Aracaju/Se,

quarta-feira, 23 de julho de 2014

Niemeyer: o iluminado

Artigo Pessoal
Niemeyer: O iluminado
Clóvis Barbosa
 
Lembro-me de uma frase que li em algum lugar e que dizia mais ou menos o seguinte: Existem homens que passam pela vida. Existem outros que apenas vivem a vida. No entanto, existem aqueles que escrevem histórias e deixa-nos como herança um mundo melhor para desfrutarmos. Vejamos o exemplo de Fernando Pessoa, o mais estudado poeta da língua portuguesa. Em vida, apenas trouxe a lume uma obra, Mensagem, cujo primeiro poema, D. Fernando, Infante de Portugal, data de 1913 e o último no ano do lançamento, em 1934. Pois bem, naquele ano, o Governo português, através do Secretariado de Propaganda Nacional, abriu um concurso literário com o título “Prêmio Antero de Quental”, a ser conferido ao melhor livro de poesia de tema nacionalista.  Vivíamos, à época, o início do Estado Novo em Portugal, uma das mais violentas ditaduras da Europa e que perdurou até 1974, quando foi derrubada pela  chamada “Revolução dos Cravos”. Pessoa inscreveu Mensagem no concurso, já que o livro preenchia o requisito do tema a ser explorado, o nacionalismo,  tão ao gosto dos regimes autoritários. Pasmem, o prêmio foi para uma obra denominada Romaria, escrita por Vasco Reis, pseudônimo do padre Armando Reis Ventura, um escritor medíocre e de segunda categoria. O júri, após a escolha, tentando consolar Pessoa, criou um prêmio não previsto para a sua obra, mas ele nunca foi receber. O mundo, hoje, ovaciona Fernando Pessoa que, ao lado de Camões, autor de Os Lusíadas, orgulha o povo português. E Vasco Reis, apenas viveu a vida na anonimidade.
 
Poderíamos falar aqui de muita gente que deixou um legado extraordinário para a humanidade. Mas nos interessa, aqui e agora, falar de um iluminado brasileiro, falecido recentemente aos 104 anos: Oscar Niemeyer, biscoito fino da arquitetura mundial. Ele assombrou o planeta em mais de setenta anos do século XX e doze anos do XXI com a exuberância e originalidade das suas obras, onde se destacam o Conjunto Arquitetônico da Pampulha e o Edifício Niemeyer, em Belo Horizonte, a Sede da ONU, em Nova York, o Saguão do Pavilhão da Bienal e o Memorial da América Latina, em São Paulo, o Centro Cultural Le Volcan, em La Havre, na França, o Museu de Arte Contemporânea, em Niterói, Rio de Janeiro, o Museu que leva o seu nome, em Curitiba e tantas e tantas obras em Brasília, como a Catedral Metropolitana, o Congresso Nacional e a Torre Digital, seu último projeto no Distrito Federal, cujas cúpulas e mirante, têm o formato da flor típica da região. A obra de Niemeyer causa, à primeira vista, um impacto enorme, tendo, a sua arte, influenciado arquitetos mundialmente famosos, como o português Álvaro Siza, vencedor do prêmio Pritzker em 1992, tido como o Nobel da arquitetura, Kenneth Frampton, professor da Columbia University, Zaha Hadid, uma arquiteta anglo-iraquiana e o inglês Richard Rogers. Unânimes em reconhecer Niemeyer como um extraordinário artista e poeta do concreto, ao lado de outros dois grandes nomes da arquitetura, Frank Lloyd Wright e Le Corbusier.
 
Fomos seu seguidor no twitter e nos divertia muito com as suas postagens, sempre ricas em alegria e humor. Sobre os 105 anos de Dona Canô, mãe de Caetano e Bethânia: - na boa, fazer 105 anos na Bahia. Naquela tranquilidade é mole. Se eu morasse lá eu batia os 250 fácil. Gozando com Havelange, ex-presidente da FIFA: - Hoje já saí para dar um corridão na praia, dei um mergulho e voltei. Mas o Havelange afinou. Bundão. Sobre o Hospital Samaritano, onde esteve internado antes de morrer: - Acabei de perceber tudo: o Samaritano é um hospital de DIREITA e CAPITALISTA! Esse pessoal adora ver um comunista preso! - vem, vamos embora, que esperar no Samaritano não é saber! - hoje à noite tem carteado com os enfermeiros de novo. Ganhei duzentinho e um maço de cigarros ontem; - nem @fidelcastro, nem @chavezcandanga vieram me visitar. Esses novos comunistas não têm coração; - eu descobri nessa internação que ninguém é eterno. Quer dizer: nenhum de VOCÊS, claro; - sei lá qual o segredo da longevidade, parem de perguntar. Aproveitando, hoje quero mandar um beijo para minha mãe que me segue no twitter. Sobre a morte do ator e diretor da Globo, Marcos Paulo: - Chocado com a morte de Marcos Paulo. Essa molecada da área artística se acaba rápido demais.  Logo após a morte do historiador marxista Eric Hobsbawn: - Ei, Fidel, o Eric Hobsbawn ta precisando de um amigo comunista pra conversar. VAI VOCÊ NA FRENTE! Kkkk. Não sabemos se era fake, mas se era, conhecia bem o senso de humor do grande Niemeyer.
 
Nas várias entrevistas que tivemos oportunidade de ler, deu para conhecer um pouco a sua história e sua personalidade. A sua relação com Brasília começou muito antes, ainda no tempo em que Juscelino era prefeito de Belo Horizonte. Foi quando ele projetou o Conjunto arquitetônico da Pampulha; trabalhou, também, quando ele foi governador de Minas Gerais. Mais tarde, já presidente da República, Juscelino o convidou para fazer a capital do País, uma cidade moderna que representasse a grandeza do Brasil. Foi um tenaz crítico dos descuidos dos governantes em relação à preservação de Brasília. Sobre política, considerava-se comunista, pois ele pode tornar a vida melhor, mais justa, todos iguais. Defendia a união da América Latina, admirava Hugo Chaves e era amigo de Fidel Castro, como foi do líder Luiz Carlos Prestes.
 
Platão dizia que existem apenas três temas que valem a pena neste mundo: justiça, beleza e verdade. Por beleza, o filósofo ateniense entendia como a tradução de uma harmonia que agrada e sensibiliza. Freud reverencia a beleza, ao lado da limpeza e da ordem, como elemento capaz de valorizar o bem estar da civilização. Niemeyer foi um virtuoso amante da beleza, tão bem traduzida nas suas obras. Nele, como diria Rui, a morte não extingue: transforma; não aniquila: renova; não divorcia: aproxima. Foi um combatente do bom combate, um guerreiro da boa guerra. Obrigado, Niemeyer!

Post Scriptum
Para gáudio de todos nós, sergipanos, o bispo auxiliar da Arquidiocese de São Salvador da Bahia (os espanhóis chamam de “Salvador de Bahia”), dom Gregório Paixão, foi nomeado pelo Papa Bento XVI Bispo da Diocese de Petrópolis, Rio de Janeiro. A sua posse foi no último domingo, dia 16. Conheci Dom Gregório, um sergipano de Aracaju, formado em Direito pela Universidade Tiradentes, na missa do fogaréu, realizada em todo sábado de aleluia no Mosteiro de São Bento, em Salvador. Há cinco anos que a assisto regularmente e religiosamente. Agora, no fim do ano, vou fazer questão de abraçá-lo e registrar o meu orgulho e minha satisfação. Como bem disse Dom Murilo S. R. Krieger, Arcebispo de São Salvador e Primaz do Brasil, quem conviveu com dom Gregório percebeu que ele se sente feliz por servir a Jesus Cristo e à sua Igreja. Suas histórias, suas risadas e sua veia humorística são expressões da alegria de sua fé.


1.    Publicado no Jornal da Cidade, Aracaju-SE, edição de domingo e segunda-feira, 23 e 24 de dezembro de 2012, Caderno A, página 7.

terça-feira, 15 de julho de 2014

Mulheres da Antiguidade - ELISSA

Isto é história
Mulheres Audaciosas da Antiguidade
ELISSA

Vicki León
 
Considerados os caixeiros-viajantes do mundo antigo, os fenícios realmente iam para todos os lugares – isto é, de navio. As garotas fenícias também viajavam um bocado. Depois de ver a má acolhida que os críticos deram à sua titia Jezabel e seu destino ainda pior, Elissa, sua sobrinha-neta, decidiu manipular as pessoas e ver o mundo por meio da diplomacia em vez da provocação.
 
Logo ela teve essa chance. Elissa e seu irmão Pigmaleão (não, não é aquele do musical My Fair Lady) deveriam dividir o poder quando o seu pai, o rei de Tiro, morresse. Em vez disso, seu irmão deu-lhe uma chave de braço. Elissa pensou que Acerbas, seu rico marido sacerdote, a ajudaria, mas ele estava ocupado com empréstimos duvidosos. Isso deixou Pigui furioso, que por sua vez liquidou com Acerbas e apoiou-se na irmã para botar as mãos no seu capital.
 
Elissa – que neste meio tempo havia silenciosamente organizado uma esquadra de navios com alguns de seus partidários – carregou suas reservas de ouro no porão de um dos navios, e depois alinhou sacos cheios de areia no convés de todos os navios. Atravessando a baía com os navios para encontrar com seu irmão, ela fingiu estar tendo um acesso de choro pela morte de seu marido, gritando: “Este dinheiro está manchado com seu sangue – leve-o de volta!” Quando seus criados prestativamente jogaram o “ouro” ao mar, a tripulação horrorizada soube que estava frita com relação a Pigmaleão. Elissa sugeriu que tomassem um novo destino – a ilha de Chipre – e lá se foram eles, sua esquadra, a tripulação e sua comitiva de nobres – que estavam todos apavorados. Sempre pensando à frente, Elissa fez umas pequenas compras em Chipre, arrebanhando um sumo sacerdote e oito virgens para servir à deusa Astarte e ao novo templo que ela planejava construir.
 
Mas onde? Ela ordenou que os navios navegassem para o sul rumo à costa norte da África, que naqueles tempos era uma costa mais chuvosa e rica, e escassamente habitada por tribos locais. Num promontório de aparência agradável, Elissa viu um recanto que achou que poderia usar para alguma coisa e desembarcou para negociar com os habitantes locais. Achando que tinham encontrado uma otária, os locais riram em desdém: “Claro, nós lhe venderemos umas terras – mas apenas o que um couro de boi cobrir”. Esse nível de negociação era brinquedo de criança para essa vendedora fenícia espertalhona, que pegou uma pele de boi seca, cortou-a em tirinhas minúsculas, e as estirou num enorme círculo que circundou o monte que ela havia visto no navio. E voilá – o início da nova Cartago em torno de 814, a.C.
 
Naturalmente foram necessários anos de trabalho duro para que Elissa e seus descendentes transformassem a terra agreste numa Fenícia Ocidental, mas valeu a pena. Cartago cresceu, tornando-se uma potência mundial. No seu auge, ela dominou o Mediterrâneo, especialmente seu lado ocidental. Somente quando Roma iniciou sua escalada para o poder é que Cartago perdeu seu domínio.
 
Elissa, às vezes chamada de Dido por poetas que apareceram mais tarde, de Homero a Virgílio, é mais conhecida pelos melodramas poéticos sobre sua vida, cujos detalhes são tão precisos quanto os documentários biográficos padrão de tevê.

A autora
Vicki León 


- A próxima postagem de Mulheres Audaciosas da Antiguidade vai falar de “ARTEMÍSIA I”, rainha de Caria, mulher guerreira que viveu na Pérsia durante a guerra em 480 a.C entre os gregos e os persas.

– Do livro “Mulheres Audaciosas da Antiguidade”, título original, “Uppity Women of Ancient Times”, de Vicki León, tradução de Miriam Groeger, Record: Rosa dos Tempos, 1997.

- Todas As imagens foram extraídas do Google.


sábado, 5 de julho de 2014

O Lorde Feudal do Castelo de Papelão

Artigo pessoal

O lorde feudal do castelo de papelão
Clóvis Barbosa
 
O grande poeta português Fernando Pessoa dizia que é preciso certa coragem intelectual para um indivíduo reconhecer que não passa de um farrapo humano, aborto sobrevivente e louco ainda fora das fronteiras da internabilidade. Num poema que já foi objeto de uma crônica de minha autoria, aqui no JC, poema em linha reta, escrito pelo seu heterônimo Álvaro de Campos, tido por ele como “o mais histericamente histérico de mim”, Pessoa diz: “Nunca conheci quem tivesse levado porrada. Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo. (...) Toda gente que eu conheço e que fala comigo nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu um enxovalho, nunca foi senão príncipe – todos eles príncipes – na vida... Quem me dera ouvir de alguém a voz humana que confessasse não um pecado, mas uma infâmia; que contasse, não uma violência, mas uma covardia! Não, são todos o Ideal, se os ouço e me falam. Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil? (...) Poderão as mulheres não os terem amado, podem ter sido traídos – mas ridículos nunca!”. Pois bem, o mundo está cheio desses semideuses que pululam nos galhos da insensatez, da vaidade, do descalabro ético, da hipocrisia, da indolência e preguiça. Tudo irmã gêmea da arrogância, característica principal dessa estirpe de gente, que está em todo lugar, em toda atividade humana, que se vangloria da desonra de haver ludibriado alguém e de receber honrarias pelos malefícios praticados.
 
Só e somente ele é quem é honrado e acredita ser o melhor de todos. Diferentemente dos sábios, recebem como afronta uma crítica à um equívoco ou a uma estupidez cometida. Quase sempre são egocêntricos, desonestos e indignos de confiança. Cuidado! Uma pessoa assim está sempre próxima de nós, no dia a dia, na política, nas artes, no emprego, nos órgãos de comunicação e em todo lugar. A fama e o poder são os melhores ambientes de surgimento desse tipo de anômalo. Encantador, ele causa sempre uma boa impressão. Ele é um Psicopata! Firme-se, entretanto, que me refiro a psicopata não como o doente mental, ou seja, não me dirijo aos portadores de distúrbio que afeta o elemento psíquico “percepção” do mundo real. A deficiência mental é a enfermidade que alcança o psiquismo no âmbito da “inteligência”. Como exemplo, a tríade oligofrênica: debilidade, imbecilidade e idiotia. A Psicopatia que faço alusão não é a doença, nem a deficiência. É a condição, inata e irreversível de comportamento sabido e consciente do indivíduo, é o termo no significado popular da expressão, atribuída sempre a quem, sem ser doente mental, tem comportamento antissocial.
 
Essa turba que povoa o nosso espaço aumenta cada dia. Quer ver o diabo faça um teste com alguém que assume o poder. Transforma-se, de imediato. Passa a ser um PhD naquela atividade. Não interessam as forças, as circunstâncias, os erros do adversário, a forma como ele chegou ao píncaro, nada! Ele chegou à glória por força da sua “inteligência”, da sua capacidade de aglutinar e por ser o melhor entre todos. Não ouse aconselhá-lo ou tentar estabelecer um diálogo num momento de crise. A resposta é imediata: - eu sou pós-doutor, não preciso de interferência de ninguém; eu sei como resolver, pois, se não soubesse, não era eu que estava no poder, mas você. É sempre assim. O poder, para esse psicopata é eterno. Nunca acaba. Não se mira nos exemplos da literatura, da história, da Bíblia e da universidade da rua. Sempre olha a plebe de cima para baixo, como ser inexistente. Pobre de espírito, não sabe o que perde quando deixa de lado a experiência que se encerra num homem do povo. Alexandre, o Grande, subjugou o mundo com as suas vitórias em diversas batalhas. Morreu feio, envenenado por um criado; Xerxes. Filho de Dario I, rei da Pérsia, conquistou o Egito e tentou fazer o mesmo com a Grécia, pois se achava o dono do mundo. Sofreu uma fragorosa derrota, fugindo para a Ásia, onde morreu assassinado por um seu cortesão. O mesmo aconteceu com o poderoso imperador romano Júlio César que em pouco tempo morreu apunhalado.
 
O exemplo mais recente é o de Muammar Gaddafi, também objeto de uma crônica aqui neste espaço.  O seu fim mostra que nenhum poder foi tão grande que não tivesse sucumbido de forma terrível, como foi o seu caso, testemunhado por milhões de pessoas. Todos foram e são esmagados pelo próprio veneno. O veneno da arrogância. Em Tiago, em 4,6 está dito que “Deus resiste aos soberbos, mas concede a graça aos humildes”, ou seja, o arrogante Deus humilha, mas o humilde Ele sempre exalta. Todos conhecem a história da escrava Agar. Está ali no Livro do Gênesis. Por não poder conceber, Sara, mulher de Abrão, propôs-lhe: “Já que o Senhor me fez estéril, une-te à minha escrava, para ver se, por meio dela, eu possa ter filhos”. Abrão acordou com a ideia, unindo-se a Agar que lhe deu um filho, só que, durante a gravidez, passou a esnobar a sua Senhora, pensando possuir um poder que na verdade não possuía, terminando sendo de forma obstativa expulsa da casa com o seu filho, tudo fruto de sua estupidez.
 
Mas na verdade, esse time de pessoas que se vestem com a roupa da vaidade e da arrogância, não passa de seres medíocres. Como bem diz José Ingenieros, barcos de amplas velas, mas desprovidos de timão, não sabem determinar seu próprio rumo: ignoram se irão varar uma praia arenosa ou arrebentar-se contra um penhasco. O problema é que eles se sentem felizes, repetindo, sempre, com toda pavonice, aquilo que o personagem vivido por Al Pacino, em O Advogado do Diabo, diz no final do filme: Vaidade: meu pecado favorito. Oxalá que não se acabem como no poema “Vaidade, Tudo Vaidade”, do poeta português Antônio Nobre: “... Vaidade! Um dia, foi-se-me a Fortuna e eu vi-me só no mar com minha escuna, e ninguém me valeu na tempestade”.

Publicado no Jornal da Cidade, Aracaju-SE, edição de domingo e segunda-feira, 9 e 10 de dezembro de 2012, Caderno B, página 9.
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