoas,
às margens do Rio São Francisco

Não só a imprensa sergipana noticiou o trágico acontecimento, mas também “O Lutador” de Penedo, no estado vizinho. Todos os jornais, noticiando os sucessos, apresentam com negras cores a ação funesta exercida em Pacatuba pelo vigário, seus filhos, genros e netos, mas omitem, singularmente, o nome do prepotente reverendo. Dizem-no mesmo “participante do crime”. Tomando conhecimento do fato delituoso, o presidente do estado, Guilherme Campos, nomeou um oficial de polícia para, na qualidade de delegado, sindicar os fatos, abrindo rigoroso inquérito. Também autorizou ao promotor da comarca, Propriá, que se transportasse para Pacatuba, no sentido de adotar as diligências precisas, dentro das rigorosas disposições legais.

Vista de Penedo-Alagoas
Mais uma vez, em tão grave conjuntura, era grande a responsabilidade do governo, pois, ou por meio de seus agentes descobria os criminosos intelectuais, para entregá-los à justiça, ou se confessava desarmado para fazer cumprir a lei e dar garantia e segurança à vida dos cidadãos, e manter a ordem. Não era fácil, naquela época, entregar à justiça determinados criminosos, dadas as categorias e posições dos potentados políticos que os protegiam. Mais uma vez, triunfava sobre a justiça o partidarismo, que tudo envilecia, até, muitas vezes, as consciências mais puras. Mais uma vez, deixara-se iludir o poder público, pelos potentados em Pacatuba. A ação do governo não produziu nenhum efeito, em mais este crime, prevalecendo o mistério com que se procurava, a todo custo, desviar e embaraçar as vistas da autoridade. E esta, sem a energia e valor precisos, era mistificada pelos useiros e vezeiros em crimes, que permanecem impunes pela impossibilidade de serem descobertos.

(*) Do Livro “Cenas da Vida Sergipana, 2 – Acrísio Torres – SERGIPE/CRIMES POLÍTICOS, I”, Thesaurus Editora, prefácio de Orlando Dantas, páginas 53/55.

- Nova postagem sobre Os Crimes que abalaram Sergipe em 30 de novembro de 2010. Vai falar sobre os crimes de Babinha, na cidade de Itabaiana, tudo de acordo com o autor e obra acima referidos.

 

sábado, 20 de novembro de 2010

Quem será o responsável por tudo, diante de todos?

Artigo Pessoal

Quem será o responsável por tudo, diante de todos? 

Clóvis Barbosa*
Existem, no Direito, dois setores distintos. Há aquele que congrega o erro e o acerto. Há, também, o que congrega o justo e o injusto. Daí, uma decisão até poder estar certa, mas ser injusta; ou estar errada, mas ser justa. E isso não é complicado de entender. O hipotético erro poderá estar ou no plano formal ou no plano do conteúdo. Desse modo, quando um juiz (legalista em sua essência) adota o acerto como princípio básico da formatação das decisões, é melhor que ele acerte no conteúdo e erre na forma, se não for possível acertar nas duas coisas ao mesmo tempo. Interessante é que o próprio ordenamento assimila tal raciocínio quando acata, por exemplo, o que chamamos de fungibilidade. Fungibilidade é uma espécie de adaptação automática, cuja idéia advém da finalidade primordial do Direito, que é propagar justiça. Dessa maneira, se, numa determinada ação, o autor pede uma medida cautelar, quando o certo seria pedir uma antecipação de tutela [os termos jurídicos são necessários], o juiz deverá antecipar a tutela, mesmo que, formalmente, o pedido não tenha sido certo. Por quê? Porque não é justo que alguém seja prejudicado tão-somente em razão de um pequeno deslize, de uma mera filigrana. A decisão de um julgador não pode gravitar em torno de um epicentro vazio, seu juízo não pode estar concentrado naquilo que Gilberto Vila-Nova (procurador de justiça do Estado de Sergipe, já falecido) chamava de perfumaria jurídica. Nisso, o caso do Tribunal de Contas de Sergipe é emblemático: um conselheiro poderia ser aposentado por força de decisão colegiada da qual tenham participado auditores? Ora, seria essa, realmente, a indagação mais importante? Importante mesmo não seria saber se há motivos para que aquele conselheiro seja aposentado? Importante mesmo não seria saber se a presença daquele conselheiro no Tribunal de Contas não afetaria a imagem da corte perante a sociedade?

Goffredo Telles Júnior

Immanuel Kant

Para o bem ou para o mal, obviamente, a consciência que deve reger a trilha a ser seguida pelas decisões é a do juiz. Os aplausos pelos acertos serão a ele outorgados, assim como as cobranças por eventuais equívocos. A alusão, aqui, é a cobranças morais. Por exemplo, o professor Tércio Sampaio fala de uma coisa chamada imunização das normas jurídicas. Sentenças são normas. Assim, como as sentenças estarão imunizadas? Se elas estiverem respaldadas em norma superior que as justifique. O leitor deve atentar para o uso do vocábulo “norma”, ao invés de “lei”. A norma é a lei que está de acordo com a “normalidade”, com o sentimento de justiça que a sociedade naturalmente possui, de acordo com o professor Goffredo Telles Júnior. Uma lei injusta, conseqüentemente, não é “normal”. Por conseguinte, ela não é uma “norma”. Uma decisão judicial injusta também não é “normal”. Logo, ela não se reveste com a autoridade de uma “norma”. Atentemos para o caso do julgamento de Nuremberg. Com efeito, os nazistas praticaram atrocidades contra a humanidade. Mas tudo o que eles fizeram estava respaldado num alicerce constitucional formalmente perfeito (numa visão míope da doutrina kelseniana). Não havia uma constituição que alicerçava as ações de Hitler? Mas será que essa constituição estava imunizada pela norma fundamental? Por aquilo que Kant denomina imperativo categórico? Kant ensina que devemos “agir de tal maneira, que o fundamento de nossa ação se transforme em princípio de uma legislação universal”. Assim, perguntemos: os campos de concentração achavam eco no princípio de uma legislação universal? Perguntemos mais: já que não havia legislação que previsse punição para a ação dos nazistas, eles deveriam ficar impunes, apenas por questões formais? Afinal, como condenar alguém, sem lei anterior que definisse a ação desse sujeito como crime? De qualquer modo, seria “normal”, para a humanidade, deixar os nazistas sem punição, por conta de um respeito “anormal” à formalidade?

Dostoievsky

Comte-Sponville

No caso do TCE sergipano, a decisão que suspendeu a aposentadoria de um conselheiro (por questões formais) está imunizada? Ela atendeu ao postulado do imperativo categórico kantiano? É preciso que as pessoas saibam que a lei não é o fim do direito. A lei é apenas o início de um raciocínio jurídico. O fim do direito é a justiça. E a justiça só é atingida quando se faz valer a norma, ou seja, a determinação verbalizada conforme a “normalidade”. Certa vez, o escritor russo Dostoievsky afirmou que “todos somos responsáveis por tudo, diante de todos”. Partindo dessa premissa, o filósofo francês Comte-Sponville distinguiu valor de verdade. Nesse diapasão, a decisão que suspendeu a aposentadoria do referido conselheiro até conteria uma verdade (auditores não poderiam julgar conselheiros). Mas será que o resultado dessa decisão conteria um valor? E, considerando que valor é justiça, seria justo manter como conselheiro alguém que, à época de sua escolha pela Assembléia Legislativa para ocupar tal cargo, estava sendo investigado pela polícia federal por corrupção? Alguém contra quem havia uma sentença condenatória em sede de ação de improbidade? Alguém contra quem (por força daquela investigação que já existia à época de sua escolha) foi decretada prisão preventiva por uma ministra do STJ? Alguém, cuja voz, amplamente veiculada pela imprensa (porque captada em interceptações autorizadas pelo judiciário), está associada à prática de ações que não se coadunam com a função de conselheiro? Isso é “normal”? E quem (no fim) será o responsável por tudo isso, diante de todos?


• Publicado no Jornal da Cidade, Aracaju-SE, edição de domingo, segunda e terça-feira, 6 a 8 de setembro de 2009, Caderno B, pág. 07.




terça-feira, 16 de novembro de 2010

Atentado ao jornal Correio de Aracaju

Os Crimes que abalaram Sergipe

12. Empastelamento do Correio de Aracaju (*)
Acrísio Torres


Propaganda de filme no jornal Corrrio de Aracaju
 No mês de julho de 1907, chegaram à redação do Correio de Aracaju, cartas anônimas, portadoras de novas fatais, dando conta de violências projetadas. Numa delas, constava o terrível aviso de que estavam projetados os assassinatos de Vicente Porto, José Sebrão, José de Lemos, Pedro Menezes, Antônio Corrêa Dantas. Indicava mesmo a rua, em Aracaju, onde funcionava o quartel sinistro de tão negros planos. Nenhuma importância foi dada a esses avisos sinistros, de procedência ignorada. Mas, logo depois Vicente Porto caía, varado por uma carga de chumbo, ferido pelas costas, à noite, à porta de uma venda, em Nossa Senhora das Dores. Era a confirmação da carta anônima. No dia 18 de agosto, um cidadão, pedindo não fosse citado seu nome, ainda hoje ignorado, e não imiscuído nas lutas políticas sergipanas, procurou o jornalista João Menezes, diretor do Correio de Aracaju.De acordo com o “desconhecido”, devido a um caso fortuito o Correio de Aracaju deixara de ser empastelado na noite da véspera, 17, e seus redatores de serem assassinados. Em pleno regime democrático, teria sido um crime inominável contra a liberdade de imprensa, e contra a existência de cidadãos na posse de garantias constitucionais. Mas, o assalto abortou por “alguém” que, na última hora, a ele se opôs.


Desfile da chamada "Cadeia da Legalidade"
pelas ruas de Aracaju

Depois do gravíssimo aviso, os jornalistas João Menezes e Costa Filho procuraram o presidente do Estado, Guilherme Campos, e a ele narraram o plano tenebroso. O presidente sergipano assegurou-lhes plenas garantias, e que o jornal, seu pessoal tipográfico, seu diretor, seus redatores estariam “imunes de qualquer agressão, tanto quanto a pessoa dele presidente”. Mais duas vezes retornaram ao palácio, e sempre a mesma firmeza de garantia do presidente sergipano.Não se justificava, na verdade, destruir o Correio de Aracaju, nem eliminar seu diretor e redatores. Era um jornal que discutia idéias com firmeza de opinião, mas sem preocupação de pessoas, sem mira em sórdidos interesses individuais. No referver dos partidos políticos, decerto tramavam atacá-los porque lutavam pela paz e concórdia entre os sergipanos. Porque aspiravam, jornal e redatores, ver Sergipe na trilha do progresso, sem o ódio que separa os homens. Esse clima não podia agradar à horda de políticos interessados no caos, na violência, no crime. Não havia motivo para destruir o Correio de Aracaju, nem eliminar seu diretor e redatores, eles que foram o órgão do acordo benéfico, humano, celebrado entre Guilherme Campos, a situação, e Coelho e Campos e Oliveira Valadão, a oposição.


Pinheiro Machado

Ninguém havia se oposto a esse acordo, senão os apegados ao poder pelo poder, senão os que viviam na violência, no crime. Disso resultava a intranqüilidade em que vivia o estado, as perseguições mesquinhas, os espancamentos, as agressões, as violências. Tudo isso impopularizava o governo de Guilherme Campos, que, no entanto, não autorizava esses desmandos, essas transgressões da lei. Na hipótese de ter sido destruído o Correio de Aracaju, órgão inspirador do pacto político, e eliminados seu diretor e redatores, seria fácil compreender que Guilherme Campos tivera parte em tudo, e que o impediria de continuar como membro do conchavo, Guilherme Campos, Coelho e Campos e Oliveira Valadão. Mas, sobre os destroços do Correio de Aracaju, do sangue de seus redatores, levantar-se-iam os protestos poderosos dos senadores Coelho e Campos e Oliveira Valadão, dos órgãos vibrantes de Pinheiro Machado e Nilo Peçanha.Necessário se fazia paralisar com mão de ferro os movimentos desordenados, que insuflavam e armavam sicários para assassinar, planejavam destruir jornais, veículos do pensamento e da liberdade, e eliminar jornalistas. Era necessário, portanto, que sobretudo os que desejavam benéfico o acordo político celebrado entre Guilherme Campos, Coelho e Campos e Oliveira Valadão, se mantivessem alertados no seu posto.

Nilo Peçanha
Mesmo sob essas ameaças, o jornalista João Menezes, diretor do Correio de Aracaju, tinha ainda palavras de brandura, de exortação. “Em vez de criar estorvos ao homem de reta vontade que sustém as guias da governação de Sergipe, coloquêmo-nos ao lado dele, desbravemo-lhe o caminho das urnas que o pontuarem, sejamos leais e francos; vamos com ele até o fim da jornada, que iremos em ótima e dignificante companhia”. E acrescentava o grande jornalista: “E que os que pensarem e praticaram o mal; os que, abusando da bondade do des. Guilherme Campos, ordenaram as selvagerias que Sergipe viu praticadas; que os que apresentavam, em voz baixa, ao espírito do povo, o presidente como um reacionário feroz, e mandante de tudo quanto assistimos; que os que projetaram destruir nossas oficinas e eliminar-nos pela violência, se arrependam e comunguem no grande hostiário, sob o pálio imenso, aberto para acolher a todos os sergipanos”.

(*) Do Livro “Cenas da Vida Sergipana, 2 – Acrísio Torres – SERGIPE/CRIMES POLÍTICOS, I”, Thesaurus Editora, prefácio de Orlando Dantas, páginas 49/51.

- Nova postagem sobre Os Crimes que abalaram Sergipe em 23 de novembro de 2010. Vai falar sobre o crime da professora Maria Luíza, no município de Pacatuba, Estado de Sergipe, tudo de acordo com o autor e obra acima referidos.

domingo, 14 de novembro de 2010

Tratado sobre a tolerância, de Voltaire

O que estou lendo?

Tratado sobre a tolerância
Autor – Voltaire
Tradução de William Lagos
Editora – L&PM



Contra-Capa
Um clamor contra a injustiça e a intolerância

Na França, nas décadas anteriores à Revolução Francesa, Jean Calas, um comerciário protestante da cidade de Toulouse, foi acusado de assassinar o filho, que queria se converter ao catolicismo. A sentença foi a pena de morte, e a execução – no suplício da roda, sob tortura – ocorreu em 1762. Voltaire, convencido da inocência do condenado, denunciou a injustiça e escreveu Tratado sobre a tolerância, texto com o qual iniciou uma campanha para sua reabilitação. O caso ganhou proporções enormes, transformando-se numa triste metáfora dos conflitos religiosos que há séculos grassavam no país. Devido à repercussão deste libelo, em 1765, Jean Calas foi postumamente inocentado.

Com uma ironia ferina e seu estilo inimitável, o filósofo iluminista faz um apelo em prol do respeito aos credos e da liberdade religiosa. Escrito em 1763, Tratado sobre a tolerância revela-se, hoje, dois séculos e meio depois, uma reflexão atualíssima sobre o sistema judiciário, sobre a responsabilidade dos juízes e sobre os efeitos perversos que as leis podem ter.

O autor

Nascido em Paris, a 21 de novembro de 1694, François-Marie Arouet foi o quinto filho de um tabelião. Após a morte de sua mãe, o jovem Arouet, criança brilhante e lúcida, foi matriculado para estudar com os jesuítas no Colégio Louis-le-Grand. A partir de 1712, passou a freqüentar os salões literários e recusou-se a seguir a carreira jurídica que seu pai queria impor-lhe: o que desejava era escrever e foi então que redigiu alguns dísticos desabonatórios ao Regente, cujo resultado foi primeiro seu afastamento de Paris e depois a prisão por um ano na Bastilha. Depois disso, tornou-se famoso por uma tragédia, Édipo, cuja encenação alcançou grande sucesso em 1718. Foi nesse mesmo ano que decidiu trocar de nome e tornou-se Voltaire. Ele passou a ser o favorito da melhor sociedade, e a jovem rainha, Marie Leszczy Ska, abriu-lhe as portas da Corte Real. Porém, ele ridicularizou o cavaleiro de Rohan, que mandou espancá-lo, prendeu-o novamente na Bastilha e depois determinou seu exílio na Inglaterra. Lá ele permaneceu durante vários anos, familiarizando-se não só com “os encantos” do comércio inglês, mas também com sua efervescência política, social e econômica. De volta a Paris, começou a escrever comédias e tragédias, marcadas pelas influencias de Shakespeare. Foi então que conheceu Émilie Du Châtelet, uma jovem liberada, filósofa e geômetra. Sua ligação durou quinze anos.

Entre 1733 e 1734, ele publicou as Cartas sobre os Ingleses ou Cartas Filosóficas, que provocaram um imenso escândalo. Nelas, sustentava que a grandeza da Inglaterra devia-se ao fato de que lá todos trabalhavam, que nada se recusava ao talento e que o sistema parlamentar tornava impossíveis as arbitrariedades pelo fato de dividir os poderes entre o soberano e o povo. O Parlement francês condenou essa obra como sendo “adequada a inspirar a libertinagem mais perigosa para a religião e para a ordem da sociedade civil”. Voltaire fugiu para a província da Lorena a fim de evitar ser aprisionado outra vez na Bastilha. Ao retornar, refugiou-se em casa de Madame Du Châtelet, em Cirey, onde levou uma existência simultaneamente mundana e dedicada aos estudos. A publicação de um poema cheio de verve, O Mundano, o forçou a exilar-se durante algum tempo na Holanda. Nessa mesma época, iniciou uma correspondência assídua com o rei Frederico II da Prússia, com quem somente se encontraria em 1740. Um de seus antigos companheiros, o marques d‘Argenson, foi então nomeado Ministro, e, beneficiando-se igualmente de sua amizade com o duque de Richelieu, Voltaire pôde retornar à corte. Escreveu a peça teatral A Princesa de Navarra, para ser apresentada durante as comemorações do casamento do Delfim, o herdeiro do trono, e, recuperando a graça real, foi nomeado historiador do rei em 1745, antes de ingressar na Academia no ano seguinte.

Mas sua pena não podia ser controlada, e a primeira versão de Zadig, surgida sob o título de Memnon, o obrigou novamente a abandonar a corte. Após a morte de Madame de Châtelet, ele se instalou em Berlim, onde completou O Século de Luiz XIV e escreveu Micrômegas, uma obra cujo herói deixa a estrela Sírio, em que nascera, com a intenção de educar a mente e o coração, viaja para Saturno e depois vem à Terra. Assim ele contempla com um olhar totalmente novo esse mundo em que reinam “os preconceitos”. Infelizmente, a tolerância de Frederico II tinha seus limites, e Voltaire foi forçado a deixar a Prússia, após ter zombado imprudentemente de Maupertuis, então presidente da Academia de Berlim. Proibido de estabelecer-se em Paris, instalou-se na Suíça, perto de Lausanne, com sua sobrinha e amante, Madame Denis. Em 1758, ele comprou o castelo de Ferney, em que recebeu uma sucessão de artistas, escritores e comediantes. Seu Poema sobre o desastre de Lisboa fez explodir um antagonismo com Jean-Jacques Rousseau. Redigiu novamente contos, como Candide, em 1759, cujos breves capítulos são outras tantas etapas da aprendizagem do jovem e ingênuo Cândido. Em 1762, o caso Calas mobiliza-lhes todas as energias: em Toulouse, Marc-Antoine Calas foi encontrado enforcado dentro da mercearia de seu pai.

Os boatos insinuam que o jovem protestante, que pretenderia converter-se ao catolicismo, teria sido morto pelo próprio pai, Jean Calas. Este foi preso e executado. Voltaire, convencido de sua inocência, esforçou-se para que o processo fosse revisado e Calas, inocentado. Foi então que redigiu o Tratado sobre a tolerância,em que luta contra a intolerância em nome da religião natural (*). Interessou-se a seguir por outros casos e empregou sua pena a serviço da justiça. Cansada de viver em Ferney, Madame Denis o convenceu a voltar a Paris após a morte de Luiz XV. Ele retornou triunfalmente em 1778, mas a viagem e as honras recebidas exigiram demais das energias do ancião. Ele morreu a 30 de maio de 1778. Seu corpo foi mais tarde depositado no Panteão, em 1791, com o seguinte epitáfio: “Ele combateu tanto os ateus quanto os fanáticos. Inspirou a tolerância e defendeu os direitos do homem contra a servidão do feudalismo. Poeta, historiador e filósofo, engrandeceu o espírito humano e ensinou-o a ser livre”.

(*) - A religião natural é baseada na razão e na experiência, em oposição à religião de revelação, baseada na bíblia. (N.E)


terça-feira, 9 de novembro de 2010

Crime em N. S. das Dores II

Os Crimes que abalaram Sergipe

11. Crimes em Dores II (*)
Acrísio Torres

Na noite de 2 de agosto de 1907, o bel Cupertino Dórea, chefe de polícia, do governo Guilherme Campos, chegava à malfadada vila de Nossa Senhora das Dores. No dia seguinte, apresentou-se em casa de Vicente Porto, que se recusou a prestar-se ao exame de corpo de delito. Poupava amigos seus de deporem no inquérito policial, para evitar novos desmandos. Neste sentido, Vicente Porto prestara declaração: “Nenhum motivo inconfessável fez com que não acedesse ao corpo de delito, mas somente que as testemunhas do crime são pessoas de minhas relações, e não quis atrair sobre elas as iras dos mandões da terra“. Com efeito, recusara o corpo de delito, mas pedira auto de perguntas, a ele, o que foi negado pelo chefe de polícia, alegando que a lei não facultava.




Guilherme Campos
Presidente de Sergipe
Para uma atitude de grande generosidade do político de Dores. Na verdade, procedido o exame de corpo de delito, indicada as pessoas (amigas dele) a deporem, qualquer declaração que refletisse a verdade, só serviria para aumentar a pressão em que já havia mergulhada a conturbada vila. Além disso, era chamar sobre as testemunhas a ira, a vingança feros assassinos. Fez, porém, algumas declarações suficientes para conduzir ao assassino. Declarou ao chefe de polícia que reconhecera na tentativa de assassinato à sua pessoa, o soldado Nenen, do destacamento. Não podia enganar-se. Declarou mais estar convencido que o mandante fora Malaquias Curvello, chefe situacionista local. Esperava que suas declarações, pela gravidade delas, fossem tomadas por termo.


Igreja Matriz de Nossa Senhora das Dores
Narrou o chefe político, Vicente Porto, que, na ocasião da tentativa de morte contra ele, conversava, sentado, à porta de uma venda. Lembrou que o lampião mais próximo dele, da iluminação pública, estava sem luz, decerto propositalmente. Na meia-escuridão o soldado se aproximou, desfechou um tiro, que o atingiu na região abaixo dos rins, e desapareceu. Os que presenciaram o atentado criminoso pasmaram, imóveis, aterrados. Mas, mesmo gravemente ferido, Vicente Porto, sentindo o efeito da descarga da arma, saiu em perseguição ao assassino. Disparou várias vezes sobre o criminoso, sem atingi-lo, e exausto, esvaindo-se em sangue, o valente político retrocedeu. O covarde atacante conseguira escapar. Cupertino Dórea inquiriu várias pessoas sobre o crime. Para se ter idéia da grave situação em Dores, mesmo presente o chefe de polícia, o famigerado sargento Almeida insultara e ameaçara os negociantes Pedro Leal, Manuel Leal, Orestes Carvalho, Euclides Menezes, Antônio Divino. Essas violências mais agravaram o estado de saúde de Vicente Porto, que insistia junto ao bel. Cupertino Dórea pela substituição do destacamento. Era, embora difícil de obter, a primeira medida a ser posta em prática. No entanto, depois da gravíssima acusação contra ele, o que se viu foi Malaquias Curvello seguir ao lado do chefe de polícia, até Siriri, para seguir no dia seguinte, ladeado de duas praças, entre as quais o assassino, Nenen, para Nossa Senhora das Dores. Não havia mais evidente prova de que, na crítica situação, Malaquias Curvello estava amparado e prestigiado pelo poder público policial. Significava que Malaquias continuaria tirânico e, Nenen, seu cabo de ordens.




Penitentes em N. S. das Dores
Enquanto isso, Vicente Porto continuava em estado grave. E, do leito de dores, persistia pedindo providencias contra os soldados que, impunes, continuavam ameaçando o povo na feira. Numa atitude de selvageria, faziam serenata na própria porta da residência de Vicente Porto. Parece incrível que se açulasse contra um moribundo tanta ferocidade. Novos crimes já se delineavam na atmosfera conturbada da terra dos Enforcados. E continuavam as tropelias. Na feira, os soldados, sem motivo justificado, davam de “cipó caboclo” nos pobres feirantes. Ulisses de Menezes, só por ser amigo de Vicente Porto, foi agarrado brutalmente e lhe “apertaram a goela de tal modo, que Ulisses deitou a língua de fora”. E todas essas ordens arbitrárias eram dadas pelo chefete local, Malaquias Curvello. De tal modo eram os distúrbios, que muitos negociantes preparavam-se para se mudar de Nossa Senhora das Dores. Noticias pungentes sobre o estado de Vicente Porto continuavam a chegar a Aracaju, e divulgadas pela imprensa livre. Mais de 20 dias de atrozes sofrimentos não lhe deixavam esperança de vida. Mesmo assim, nesse estado melindroso, Vicente Porto persistia telegrafando ao chefe de polícia, ao chefe do estado. Mas, em últimos telegramas aos amigos da capital sergipana, dizia que “descrente da justiça dos homens, apelo para a justiça de Deus”.

(*) Do Livro “Cenas da Vida Sergipana, 2 – Acrísio Torres – SERGIPE/CRIMES POLÍTICOS, I”, Thesaurus Editora, prefácio de Orlando Dantas, páginas 45/47.

- Nova postagem sobre Os Crimes que abalaram Sergipe em 16 de novembro de 2010. Vai falar sobre as ameaças e avisos endereçados ao jornal “Correio de Aracaju”, inclusive sobre os assassinatos que iriam ocorrer em Sergipe, tudo de acordo com o autor e obra acima referidos.

sábado, 6 de novembro de 2010

A Banalidade do Mal e o Lavador de Almas

Artigo Pessoal


A banalidade do mal
e o lavador de almas
Clóvis Barbosa

Adolf Eichman
ADOLF EICHMAN. Constrangedor atingir um sono tranqüilo após ler “Eichman em Jerusalém”, obra da cientista social judia Hannah Arendt. Baseado em recortes biográficos que possuía acerca do oficial do terceiro reich, supus, durante algum tempo, tratar-se de uma fera assustadora, brutal, medonha, violenta. Via-o enquanto um sangüinário, capaz de, com as próprias mãos, extrair escalpos das vítimas. Tal noção, por si só, já o tornava um demônio de fisionomia desgastante para olhos mais sensíveis. Hannah Arendt, porém, extirpou de mim o mito, apavorando-me com a existência de algo capaz de extrapolar o arquétipo de leviatã que projetei para o nazista. Eichman não passava de um burocrata. Espantoso. Por que, então, outorgar a um artífice do carimbo, do clipe e do grampeador a honorável distinção emblemática de o “executor-chefe” do Estado alemão? O impasse resolve-se na esfera psicológica.

Psicológica? Mas por que não moral? É possível trabalhar com as duas estruturas na condução do caso. Psicologicamente, a engenharia mental de Eichman estava mapeada segundo ângulos que se projetavam para a direção de um terreno singularmente demarcado: a psicopatia. Psicopatas não são doentes mentais. Tampouco, deficientes mentais. Doença mental é o distúrbio que afeta o elemento psíquico “percepção”, a exemplo da esquizofrenia. Esquizofrênicos enxergam coisas que não existem no mundo real. Já a deficiência mental é a enfermidade que alcança o psiquismo no âmbito da “inteligência”. Por exemplo, a tríade oligofrênica: debilidade, imbecilidade e idiotia. Psicopatia, entretanto, não é nem doença, nem deficiência. É uma condição, inata e irreversível. Ser psicopata equipara-se a ser branco, negro ou índio. Assim como um índio nasceu e morrerá índio, um psicopata nasce e morre psicopata.



Albert Pierrepoint
PIERREPOINT. Essas reflexões me impelem a traçar um paralelo entre Eichman e outro psicopata, semelhantemente sedutor, o inglês Pierrepoint. Com efeito, ambos foram artesãos na escrituração da morte. Segundo consignado pela historiografia, Eichman não estava preocupado com a justiça ou com a injustiça da execução em massa dos judeus. Sua irresignação moral partia do seguinte princípio: liquidar judeus era uma política do Estado ao qual servia. Portanto, operacionalizar o extermínio desse povo implicava tão-somente mais uma etapa da cadeia engrenada por fases matematicamente estabelecidas, a exemplo de fazer a triagem dos que iriam morrer, levá-los aos trens que os transportariam até a zona de execução, cumprir rigorosamente horários de saída e de chegada das locomotivas, conduzir os condenados a câmaras de gás e, por fim, matá-los. Na mente de Eichman, nada disso consubstanciava crime.



A logística da denominada “solução final” assumia cores semelhantes às que permeiam os armários de um escritório de contabilidade. Judeus mortos eram apenas números, vistos sem índice moral. Nesse sentido, Eichman banalizou o mal, transformando a fattispecie numa atividade instrumental. Aniquilar judeus, para Eichman, não era algo mau e, tampouco, bom, mas só uma instância, dentro do processo de sedimentação da filosofia nacional-socialista, de cuja implementação a manutenção de seu status dependia. Da mesma maneira que um comerciante de livros precisava vender mais compêndios para garantir o emprego, Eichman se notabilizou como workaholic na matança de judeus para ascender na escala de respeitabilidade do establishment nazista. A essa postura, desprovida de sentimento ou valoração, vazia de compaixão, piedade ou até mesmo de raiva, Hannah Arendt chamou “banalização do mal”.

Hannah Arendt
Alguém, cuja pulsação sangüínea coordene-se pela moralidade afeta à noção de bem e mal, sabe que a ação nazista foi perversa. Essa assertiva não se subordina a digressões para encontrar pálio de validade. Ali onde, todavia, burocratas vêem a trucidação de humanos com indiferença, conferindo-lhes a envergadura de códigos de barra, o mal passa a ser corriqueiro, trivial, como resolver uma equação de álgebra. Na Grã-Bretanha, Pierrepoint, o legendário carrasco dos 608 enforcados, pouco se importava se matava culpados ou inocentes (vítimas de erros judiciários). Catalogava seu cemitério pessoal meticu-losamente num caderno. A função que o Estado lhe deu foi a de levar delinqüentes ao cadafalso. Queria cumprir seu múnus com extremo profissionalismo, procurando ser, inclusive, o mais rápido dentre os colegas de trabalho. Igualmente, banalizou a morte, disfarçando-a atrás da performance institucional.


Simon Wiesenthal

SIMON WIESENTHAL. O ultimato ao qual pretendemos chegar é lúdico: há os psicopatas, como Eichman e Pierrepoint, para os quais pouco importa se o que fazem é bom ou mau, pois o mal é uma ba-nalidade. Cumprir a formalidade do sistema está acima de aferir o tônus de justiça. Existiu, por outro lado, Simon Wiesenthal. Judeu. Sobrevivente do campo de Mauthausen. Finda a guerra, atribuiu-se a missão de caçar nazistas foragidos. Capturou 1100. Dentre esses, Eichman, em 1960, que estava escondido na Argentina, vivendo sob o nome Ricardo Klement. Wiesenthal passou por cima da lei. Chefiando o Mossad, entrou clandestinamente na Argentina e seqüestrou Eich-man, que, levado a Jerusalém, foi julgado, condenado à morte e executado, ainda que, em Israel, não se admitisse a pena capital. Acontece que executar Eichman era bom e justo. Isso distingue psicopatas formalistas dos homens de honra.


Mário Vargas Llosa

Triste. Ao preço de banalizar o mal, libertaram Abdelmassih, facínora que abusou de dezenas de pacientes. Afinal de contas, a formalidade da lei o autorizava. Libertar Abdelmassih é ver suas vítimas como cifras. Seqüestrar Eichman foi ver suas vítimas como almas. As mesmas que Pierrepoint fazia questão de lavar, após a execução. Sinceramente, entre a toxicidade de uma lei gasosa e a grandeza salutar de para ela fechar os olhos em busca de justiça, incluo-me no plantel de Wiesenthal. Para fraturar o pescoço de um nazista, entre a segunda e terceira vértebras, é lícito olvidar a lei que o anistia. Você, por exemplo, acha justo, à custa de formalidades que dão ossatura a sem-vergonhices, manter um ladrão fiscalizando o dinheiro público? Por isso, somos compelidos, às vezes, a concordar com Vargas Llosa, quando ele afirma, no “manual do perfeito idiota latino-americano”: “Hay gobierno? Soy contra”.

(*) Publicado no Jornal da Cidade, Aracaju-SE, edição de 3 de janeiro de 2010, Caderno B, página 10.

 

 

terça-feira, 2 de novembro de 2010

Crime em Nossa Senhora das Dores I

Os Crimes que abalaram Sergipe

10. Crimes em Dores I (*)
Acrísio Torres

Guilherme Campos
Presidente do
Estado de Sergipe
Por muitos anos, Nossa Senhora das Dores continuou cenário de crimes políticos hediondos. Seis meses depois do bárbaro assassinato de Emiliano José de Lima, ocorreu uma tentativa de assassinato do chefe político, Vicente Porto, partidário dos senadores Coelho e Campos e Oliveira Valadão. Projetava-se eliminar os amigos desses dois senadores sergipanos. Foi este, mais um gravíssimo acontecimento desenrolado naquele município, e que revoltou o estado. Repercutiu mesmo fora das fronteiras sergipanas, como lamentável atestado da índole, dos costumes políticos, da cultura do povo sergipano, malgrado seu renome devido à força, à vibração, ao brilho da inteligência de seus filhos. De nada pareciam valer as inúmeras queixas ao governo de Guilherme Campos. De nada pareciam valer as denúncias da imprensa contra o chefete político local, Malaquias Curvello, apontando-o como responsável pela série de crimes, violências e sangue derramado; era homem de uma crueldade rara e monstruosa. Os antecedentes e fatos criminais praticados em Nossa Senhora das Dores, sem repressão, tendiam a animar os seus autores à prática de novos e mais cruéis crimes.


Oliveira Valadão
Senador
Talvez recaísse sobre a população como ocorrera antes, como ocorrera depois, e há de ocorrer de tempos em tempos, a maldição dos índios enforcados no início da colonização de Dores. Não era de estranhar, pois, o atentado criminoso de que fora vítima Vicente Porto. Esse atentado criminoso era mesmo esperado, porque desde muito tempo ele corria anunciado, e os amigos de Vicente Porto o preveniram muitas vezes. Mas ele, valente, corajoso, de boa fé, sobretudo, recusara-se sempre acreditar no pregão de sua morte, tal lhe repugnava atribuir, mesmo a seus inimigos, ações assassinas. Para a opinião pública, a origem do crime de que fora vítima Vicente Porto estava nos instintos partidários. No fundo, porem, estava ligado a um acordo político firmado entre Guilherme Campos, presidente do estado, e os senadores Coelho e Campos e Oliveira Valadão, não aceito por alguns chefetes do interior, entre eles Malaquias Curvello, de Nossa Senhora das Dores. Não podia interessar a esses violentos chefetes um tal acordo político, de paz, porque esses chefetes só valiam quando dispunham, a seu talante, das intendências e da polícia.

Coelho e Campos
Senador
Tentando a eliminação de Vicente Porto, procurava-se romper o acordo, abrindo novo período de estremecimento entre o governo de Guilherme Campos e os senadores Coelho e Campos e Oliveira Valadão. E, agindo através de um agente da força pública, punha o governo a descoberto, atirando-lhe a responsabilidade dos crimes. No caso, porem, da tentativa de assassinato de Vicente Porto, pai do notável político Francisco Porto, Malaquias Curvello errou o salto, como a onça em relação ao gato, no conto de Sílvio Romero, pois os dois senadores sergipanos sentiram-se feridos na pessoa de seu representante político, na terra dos Enforcados. Prevaleceu o acordo político. Guilherme Campos não compactuava com assassinos. Os senadores Coelho e Campos e Oliveira Valadão compreendiam o alcance do golpe. No entanto, fizeram justiça a Guilherme Campos, esperando dele, sua lealdade política, de suas responsabilidades de chefe de estado, o cumprimento da Constituição e das leis. Era crítica a situação. E as próprias vistas e atenções do país estavam voltadas para Sergipe, assustadas dos políticos locais e dos meios que punham em ação na luta pelo poder.

Afonso Pena
Presidente do Brasil
Habilidade partidária, astúcia, malícia, crimes, eram armas usadas para ascender às posições políticas, ou nelas permanecer. E crimes frios e covardes, como o contra Vicente Porto, só serviam para confirmar, na capital do país, em todo o país, a crença de que o presidente da república, Afonso Pena, deveria urgentemente amparar a vida e direitos do povo sergipano. Não há exagero na assertiva de que a vida e direitos dos sergipanos estavam expostos à sanha partidária de prepotentes chefetes, que pareciam decidir a polícia estadual, rudes, habituados a beber, a saciar em sangue humano, no sangue dos adversários, seus instintos primários. Era, pois, uma missão patriótica, humanitária, a de Guilherme Campos, no sentido de salvar a honra de Sergipe, fazendo recair a lei e a justiça contra os atacantes de Vicente Porto, gravemente ferido por um tiro de um soldado do destacamento. Enquanto jazia gravemente ferido Vicente Porto, em Nossa Senhora das Dores ocorriam novas violências aos adeptos dos senadores Coelho e Campos e Oliveira Valadão. Francisco Campos, escrivão de órfãos, adversário de Malaquias Curvello, fora agredido pelo sargento Almeida, do destacamento policial. Foi preciso, em Dores, a presença do próprio chefe de polícia, bel. Cupertino Dórea, para, dentro das disposições severas da lei, pelos seus agentes, descobrir os que tentaram assassinar Vicente Porto, e entregá-lo ao julgamento dos tribunais criminais do estado.

(*) Do Livro “Cenas da Vida Sergipana, 2 – Acrísio Torres – SERGIPE/CRIMES POLÍTICOS, I”, Thesaurus Editora, prefácio de Orlando Dantas, páginas 41/43.

- Nova postagem sobre Os Crimes que abalaram Sergipe em 9 de novembro de 2010. Vai continuar falando nos crimes ocorridos em Nossa Senhora das Dores, sobre a situação de Vicente Porto, atingido por um tiro desferido por um soldado do destacamento local, tudo de acordo com o autor e obra acima referidos.

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