Aracaju/Se,

sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

Elogio da Loucura

Artigo pessoal 

Elogio da Loucura
Clóvis Barbosa

Erasmo de Rotterdamm
Dizia Baudelaire que é preciso embriagar-se para não ser escravo martirizado do tempo, mas embriagar-se sem cessar! De vinho, de poesia ou de virtude, à nossa maneira. Ultimamente estou vivenciando essa embriaguez, não do vinho ou outra bebida qualquer, mas de literatura, filosofia, de reminiscências, e sobretudo, da sabedoria da natureza. Durante trinta e cinco anos dediquei-me com tenacidade à advocacia, profissão que garantia a sobrevivência minha e da família. A advocacia me proporcionou participar da Ordem dos Advogados do Brasil, onde tive a honra de ocupar os mais importantes cargos, como o de presidente da Seção de Sergipe e de conselheiro federal por diversas vezes. Também, nesse ínterim, ocupei importantes cargos públicos. O fardo do tempo, entretanto, não me permitiu acompanhar os acontecimentos à minha volta. Era preciso sobreviver, Deixei nas estantes os livros que não li, nos cinemas os filmes que não vi, nos palcos os shows, as peças teatrais e os grandes concertos que não assisti. A minha curiosidade só estava voltada para os livros técnicos, processos, audiências e aqui e ali dando uma pequena contribuição à luta contra a ditadura militar, pela redemocratização do país, pela cidadania e civilidade. Confesso: não tive o necessário talento para enriquecer com a profissão. Sempre fui romântico. O fato de ter estudado em escola pública fez com que eu me tornasse devedor da classe trabalhadora. Com o seu imposto o meu estudo era pago. Por isso, o meu escritório sempre esteve com as portas para os pobres e oprimidos. Pois bem, aos poucos estou retirando das estantes os livros empoeirados que não li, assistindo os filmes, as peças teatrais, concertos, shows que não assisti. Deparo-me com um pequeno livro que comprei há mais de quarenta anos, "Elogio da Loucura", de Erasmo Desidério, ou melhor falando, Erasmo de Rotterdamm, como era conhecido por ter nascido em Gouda, perto de Rotterdamm, mais ou menos em 1469.

Tomás Morus
O livro é dedicado ao seu amigo, o grande autor de Utopia, Tomás Morus, obra em que cria uma sociedade em que todos vivem em paz. Erasmo pede no final da dedicatória: "defenda com zelo esta loucura que agora lhe pertence". Quem fala na obra é a loucura, e como todos a consideram uma doença indesejável, ela propõe-se a fazer a sua própria apologia, ou como diz o provérbio, se ninguém te louva, farás bem em louvar-te tu mesmo. O livro é um libelo contra a filosofia, a fé e, sobretudo, ao comportamento humano. Erasmo é taxativo ao afirmar que a insanidade está presente na vida de todos nós. É uma obra que ninguém deveria deixar de ler. Meu Deus!, que coisa linda esta música de Caetano Veloso na voz de Maria Bethânia: Reconvexo. Eu sou a chuva que lança a areia do Saara / Sobre os automóveis de Roma / Eu sou a sereia que dança, a destemida Iara / Água e folha da Amazônia / Eu sou a sombra da voz da matriarca da Roma Negra / Você não me pega, você nem chega a me ver / Meu som te cega, careta, quem é você? / Que não sentiu o suingue de Henri Salvador / Que não seguiu o Olodum balançando o Pelô / E que não riu com a risada de Andy Warhol / Que não, que não, e nem disse que não / Eu sou o preto norte-americano forte /Com um brinco de ouro na orelha / Eu sou a flor da primeira música a mais velha / Mais nova espada e seu corte / Eu sou o cheiro dos livros desesperados, sou Gitá gogoya / Seu olho me olha, mas não me pode alcançar / Não tenho escolha, careta, vou descartar / Quem não rezou a novena de Dona Canô / Quem não seguiu o mendigo Joãozinho Beija-Flor / Quem não amou a elegância sutil de Bobô / Quem não é recôncavo e nem pode ser reconvexo. Volto a música e paro em "Gitá gogoia", aquela cujo "olho me olha, mas não me pode alcançar. Fiquei pasmo e telefono logo logo para meu irmão em Salvador e lhe pergunto se "Gitá gogoya" era aquela mulher que se vestia de roxo e vivia na rua Chile na porta da loja Sloper.

Mulher de roxo
Ele não soube responder. Tento falar com Rodrigo, em Santo Amaro, irmão de Caetano e nada. Falo com minha filha no Rio de Janeiro e peço para tentar localizar Caetano. Ele está viajando com Maria Gadu. Finalmente, recebo um e-mail de meu irmão me informando que Gitá Gogoya é uma outra personagem popular, porém da cidade de Santo Amaro, cidade onde nasceu Caetano Veloso. Incrível! Como pode uma música, de repente, me transportar para um passado distante e me colocar diante de uma mulher que me causava temor. O olho dela me olhava, mas eu não deixava o seu olho me alcançar, como dito na música. A Rua Chile, na época, década de sessenta do século passado, era o ponto chique da capital baiana, onde as melhores lojas estavam ali instaladas. Eu tinha muito medo daquela mulher de quem se contava estórias escabrosas. Diziam que ela era macumbeira do mal e torcedora do Vitória. Em todo jogo do Bahia e Vitória ela fazia um bozó gigantesco nas imediações da Fonte Nova para amarrar as pernas do jogador do Bahia. Diziam também que não podíamos deixá-la nos olhar nos olhos, pois teria ela o poder de nos transformar em sapo. Muita coisa era dita sobre a mulher de roxo, mas, na verdade, eram mitos. Ela foi uma lenda viva, apesar de misteriosa, que viveu em Salvador. As versões da sua loucura são várias: que fora uma moça educada e muito instruída e que sofrera, na sua juventude, uma desilusão amorosa; que ela teria perdido uma grande fortuna em dinheiro e imóveis; e que teria visto a mãe matar o pai, suicidando-se depois. Enfim, sua verdadeira história ainda é desconhecida. A verdade é que ela se transformou numa grande lenda viva e numa lembrança eterna para todos que viveram na capital baiana nos idos de 1960.

Caetano Veloso

Seu nome verdadeiro teria sido Florinda Santos. Cumpria religiosamente o horário comercial. Eram só as lojas abrirem as suas portas que ela chegava de mansinho, sempre descalça, de manta longa caracterizada por um veludo violáceo, um enorme crucifixo no peito e parava na loja Sloper, um magazine freqüentado pela alta sociedade soteropolitana. Certa vez, a Mulher de Roxo surpreendeu a todos ao desfilar pela Rua Chile, repetindo sempre o ritual diário, vestida de noiva, com buquê, véu e grinalda. Esta cena fez com que ela se tornasse mais conhecida e causasse impacto em todos. Uma grande onda de comoção tomou conta da população que a conhecia. Ela passou a ser mais respeitada, embora fizesse da sarjeta o seu ambiente de trabalho, sempre maquiada no rosto e nos lábios. Glauber Rocha, no filme O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro, baseou-se nela para incluir cenas com uma moça de manta roxa.  Soube que ela morreu na década de 1990, já octogenária, mas a sua presença nas ruas de Salvador ainda hoje nos traz gratas recordações. É isso. Perquiro como Erasmo: seria suportável a vida, com suas desilusões e desventuras, se a loucura não suprisse as pessoas de um ímpeto vital irracional e incoerente? Não é mérito da loucura haver no mundo laços de amizade que nos liguem a seres perfeitamente imperfeitos e defeituosos? Aliás, a Bíblia já diz que  o número de loucos é infinito, ou que todo homem se torna louco por sua sabedoria,  ou que no coração dos sábios a tristeza; no coração dos loucos, a alegria. Finalmente, a loucura fala na voz de Erasmo: Digam de mim o que quiserem (pois não ignoro como a Loucura é difamada todos os dias, mesmo pelos que são os mais loucos), sou eu, no entanto, somente eu, por minhas influências divinas, que espalho a alegria sobre os deuses e sobre os homens. Como diria um provérbio grego, “Muitas vezes, até mesmo o louco raciocina bem”.
Publicado no Jornal da Cidade, Aracaju-SE, edição de domingo e segunda-feira, 4 e 5 de dezembro de 2011, Caderno A, página 7.

segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

Mulheres da Antiguidade - Hatshepsut

Isto é história

Mulheres Audaciosas da antiguidade

Hatshepsut

Vicki León

"Travesti" foi provavelmente a melhor coisa que o futuro faraó Tutmés III resmungou sobre sua tia, Hatshepsut, uma mulher poderosa e com uma vontade de ferro. Seus outros comentários eram impublicáveis. Durante 21 anos, Hatshepsut o manteve esperando na linha, deixando que ele desempenhasse o papel de príncipe Charles para sua rainha Elizabeth. Primeira mulher a se tornar faraó de verdade, a trajetória da carreira de Hatti foi como uma bala desde o início. Quando seu pai, Tut I, morreu em aproximadamente 1518 a.C., ela casou com seu meio-irmão, Tut II. Uma estratégia normal para proteger os direitos de Tut de governar - ou assim ele pensou. Hatshepsut tinha outras metas. Durante catorze anos de governo "em sociedade", ela liderou, ele seguiu. As únicas coisas para as quais colaboraram em partes iguais foram suas filhas Nefrure e Hatti Júnior.

Em torno de 1504, Tut II morreu - com um suspiro de alívio de Hatshepsut, que entrou em ação como regente do jovem herdeiro Tut III (o único filho de seu marido gerado com uma garota do harém). Após uns dois anos, sem nenhum derramamento de sangue ou estardalhaço, ela deixou seu mero posto de rainha para trás e se proclamou rei mulher do Egito, tomando para si os cinco títulos de um faraó, as roupas masculinas e os acessórios - e até mesmo a falsa "barba da sabedoria" que cada faraó usava. Para fechar seu coup d'état suave como seda, Hatshepsut conquistou o apoio de funcionários-chave, inclusive de Senenmut, seu homem de maior autoridade, que se triplicava nos cargos de administrador, arquiteto e tutor de sua filha Nefrure. Para manter calma a facção pró-Tut, no papel o reinado era duplo. Quanto a Tut, ela o casou com Nefrure. Imagine uma posição dura como pedra: a pobre Nefrure não só ficou com a ingrata tarefa de casar com seu inquieto meio-irmão como tinha de informar cada um dos movimentos dele para sua mãe. Como compensação, Hatti deu à sua filha a melhor tarefa passada de mãe para filha que podia imaginar: seu próprio título de divina esposa de Amon. Essa alta colocação transformou Nefrure em dona de propriedades gigantescas - uma pequena compensação por se encontrar no meio do fogo cruzado entre Tut e a fogosa mulher faraó.

Com a ajuda de Senenmut, logo Hatshepsut construiu um templo de três terraços, uma obra de propaganda que ela chamou de "um jardim para meu pai (o deus) Amon". Localizado junto aos íngremes penhascos de coral em Deir el-Bahri, mais tarde o templo se tornou famoso por suas curas médicas. Ela também erigiu dois obeliscos espetaculares de granito vermelho para glorificar Amon (e Hatti, é claro) em Tebas. Mulher de negócios astuta, Hatti mapeou um itinerário ousado para uma expedição comercial através do canal de Suez e em direção ao Sul ao longo da costa da África até as terras do Ponto. Quando sua esquadra retornou bem-sucedida, com um picante carregamento de canela, árvores de mirra, ébano, marfim, peles de pantera, ovos de avestruz e babuínos vivos, a engenhosa faraó enviou mais expedições para o deserto do Sinai atrás de turquesas e para outras regiões da África, a fim de coletar animais selvagens para seu novo zoólogico, "o jardim de Amon". Quando Tut III finalmente sucedeu - ou empurrou - Hatti para fora da arena em 1483, ele finalmente cortou da face do Egito todas as menções ao nome dela como rei mulher. Curiosamente, ele não se decidiu a eliminar de todo o nome e a imagem de Hatshepsut, assim, ainda existem uma grande quantidade de estátuas e inscrições com seu nome - todavia, como rainha e não como faraó.


(*) - Na próxima postagem sobre "Mulheres Audaciosas da Antiguidade", você vai conhecer ETY, rainha conhecida como "A princesa de Ponto", local situado na costa leste da África onde hoje está situada a Somália. Ela ficou famosa no cenário do mundo do comércio no século XVI a.C.


(**) - Do livro "Mulheres audaciosas da antiguidade", de Vicki León, Editora Rosa dos Tempos, 1997, Tradução de Miriam Groeger. Título original: "Uppity women of ancient times".

A autora
Vicki León
Vicki Leon

segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

Mulheres da Antiguidade - NITOCRIS

Isto é história

Mulheres Audaciosas da antiguidade
NITOCRIS
Vicki León

Às vezes, o estudo sobre as mulheres na historia parece com física quântica. Para acreditar em partículas subatômicas ou numa mulher como Nitocris, aceitam-se certas premissas na base da fé, pois não existem muitas provas tangíveis.

De fato, a rainha Nitocris soa um pouco como um quark sedutor. Ela viveu e reinou no Egito, nos primórdios algumas vezes nebulosos do XXI século a.C. Sua árvore familiar é um ponto-de-interrogação; seu pai pode ter sido Pepi II, um faraó que viveu por muitos anos e iniciou seu reinado aos seus anos de idade. A história antiga adorava superlativos clichês, especialmente para mulheres. Eles chamavam Nitocris de “mais corajosa do que todos os homens de seu tempo” e “a mais bonita de todas as mulheres”. Eles também diziam uma coisa que parece verdadeira: diziam que ela tinha uma pele clara e faces rosadas.

Nitocris ocupou o trono com relutância. Ela era casada com seu irmão, que foi assassinado – não sabemos a razão – por uma multidão de súditos. Então, esse grupo heterogêneo de egípcios a forçou a subir ao trono. Durante pelo menos sete anos, usando “o Martelo de Forja e a Abelha”, as coroas tradicionais do Alto e Baixo Egito, Nitocris dirigiu o país, mas se manteve curiosamente irritada em relação à morte de seu irmão-marido. Como terapia, pôs-se a construir uma imponente câmara subterrânea, mais ou menos do tamanho de um shopping center padrão. Para a grande inauguração, convidou centenas de egípcios a participar do corte da fita. Estranhamente, a lista de convidados coincidia com o elenco de conspiradores que haviam assassinado seu amado.

Assim, com a festa em seu auge, lá estavam eles assistindo aos acrobatas e às dançarinas, bebendo coquetéis e mordicando arganazes e outros hour d’oeuvres do Egito antigo. Numa manobra destinada à conquista do titulo de “maior estraga –prazeres de todos os tempos”, Nitocris então trancou seus convidados no salão e abriu uma enorme tubulação escondida, que deixou que as águas do Nilo o inundassem.

Ao contrário dos verdadeiros vilões, Nitocris na verdade não saboreou sua vingança estilo Wet-and-wild, nem mesmo aguardou ansiosamente sua punição. Tentando bater seu próprio recorde do Livro Guiness pelo assassinato em massa mais espetacular com o recorde de morte desacompanhada mais difícil, ela se suicidou jogando-se numa sala abarrotada de cinzas. E, presumimos, inalando o mais profundamente possível.
Com seu amor por mulheres de peles perfeitas, os egípcios não davam muita importância à tatuagem. Entretanto, dançarinas como Isadora da Artemísia geralmente usavam na coxa uma tatuagem de seu deus protetor, Bes, que tinha cabeça de leão. Os egípcios adoravam a dança. Apresentando-se em torno de 200 d.C., Isadora e sua trupe de tocadores de castanholas faziam parte de uma tradição de 3.000 anos, que se iniciou como parte de um ritual religioso. Naquela época, os dançarinos eram mandatários em todos os tipos de festas sociais particulares. Artista criativa, Isadora também era metódica, como demonstra seu acordo escrito com um empregador ansioso. Num trabalho de seis dias, ela e sua trupe receberam 36 dracmas por dia, além de terem direito a toda cevada e pão que pudessem comer. Para vigiar as fantasias e as jóias de ouro, o protetor jogava no pacote serviços de segurança. Ele até providenciou o transporte de ida e volta do local da exibição, com uma limusine local – dois burros.

(*) – A próxima postagem sobre as Mulheres Audaciosas da Antiguidade, vai falar de HATSHEPSUT, primeira mulher a se tornar faraó no Egito. Era a tia do faraó Tutmés III, que a considerava um travesti e outros comentários impublicáveis. Foi uma mulher de negócios astuta. Ela mapeou um itinerário ousado para uma expedição comercial através do Canal de Suez e em direção ao sul ao longo da costa da África até as terras do Ponto.

(**) - Do livro "Mulheres audaciosas da antiguidade", de Vicki León, Editora Rosa dos Tempos, 1997, Tradução de Miriam Groeger. Título original: "Uppity women of ancient times".

A Autora
Vicki León

terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Sobre o artigo "A BAGACEIRA", de Clóvis Barbosa

Artigos diversos

Sobre o artigo "A Bagaceira", de Clóvis Barbosa (I)
ver http://www.aculturadeista.blogspot.com/
Comentário do autor do blog*:
Alberto Magalhães


Obs. Publico, hoje, um  dos dois inteligentes comentários críticos que foram elaborados sobre o artigo "A Bagaceira", que postei neste Blog e fiz publicar no Jornal da Cidade, matutino de Aracaju-SE, em 28.02.2010. Pela seriedade, responsabilidade e sobretudo pela beleza do texto, não poderia deixar de dar conhecimento aos meus amigos que me acompanham neste blog. Obrigado, hoje, a Alberto Magalhães, autor do texto abaixo:

"Amei os textos “Ecce homo” e “A banalidade do mal” republicados neste blog, ambas as obras do punho de Clóvis Barbosa de Melo a quem eu devoto um sentimento de respeito pela sua trajetória pessoal e saber jurídico. No entanto esse texto que postei acima me desgostou sobremaneira. Primeiro porque eu acho temerário que para se tratar de assuntos mundanos se use a Bíblia (coleção das Escrituras Sagradas) como referência. Não que de certa forma não sirva, apenas penso que nos tempos em que vivemos de perda de credibilidade da família, das instituições, da autoridade, dos valores fundamentais as Escrituras Sagradas devem permanecer separadas do comum, do profano, do mundano numa sociedade Cristã (caso do Brasil) pelas pessoas de bom senso, para que ela possa servir de parâmetro para a boa consciência e princípios espirituais. Fonte de inspiração até para a Carta magna de países civilizados e prósperos que nos antecederam como nação. A não ser quando o assunto bíblico tratado for bem dissecado para não deixar uma interpretação distorcida da realidade apresentada.

Em todas as culturas (não só na nordestina) se referem aos bêbados e aos alcoólatras de maneira galhofeira e até depreciativa usando termos próprios.

Na qualidade de alguém que leu os 66 livros que compõem a Bíblia (de Gênesis a Apocalipse) posso tecer alguns comentários à respeito do tema:

Jesus transformou água em vinho – O vinho tinha o significado de alegria, confraternização, congraçamento. Era essencial para se comemorar os eventos importantes: as boas colheitas, os casamentos, as solenidades, etc. O melhor vinho era servido no começo da festa e depois que o paladar já estava saturado do seu sabor era servido o de qualidade inferior, que geralmente passava despercebido. Quando o vinho acabou sem que a festa das bodas houvesse chegado ao fim Jesus pediu os potes com água (Maria disse: “fazei o que Ele pede.” Não funciona ao contrário como alguns religiosos pregam) e miraculosamente produziu vinho. E o melhor vinho que poderia ser feito. Era tamanha a sua qualidade que os festeiros conseguiram perceber a diferença e estranharam o fato de haverem deixado o melhor vinho para o final da festa. Por que Jesus fez isso? Porque Ele queria mostrar que poderia trazer maior alegria às pessoas que a que eles tinham com qualquer coisa já existente, independente da ocasião, dos limites humanos. Na última ceia Ele disse que “aquele” vinho da alegria, do congraçamento (não da farra) deveria ser bebido simbolizando o seu sangue que seria dado, ofertado para resgatar a amizade íntima (comunhão espiritual) dos crentes na sua expiação (em lugar dos homens comuns) para comemorar o evento mais importante que todos os outros: a redenção da humanidade, a colheita de seguidores. Os não seguidores são o joio da plantação, serão descartados.

A nudez de Noé - No evento de Noé os termos pejorativos me chocaram em virtude da pessoa esclarecida que escreveu. Noé já velho e sem a mesma resistência de outrora, bebeu do vinho de sua plantação, se embriagou e ficou despido dentro da sua tenda. O seu filho mais novo de forma desrespeitosa para a época se deu o direito de contemplar o seu pai desnudo, o que não era permitido. As qualidades físicas do idoso que pela primeira vez se embriagara de vinho não trazem nenhuma importância à interpretação da passagem. (Gênesis 9:20)

Ló e suas duas filhas – Sodoma foi destruída. A mulher de Ló na fuga determinada pelo Anjo foi transformada em pedra porque fora proibida de olhar para trás e não obedeceu. Ló e suas filhas habitaram uma caverna nas montanhas. Pela tradição daquele povo quem morresse sem deixar descendente era desgraçado. As moças não tinham com quem deixar-lhe descendência e resolveram embebedar o pai e conceber dele próprio. Mas não num ménage-à-trois. A mais velha o embebedou numa noite e praticou o incesto e a mais nova na noite seguinte repetiu o feito (Gênesis 19:29). É bom frisar que os povos que descenderam desses dois filhos gerados por Ló com suas filhas (Moabe – os Moabitas, e Bem-Ami – os Amonitas) não se relacionaram com Deus que antes havia abençoado Ló, que lhe era fiel. Os Isaraelitas descendem de Israel (Jacó) e eram desafetos desses povos. Os Israelitas foram separados para servir de vitrine ao mundo de como Deus quer que as comunidades em tudo procedam. Depois do advento de Jesus Cristo o povo escolhido e separado para servir de modelo é encontrado em todo o mundo. São chamados Cristãos".

(ver http://www.aculturadeista.blogspot.com/ )
*Alberto Magalhães

sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Mulheres da Antiguidade - Khentkawes

Isto é história
Mulheres Audaciosas da antiguidade
Khentkawes
Vicki León

O poder das pirâmides não estava confinado aos homens, ou, em tempos mais tarde, nem mesmo à realeza. Diversas rainhas egípcias se ocuparam com a preparação de sua morada vertical para a vida após a morte. Por exemplo, na frente do grupo de três pirâmides em Gizé estão localizadas três pequenas pirâmides, cada uma digna de uma rainha. Esta seria a rainha principal, é claro, chamada “a grande esposa real”. Somente os grandes membros da realeza (e nem todos eles) tinham essa arrogância; se todas as esposas de segunda linha dos faraós tivessem recebido suas próprias pirâmides, a essas horas o deserto egípcio estaria coberto delas em toda sua extensão.
Khentkawes, que viveu por volta de 2500 a.C., levou as coisas ainda mais longe. Soberana da quarta dinastia, casada diversas vezes, cujas alianças com irmãos meios-irmãos e similares ainda são discutidas, ela montou uma estrutura para seu sono final que ainda se encontra erguida até hoje perto da Esfinge. Não poderíamos realmente chamá-la de pirâmide – ou mesmo de uma tumba do tipo mastaba. As mastabas têm os lados em declive e os topos planos; dão a impressão de que alguém planejou uma pirâmide e desistiu completamente da idéia, depois de fazer um terço dela. Como a Esfinge, o monumento de Khentkawes é enigmático, uma tumba gigantesca cortada em pedra e depois cercada por uma construção feita de calcário; embaixo dela, um corredor desce até um refúgio de câmaras e salas sepulcrais. Num canto, está uma vala para barcos – nenhum barco, apenas a vala (Os encantos de uma vala para barcos foram moda durante séculos – Quéops tinha uma cujo barco ficou preservado até hoje).
Tudo sobre a vida de Khentkawes é enigmático. Dizem que ela era mãe de dois reis, mas ninguém chega a um acordo sobre quem eram eles. Após a morte de Khentkawes, um faraó que acreditamos ser um de seus filhos adicionou mais uma peça ao quebra-cabeça. Ele construiu uma pequena pirâmide para ela em Abu Sir, que agora está vazia mas ainda coberta de inscrições com seu nome e seus títulos. Bom rapaz, ele não queria que ela passasse a eternidade numa mastaba, que simplesmente não dá conta do recado do ponto de vista mágico: na morte, as pirâmides eram as únicas acomodações aceitáveis.
O último capítulo misterioso sobre Khentkawes vem de Heródoto, aquele historiador grego divertido mas nem sempre confiável, que passou um tempo no Egito em torno de 450 a.C.. Enquanto esteve lá, ele entrou numa câmara e viu diversas estátuas com as mãos faltando. De acordo com uma explicação, Khentkawes teve uma filha que se suicidou porque o pai a estuprou. Em sua agonia e raiva, Khentkawes decepou as mãos dos serventes que permitiram ao rei ter acesso à menina, então erigiu este lembrete inquietante como advertência àqueles que poderiam querer abusar do corpo de uma mulher.

(*) – A próxima postagem sobre as Mulheres Audaciosas da Antiguidade, vai falar de NITOCRIS, rainha egípcia que reinou no XXI século a. C. Inconformada com o assassinato do seu marido e irmão, construiu uma imponente câmara subterrânea, mais ou menos do tamanho de um shopping center e, para sua inauguração, convidou todos os conspiradores que tomaram parte na morte do marido-irmão. No auge da festa, trancou seus convidados e abriu uma enorme tubulação deixando que as águas do rio Nilo inundassem o local e matassem todos afogados.

(**) - Do livro "Mulheres audaciosas da antiguidade", de Vicki León, Editora Rosa dos Tempos, 1997, Tradução de Miriam Groeger. Título original: "Uppity women of ancient times".

A Autora
Vicki León

segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Poema em Linha Reta

Artigo Pessoal

Poema em linha reta
Clóvis Barbosa
Certa vez, há muitos anos atrás, ainda na minha adolescência, preguei uma peça num amigo intelectual, tido e havido como crítico de toda e qualquer atividade artística. Tivera antes uma discussão com ele a respeito de quem seria o maior poeta da língua portuguesa. Eu de-fendia o nome de Fernando Pessoa, ao que ele afirmava que eu nada entendia de poesia. Para ele, Camões era imbatível e que Pessoa es-tava muito abaixo de ser considerado um poeta da estatura do grande autor de Os Lusíadas. Ao que repeli, com o ardor da minha juventude, que Camões não escrevia para o povo, mas para um seleto grupo de intelectuais, ao contrário de Pessoa cuja poesia penetrava na alma e sempre nos deixava um ensinamento. Pois bem, certo dia, cheguei em sua casa com um poema que gostaria que ele fizesse uma crítica, já que tinha vergonha de mostrar aos meus colegas. Ele leu por umas três vezes, me devolveu com a seguinte decisão: - desista de poesia, está uma bosta!. Imediatamente, retirei do bolso um pequeno livro de Fernando Pessoa, abri em determinada página e mostrei-lhe aquele poema, cujo nome era o do título deste ensaio, poema em linha reta. Ele ficou ruborizado. Eu saí de sua casa num misto de alegria e frenesi. Tinha vingado o meu poeta. Claro que este acontecimento não criou qualquer tipo de inimizade entre nós. Somos amigos até hoje.

Fernando Pessoa

Na verdade, poema de linha reta foi escrito por seu heterônimo Álvaro de Campos, tido por Pessoa como “o mais histericamente histérico de mim”. O poema é um libelo contra a insensatez, a ausência de autocrítica, da falta de vergonha, do egocentrismo, tão em voga nos dias atuais: “Nunca conheci quem tivesse levado porrada. Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo. (...) Toda gente que eu conheço e que fala comigo nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu um enxovalho, nunca foi senão príncipe – todos eles príncipes – na vida... Quem me dera ouvir de alguém a voz humana que confessasse não um pecado, mas uma infâmia; que contasse, não uma violência, mas uma covardia! Não, são todos o Ideal, se os ouço e me falam. Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil? (...) Poderão as mulheres não os terem amado, podem ter sido traídos – mas ridículos nunca!” Powell e Presburger fizeram um filme em 1948 sob o título “Os sapatinhos vermelhos”. Nele, é dito ao personagem russo Boris Lermontov: - você não pode mudar a natureza humana. Ele responde: - É verdade, mas posso fazer algo melhor: ignorá-la. Pois bem, a verdade é que apesar das grandes descobertas, do grande avanço da
tecnologia, o homem pouco evoluiu.

Powell e Presburger
Veja o exemplo da classe política. Nunca se viu tanta autodestruição. É o político desacreditando a política. Qualquer indício de irregularidade, sem qualquer análise mais profunda, é tida e havida como corrupção, improbidade, ladroagem. Ninguém se espanta mais quando se fala que determinado político é ladrão. A crítica, a denúncia, vem do povo? Não! Vem da própria classe política. O comportamento ético de alguns é de arrepiar. Recentemente, um político que foi eleito por uma coligação, repentinamente, descobre que os partidos da coligação que o elegeu são formados por corruptos e, por isso, retira-se da sigla da qual fora eleito e ingressa numa outra, tida como opositora. E tudo fica por isso mesmo. Ele não perde o mandato. Ora, é sabido que no sistema do voto proporcional, o político é eleito pela soma dos votos de todos os outros candidatos do partido ou da coligação. São raros os casos daqueles que se elegem com votos superiores àqueles fixados para o quociente eleitoral. Se esse político, pós eleição, descobre que os seus ex-aliados são corruptos, o correto era ele renunciar, pois, os seus votos também estão chamuscados pelas brasas da desonestidade. Outros, por prazer, sentem-se realizados ao desqualificarem os atos, por mais honestos que sejam, de seus adversários.

Ninguém vê tais comportamentos, por exemplo, entre os médicos, advogados, ou outra qualquer classe. Sei, perfeitamente, que lamentavelmente a busca do poder é um jogo. Aí estão os manuais como “As 48 leis do poder”, “O Príncipe”, “A arte da prudência”, etc., para ensinar a arte da dissimulação, da sedução, do encantamento, do logro. Dizia Maquiavel “O homem que tenta ser bom o tempo todo está fadado à ruína entre os inúmeros outros que não são bons”. Mas acho que a política poderia ser exercida como um mínimo de respeito e de comportamento ético. Ao final, qual a herança que se pode deixar para as novas gerações. É preciso tirar a máscara da dissimulação. É preciso fazer uma reflexão histórica da política. Aliás, é ela um dos poucos instrumentos de transformação social efetivos. A democracia formal foi conquistada a duras penas e é preciso preservá-la. Não é com atitudes mesquinhas, de simples ambição do poder pelo poder, da desmoralização do “fazer política”, que vamos consagrar de forma definitiva a nossa democracia. Só posso ver o poder pela ótica da capacidade que o homem tem para alcançar os resultados almejados em favor do bem estar social. Não sendo assim, grito com Pessoa, “Arre, estou farto de semideuses! / Onde é que há gente no mundo?”.

(*) Publicado no Jornal da Cidade, Aracaju-SE, edição de domingo e segunda-feira, 18 e 19 de setembro de 2011, Caderno A, página 7.

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