Aracaju/Se,

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

O salão dos passos perdidos


Artigo pessoal
O salão dos passos perdidos
 Clóvis Barbosa
 
O que vem à sua mente ao ouvir a expressão “salão dos passos perdidos”? Seria uma expressão sem significado? Um lugar onde se caminha de um lado para outro sem ir a lugar algum? Uma sala de espera onde se aguarda o momento de ser recebido por alguém? Um espaço para reflexão? Enfim, todos esses conceitos podem ser aplicados. E toda instituição que se preze tem a sua sala ou salão dos passos perdidos. Os Tribunais de Justiça, Ministério Público, Maçonaria e até instituições financeiras criaram espaços congêneres utilizando-se da mesma sinonímia. A sua origem vem do Parlamento Inglês, que possuía uma sala de espera com esse nome, onde as pessoas aguardavam o momento de ter uma audiência com os legisladores. A Maçonaria considera o seu espaço como um dos mais importantes do ritual de iniciação do novel maçom. Para a Enciclopédia MACKEY, o sentido maçônico desta denominação se origina no fato de que todo o passo realizado antes do ingresso na maçonaria, ou que não se coaduna com suas Leis, deve ser considerado como perdido.
 
O famoso criminalista Evandro Lins e Silva, em depoimento ao Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea da Fundação Getúlio Vargas (CPDOC), entrevista prestada a Marly Silva da Motta e Verena Alberti, edição de texto de Dora Rocha, Rio de Janeiro, Nova Fronteira, Editora Fundação Getúlio Vargas, 1997, que culminou em livro do mesmo título, conta que na sua juventude, como repórter do jornal Diário de Notícias, foi designado para cobrir os julgamentos do Tribunal do Júri no Rio de Janeiro, tendo, então, se fascinado com os debates entre os advogados e promotores e, principalmente, com um corredor existente no Fórum, chamado de salão dos passos perdidos, ambiente inteiramente vazio, sem bancos e cadeiras onde as pessoas ficavam vagando e se encontrando por ali. Essa experiência jornalística no Tribunal de Júri veio influenciar de forma decisiva na sua escolha pela profissão advocatícia. Evandro, ao lado de Evaristo de Moraes, pai e filho, Roberto Lira e Sobral Pinto, tornou-se um dos mais célebres advogados de defesa do século passado.
 
Todos têm acompanhado o escândalo ocorrido no país envolvendo o cidadão conhecido por Carlinhos Cachoeira. Digo cidadão porque o nosso sistema constitucional inadmite a culpa sem o trânsito em julgado de uma sentença penal condenatória. Ao lado dos supostos ilícitos e da teia de políticos formada em torno do tido contraventor, o seu advogado, Márcio Thomaz Bastos, ex-ministro da justiça do governo Lula, de 2003 a 2007, tem sido bastante censurado, sejam por conhecidos vampiros de almas, que vivem a denegrir a honra dos outros, sejam por conhecidos inimigos declarados da advocacia e das liberdades dos cidadãos, sejam por pessoas bem-intencionadas que, por falta de conhecimento, não entendem o porquê da sua participação em processo que tem como réu uma pessoa controvertida e acusada da prática de diversos crimes. As agressões e o achincalhe desferidos contra Márcio Thomaz Bastos nessas últimas semanas não deixa de ser uma tentativa de setores rancorosos, ressentidos e atrasados da sociedade de acovardar a profissão.
 
Para consagrar o festival de insensatez que tomou conta do “besteirol” nacional, um procurador da República em Porto Alegre, resolveu entrar com um processo criminal contra o advogado Márcio Thomaz Bastos, sob a alegação de que o advogado que recebe honorários de alguém acusado de enriquecimento ilícito, está praticando o crime do art. 180 do Código Penal, ou seja, a receptação culposa. Há de se perguntar, perquirindo ao “nobre” procurador: e a imensidão de dinheiro de impostos pagos pelo Sr. Carlinhos Cachoeira aos cofres públicos, que serviram inclusive para pagamento dos seus subsídios, o tornaria agente ativo da prática do crime de receptação culposa? O que há, na verdade é uma ojeriza ao direito de defesa, ao princípio da ampla defesa previsto na Constituição da República. Essa garantia constitucional pressupõe, além da defesa ampla e do respeito ao contraditório, o pleno conhecimento pelo réu das informações e documentos constantes do processo sendo-lhe viabilizado sempre com antecedência e tempo razoáveis.
 
Mas essa prática de questionar a ética dos advogados que defendem acusados polêmicos e de confundi-los com os seus clientes não é novidade. Lembremos dos advogados dos contra-revolucionários da Revolução Francesa, do caso do cidadão francês, oficial da artilharia e judeu, Alfred Dreyfus, vítima de uma armação política, de John Demjuk, em Israel, acusado da prática de crimes gravíssimos, dos defensores de Sacco e Vanzetti, que desde o início defendiam a tese da negativa de autoria, dos advogados dos presos políticos nas ditaduras de Vargas e militar, e mais recentemente o caso de um dos mais extraordinários advogados do País, Evaristo de Moraes, que foi tripudiado pela mídia pelo fato de defender o ex-presidente Fernando Collor. No Tribunal Revolucionário instaurado logo após a Revolução Francesa, é célebre a frase com que o advogado Nicolas Berryer iniciava as suas defesas: “Trago à convenção a verdade e minha cabeça; poderão dispor da segunda; mas só depois de ouvir a primeira”. Aliás, Rui Barbosa já dizia que não há causa indigna de defesa.
 
Aos inimigos da advocacia criminal uma pequena história: o advogado Sobral Pinto, um dos ícones da advocacia brasileira, era conhecido pelas suas convicções religiosas, ligado ao catolicismo, e anticomunista ferrenho. Em 1935, na ditadura de Getúlio Vargas, aceitou defender o líder comunista Luiz Carlos Prestes, colocando os seus conhecimentos técnicos à disposição do “Cavaleiro da esperança”.
 
Em recente artigo na Folha de São Paulo, Márcio Thomaz Bastos nos relembra no seu artigo “Em defesa do direito de defesa”, a máxima de Rui sobre a matéria: “Quando quer e como quer que se cometa um atentado, a ordem legal se manifesta necessariamente por duas exigências, a acusação e a defesa, das quais a segunda, por mais execrando que seja o delito, não é menos especial à satisfação da moralidade pública do que a primeira. A defesa não quer o panegírico da culpa ou do culpado. Sua função consiste em ser, ao lado do acusado, inocente ou criminoso, a voz dos seus direitos legais”. Mas é aquela história, todo acusador que se preze sempre apela para uma moral tão vagabunda quanto ele, a fim de que seus pontos-de-vista, quase sempre tacanhos, prosperem. É por Isso que seus passos são perdidos.

(*) – Publicado no Jornal da Cidade, Aracaju-SE, edição de domingo e segunda-feira, 17 e 18 de junho de 2012, Caderno B, pág. 11.

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

Mulheres da Antiguidade - DÍDIMA

Isto é história
Mulheres Audaciosas da Antiguidade
DÍDIMA
Vicki León
 
Virtude moderna, a reciclagem era frequentemente uma necessidade da antiguidade. Por exemplo, o papel de papiro era caro demais para ser usado apenas uma vez. Assim como nós temos o hábito de gravar por cima de vídeos ou cassetes já existentes, as pessoas pegavam os rolos de papel que estavam totalmente escritos e escreviam neles outra vez, usando os espaços entre as linhas. Até mesmo os pedaços dos rolos de papel eram reciclados como envoltórios para múmias ou material para embalagem de caixões. As cerâmicas quebradas eram usadas para fazer anotações, rabiscar desenhos, pichações ou como uma “etiqueta” da turma de trabalho de uma pirâmide. Desses lugares improváveis, os historiadores têm descoberto milhares de documentos poderosos e íntimos: cartas de amor, recibos, papéis de divórcio, perguntas de oráculos e contratos, inclusive um que revela a história de uma babá chamada Dídima, uma mulher cujo solo natal era o Egito alexandrino de 13 a.C.
 
Em seu tempo – na realidade, na maior parte da história -, muitas mulheres alugavam seus equipamentos leiteiros. Às vezes, Dídima e suas colegas trabalhavam como amas-de-leite que dormiam no emprego, dando de mamar e cuidando da criança de uma nova mamãe com um nível mais abastado. Ser ama-de-leite também podia ser negócio puro. Em vez de praticar aborto ou infanticídio, os pais que não queriam um filho recém-nascido o “reciclavam”, ou tentavam fazê-lo levando-o para o templo local. Fosse quem fosse que pegasse a criança, tornava-se seu dono; pode soar repugnante para nós, mas reciclar seres humanos livres em escravos era uma prática comum, uma das razões pela qual a força de trabalho escravo era tão numerosa.
 
Neste caso, uma mulher chamada Isadora encontrou uma criança exposta que ela planejava manter como escrava, e pagou para Dídima tomar conta dela e alimentá-la. Seu salário? Dez dracmas de prata e meio litro de óleo por mês (naquela época, o óleo, um produto de múltiplas finalidades, servia como sabão, combustível para lampiões, creme umedecedor e ingrediente de culinária). Dídima tinha uma pequena casa no campo; ela tinha de trazer o bebê quatro dias por mês para a inspeção de Isadora.
 
Embora tudo isso possa parecer insensível, ambas as partes se importavam com o bem-estar do bebê. Dídima teve de concordar em cuidar bem de si mesma e da criança, e tomar conta dos pertences pessoais dela. Existiam padrões para as ama-de-leite – e até mesmo livros sobre o assunto. A ama ideal era limpa, alerta, sóbria e treinada para cuidar de crianças. Os empregadores eram rigorosos – elas não podiam ficar grávidas ou amamentar uma criança no emprego. Mesmo se fosse casada, Dídima não teria podido dormir com um homem durante o seu contrato (é difícil imaginar como qualquer pessoa poderia controlar isso).
 
Ser ama-de-leite não era um trabalho simples. O maior desafio de Dídima era se certificar de que poderia continuar com seu fluxo de leite por 16 meses, porque, se ela não conseguisse prestar o serviço por esse período, isso significaria incorrer em multas pesadas – mais de quinhentos dracmas. O contrato também protegia Dídima: seu empregador tinha de lhe pagar o seu salário mensal e não podia remover o bebê até que o contrato terminasse – ou uma multa de quinhentos dracmas iria para Dídima. A natureza íntima da amamentação torna provável que Dídima se sentisse pelo menos um pouco ligada às suas pequeninas incumbências. Frequentemente, as crianças amamentadas por amas-de-leite cresciam com uma intensa afeição por elas – por exemplo, Alexandre, o Grande, amava profundamente sua babá Lanice. O conceito de glândulas mamárias de aluguel pode parecer estranho; mas, então, o que Dídima e suas companheiras iriam pensar da inclinação do nosso século XX em favor das mães de aluguel e bancos de esperma?

(*) - A próxima postagem de Mulheres Audaciosas da Antiguidade vai falar de MARIA PROFETÍSSIMA, que viveu na Alexandria, no século I, d. C. Ela foi a criadora da panela para banho-maria. Foi precursora da química moderna e era alquimista.

(**) – Do livro “Mulheres Audaciosas da Antiguidade”, título original, “Uppity Women of Ancient Times”, de Vicki León, tradução de Miriam Groeger, Record: Rosa dos Tempos, 1997.

A Autora
Vicki León

sábado, 2 de fevereiro de 2013

Entre sem bater

O que estou lendo?

Entre sem bater
A Vida de Apparício Torelly
O Barão de Itararé
Autor – Cláudio Figueiredo
Editora – Casa da Palavra
 

Contra-Capa

Imagine um Groucho Marx que, em pleno Brasil dos anos 1920, 1930 e 1940, tivesse seu próprio jornal, no qual se mostrasse sempre pronto a ridicularizar magnatas da imprensa, a atormentar presidentes e a debochar de literatos pretensiosos. Apparício Torelly, que se autoagraciou com o título de Barão de Itararé, foi tudo isso e muito mais. Espírito anárquico a desafiar os anos mais sombrios da Era Vargas, revolucionou o humorismo com seu semanário A Manha. Encarnando o personagem do Barão, confundiu vida e arte, protagonizando histórias que se incorporaram ao folclore político do país. Entre sem bater – A vida de Apparício Torelly, o Barão de Itararé surpreende e comove ao traçar um painel de meio século de história do Brasil pelos olhos de um de seus maiores humoristas.

 O autor do ensaio
Cláudio Figueiredo
 
Cláudio Figueiredo nasceu no Rio de Janeiro em 1959. Jornalista e tradutor, trabalhou no Jornal do Brasil e na TV Globo. É coautor dos livros O porto e a cidade – o Rio de Janeiro entre 1565 e 1910, publicado pela Casa da Palavra, ganhador do prêmio Jabuti de 2006 de melhor livro de arquitetura, fotografia, comunicação e artes, e também é autor de Theatro Municipal – um século em cartaz.

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