Aracaju/Se,

terça-feira, 28 de setembro de 2010

Fausto Cardoso - O Processo

Os Crimes que abalaram Sergipe

5. Fausto. O Processo (*)
Acrísio Torres
   
Estátua de Fausto Cardoso
Praça do mesmo nome
Aracaju-SE.

Nos números 1 e 2, desta série, mostrei que culminou tragicamente, em 1906, o mais grave conflito de mentalidades políticas, em Sergipe. Foram profundamente lamentáveis os sucessos de agosto, mas não se pode ver, neles, como supuseram juízos  apressados, um plano reservado para o domínio público. Nenhum inquérito policial, militar, havia sido procedido sobre os lutuosos acontecimentos de 28 de agosto, até começos de novembro de 1906. Por isso, nessa época, nesse sentido, o dr. Oliveira Ribeiro, procurador-geral da república, oficiava ao ministro da justiça, Félix Gaspar. Oliveira Ribeiro dizia no ofício que “os crimes que resultaram dos fatos ocorridos não foram políticos, por não terem atentado contra a ordem constitucional do Estado”. Premissa inteligente de um espírito juridicamente equilibrado, numa conjuntura política em que as paixões dominavam a razão. E acrescentava o judicioso procurador-geral da república. Também “não foram crimes comuns, porque praticados por militares, dentro dos salões do palácio do governo, contra cidadãos desarmados..., sob pretexto de tumulto ou desordem civil”.


Félix Gaspar
Ministro da Justiça
Não podia ir além a ação do dr. Oliveira Ribeiro, impedido de intervir nas diligências preliminares de um processo militar. Por isso, dizia o procurador caber ao ministro da justiça, de acordo com o ministro da guerra, providenciar a abertura de inquérito militar, onde “a verdade se apure com o rigor que o caso reclama”. Não nego que Fausto Cardoso estivesse no pleno exercício de imunidades parlamentares, e que mesmo incumbindo ao exército a defesa da Constituição, não podia atentar contra a inviolabilidade pessoal do malogrado tribuno. Mas, Fausto era “o louco sublime”, no dizer de Coelho e Campos. Não nego que a Constituição de 1891, assegurava aos representantes do povo a inviolabilidade da palavra e da pessoa. No entanto, é possível que, organismo permanentemente em ebulição, a palavra de Fausto tivesse se manifestado em fogo que queimasse os limites constitucionais estabelecidos, e daí o fatal “atirem bandidos!”. Essas circunstâncias não pareceram justificar um inquérito, para essa mentalidade concorrendo o assassinato de Olímpio Campos.


Procurador-Geral da República
Oliveira Ribeiro

Deste modo, os trágicos sucessos de agosto limitaram-se aos votos de pesar, aos lamentos de Coelho e Campos, no senado, de Oliveira Valadão, na câmara federal, à missa de sétimo dia e ao silêncio do túmulo. Na câmara federal houve intenso e agitado torneio de oratória criminal. Discussões acirradas em torno de se saber se Fausto havia sido morto em conseqüência de um tiro, casual, ou em conseqüência de um assassinato, de um tiro bem alvejado. Pode ser que, nesses debates, para muitos representantes federais os sucessos de agosto tenham começado como uma comédia e terminado em tragédia. Todos, no fundo, porém, concordavam em que foi uma triste página na história constitucional da república, lamentando Rodrigues Alves que houvesse ocorrido em seu governo. No império, na república, não se tem conhecimento de um acontecimento de tamanha gravidade, que tanto enlutasse o país, como o de 1906, em Sergipe. Tem-se a impressão de que, naquela época, um deputado federal não podia ser preso. Podia, porém, ser morto.

(*) - Do Livro “Cenas da Vida Sergipana, 2 – Acrísio Torres –SERGIPE/CRIMES POLÍTICOS, I”, Thesaurus Editora, prefácio de Orlando Dantas, páginas 27/28.

- Nova postagem sobre Os Crimes que abalaram Sergipe em 5 de outubro de 2010. Vai abordar o processo criminal que se desenrolou no crime de Olímpio Campos, de acordo com o autor e obra acima registrada.

- Nota do Blog, pesquisa no site do Supremo Tribunal Federal.

Quem foi Oliveira Ribeiro?

PEDRO ANTONIO DE OLIVEIRA RIBEIRO, filho do Coronel do mesmo nome e D. Maria Benta Freitas de Oliveira Ribeiro, nasceu a 8 de setembro de 1851, no engenho Varginhas, município de Laranjeiras, província de Sergipe. Tendo feito o curso de Humanidades no Colégio São João, da capital da Bahia, matriculou-se na Faculdade de Direito do Recife, onde concluiu os estudos, recebendo, em 1871, o grau de Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais. Iniciou sua vida pública no cargo de Promotor Público da comarca de seu nascimento, por nomeação de 5 de setembro de 1872. Aí funcionou como órgão da Justiça até o ano seguinte, em que foi nomeado Juiz Municipal e de Órfãos do termo de Montes Claros das Formigas, Minas Gerais, em decreto de 7 de abril de 1873, ato esse que ficou sem efeito pelo de 6 de setembro seguinte, nomeando-o para idêntico cargo do termo de Cristina.

Em decreto de 26 de junho de 1877, foi nomeado Juiz de Direito da comarca de Cristina, cargo que exerceu durante nove anos, até ser declarado Juiz Avulso, em decreto de 22 de maio de 1886, por ter sido eleito Deputado à Assembléia-Geral Legislativa na 20ª legislatura (1886-1889). Foi Deputado à Assembléia Legislativa da província de Sergipe nos biênios 1872-1873, 1874-1875 e 1878-1879. Fez parte da alta administração da mesma província, sendo nomeado 2º Vice-Presidente, em decreto de 23 de outubro de 1885. Não tendo obtido designação de comarca para o exercício do seu cargo de Juiz de Direito, estabeleceu-se como advogado no sul de Minas Gerais. Proclamado o regime republicano, foi aposentado, em decreto de 14 de novembro de 1890, pelo Governo Provisório, o que não impediu sua nomeação, em decreto de 28 de abril de 1891, para o cargo de Chefe de Polícia da Capital Federal, de que pediu demissão por ocasião de renunciar ao poder o Marechal Deodoro da Fonseca.

Em dezembro desse ano, foi nomeado Procurador-Geral do Estado de São Paulo e, por decreto de 8 de setembro de 1892, Ministro do Tribunal de Justiça do mesmo Estado, havendo sido eleito Presidente do referido tribunal. Assumindo a presidência do Estado, o Dr. Francisco de Paula Rodrigues Alves convidou Oliveira Ribeiro para auxiliar do seu governo na Chefia da Polícia, cujas funções exerceu de 1º de maio de 1900 a 1º de janeiro de 1902. Em decreto de 5 de outubro de 1903, foi nomeado Ministro do Supremo Tribunal Federal, preenchendo a vaga ocorrida com o falecimento de Americo Lobo Leite Pereira, tomando posse em 14 de outubro do mesmo ano. Exerceu o cargo de Procurador-Geral da República, por nomeação em decreto de 21 de outubro de 1905, sendo exonerado, a pedido, em 6 de dezembro de 1909. Seu invejável talento, em evidência desde os bancos escolares, robustecido no estudo das disciplinas jurídicas, assegurou-lhe na vida pública uma carreira rápida e brilhante. Nunca se desviou dos moldes do magistrado ilustrado, probo, de caráter altivo e independente.

Foi casado com D. Eliza Delfina de Oliveira Ribeiro, filha do Conselheiro Joaquim Delfino Ribeiro da Luz. Faleceu na cidade do Rio de Janeiro, em 29 de junho de 1917, sendo sepultado no Cemitério de São João Batista. Em sessão do dia seguinte, o Tribunal prestou-lhe homenagem, em que falaram os Ministros André Cavalcanti, Presidente, propondo luto por oito dias, Coelho e Campos e Canuto Saraiva.

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Rerum Novarum

Artigo pessoal

Rerum Novarum
Clóvis Barbosa

Anjo e demônio
Coisas novas. Elas são clamadas pela constante necessidade que o homem tem de romper com aquilo que considera senil. Conseqüência do desgaste que o tempo exerce sobre práticas reputadas antigas, a busca de novidade esbarra, às vezes, no despreparo para assumir a descarga elétrica que a inovação impõe. Daí, o perigo do maniqueísmo. Anjos e demônios. Bondade e maldade. Antigo e moderno. Agir como o passado fosse descartável, como se nada nele pudesse ser aproveitado para a composição do futuro, lembra o ato de quem, querendo surpreender, arranca as próprias pernas, sob o argumento de que, doravante, devemos andar com próteses. Pode até ser. O problema, contudo, virá à tona quando o iluminado perceber que seu desprezo pela divina composição do corpo fê-lo olvidar que carne, osso e sangue não enferrujam e dispensam manutenção. A mudança precisa operar-se com parcimônia.


Arnold Gehlen

Mudança é adaptação. Mas não há adaptação sem técnica. Técnica, pela perspectiva de Arnold Gehlen, é o nome que se dá ao aparato por intermédio do qual limitações humanas são aliviadas, fortalecidas e substituídas. O homem, a rigor, não nasceu adaptado a meio algum. Diferentemente do pingüim, que nasce adaptado ao frio e, por isso, vive no frio; diferentemente do morcego, que nasce adaptado à noite e, por isso, constitui-se num ser de hábitos noturnos; diferentemente do camelo, que nasce adaptado às agruras do deserto e, por isso, vive nos desertos como se estivesse no paraíso, o homem, sem técnica, não se adapta a nada. O homem não foi desenhado para percorrer longas distâncias a pé. Não foi moldado para sobreviver na água e, o pior, sequer nasceu com asas para voar. Por conseguinte, o homem cria maquinários que, como dito acima, aliviam, fortalecem e substituem deficiências orgânicas.


O alívio, o fortalecimento e a substituição (funções da técnica) levam o homem a transpor barreiras, recriando o meio, sem necessariamente romper com o passado (utilizando o exemplo daquele que arrancou as pernas para usar próteses mecânicas). Assim, o homem (que não tem presas, garras ou ferrões) desenvolve lanças, espadas, pistolas, que aliviam a fragilidade para defender-se de outros animais, os quais exibem armas como elementos corpóreos; o homem, que, naturalmente, não consegue correr longas distâncias sem extenuar-se (como um tigre) cria o automóvel, que faz isso por ele, fortalecendo uma habilidade pouco desenvolvida, com a qual a natureza o dotou; o homem, que, obviamente, não pode voar, criou o avião, que lhe substitui a ausência de asas. Em todas essas situações, o homem muda. Em nenhuma delas, todavia, ele precisou eliminar braços ou pernas à toa. Completou-os tão-somente.


Na política, a mudança também não se dá sem técnica. O novo, no cenário do poder, igualmente se efetiva para aliviar, fortalecer e substituir falhas estruturais. Essas falhas vão sendo identificadas aos poucos. Serão aliviadas, ali onde se constata que a um auxiliar foram dadas mais atribuições do que as que ele é capaz de carregar (dividem-se atribuições). São fortalecidas ali onde um auxiliar pode dar conta do recado, mas lhe faltam mecanismos operacionais (os anteparos lhe são outorgados). São substituídas ali onde um auxiliar é a sinonímia do descaso, da inoperância e da incompetência (troca-se de auxiliar). O impasse está em saber quando o mais correto é aliviar, fortalecer ou substituir. Isso requer técnica, que se consubstancia sem agonia ou aperreio. Lançando mão de Millôr, “chama-se de decisão rápida nossa capacidade de fazer besteira imediatamente”. Logo, quem exige uma reforma de inopino (a implantação acelerada do novo), ou quer um governo sem pernas, ou enxerga o mundo com próteses. De qualquer maneira, é do tipo que (rápido ou não) só pensa e fabrica besteira.

• Publicado no Jornal da Cidade, edição de domingo e segunda-feira, 15 e 16 de dezembro de 2008, Caderno B, pág. 11.

terça-feira, 21 de setembro de 2010

O Crime de Fausto-Olímpio - Repercussões

Os Crimes que abalaram Sergipe

4. O Crime de Fausto-Olímpio
Repercussões (*)

Acrísio Torres

Fausto Cardoso
No número 3, desta série, assinalei testemunhos e versões em torno da morte de Fausto Cardoso e do assassinato de Olímpio Campos. Hoje, tratarei dos pronunciamentos feitos na câmara federal, por Oliveira Valadão, e no senado, por Coelho e Campos. Dias de luto viveu o congresso nacional, no Rio. Na câmara federal, Oliveira Valadão declarou, na sessão de 17 de outubro de 1906, que “conheço de longe data o general Firmino Lopes, pois fizemos juntos a campanha do Paraguai. Conheço os seus sentimentos nobres e estou certo de que se dependesse dele salvar a vida de Fausto Cardoso, tê-lo-ia feito”. Pediu, porém, que a câmara apoiasse o requerimento do representante gaúcho, Nogueira Jaguaribe, apressando-se “em abrir inquérito, como convém, e como se deve fazer”. Equilibrado pronunciamento.

Coelho e Campos
No senado, na mesma data, manifestara-se Coelho e Campos. Mostrou que “depois de movimentos revolucionários, a primeira exigência da ordem pública é a calma e pacificação dos espíritos”. Era a fala do grande jurista, mais que a do político. Para isso, tornava-se necessário inquérito para apuração de responsabilidades. “Esses movimentos revolucionários, dizia Coelho e Campos, se justificam, por vezes, pois provocados pelos excessos e anormalidades das situações criadas pelos governadores”. Ponderou que tais movimentos são infrações das leis e incorrem na sanção penal. “Entendo, porém, que incorrem na mesma sanção os poderes públicos, quando se afastam de seus deveres e estabelecem a opressão”. Coelho e Campos defendia a causa de Fausto Cardoso.


Olímpio Campos

Tecendo considerações sobre as causas da violação do direito, em 1906, atribuiu-a à má compreensão dos nossos estadistas, que “não procuram indagar se são bons ou maus os governadores, que vão sustentar, desprezando os tratadistas, que ensinam o duplo fim da intervenção: garantir o governo contra os governados, e os governados contra o governo”. Contestou os senadores que consideraram um motim, uma desordem de quartel, o movimento de 10 de agosto, em Sergipe, e a assertiva de que, deposto Guilherme Campos, assumira o governo “um indivíduo sem competência”. Neste ponto, Coelho e Campos foi incisivo, ao dizer que se Fausto era um “parvenu”, não havia mais homem de brio em Sergipe, e ele próprio não o era, pois não conhecia “caráter mais digno que o de Fausto Cardoso”. No término do seu pronunciamento, Coelho e Campos declarou que “teria sido contrário à revolução se me tivessem consultado”. Esperava, porém, que não continuasse em sua terra o embate de ódios, contrário ao sentimento de fraternidade. Propugnava pela pacificação, que reverteria em bem de Sergipe, em bem do Brasil.

Oliveira Valadão
Passo aos pronunciamentos sobre o assassinato de Olímpio Campos. Embora nunca tivesse deixado de existir entre Oliveira Valadão e Olímpio uma separação de crenças políticas, Valadão dizia, na câmara federal, sessão de 10-11-1906, que, “nada, a meu ver, justificava esse tresloucado assassinato ontem realizado”. Teve Oliveira Valadão apoio de todos os representantes às considerações apresentadas. E acrescentou, veementemente, que “nem mesmo a justa mágoa de filhos que perderam um pai extremoso, podia justificar o processo violento de que ontem lançaram mão e que oxalá não se reproduza”. No senado, Coelho e Campos dizia ser “infeliz minha terra natal, e não sei qual mau fado a persegue”. “A fatalidade, lamentava o senador sergipano, parece haver aberto as asas sobre Sergipe”. E, aludindo à morte de Fausto, disse que o considerava “um louco sublime, um gênio, um grande coração, glória de minha terra e glória de meu país”. Embora questões políticas os afastassem, nunca negou o merecimento de Olímpio Campos, e o preito que lhe prestava não era, dizia, ato de momento, ou mero dever de ofício. E, finalizando, declarou que, nos “acontecimentos trágicos de agosto, em Sergipe, não se achou incluída a responsabilidade pessoal de Olímpio Campos”.

(*) Do Livro “Cenas da Vida Sergipana, 2 – Acrísio Torres –SERGIPE/CRIMES POLÍTICOS, I”, Thesaurus Editora, prefácio de Orlando Dantas, páginas 23/25.

- Nova postagem sobre Os Crimes que abalaram Sergipe em 28 de setembro de 2010. Vai abordar o processo criminal que se desenrolou no crime de Fausto Cardoso, de acordo com o autor e obra acima registrada.

sábado, 18 de setembro de 2010

Diálogo no Inferno

O que estou lendo

Diálogo no Inferno entre
Maquiavel e Montesquieu
Ou
A Política de Maquiavel no século XIX,
por um contemporâneo
 
                                                    
Autor - Maurice Joly
Editora Unesp
Tradução – Nilson Moulin
356 páginas

Apresentação

Por Maria das Graças de Souza
Professora de Filosofia da USP

As Circunstâncias da Composição do Livro


Maquiavel

Montesquieu
Quando Maurice Joly publicou o seu Diálogo no Inferno entre Maquiavel e Montesquieu, em 1864, a França vivia sob a mão de ferro de Napoleão III. Nascido Luis Napoleão Bonaparte, sobrinho do primeiro Napoleão, ele havia, em 1848, sido eleito deputado da Assembléia Constituinte francesa e, no final do mesmo ano, foi eleito presidente da República com enorme maioria dos votos. Em 1851, planejou um golpe contra o Parlamento, mandou prender e deportar numerosas figuras públicas de várias tendências políticas e, em 2 de dezembro, assinou um decreto que dissolvia a Assembléia Legislativa. Com esse golpe de Estado, Napoleão ganhou poderes ditatoriais. No ano seguinte, chamou um plebiscito pelo qual, com quase a totalidade dos votos, instituiu o Império e transformou-se em Imperador da França com o titulo de Napoleão III. Em 1870, na guerra contra a Prússia, o imperador foi capturado pelo exército prussiano em Sedan. A Assembléia Nacional, que por pressões dos liberais havia sido restaurada, decidiu pela sua deposição e proclamou a Terceira República Francesa.

Napoleão III

Karl Marx
Foi a respeito de Napoleão III que Marx escreveu o famoso livro O 18 brumário de Luis Bonaparte, publicado em 1852. Referindo-se ao fato de Luis Bonaparte ter tentado imitar seu tio, o primeiro Napoleão, Marx construiu a conhecida passagem: “Hegel observa em uma de suas obras que todos os fatos e personagens de grande importância na história do mundo ocorrem, por assim dizer, duas vezes. E esqueceu-se de acrescentar: a primeira vez como tragédia, a segunda como farsa”. Farsa ou não, o fato é que os poderes imperiais assumidos por Napoleão III desencadearam as reações de liberais e republicanos franceses, dentre eles Maurice Joly, que havia abandonado pelo meio seus estudos de direito e estava em Paris em 1851, época da ascensão de Luis Bonaparte.

Em sua autobiografia, ele conta que na época, rapaz vindo da província, tinha visto acontecer o golpe de Estado sem compreender nada. Não se preocupava, então, com a política. Um dos amigos da família arranjou-lhe um emprego junto ao ministério de Estado, no qual ficou por sete anos. Enquanto trabalhava, terminou seus estudos de Direito em 1860 e começou a advogar. Começou também a escrever para jornais e a se interessar vivamente pelas questões políticas do império de Napoleão III. Planejou escrever um livro para mostrar “os abismos que a legislação imperial havia cavado, destruindo de alto a baixo todas as liberdades públicas”. (¹) A obra tomaria a forma de um diálogo fictício entre Montesquieu e Maquiavel, no qual o primeiro representa o que ele denomina o “espírito do direito” e o outro o “espírito da força”. Pagou do seu próprio bolso a publicação do livro em Bruxelas. A edição era anônima. O livro fez o maior sucesso. A polícia do Império acabou descobrindo o nome do autor, que foi preso, julgado, condenado. Considerou-se que seu livro era um ataque ao imperador. E era mesmo. Joly ficou na prisão por quase um ano.

O Tema do Diálogo: A Força ou a Lei

Frederico II
Maquiavel é representado no Diálogo segundo a visão tradicional que faz dele o defensor do uso da força na política. Essa visão tradicional, que teria dado conteúdo ao termo “maquiavelismo” como símbolo da astúcia dos governantes, foi constituindo-se desde a época do próprio Maquiavel e atravessou os séculos. Frederico II da Prússia, em 1740, publicou, em francês, uma crítica de O Príncipe, de Maquiavel, intitulada O anti-Maquiavel, na qual afirmava que ia “tomar a defesa da humanidade contra um monstro que quer destruí-la” e oferecer um antídoto ao veneno contido no livro do pensador florentino. Para Frederico II, O Príncipe era uma das obras mais perigosas que já tinham sido publicadas e certamente corromperia os governantes ambiciosos, ensinando-lhes máximas contrárias ao bem dos povos. (²)

Maurice Joly
autor da obra
Curiosamente, a personagem fictícia de Maquiavel no diálogo de Joly mostra conhecer essa tradição, refere-se mesmo a O anti-Maquiavel de Frederico, defende-se das acusações dizendo que “o maquiavelismo é anterior a Maquiavel”, não aceita a paternidade dessa doutrina que lhe atribuem e afirma que seu único crime foi o de “dizer a verdade, tanto aos povos quanto aos reis; não a verdade moral, mas a verdade política; não a verdade como devia ser, mas tal como ela é” – ou seja, descreve o Estado tal como ele é, assim como os médicos descrevem as doenças. Enfim, resume sua doutrina para Montesquieu: “todos os homens aspiram a dominar e, caso pudesse, ninguém deixaria de ser opressor”. Acrescenta que “a liberdade política é apenas uma idéia relativa; a necessidade de viver é o que domina tantos os Estados quanto os indivíduos”. Assim, crê que não ensinou nada aos príncipes que eles já não soubessem por sua prática.

Maria das Graças de Souza
Professora de Filosofia USP
Apresentadora da obra
A personagem de Montesquieu no Diálogo de Joly parece ser mais fiel ao pensamento do filósofo. Em suas réplicas ao discurso de Maquiavel, Montesquieu afirma que a força é só um acidente na história das sociedades constituídas, e que não são os homens que garantem a liberdade, mas as instituições, e essas se fundam em princípios, tais como o da legalidade, de modo que as relações entre o príncipe e os súditos repousem sobre as leis. É claro que ocorrem abusos, mas os abusos não condenam as instituições. Na Europa moderna, diz Montesquieu, o despotismo é afastado pela instituição da separação dos poderes do Estado, de tal modo que o mecanismo de regulação e o controle recíproco entre esses poderes impeçam a opressão e garantam as liberdades dos cidadãos e o respeito às leis constitucionais.

A Má Fortuna do Texto

Czar Nicolau II
O Diálogo no inferno de Maurice Joly foi objeto de uma das maiores fraudes de que se tem notícia, e de consequências graves. Em 1905 foi publicado na Rússia, sob os auspícios da polícia secreta do czar Nicolau II, um livro apresentado como um conjunto de atas que relatavam reuniões secretas de sábios judeus, as quais revelavam um plano para dominar o mundo. Ora, afirmar a existência de um grande complô judaico era uma forma de desviar a atenção do povo russo das dificuldades reais daquele momento. Esse livro é o famoso Protocolos dos sábios de Sião, que se tornou instrumentos de libelos antissemitas, servindo mais tarde de inspiração para o regime nazista.

The Times

Desde o início de sua divulgação, contudo, a farsa começou a ser denunciada. Reportagem do jornal inglês The Times, em 1921, mostraram afinal que havia muitas partes dos Protocolos que eram cópias literais de passagens do Diálogo no inferno de Maurice Joly. Os planos de dominação de Napoleão III da França foram transformados, nos Protocolos, no plano de domínio do mundo por parte dos judeus, e as palavras da personagem Maquiavel do livro de Joly foram postas na boca dos sábios de Sião. Vários outros estudos seguiram-se provando a fraude. Mas essa nefasta apropriação do texto de Joly não nos deve impedir de discernir o sentido do Diálogo no inferno. Na conversa entre os dois filósofos, a fala de Maquiavel, que “corta como faca” assevera que “a liberdade política é apenas uma idéia relativa”, que “em todos os lugares, a força aparece antes do direito”, que a própria palavra “direito” é vazia. Por isso dá preferência ao “governo absoluto”, por causa da “inconstância da plebe”, de seu “gosto inato pela servidão”. O povo, deixado por sua conta, “só saberá se destruir”.

França - Século XIX
Ora, para a personagem Montesquieu, quando se trata de política, “é necessário chegar a princípios”: a violência não poderá ser erigida em princípio, a astúcia não pode ser a máxima de governo. Não se pode apresentar como fundamento da sociedade precisamente aquilo que a destrói. Em um regime constitucional, no qual a fonte da soberania é a nação e no qual as leis garantem os direitos civis, pode-se alcançar a conciliação entre a ordem e a liberdade e entre a estabilidade e a transformação, garantir a participação dos cidadãos na vida pública e proteger a liberdade individual. Desse modo, no embate imaginado por Joly entre O espírito das leis e O Príncipe, o que está em jogo é a defesa dos regimes de liberdade contra os regimes autoritários. Concebido para criticar o regime de força de Napoleão III na França do século XIX, o Diálogo no inferno de Maurice Joly pode ainda ser, quase 150 anos depois de publicado pela primeira vez, fonte de reflexão para os leitores do século XXI.

(¹) - Joly, Maurice, Son passe, son programme. Paris, Lacroix, 1870.

(²) - (Frederico II. L’anti-Maquiavel. La Haye, 1740, prefácio do autor. Claude Lefort analisou longamente essa tradição interpretativa, da qual Frederico da Prússia é um dos representantes, em seu livro Machiavel, Le travail de l’oeuvre. Paris. Gallimard, 1972)

terça-feira, 14 de setembro de 2010

O Crime de Fausto-Olímpio - Versões

Os Crimes que abalaram Sergipe

3. O Crime de Fausto-Olímpio
Versões (*)
Acrísio Torres




Fausto Cardoso
Olímpio Campos
Nos números 1 e 2, desta série, narrei, sucintamente, a morte de Fausto Cardoso, em 28 de agosto de 1906, e o assassinato de Olímpio Campos, em 9 de novembro de 1906, no Rio. Não apenas pela proeminência dos mortos, mas sobretudo pelo trágico dos sucessos, abalaram vivamente a opinião pública nacional. Testemunhos de tomo provam a inocência de Olímpio Campos, na morte trágica de Fausto Cardoso. Alencastro Graça, primeiro tenente, imediato do “Gustavo Sampaio”, surto no Porto de Aracaju por ocasião dos sucessos de 28 de agosto, declarou à Gazeta de Noticias, do Rio, que “Olímpio não teve culpa na morte do tribuno Fausto Cardoso”. Esse testemunho seria, mais tarde, reafirmado pelo grave senador sergipano, Coelho e Campos, num procedimento louvável. Na ocasião do embarque, no Rio, do cadáver de Olímpio, Coelho e Campos assinou um protesto contra a falsidade da assertiva de ter sido Olímpio cúmplice na morte de Fausto Cardoso.

Fereira Chaves
Senador pelo RN
Ferreira Chaves, senador pelo Rio Grande do Norte, estivera com Olímpio na véspera do assassinato. Perguntando se não se havia precavido contra agressões que, segundo boatos, fariam à sua pessoa, Olímpio respondera que, “eu respeito a vida humana de tal modo, que ainda mesmo sendo agredido, deixo que me matem; não reagirei”. Essa manifestação nega terminantemente a declaração do Jornal de Notícias, da Bahia, de que, em defesa, Olímpio “puxou uma pistola de que não teve tempo de usar”. A notícia, evidentemente precipitada, confundia com uma pistola o chapéu de sol, sempre conduzido pelo senador sergipano.Tanto é falsa a notícia do jornal baiano, que todos os jornais do Rio, na época, censuraram energicamente a polícia carioca, porque não soube evitar o crime. E fizeram questão de repetir que a única arma que trazia Olímpio, ao ser assassinado, era um “chapéu de sol”

Jornais da Bahia
É negada, ainda, a declaração do Jornal de Notícias, da Bahia, pelo testemunho insuspeito do Coronel Alípio Calazans. Declarou este ilustre militar aos jornais do Rio, que, visitando Olímpio no fim da manhã do dia 9 de novembro, viu-o vestir-se para sair, sem se presumir de qualquer arma. A esses testemunhos junte-se o do jornalista A. Motta Rabello. Era o redator do Jornal de Sergipe, órgão dos rebeldes de agosto, e declarou em carta ao Correio de Aracaju, 1906, estar “convencido da inocência de Olímpio Campos na morte de Fausto Cardoso”. No caso do assassinato de Olímpio Campos, são graves as versões correntes, na época. Dizia o correspondente, no Rio, do Jornal de Notícias, da Bahia, que, na ocasião de morrer em Aracaju, vítima de bala, Fausto Cardoso disse, arquejando, a seu filho Humberto: “Meu filho, assassinaram-me: vocês vinguem-me”.


Jornal antigo
Rio de Janeiro 

E continua: “regressando a esta capital (Rio), Humberto contou a seu irmão, Armando, a última disposição que ouvira dos lábios do pai. Juraram então ambos vingá-lo, tornando-se entre eles a idéia fixa de vingança”. E concluindo: “Logo que souberam que Olímpio Campos partira para aqui (Rio), a fim de tomar parte nos trabalhos do senado, mais alarmados ficaram ainda os filhos de Fausto, correndo logo em certo grupo que Olímpio seria assassinado na ocasião de desembarcar”. Presos, no Rio, e recolhidos à Casa de Detenção, em cômodo apropriado, Umberto e Armando, filhos de Fausto Cardoso, e Délio, eram considerados presos abastados. Recebiam sempre a visita da mãe, que, em diversas ocasiões, teria dito, sem sigilo: “Não censuro o procedimento de meus filhos”.


Jornal de Sergipe
O Jornal do Comércio, do Rio, publicou em 16 de fevereiro de 1907, uma carta do senador Martinho Garcez, sobre o caso Fausto-Olímpio. Nela se infere que Fausto Cardoso, antes de partir para Sergipe, assegurara que, caso fosse assassinado, seus filhos vingariam sua morte na pessoa de Olímpio Campos. Essas, as principais versões e testemunhos das tragédias de 1906, em 28 de agosto e 9 de novembro, lamentando Rodrigues Alves que “essas duas desgraças tenham ocorrido em meu governo”. O Correio de Aracaju dizia “não incitar e nem aplaudir a eliminação de homens políticos pelo assassinato”. E, descrevendo os trágicos fatos, protestava a Gazeta do Povo, da Bahia, em veemente editorial: “Basta de sangue”.



(*) Do Livro “Cenas da Vida Sergipana, 2 – Acrísio Torres –SERGIPE/CRIMES POLÍTICOS, I”, Thesaurus Editora, prefácio de Orlando Dantas, páginas 19/21.

- Nova postagem sobre Os Crimes que abalaram Sergipe em 21 de setembro de 2010. Vai abordar as repercussões dos crimes de Fausto Cardoso e Olimpio Campos, de acordo com o autor e obra acima registrada.

sábado, 11 de setembro de 2010

Agar no Deserto

Artigo Pessoal

Agar no deserto
Clóvis Barbosa

Sandra Gomide
Pimenta Neves
Pimenta Neves queria advogar. Mangação. Neves é aquele jornalista que, em 2000, matou a namorada por ciúmes. Sandra Gomide (a vítima), uma jovem com pouco mais de trinta anos, deu um fim no relacionamento que mantinha com o sessentão porque se apaixonara pelo equatoriano Jaime Mantilla. Mas isso não vem ao caso. Relevante é a atração que o assassino agora nutre pela advocacia. Talvez porque também tencione matá-la. Com efeito, é o que iria suceder se a OAB-SP não desse um basta no surto do sociopata. Preconceito? Não. Admitir um homicida na OAB é o mesmo que aceitar um sádico tratando feridos de guerra ou um pedófilo como diretor de creches e orfanatos. A advocacia veio ao mundo com o propósito de defender a liberdade e a vida. Coisas das quais Pimenta não entende patavina. A uma porque não deixou Gomide livre para escolher com quem viver. A duas porque nem a deixou viver.

Creio até que não era necessário recorrer à lei para brecar a sandice de Neves. Tudo bem que o estatuto da advocacia diga que uma das exigências para que o bacharel venha a ser advogado esteja ali onde ele apresente “idoneidade moral” (art. 8º, inciso VI, da lei nº 8.906/1994. Tudo bem que o mesmo estatuto prescreva que não é idôneo quem exibir uma condenação por crime infamante. Tudo bem que infamante seja aquele crime que atribui má-fama ao delinqüente (infamante ainda carrega essa acepção, a não ser que a reforma ortográfica também seja semântica). Tudo bem que Pimenta Neves não tenha lá uma das melhores famas (ele só matou a namorada com dois tiros, um dos quais na cabeça – que bobagem). Tudo bem para tudo isso. Mas a lei era o que menos importava agora. O direito não se resolve na lei. O direito resolve-se a partir da lei. O direito, a rigor, resolve-se na ordem. Neves advogar é desordem.

Goffredo Telles Jr
Jan Christiaan Smuts
Pierre-Félix Guattari
Quando concebeu o “direito quântico” (na década de 1970), o professor Goffredo Telles Jr. sonhava com uma dimensão holística para a ciência. O vocábulo “holismo” foi usado pela primeira vez no final da década de 1920, por um sul-africano: Jan Christiaan Smuts. O holismo, em verdade, traduz uma filosofia segundo a qual a energia que regula todo o universo mantém-se harmônica em quaisquer das manifestações de existência. Seja na biologia, na física, na química, no direito etc. O que irá definir a ordem das coisas será aquilo que o filósofo bretão Pierre-Félix Guattari conceitua como “o domínio molecular do desejo, da inteligência, da sensibilidade”. Por exemplo, você já se perguntou por que o homicídio é repudiado em toda e qualquer civilização, por mais primitiva que ela possa transparecer aos olhos? Porque a “ordem” da vida, que a inteligência emana, está como que impregnando nossa alma genética.

Gregório Matos
O que for além da ordem será desordem. O ficar aquém da ordem também será desordem. Como cantou Gregório de Matos Guerra “e feito em partes todo em toda parte, em qualquer parte sempre fica o todo”. Veja que o “boca do inferno”, já no século XVII, tinha a noção holística de acordo com a qual a parte, embora retirada do todo, não perde a impressão genética com que este a dotou. Bem assim o todo, que não deixa de sê-lo porque lhe suprimiram uma das partes. Daí, dizer Gregório, no mesmo poema, que quando encontraram um braço do menino Jesus, não toparam apenas com o braço. Depararam-se com o menino Jesus em inteireza, porquanto o “braço, que lhe acharam, sendo parte, nos disse as partes todas deste todo”. Quem via o braço, via o Cristo. Bonito. Se Neves viesse a ser advogado, quem olhasse pela OAB veria uma alcatéia. E quem olhasse para Neves, veria a OAB com a tez genética do crime.

Agar no Deserto
Abraão
A bíblia ensina que “assim como algumas moscas mortas podem estragar um frasco inteiro de perfume, assim também uma pequena tolice pode fazer a sabedoria perder todo o valor” (Ec 10,1). Caso Pimenta Neves passasse a ser parte da OAB, o aroma de liberdade que ela sempre exalou se dissiparia. Em seu lugar ficaria uma cor fétida de morte. Aliás, a mesma bíblia, no gênesis, narra a história de Agar, escrava de Abraão. Ali é dito que, como Sara, esposa do patriarca, era estéril, ela consentiu que Abraão deitasse com Agar e nela fizesse um filho. Nascida a criança (Ismael), Agar passou a humilhar Sara, solapando a alegria da família. Como punição, Agar foi abandonada no deserto de berseba. E Sara voltou a ter paz. Numa palavra, a quebra da harmonia não é holística. Rompe com o equilíbrio “genético”. Causa um câncer no convívio. O lugar de Pimenta Neves não era a casa da liberdade. É o deserto.

• Publicado no Jornal da Cidade, edição de terça-feira, 9 de dezembro de 2008, Caderno B, pág. 11.

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

O Crime de Olímpio Campos

Os Crimes que abalaram Sergipe

O Crime de Olímpio Campos (*)
Acrísio Torres

Monsenhor Olímpio Campos,
 senador por Sergipe

Praça 15 no Rio de
Janeiro em 1906
No cair da tarde de 9 de novembro de 1906, no Rio, Olímpio Campos, senador por Sergipe, deixava mais uma sessão do senado federal. Chapéu de sol na mão, dirigiu-se para o Hotel Royal, onde era hóspede. Não podia prever que se encaminhava para a morte. Na Praça 15 de Novembro, antigo Largo do Paço, encontrou-se com Humberto e Armando, então jovens acadêmicos de direito, filhos de Fausto Cardoso, morto em Sergipe três meses antes, por ocasião dos trágicos sucessos políticos de 28 de agosto de 1906. Havia um terceiro personagem, Délio Guaraná, primo de Humberto e Armando. Tudo se passou rapidamente. Agrediram a Olímpio Campos, e o alvejaram com balas certeiras, ferindo-o mortalmente na cabeça, nos ombros, nas costas. Mesmo gravemente ferido, Olímpio Campos teve forças para apressar os passos, em direção ao Hotel Royal. Procurava inutilmente livrar-se dos agressores, que o perseguiam implacavelmente. Os disparos atraíram a multidão.

Itabaianinha-SE
Pouco adiante Olímpio Campos caiu. Levado para uma farmácia próxima, Farmácia Alfredo Carvalho, já agonizante, o monsenhor senador sergipano logo faleceu, sem pronunciar uma só palavra. Foram inúteis os prontos socorros. No mesmo dia, circulava em Aracaju a notícia desoladora do assassinato de Olímpio Campos, chefe da situação dominante em Sergipe. Suscitou a mais viva emoção na população, já combalida pelos trágicos sucessos de agosto de 1906. Olímpio Campos, monsenhor, nasceu em 1853, em Itabaianinha. Era conservador, mas votou a favor da Lei Áurea. Aceitou a república, e aos que se lhe queriam opor, aconselhou, com moderação, pronta adesão à obra política de Benjamin e Deodoro. Muito cedo, na tradição do padre Pitangueira, do vigário Caetano, entrara na política. Foi deputado provincial, no império, deputado federal, na república. Em 1899, assume o governo de Sergipe, depois do qual, em 1902, foi eleito senador.

Presidente
 Rodrigues Alves
Não apenas pela proeminência do morto, como pela lembrança ainda viva dos trágicos sucessos de agosto, a notícia abalou a opinião pública, em Sergipe. Não só em Sergipe, também no Brasil. Humberto e Armando, filhos de Fausto Cardoso, logo foram presos. Na mesma ocasião, confessaram o crime, declarando que Délio havia sido apenas testemunha do assassinato de Olímpio. Estava caracterizado o espírito de vindita, que, segundo versões, teria sido estimulado pela família. “Basta de sangue”, dizia, em editorial, descrevendo os lutuosos acontecimentos, a Gazeta do Povo, da Bahia. Nos mesmos termos, na mesma linguagem de lamentações, se manifestavam os jornais do país. E Rodrigues Alves, presidente da república, lamentava que “mais esta desgraça se dê em meu governo”. Coelho e Campos, no senado, Oliveira Valadão, na câmara, lamentaram a morte de Olímpio Campos.

Guilherme Campos
 Presidente de Sergipe
Declarava Coelho e Campos que “a fatalidade parece haver aberto as asas sobre Sergipe”. Dizia Oliveira Valadão que nada justificava o “tresloucado assassinato”. Guilherme Campos, presidente de Sergipe, determinou fosse embalsamado o corpo do irmão, e enviado para Aracaju. No dia 20 de novembro, atracara o “Esperança” no porto da capital sergipana, e o cadáver de Olímpio, nele conduzido, foi levado para a igreja matriz. Autoridades, funcionários, estudantes, o povo em geral, participaram das dolorosas solenidades. Enquanto isso, fazendo maior a dor dos sergipanos, a filarmônica “Santa Cecília” acompanhava o corpo de Olímpio, executando marchas fúnebres de Beethoven. Foi um desfecho medonho, trágico, irreparável, o do assassinato de Olímpio Campos. Esse trágico sucesso, antecedido pela morte de Fausto Cardoso, e juntamente com ela, iam enlutando em negros registros os capítulos da história política de Sergipe.

(*) Do Livro “Cenas da Vida Sergipana, 2 – Acrísio Torres – SERGIPE/CRIMES POLÍTICOS, I”, Thesaurus Editora, prefácio de Orlando Dantas, páginas 15/17.

- Nova postagem sobre Os Crimes que abalaram Sergipe em 14 de setembro de 2010. Vai abordar as versões dos dois crimes, o de Fausto Cardoso e o de Olímpio Campos, de acordo com o autor e obra acima registrada.

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Operação Valquíria

Artigo Pessoal

Operação Valquíria
CLÓVIS BARBOSA*

Valquírias Nórdicas
Deuses Vikings
Nunca jamais maquine contra o príncipe. A não ser que você tenha o aval de um deus. Entre os escandinavos, por exemplo, as valquírias (deusas-menores) desempenhavam a importante missão de estabelecer o destino dos príncipes humanos. Tal papel achava especial destaque durante as guerras. Nelas, as valquírias praticamente ditavam o desfecho. Interessante é que, pelos costumes nórdicos, príncipes deviam lutar e deuses podiam morrer. Fala-se que os deuses vikings tinham uma dieta composta de maçãs sagradas, porquanto precisassem viver até a batalha final, denominada Ragnarok. Daí, a exigência de permanente cautela, pois decidir errado seria um convite à morte. Por isso, as valquírias não agiam sem o consentimento de Odin, o deus-pai. Elas não apontavam a queda de um príncipe, salvo se isso fosse desejado pela divindade. Ainda assim, o espírito do nobre era guiado a um recinto celeste (walhala).

Deus Odin
Claus von Stauffenberg
Há um detalhe. Tão-somente os espíritos dos mais intimoratos guerreiros, mortos em batalha, tinham o direito de entrar no Walhala, a fim de serem recebidos pomposamente por Odin. Essa tradição de honrar os intrépidos, ainda que derrotados, foi bem assimilada pela cultura germânica. Parece, porém, que a veneração post mortem requisitava o endosso divino. Um exemplo histórico: o coronel alemão Claus Stauffenberg foi o mentor da “operação valquíria”, consistente num plano para matar Hitler. Para tanto, Stauffenberg contava com a anuência de Erwin Rommel, “a raposa do deserto”, um deus guerreiro entre os alemães. A eliminação do führer estava agendada para 20 de julho de 1944. Tudo ocorreria numa convenção, a realizar-se na toca do lobo, um dos quartéis-generais do ditador. Stauffenberg, pessoalmente, foi à toca do lobo, onde, sub-repticiamente, deixou uma mala, dentro da qual havia explosivos.

Adolph Hitler
Erwin Rommel
Estaria selado o destino de Hitler. Metaforicamente, as valquírias o teriam marcado para morrer, consagrando o final da 2ª. Guerra. Pois bem, também metaforicamente restava saber se esse era o projeto de Odin. Não foi. A bomba que Stauffenberg quis deixar no colo de Hitler feriu gravemente cerca de dez pessoas e matou algo em torno de cinco. No führer, todavia, ela apenas causou imperceptíveis escoriações. Identificados os autores do atentado, todos foram fuzilados, com exceção de Rommel (um deus, como dito acima), a quem foi outorgado o direito de praticar suicídio. Contudo, e malgrado a medonha conspiração, fez-se valer a práxis nórdica. Os cortejos fúnebres, tanto de Stauffenberg quanto de Rommel, ostentaram distinções que só são estendidas a chefes de estado. Embora facínora, Hitler, na linguagem maquiavélica, sabia proceder como um príncipe, possuindo os atributos de um: virtù e fortuna.

Churchill
Maquiavel
Virtù, em Maquiavel, não é bondade e justiça. Virtù é a aptidão para melhor visualizar o tabuleiro político, o que permite ao príncipe jogar energicamente para conseguir e sustentar o poder. Fortuna (ou acaso) traduz-se pela oportunidade de pôr em prática a virtù. No caso da “operação valquíria”, uma inegável conspiração contra o príncipe, Hitler pôde contar com a fortuna. E não deixou de aplicar a virtù. Com vigor, eliminou todos os que quiseram pôr uma bomba no seu colo. No capítulo XV de “o príncipe”, Maquiavel ensina que “para se manter príncipe é necessário aprender a ser mau, valendo-se disso quando necessário”. Isto não é uma defesa do nacional-socialismo. É uma defesa do príncipe. Churchill dizia que “quando se tem de matar um homem, não custa nada ser educado”. Não vejo educação alguma em planejar jogar uma bomba no colo do príncipe, até porque o colo do príncipe é um colo sacrossanto.

* Publicado no Jornal da Cidade, edição de domingo e segunda-feira, 16 e 17 de novembro de 2008, Caderno B, pág. 6.


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