Aracaju/Se,

segunda-feira, 29 de abril de 2013

Mulheres da antiguidade - Perpétua e Felicidade

Isto é história
Mulheres Audaciosas da antiguidade
PERPÉTUA e FELICIDADE
Vicki León
 
Para procurar emoções ou ser um masoquista autêntico, não havia nada melhor do que ser um cristão no início do cristianismo. Além dos prazeres do jejum, flagelação do corpo e perseguição política, era-se frequentemente submetido a punições bárbaras, inclusive às Olímpiadas do martírio, ad bestias – sendo jogado para os animais selvagens. Perpétua, Felicidade e um gigantesco número de outras mulheres cristãs morreram ad bestias. Perpétua manteve um diário enquanto estava na prisão, uma narrativa comovente – e às vezes revoltante – na tradição de Anne Frank.
 
Perpétua iniciou sua vida com boas cartas no baralho: uma cartaginesa bem nascida do Império Romano, bem-educada por pais amorosos – com efeito, uma yuppie dos seus tempos. Seu pai, um velho forte que acreditava nos deuses romanos e em seu imperador Sétimo Severo como um deus, tentou convencer sua filha a desistir de seu envolvimento com os cristãos, especialmente os da seita montanista, com suas crenças naquela coisa de igualdade para as mulheres. Ele fracassou. De fato, Perpétua, com 22 anos, transformou-se e converteu Felicidade, sua própria escrava africana.
 
Politicamente ativa, Perpétua também se tornou sexualmente ativa. Ela pode ter tido um marido – se assim foi, ele não estava à vista quando da batida do martelo. Ela definitivamente tinha um menininho, que estava com ela, Felicidade, e outros membros do seu grupo quando foram presos por fazer prosélitos, em razão de uma lei recente que proibia cristãos e judeus de promoverem sua fé.
 
Enquanto estava na prisão, seu pai outra vez tentou fazer com que Perpétua salvasse sua vida e a do seu filho com uma pequena retratação. Ela disse: “Papai, você está vendo este vaso no chão? – Claro que sim. – Você poderia chamá-lo de qualquer outro nome que não fosse o que ele é?” Quando ele respondeu que não, ela disse: “É a mesma coisa comigo. Eu não posso chamar a mim mesma de qualquer outra coisa que não seja o que eu sou – uma cristã”.
 
Depois de entrar em êxtase e ter visões dos julgamentos que estavam por vir, e ajudar sua escrava Felicidade a dar a luz uma criança em sua cela, Perpétua foi levada para a corte, onde ela reafirmou sua fé. Seu diário daquele dia diz: “Então Hilário proferiu a sentença para todos nós: estávamos todos condenados a sermos jogados às bestas, e retornamos para a prisão bem-humorados”. Seu diário termina com uma visão final e as palavras: “Quanto ao que aconteceu na competição em si, que escreva sobre isso quem assim desejar”.
 
Antes do amanhecer de 7 de março de 203 d.C., as duas mulheres e os outros mártires foram levados cantando para a arena, onde foram despidos e então jogados, sendo machucados por vacas selvagens e outras bestas. Antes que a espada de um gladiador finalmente pusesse fim às suas vidas, foi permitido que Perpétua e Felicidade dessem um beijo cristão de paz uma na outra. No mesmo dia, num lugar não muito distante de Cartago, o imperador romano que havia dado andamento ao seu martírio estava se divertindo numa festa, celebrando o décimo quarto aniversário de seu jovem filho.

(*) - A próxima postagem de Mulheres Audaciosas da Antiguidade vai falar de HIPÁCIA, uma devoradora de conhecimentos nas áreas da matemática, filosofia, ciência, poesia, artes e religião. Tendo estudado em Atenas na Academia Neoplatônica, tornou-se uma mulher influente nos círculos intelectuais e políticos. Ela foi assassinada em 415 d.C.

(**) – Do livro “Mulheres Audaciosas da Antiguidade”, título original, “Uppity Women of Ancient Times”, de Vicki León, tradução de Miriam Groeger, Record: Rosa dos Tempos, 1997.

(***) Todas As imagens foram extraídas do Google.

A autora
Vicki León

segunda-feira, 8 de abril de 2013

Os novos donos do poder


Artigo Pessoal

Os novos donos do poder
Clóvis Barbosa
 
Alguém já disse que "a desgraça dos que não se interessam por política é serem governados pelos que se interessam". Para explicar o porquê do Brasil não deslanchar, sob os aspectos éticos, são inúmeras as obras escritas por cientistas políticos e sociais. Destaco algumas delas: Caio Prado Júnior (Formação do Brasil Contemporâneo), Darcy Ribeiro (O Povo Brasileiro – A Formação e o Sentido do Brasil), Moreira Leite (O Caráter Nacional Brasileiro – A História de uma Ideologia), Victor Nunes Leal (Coronelismo, Enxada e Voto), Josué de Castro (Geografia da Fome), Raymundo Faoro (Os Donos do Poder), Sérgio Buarque de Holanda (Raízes do Brasil) e Nelson Werneck Sodré (Introdução à Revolução Brasileira). Por que o Brasil ainda não deu certo? Era a pergunta que Darcy Ribeiro fazia ao chegar no exílio, no Uruguai, em abril de 1964. Com essa idéia na cabeça começou a pensar numa forma de responder à pergunta. Trinta anos depois produziu, talvez, a sua maior obra, que tomou o título de “O povo brasileiro – a formação e o sentido do Brasil”, que, para ele, foi a forma que encontrou para influenciar as pessoas que aspiram a ajudar o Brasil a se encontrar. Mas, infelizmente, a sua pergunta continua sem resposta?
 
Único país de colonização portuguesa em todo o continente americano, com uma área de 8 milhões e 500 mil quilômetros quadrados, o Brasil ocupa quase a metade da América do Sul. Tem a sua população formada por três raças básicas: o negro, o índio e o europeu. Os portugueses mandaram uma mistura do lusitano, do romano, árabe e negro. Os negros foram trazidos da África como escravos, entre o século XVI até meados do século XIX, sendo o país considerado o mais escravocrata do mundo. Já os indígenas pertencem ao chamado grupo de paleoameríndios, cujo estágio, quando da descoberta, era o neolítico, ou seja, o da pedra polida. Mais tarde, vieram os italianos, espanhóis, alemães, eslavos, japoneses, chineses e sírios, além de imigrantes de outros países em menor escala. Descoberto no início do século XVI (1500), o Brasil foi colônia de Portugal durante três séculos, exatos 322 anos (1500 a 1822). Durante 77 anos (1822 a 1899), embora independente, viveu sob a forma monárquica, governada por Dom Pedro I e II. De 1899 a 1930, exatos 31 anos, já sob a forma republicana, no período cognominado de Primeira República. Foi uma etapa da vida brasileira muito tumultuada, onde as forças dominantes, civis e militares, eram bastante heterogêneas.

Veio, em seguida, a Segunda República, de 1930 a 1937, com o cargo sendo ocupado por Getúlio Vargas após a renúncia imposta ao Presidente Washington Luís, com a interferência do cardeal-arcebispo do Rio de Janeiro, Dom Sebastião Leme. Foi uma etapa bastante conturbada da vida brasileira, dominada pelo extremismo de direita e de esquerda que se polarizavam influenciados pelos acontecimentos que ocorriam na Europa, com o nazismo, fascismo e comunismo. Redundou tudo isso numa das ditaduras mais violentas das Américas, de 1937 a 1945, o chamado Estado Novo, onde, depois de 7 anos no poder, Getúlio Vargas abiscoitava mais 8 anos como o ditador que mais vivenciou o poder no Brasil, em exatos 15 anos. Veio a redemocratização em 1945 e que permaneceu até 1964, durando 19 anos. Mais uma vez o Brasil não encontrou o seu caminho. Golpes e contragolpes eram tramados diuturnamente, sendo a fase mais radical das facções políticas existentes. Veio a ditadura militar, de 1964 a 1985, vivendo 21 anos entre nós. Mais uma vez o Brasil parava no tempo e no espaço, sem vivenciar o estado de direito democrático. A normalização institucional só veio a partir de 1985 com a sua redemocratização. Somos ainda imberbes em democracia.

Não sei se essa influência histórica tenha contribuído com essa nossa formação arrogante. A democracia perfeita é aquela que beneficia os nossos interesses egoísticos. O diálogo não é o instrumento de convencimento, mas o de imposição. E quando o nosso interesse se confronta com o do Estado, aí é que a coisa se transforma em pandemônio. Para nós o Estado não se estabelece para atingir o bem comum, mas o nosso. É a chamada viúva que não tem marido, e que todos se acham no direito de usufruí-la, ou como diz Chico Buarque, que dorme tão distraída, sem perceber que é subtraída vergonhosamente em inúmeras e intermináveis tenebrosas transações. É também assim com o Estado na relação com todos nós. Esquecem os mentecaptos, ou não querem saber, que o Estado somos todos nós. A tática das corporações de servidores públicos no estabelecimento de seus pleitos, por exemplo, sempre norteados por aumentos salariais, é de estarrecer qualquer perspectiva de civilidade e de seriedade na condução da coisa pública. Uma corporação ameaça investigar gestores ligados ao Poder Executivo; outro, manipula a classe e mente para a sociedade de que não está recebendo determinado reajuste, mas nunca recorre à Justiça para ver reconhecido o seu suposto direito.

Aquele outro vive de processar os próprios órgãos que deveria defender. Ameaçam as instituições, os seus dirigentes, a ordem democrática, estimulam a criminalidade quando deveriam controlá-la, a morte nos hospitais quando têm a obrigação de evitá-la, enfim, o caos foi instaurado. Repentinamente, a mentira, a peta, o logro, a corrupção, passam a ser regra. A decência, o respeito aos recursos públicos, à democracia e ao contribuinte, a exceção. Por outro lado, os políticos que gerem a máquina pública fazem de conta que o assunto não é com ele, até porque, carreiristas como são, não pretendem prejudicar o seu caminhar na busca de novos postos. É estabelecido, pois, um pacto de mediocridade entre esses atores da vida pública. Raymundo Faoro, na sua obra, “Os donos do poder”, aborda as relações de poder sobre duas óticas, uma de natureza do estamento, outra de ordem patrimonialista. Para ele, acima das classes sociais e do interesse público, está o estamento burocrático que se apropria da coisa pública a fim de sustentar os seus privilégios.

A verdade é que é preciso mudar urgentemente esse modelo que não deu certo em lugar nenhum, nem no comunismo. Não se pode pagar salários iguais a desiguais. Não se pode pagar o mesmo salário a quem trabalha e a quem nada produz, a não ser, como na fábula de Ludwig Bechestein, você também acredite no burro que espirrava dinheiro.

- Publicado no Jornal da Cidade, edição de domingo e segunda-feira, 1º e 2 de julho de 2012, Caderno B, p. 9.
- Postado no Blog Primeira Mão, http://www.primeiramao.blog.br/post.aspx?id=4049&t=os-novos-donos-do-poder, em 1º e julho de 2012, às 12h17min.  
- As fotos publicadas neste blog foram retiradas do Google

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