Aracaju/Se,

sexta-feira, 22 de dezembro de 2017

O Colecionador de Ossos

Opinião Pessoal


o cOLECIONADOR DE oSSOS

Clóvis Barbosa
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Quando ocorre um homicídio nos EUA, a primeira coisa que o policial tem que se lembrar é de uma palavra: ADAPTAR. A: apanhar ou prender um criminoso conhecido; D: deter testemunhas ou suspeitos relevantes; A: analisar a cena do crime; P: proteger o local do evento; etc. Segundo os especialistas, uma equipe multidisciplinar deve comparecer ao local da ocorrência do fato. Um coordenador, com funções de chefia da equipe, um responsável pela lofoscopia, um pela fotografia e esboço da cena, um para se encarregar do recolhimento, acondicionando e transportando os vestígios, um representante da promotoria e um perito médico-legal.Essa equipe se encarregará de tomar todas as providências que visem elucidar o mais breve possível a autoria do delito. E essa proteção do local da cena do crime tem um objetivo científico para os especialistas: ouvir o morto através das circunstâncias em que o seu corpo se encontra, já que o morto fala. Phillip Noyce, que dirigiu o filme “O colecionador de ossos” (com Denzel Washington e a bela Angelina Jolie), e Jeffery Deaver, autor do livro, nos mostra toda a parafernália que envolve a análise e investigação de um crime, principalmente o que é retratado no referido enredo literário-cinematográfico. Tratava-se, ali, de um criminoso impiedoso (recém-saído do sistema penitenciário), que matava suas vítimas com requintes de tortura e crueldade, mutilando-as e espalhando-as pelas ruas da cidade de Nova York, para vingar-se do perito cuja atuação o pôs atrás das grades.
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Vejam que dado chamativo. Dostoiévski escreveu, em 1861, “Recordações da Casa dos Mortos”, reconhecida como uma verdadeira obra-prima da literatura mundial. O seu personagem principal é Alieksandr Pietróvitch Gorjantchikov, um professor que vivia numa pequena cidade da Sibéria, dando aulas de reforço aos jovens. Antes, ele havia cumprido pena de prisão por ter assassinado a esposa um ano depois do casamento, movido por ciúmes, entregando-se após o crime, atitude que atenuou a sua pena. Dostoiévski apaixonou-se pela figura taciturna do professor e ex-presidiário. Tentou aproximar-se, sendo repelido. Ao retornar, meses depois, à Sibéria, tomou conhecimento da morte do velho rabugento. Ao visitar o alojamento em que ele viveu, foi presenteado pela proprietária do local com uma cesta cheia de papéis velhos pertencentes ao seu antigo inquilino. Foi nessa documentação que Dostoiévski descobriu a experiência vivida pelo seu personagem durante o período em que esteve preso numa penitenciária de segunda categoria: as instalações eram precárias, a alimentação deficiente, o frio insuportável, as relações difíceis entre pessoas de várias castas sociais e reinava a corrupção na guarda penitenciária. Enfim, uma verdadeira aula voltada para a psicologia criminal e para a máxima de que a prisão não cura, corrompe.
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Na verdade, uma experiência inesquecível para o personagem, ao ponto de dizer que “Não resta dúvida de que o tão gabado regime de penitenciária oferece resultados falsos, meramente aparentes. Esgota a capacidade humana, desfibra a alma, avilta, caleja e só oficiosamente faz do detento ‘remido’ um modelo de sistemas regeneradores”. Mas, na verdade, a figura do professor Alieksandr Pietróvitch Gorjantchikov é puramente ficcional. O próprio Dostoiévski, preso em abril de 1849, vivenciou aquela situação. Ele foi condenado à morte por fuzilamento em dezembro, acusado de envolvimento na conspiração do revolucionário Mikhael Petrachévski, que objetivava assassinar o Czar Nicolau I. Sempre negou a sua participação no evento, embora reconhecesse que era um opositor do regime totalitário e feudal czariano. Na época da execução da pena, já experimentando a sensação da morte que se aproximava, após todos os rituais que antecederam aquele momento, foi comunicado da substituição da pena anterior pela de prisão e trabalhos forçados na Sibéria. Dostoiévski, pois, foi o próprio protagonista daquela viagem ao inferno. E ele fala do dia-a-dia na prisão, numa autoanálise: “Mas o tempo flui e dei em me habituar gradativamente. À medida que os dias passavam, as realidades cotidianas iam me irritando menos. Os meus olhos, por assim dizer, iam-se habituando aos acontecimentos, ao ambiente e aos homens”.
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Recordações da Casa dos Mortos é uma obra penetrante. Na prisão, ele fala da esperança ao dizer: “Quando o sol brilhava, a gente pensava na liberdade muito mais intensamente do que nos dias cinzentos do outono e nas horas opacas do inverno”. Sobre o sofrimento, as atrocidades praticadas pelos servidores do presídio, as condições desumanas, o uso de grilhões de ferro, inclusive nos doentes moribundos, os castigos tortuosos, a vida animalesca, ele fala: “É atroz, dá a impressão de fogo aplicado demoradamente na pele. Assa as costas como uma grelha”. O livro é um libelo contra o fracassado sistema prisional no mundo. E esse fracasso permanece até hoje, século XXI. A prisão continua sem ressocializar o preso e se transforma, cada vez mais,em uma universidade do crime. Aqui em Dostoiévski, uma história contada com base na experiência vivida. Acolá, em “O colecionador de ossos”, a ficção, onde um assassino em série brinca com a polícia num jogo de gato e rato, dando pistas do próximo crime a ser praticado e da possibilidade de evitá-lo. Mas o importante em o colecionador, no livro, é a aula de investigação criminal que se dá, com todas as suas engrenagens científicas, como, por exemplo, o Princípio da Troca de Locard, que sustenta que há sempre uma troca de prova material entre o criminoso e a cena do crime ou a vítima, por mais minúscula ou difícil de detectar que possa ser essa prova. Em suma: enquanto os presos são amarrados ao silêncio, os mortos gritam, embora poucos consigam ouvi-los. Nesse sentido é que o sistema perdeu os sentidos. Nem quebra o silêncio do cárcere e, tampouco, é capaz de escutar o sussurro dos mortos. Por isso, mais presos tornam-se doutores em silenciar a eficácia da polícia (quando saem da cadeia, com mestrado e doutorado na arte do terror) e mais mortos gritam à toa. A polícia não sabe interpretar-lhes as vozes afônicas. A polícia também está tornando-se uma surda colecionadora de ossos que não soube se ADAPTAR à visão humanista do combate ao crime.

Post Scriptum
Um sergipano no STM
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Hoje, Sergipe só tem um representante nos tribunais superiores. Ele é Augusto César Leite de Carvalho, Ministro do Tribunal Superior do Trabalho (TST), um dos mais brilhantes magistrados da safra da justiça trabalhista sergipana. Sergipano de Aracaju, Augusto César formou-se em Direito pela Universidade Federal de Sergipe. Agora, o nosso Estado poderá ter mais um representante, o almirante de esquadra da Marinha Brasileira, Carlos Augusto de Souza, que poderá ser Ministro do Superior Tribunal Militar (STM). Ele já foi aprovado,à unanimidade, no último dia 19, pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado, faltando, apenas, o plenário daquela Casa referendar o ato. Carlos Augusto de Souza nasceu em Estância, Sergipe, é casado e tem uma filha. Ele tem mestrado e doutorado em Ciências Náuticas pela Escola de Guerra Naval. Com a sua indicação aprovada, ele substituirá o também almirante de esquadra Marcos Martins Torres, falecido recentemente.

- Publicado no Jornal da Cidade, Aracaju-SE, edição de domingo e segunda-feira, 22 e 23 de novembro de 2014, Caderno A-7.

quinta-feira, 9 de novembro de 2017

Mulheres da Antiguidade - SULPÍCIA

Isto é história

Mulheres Audaciosas da Antiguidade
SULPÍCIA
Vicki León
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Prolixos como eram, os romanos não tinham grande entusiasmo por poesia. Mesmo que tivessem tido, seus poetas não teriam sido pagos. Ao contrário da Grécia, onde os poetas aceitavam pagamento abertamente, os romanos estremeciam em relação a trabalho pago de qualquer espécie – até mesmo algo tão refinado como compor versos. Os versejadores italianos viviam de sua própria riqueza – ou de suas famílias. É claro que, nos tempos de Sulpícia, não existia uma pressão para publicar, produzir e ser contribuinte financeiro da sociedade, como acontece hoje em dia.
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Todavia, para uma pessoa criativa como Sulpícia, que viveu em torno de 15 a.C., era crucial ter um mecenas. Os benefícios do relacionamento mecenas/poeta fluíam em ambas as direções: para o mecenas, um toque de imortalidade por meio do trabalho do artista; para o artista, uma variedade de contatos, honras, comissões e presentes não-monetários (propriedades, privilégios – qualquer coisa que não fosse o dinheiro imundo) por meio da promoção e do prestígio do mecenas.
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Marcos Messala, o mecenas de Sulpícia, ele mesmo orador e historiador, sustentava todo um estábulo de poetas, incluindo Tibulo, Ligdamo e Ovídio, o autor do malicioso e notório livro A arte de amar. Messala era provavelmente tio de Sulpícia e talvez também fosse seu guardião. Se isso é um fato, ela estava destinada a dar muitos cabelos brancos ao seu tio; pelo que parece, com vinte anos, de classe alta, solteira e morando na casa dele, ela conseguiu levar em frente um ardente caso amoroso, sobre o qual escreveu poesias mais tarde.
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A não ser por ter dado um pseudônimo ao seu amante, Sulpícia não escondeu muita coisa. Com uma mente maliciosa e individual, ela é praticamente a única voz literária feminina que possuímos em primeira mão da Roma antiga. Esta afirmação em si é desanimadora.
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Até hoje, apenas seis pequenos poemas foram revelados; contudo, ela concentra tanto poder de fogo e verdade em suas poucas linhas quanto os mestres haiku do Japão. Vulnerável, exultante, atrevida, amarga, íntima e honesta, ela escreveu sobre seu caso com “Cerinto” desde o primeiro beijo até a perda de sua virgindade, do estágio enlevado de um novo amor, em que se tem o desejo de gritar do alto dos telhados à descoberta dolorosa da existência de outra mulher. Sem dúvida, todas as mulheres romanas faziam e sentiam as mesmas coisas, mas só Sulpícia nos deixou linhas excitantes e atormentadas como essas:

Você tem algum sentimento de preocupação zelosa, Cerinto, pela sua garota, agora que uma febre destrói meus membros cansados?
Eu não iria querer triunfar sobre tristes doenças a não ser que pensasse que você também assim o desejava.
Pois que bem me fará triunfar sobre a doença se você puder testemunhar meus infortúnios com um coração insensível? 

A Autora
Vicki León
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- A próxima postagem de Mulheres Audaciosas da Antiguidade vai falar de “MESSALINA”, que viveu em torno do ano 48 d.C. no império romano, e se dedicou a acumular amantes durante a sua vida. Ela tinha uma mania desagradável de encomendar a morte de seus ex-amantes e rivais.  
– Do livro “Mulheres Audaciosas da Antiguidade”, título original, “Uppity Women of Ancient Times”, de Vicki León, tradução de Miriam Groeger, Record: Rosa dos Tempos, 1997.
- Todas As imagens foram extraídas do Google.

domingo, 29 de outubro de 2017

Ensaio sobre a hipocrisia


Opinião Pessoal
Ensaio sobre a hipocrisia
Clóvis Barbosa
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Facebook, uma data atrás. O cidadão posta uma foto com os ex-presidentes da República, Lula, Collor e Sarney. Abaixo das fotos, a frase: “Três ladrões deste país”. Entra um interlocutor na página e afirma: “Está faltando um ladrão aí”. “- quem?”, pergunta o dono do perfil que postou as fotos. “– Você, que é professor da universidade, dedicação exclusiva, e só dá uma aula por semana”, respondeu o visitante. Pronto, a partir daí a baixaria tomou conta do diálogo, patrocinada pelo professor, que não se conformava em ser desmascarado publicamente. Quem acompanhou as eleições pela mídia e pelas redes sociais teve a oportunidade de observar disparates jamais vistos na história do debate eleitoral, onde o ódio foi disseminado, a mentira institucionalizada e a cultura do medo consagrada. O pior de tudo é que um cancro se espalha em todas as classes sociais, onde a corrupção, a peta, o logro, a molecagem, se tornam cada vez mais a regra, enquanto a decência se transforma na exceção. Uma fauna obscurantista toma conta dos espaços, manipulando informações sempre em benefício dos seus privilégios. Corrupção é coisa dos outros, nós somos anjos. Eu estou tendo cada vez mais uma visão pessimista sobre a natureza humana. E começo a acreditar que está muito difícil restaurar a moralidade. Esta semana me deparei com um processo no Tribunal de Contas de Sergipe que me deixou estarrecido pela forma como o dinheiro do erário se evapora em certos setores do serviço público. Havia determinado, no início do ano, na qualidade de Conselheiro daquela Corte, que fosse feita uma inspeção nas instituições gestoras da saúde do Estado e do município de Aracaju, tanto na área de pessoal, como nos contratos. Recebi o primeiro resultado, que teve como ambiente auditado a Fundação Hospitalar de Saúde, que abrange a administração do Hospital de Urgência de Sergipe, o HUSE, também conhecido como Hospital João Alves Filho, a Maternidade Nossa Senhora de Lourdes, o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU 192), os hospitais regionais de Nossa Senhora da Glória, Estância, Propriá, Lagarto, Nossa Senhora do Socorro, os hospitais locais de Tobias Barreto e Neópolis, além da Unidade de Pronto Atendimento de Boquim (UPA).
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A Fundação Hospitalar de Saúde (FHS), vinculada à Secretaria de Estado da Saúde (SES), tem como finalidade exclusiva, no âmbito do Sistema Único de Saúde – SUS, prestar serviços de saúde em todos os níveis de assistência hospitalar, tudo em consonância com a Lei Estadual nº 6.347, de 2008. Vale aqui compreender o papel do SUS. O Sistema Único de Saúde (SUS) é um dos maiores sistemas públicos de saúde do mundo. Ele abrange desde o simples atendimento ambulatorial até o transplante de órgãos, garantindo acesso integral, universal e gratuito para toda a população do país. Amparado por um conceito ampliado de saúde, o SUS foi criado, em 1988 pela Constituição Federal Brasileira, para ser o sistema de saúde dos mais de 180 milhões de brasileiros. Antes do SUS, a assistência à saúde cobria 40% da população brasileira por meio do setor privado e do fundo contributivo da previdência social (INAMPS) assegurado, tão somente, aos empregados formais. O restante da população (60%) dependia da filantropia. O SUS vem sendo implantado como um processo social em permanente construção. Para oferecer a cobertura universal da assistência à saúde, depara-se com o desafio do seu financiamento. O mais comum é a insuficiência dos recursos financeiros para se construir um sistema público universal. É verdade que se gasta pouco em saúde frente à demanda. Todavia, também, se gasta mal. O acerto da escolha em tratar, inicialmente, das despesas de pessoal fica patenteado no seguinte quadro: No ano de 2013, a folha de pagamento da FHS foi de R$ 463 milhões de reais, entre a folha propriamente dita, e os serviços de terceiros pessoa física e jurídica. A despesa total com pessoal representa 83,15% da receita da fundação advinda da transferência do Fundo Estadual de Saúde. Em 2013, o Fundo Estadual repassou o montante de R$ 557 milhões de reais para a FHS, que é integrante da Administração Pública Indireta do Poder Executivo do Estado de Sergipe, dotada de personalidade jurídica de direito privado, sem fins lucrativos, de interesse coletivo e utilidade pública, com autonomia gerencial, patrimonial, orçamentária e financeira, quadro de pessoal próprio e prazo de duração indeterminado.
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A primeira irregularidade encontrada foi a ocupação de cargos públicos sem a sua respectiva criação, ou seja, quantitativo de pessoal superior ao aprovado. Do que foi apurado pela equipe técnica, o Edital nº 1 – SEAD/SES/SE – FHS, de 10 de outubro de 2008, era para o preenchimento de 2.765 vagas, conforme deliberação do Conselho Curador da Fundação Hospitalar. Sem que tivesse sido apresentada nova deliberação do Conselho Curador, para equacionar a necessidade do serviço, foram preenchidas 4.275 vagas. Significa dizer, portanto, que, em tese, há 1.510 provimentos irregulares em cargos públicos. A segunda irregularidade constatada foi a acumulação ilegal de cargos públicos. A Constituição Federal estabelece que é vedada a acumulação remunerada de cargos públicos, exceto, quando houver compatibilidade de horários.  A nossa Carta Magna só admite a acumulação de um cargo de professor com outro técnico ou científico, ou a de dois cargos ou empregos privativos de profissionais de saúde, com profissões regulamentadas. E arremata que a proibição de acumular estende-se a empregos e funções e abrange autarquias, fundações, empresas públicas, sociedades de economia mista, suas subsidiárias, e sociedades controladas, direta ou indiretamente, pelo poder público. A partir do cruzamento das informações constantes entre a folha de pagamento da FHS com o Cadastro Nacional de Estabelecimento de Saúde (CNES) e os dados do SISAP/Auditor/TCE, foram identificados 1.340 servidores em potencial descumprimento do mandamento constitucional. A terceira irregularidade encontrada foi a de servidores da FHS (efetivos ou contratados por tempo determinado) prestando serviços para a própria Fundação Hospitalar de Saúde através das Pessoas Jurídicas, como SAMED, COOPERCADIO e COOPANEST. Verificou-se, neste caso, uma evidente violação ao princípio constitucional da moralidade administrativa, pois o pressuposto lógico da contratação de pessoa jurídica é a ausência ou deficiência de profissionais no quadro pessoal de FHS. Ora, se a Fundação pode contratar jornada de trabalho entre doze e trinta e seis horas semanais, é juridicamente imoral remunerar um servidor próprio por meio de empresa interposta.
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A quarta irregularidade apontada consistiu no pagamento excessivo de horas extraordinárias em manifesta violação ao princípio da eficiência administrativa. A flexibilização na contratação de jornada de trabalho permite o adequado dimensionamento do serviço com o quadro de pessoal, sobretudo com a contratação por tempo determinado. Na contramão da eficiência administrativa, há trinta e um servidores com duplo vínculo na FHS e recebendo horas extraordinárias em ambos. A quinta irregularidade foi a identificação de remuneração acima do teto constitucional. A Constituição dispõe que, para o caso em tela, a remuneração e o subsídio dos ocupantes de cargos, funções e empregos públicos da administração direta, autárquica e fundacional, percebidos cumulativamente ou não, incluídas as vantagens pessoais ou de qualquer outra natureza, não poderão exceder o subsídio mensal, em espécie, do Governador, no âmbito do Poder Executivo. Por fim, a sexta e última irregularidade foi a ilegalidade do pagamento da gratificação “salário variável” para servidores cedidos da Fundação Hospitalar de Saúde, sem que esta gratificação tivesse sido incorporada ao vencimento dos servidores. Inserido no contexto de que cabe aos Tribunais de Contas a fiscalização da efetiva e regular aplicação dos recursos públicos em benefício da sociedade, e diante de tantas irregularidades, fui obrigado a tomar algumas medidas que foram aprovadas pelo Pleno da Corte à unanimidade. Lincoln dizia que se pode enganar a todos por algum tempo; se pode enganar alguns por todo o tempo; mas não se pode enganar a todos todo o tempo. Isso me faz lembrar a estória de Procusto. Diz a mitologia que um monstro chamado Procusto tinha um leito de ferro, onde deitava suas vítimas. Se a vítima fosse maior do que o leito, Procusto amputava o excesso, nos braços ou nas pernas; se menor, ele esticava-a até alcançar o tamanho do leito, levando-a à morte. Teseu executou Procusto, deitando-o transversalmente no próprio leito e decapitando as sobras. Eram muitas. Eis o impasse. Quem se acha dono do tamanho dos outros e do tamanho do povo acaba correndo o risco de perder braços e pernas. E, quem sabe, até a cabeça. 

Post Scriptum
Marcelo Déda
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Recebi de Alberto Magalhães, funcionário público estadual de Sergipe, o seguinte e-mail que compartilho com os leitores: “Há alguns dias estive no gabinete do conselheiro Clóvis Barbosa de Melo e pude avistar, a lhe fazer companhia, uma foto do então governador Marcelo Déda, que me impregnou de rara emoção. Na fotografia, feita em momento de descontração, em ambiente doméstico, ele estava vestido com uma camiseta comum, de cor clara, cabelos meio desalinhados e um sorriso feliz. A sua expressão era de alegria, vitalidade, paz... uma flor no auge do seu desabrochar. Essa exuberante imagem, se sobrepondo àquela que nos foi apresentada pela mídia, nos seus últimos dias, me trouxe ao pensamento, num segundo, muitas outras imagens de sua pessoa antes de seu padecimento. Ao ver a vida pujante e a beleza dos já descritos sentimentos expressos em sua face foi impossível não me comover intimamente e não encher os olhos de ternura e de um misto de alegria, tristeza e irresignação.  Esse momentâneo desencontro de sentimentos se deu em virtude da despedida precoce de alguém que ainda tinha mais para nos oferecer e para ser retribuído. Aquela imagem me remeteu ao Marcelo Déda cidadão consciente do seu chamado, do pai e esposo zelosos, do militante engajado, do amigo sincero, do apreciador do chopinho e da MPB. Daquele homem tão aparentemente comum, mas herói social, que acreditou na possibilidade de um mundo melhor para todos e que foi fazer a sua parte e contribuir para tal. Que, num embate final, venceu. Porque não passou nem passará para nós, o povo sergipano”.

- Publicado no Jornal da Cidade, Aracaju-SE, edição de domingo e segunda-feira, 26 e 27 de outubro de 2014, Caderno A-7.
- Postado no Blog Primeira Mão, Aracaju-SE, no domingo, 26 de outubro de 2014, às 14h11min, sítio:

  
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