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sábado, 2 de fevereiro de 2013
Entre sem bater
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Entre sem bater
A Vida de Apparício Torelly
O Barão de Itararé
Autor – Cláudio Figueiredo
Editora – Casa da Palavra
Contra-Capa
Imagine um Groucho Marx que, em pleno Brasil dos anos 1920, 1930 e 1940, tivesse seu próprio jornal, no qual se mostrasse sempre pronto a ridicularizar magnatas da imprensa, a atormentar presidentes e a debochar de literatos pretensiosos. Apparício Torelly, que se autoagraciou com o título de Barão de Itararé, foi tudo isso e muito mais. Espírito anárquico a desafiar os anos mais sombrios da Era Vargas, revolucionou o humorismo com seu semanário A Manha. Encarnando o personagem do Barão, confundiu vida e arte, protagonizando histórias que se incorporaram ao folclore político do país. Entre sem bater – A vida de Apparício Torelly, o Barão de Itararé surpreende e comove ao traçar um painel de meio século de história do Brasil pelos olhos de um de seus maiores humoristas.
Cláudio Figueiredo
Cláudio Figueiredo nasceu no Rio de Janeiro em 1959. Jornalista e tradutor, trabalhou no Jornal do Brasil e na TV Globo. É coautor dos livros O porto e a cidade – o Rio de Janeiro entre 1565 e 1910, publicado pela Casa da Palavra, ganhador do prêmio Jabuti de 2006 de melhor livro de arquitetura, fotografia, comunicação e artes, e também é autor de Theatro Municipal – um século em cartaz.
segunda-feira, 18 de julho de 2011
À paz perpétua, de Kant
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À paz perpétua
(Zum ewigen Frieden)
Autoria: Immanuel Kant
Tradução de Marco Zingano
85 páginas
Editora – L&PM Pocket Plus
Contra-Capa
À paz perpétua
Immanuel Kant (1724-1804), um dos maiores filósofos da civilização ocidental, acreditava que o entendimento entre os homens levaria a uma pacificação entre as nações. À paz perpétua, que foi um enorme sucesso entre a intelectualidade da época, é uma verdadeira surpresa para o leitor atual devido à sua clareza e ao seu pragmatismo. Publicado inicialmente na Alemanha em 1795, é o resultado de toda uma vida de estudo e reflexão crítica sobre a humanidade. Para Kant, as premissas básicas para se chegar a esse estágio de pacificação incluem um governo republicano, liberdade de pensamento para os cidadãos e respeito à autonomia das federações.
Neste ensaio, Kant ressalta não só como alcançar a paz perpétua, como também esboça o projeto de um órgão responsável por promover a união entre as nações, o papel que hoje cabe à Organização das Nações Unidade (ONU). O que será que se perdeu pelo caminho?
Pequena Biografia
Immanuel Kant
(1724-1804)
A filosofia de Immanuel Kant, considerado um dos pensadores mais influentes da Europa moderna e do último período do iluminismo, situa a razão no centro do mundo. Ele nasceu em Konigsberg, capital da Prússia Oriental (atual Kaliningrado, na Rússia). Sendo o quarto de nove filhos, passou grande parte da vida nas cercanias de sua cidade natal. Dos pais luteranos recebeu uma educação religiosa e severa, baseada em princípios que pregavam uma vida simples, respeito e obediência à moral. Na escola da cidade aprendeu latim e línguas clássicas. Aos dezesseis anos ingressou na universidade de Konigsberg, na qual se aprofundou na filosofia de Gottfried Wilhelm Leibniz e de Christian Wolff, sob a orientação de Martin Knutzen, um racionalista, que apresentou a Kant a nova física matemática de Newton.
Kaliningrado |
Em 1746, após a morte do pai, Kant foi obrigado a interromper os estudos universitários e começou a dar aulas particulares para manter a família. Mesmo assim, não se afastou dos estudos e em 1749 publicou sua primeira obra filosófica, Pensamentos sobre o verdadeiro valor das forças vivas. Em 1754 conseguiu retornar à universidade e concluir o doutorado, tornando-se professor universitário. Lecionou lógica, metafísica, filosofia moral, matemática física e geografia.
Universidade de Konigsberg |
Na primeira parte de sua vida intelectual, Kant publicou diversas obras nas áreas das ciências naturais e da física, como a História universal da natureza e teoria do céu (1755), na qual esboçou a hipótese da nebulosa, que afirmava que o Sistema Solar se formara a partir de uma grande nuvem de gás, dando novos rumos à astronomia. No início dos anos 1760, Kant, influenciado pela filosofia de Hume, começa a dar forma à tese central de sua filosofia, de que o conhecimento humano pressupõe a participação ativa da mente humana, dando origem a livros que são os pilares de sua obra. São eles: Crítica da razão pura (1781), que criou as bases para a teoria do conhecimento como disciplina filosófica e marcou o início da filosofia moderna, Fundamentação da metafísica dos costumes (1785), Crítica da razão prática (1788) e Crítica da faculdade do juízo (1790). Em comum, todos eles defendem um profundo estudo do conhecimento humano, das formas e dos limites das faculdades cognitivas do homem, partindo do princípio de que o conhecimento começa com a experiência, mas não deriva dela.
Em 1792, Kant publicou A religião nos limites da simples razão, livro que levou o rei Frederico Guilherme II a proibi-lo de ensinar ou escrever sobre temas religiosos. Três anos depois publicou À paz perpétua, obra de sua maturidade, na qual discute as possibilidades da paz e defende o regime republicano. Pacifista, apoiou a independência americana. Kant levou uma vida calma e regrada, não se casou e não teve filhos. Morreu em Konigsberg, dois meses antes de completar 80 anos.
terça-feira, 3 de maio de 2011
A Autobiografia de Alice B. Toklas
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A Autobiografia de Alice B. Toklas
(The Autobiography of Alice B. Toklas)
Autoria: Gertrude Stein
Tradução de Milton Persson
263 páginas
Editora – L&PM Pocket

Contra-Capa
A geração perdida na Paris do início do século XX
Mais moderna do que todos os modernos, mais vanguardista do que os cubistas cujos quadros forravam as paredes de sua casa, Gertrude Stein – mulher de opiniões inusitadas, opção sexual heterodoxa, americana auto-exilada na Europa – embebeu sua literatura com o caráter experimental de sua vida. Em A Autobiografia de Alice B. Toklas, redigiu a autobiografia da sua amante, apenas para nela aparecer como personagem e narrar suas próprias experiências na terceira pessoa. O conteúdo é apaixonante: um mergulho nos ambientes avant-garde da Paris anterior à Segunda Guerra Mundial, onde reinavam a flexibilização dos costumes e a radicalização das idéias. A valorização do dólar permitia que artistas americanos levassem na França uma vida confortável, com uma liberdade impossível na América. Gertrude, criadora do epíteto lost generation, fazia do seu apartamento da Rue de Fleurus a embaixada de todos estes americanos – Hemingway, Scott Fitzgerald, Ezra Pound – assim como um local de reunião para modernistas como Jean Cocteau, Juan Gris, Picasso, Matisse e Henri Rousseau.
Lançado em 1933, A autobiografia de Alice B. Toklas transformou a influente escritora, crítica e colecionadora de arte Gertrude Stein em um dos célebres nomes da literatura norte-americana da primeira metade do século XX. Autobiografia é o seu livro mais conhecido e um dos mais coloridos painéis já realizados sobre a efervescente vida intelectual a artística de Paris. Pound acredita na Lei conforme ministrada por juízes. Julga-a superior às decisões de órgãos substitutos, sujeitos a maior variedade de pressões do que os tribunais, e explica como e por que chegou a essas conclusões. Este volume baseia-se nas Preleções da Fundação Green, pronunciadas por Roscoe Pound, no Colégio de Westminster, em 1950. Roscoe Pound foi dirigente executivo da Faculdade de Direito de Harvard.
A Autora
Gertrude Stein

terça-feira, 15 de março de 2011
Justiça Conforme a Lei
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Justiça Conforme a Lei
(Justice According to Law)
Autor: Roscoe Pound
Tradução de E. Jacy Monteiro
98 páginas
Editora – Ibrasa - Instituição Brasileira de Difusão Cultural S.A.
O mestre da jurisprudência norte-americana resume nestas páginas alguns dos pontos principais das opiniões que professa sobre o Direito. Pondera as grandes indagações que os homens têm formulado durante séculos: que é Justiça? que é Lei? que é Justiça Judiciária? – Indagações que se acentuaram durante os últimos anos devido à crítica violenta aos tribunais e à introdução de órgãos quase-judiciais como elementos administrativos.
Pound acredita na Lei conforme ministrada por juízes. Julga-a superior às decisões de órgãos substitutos, sujeitos a maior variedade de pressões do que os tribunais, e explica como e por que chegou a essas conclusões. Este volume baseia-se nas Preleções da Fundação Green, pronunciadas por Roscoe Pound, no Colégio de Westminster, em 1950. Roscoe Pound foi dirigente executivo da Faculdade de Direito de Harvard.
segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011
Florbela Espanca - Sonetos
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Sonetos
Autoria – Florbela Espanca
Aletheia Editores - Lisboa
Contra-Capa
Florbela Espanca nasceu a 8 de dezembro de 1894, em Vila Viçosa, Portugal. Filha ilegítima (ou de “pai incógnito”), foi baptizada com o nome de Flor Bela de Alma da Conceição. Freqüentou a escola primária em Vila Viçosa, o Liceu André de Gouveia, em Évora (um liceu masculino), e a Faculdade de Direito de Lisboa. Casou-se por três vezes (1913, 1921 e 1925) e trabalhou como jornalista e tradutora. Florbela Espanca tornou-se um dos poetas portugueses mais célebres de todos os tempos. Cantora do Amor, a sua obra ímpar é fruto de um feminismo, muito ao gosto dos anos 20, mas também das contradições que lhe iam no espírito. Morreu (suicidou-se) a 8 de dezembro de 1930, em Matosinhos. Dela disse Fernando Pessoa ser uma “alma sonhadora, irmã gémea da minha”.
Um soneto de Florbela
A Maior Tortura
A um grande poeta de Portugal
Na vida, para mim, não há deleite.
Ando a chorar convulsa noite e dia...
Não tenho uma sombra fugidia
Onde poise a cabeça, onde me deite!
E nem flor de lilás, tenho que enfeite
A minha atroz, imensa nostalgia...
A minha pobre Mãe tão branca e fria
Deu-me a beber a Mágoa no seu leite!
Poeta, em sou um cardo desprezado,
A urze que se pisa sob os pés.
Sou, como tu, um riso desgraçado!
Mas minha tortura inda é maior:
Não ser poeta assim como tu és,
Para gritar num verso a minha Dor!...
segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011
Churchill, Visionário. Estadista. Historiador
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Churchill
Visionário. Estadista. Historiador.
Autor John Lukacs
Jorge Zahar Editor
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Contra Capa
Em 1940, Winston Churchill foi o homem que não perdeu a Segunda Guerra. Ainda hoje, mais de quarenta anos após sua morte, Churchill ocupa um lugar de destaque no cenário político mundial. Este livro não é uma biografia tradicional. Com a autoridade de quem dedicou a vida a estudar a personalidade e a condição de Churchill como estadista, John Lukacs lança nova luz sobre aspectos pouco conhecidos ou pouco explorados da vida e da carreira política de Churchill, sugerindo ainda tópicos para futuras pesquisas.
A relação de Churchill com Stalin, Roosevelt e Eisenhower, por exemplo; ou o como e o quanto sua natureza de historiador fez dele um estadista melhor. Lukacs investiga também a impressionante capacidade visionária de Churchill - que, vista em retrospecto, nos mostra o quanto ele anteviu o advento da Segunda Guerra e da Guerra Fria - e sua posição a respeito da integração da Europa. E nao se omite a respeito de fracassos e críticas.
O último capítulo é uma forte e comovente evocação dos três dias que o autor passou em Londres para o funeral de Churchill, em 1965. Pelo prisma de diversos personagens anônimos ou conhecidos, que assim como ele participaram daquele momento histórico, Lukacs oferece um último tributo ao lugar de Churchill na história. Lúcido e instigante, este livro é uma admirável mistura de talento literário com inteligência critica, inabalável apreço pelo que Churchill fez para deter o mal de Hitler e compreensão perspicaz de sua personalidade. Uma leitura indispensável.
O Autor
John Lukacs

John Lukacs lecionou história no Chestnut Hill College, na Filadélfia, até aposentar-se e é professor visitante de diversas universidades. É autor de mais de vinte livros, com destaque para Cinco dias em Londres e O Duelo: Churchill x Hitler, ambos publicados com sucesso por esta editora. Recebeu vários prêmios e distinções acadêmicas
segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011
O Banqueiro Anarquista e outras prosas
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O Banqueiro anarquista e outras prosas
Autor – Fernando Pessoa
Seleção e ensaio introdutório de Massaud Moisés
Editora – Cultrix
Contra-Capa
Fernando Pessoa, hoje unanimemente considerado um dos mestres da modernidade, tem merecido numerosas edições da sua múltipla produção em verso e prosa.
O volume que ora se oferece ao leitor, em nova edição revista, diz respeito à sua obra em prosa. Em razão da diversidade de assuntos e de setores do conhecimento abrangidos por sua multímoda curiosidade intelectual, a matéria se distribui em cinco partes: ficção, estética, filosofia, política e cartas de amor. Da primeira, consta o texto integral do conto O banqueiro anarquista e do poema dramático O marinheiro, além de excertos do Livro do desassossego, do semi-heterônimo Bernardo Soares. Nas demais partes se reúnem textos fundamentais veiculando suas desconcertantes idéias naqueles campos do saber. Fecham o volume duas cartas de amor, durante muitos anos mantidas em estrito ineditismo.
Na preparação do texto, Massaud Moisés teve o cuidado de recorrer às melhores edições da prosa pessoana. Um longo e denso ensaio introdutório, focalizando os aspectos mais relevantes da prosa de Pessoa, completa o volume, que, estamos seguros, não encontra paralelo em nosso meio intelectual.
O autor do ensaio
Massaud Moisés
Professor titular da Universidade de São Paulo, Massaud Moisés foi professor visitante nas Universidades de Wisconsin, Indiana, Vanderblit, Texas, Califórnia e Santiago de Compostela. Alguns dos seus livros, consagrados à teoria literária e às literaturas em vernáculo, constituem referência obrigatória para estudantes e estudiosos destas matérias, como evidenciam as sucessivas edições que têm merecido A Criação Literária, A Análise Literária, Dicionário de Termos Literários, A Literatura Portuguesa, A Literatura Portuguesa Através dos Textos, A Literatura Brasileira Através dos Textos e o Pequeno Dicionário de Literatura Brasileira.
quarta-feira, 29 de dezembro de 2010
Sobral Pinto, A Consciência do Brasil
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Sobral Pinto, A Consciência do Brasil
A Cruzada contra o Regime Vargas
Autor – John W.F.Dulles
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Contra-Capa
John W.F.Dulles é professor universitário de Estudos Latino-americanos na Universidade do Texas, em Austin, onde dá aulas de Política Brasileira. Publicou nove livros no Brasil, incluindo, mais recentemente, os dois volumes da obra Carlos Lacerda – A vida de um lutador, pelo qual foi agraciado com o Diploma Jonatas Serrano (hors-concours) da Academia Carioca de Letras e da União Brasileira de Escritores. Desta vez o historiador Dulles dedicou-se ao estudo da vasta correspondência do advogado brasileiro Heráclito Fontoura Sobral Pinto – que ainda não estava disponível para pesquisadores – ressaltando que o mais constante oponente de Getúlio Vargas foi um verdadeiro reformista, incomparável em demonstrar coragem e veemência face a juízes, tribunais e homens no poder.
Através de casos legais, ativismo em associações católicas e advocatícias, polêmicas jornalísticas e uma volumosa correspondência, Sobral Pinto lutou por democracia, moralidade e justiça, particularmente pelos desfavorecidos, sendo aclamado por seus admiradores como “uma dessas raras figuras heróicas no estilo das de Plutarco” e como “um intrépido Dom Quixote”. Em 1945 Alceu Amoroso Lima chamou Sobral de “O chefe da resistência moral”. E explicou: “Se vejo em Sobral Pinto a maior figura viva da nossa geração e o mais seguro orientador de nossos atos na difícil transição que estamos vivendo, é justamente porque a sua fortaleza moral e as suas convicções jurídicas e democráticas não se apóiam no primado dos acontecimentos ou no capricho das preferências, mas na rocha inabalável da Fé, da Esperança e da Caridade, as supremas virtudes que nos levam a Deus”.
Além dos muitos detalhes que este livro adiciona à história brasileira, ele ilumina o caráter de um homem que sacrificou seu sucesso financeiro no interesse da luta pela justiça e pela caridade. É leitura importante não apenas para estudiosos da história brasileira, mas também para um público mais abrangente, interessado na causa dos direitos humanos e da liberdade política, assim como serve de referência aos reformistas que continuam essa batalha.
O autor
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John Watson Foster Dulles |
John W. F. Dulles:
um historiador do Brasil
(1913-2008)
Por Paulo Roberto de Almeida
Faleceu, no dia 23 de junho de 2008, aos 95 anos, num hospital de San Antonio, Texas, o historiador americano, brasilianista, John W. F. Dulles, deixando atrás de si enorme obra historiográfica sobre o Brasil contemporâneo. Hans Staden foi, provavelmente, o primeiro brasilianista de nossa história. Tendo sido capturado pelos índios tupinambás em meados do século XVI, o aventureiro alemão produziu, em seu retorno à Europa, um relato tão minucioso quanto fantástico de sua estada no Brasil: aparentemente ele conseguiu escapar quando seus algozes já se preparavam para degustar como verdadeiras delicatessen as partes mais saborosas de seu corpo. As práticas canibalescas, rituais ou gastronômicas, dos selvagens americanos estão, contudo, sendo contestadas pela moderna pesquisa antropológica, o que faz de nosso primeiro brasilianista antes um contador de aventuras do que um intérprete fiel da realidade brasileira de então.
Seja como for, nas pegadas de Hans Staden muitos outros visitantes estrangeiros percorreram os caminhos do Brasil em busca do fantástico e do exótico. Nesses cinco séculos de história, a espécie se multiplicou e uma fauna variegada de pesquisadores estrangeiros passou a freqüentar nossos arquivos e bibliotecas, a entrevistar autoridades civis e militares, a visitar fábricas e a palmilhar favelas e frentes de ocupação agrícola. Nem todos eles estariam dispostos a ver em Hans Staden o patrono da tribo dos brasilianistas, mas certamente a maior parte deles concordaria em que John Foster Dulles foi um de seus mais legítimos representantes. O velho Foster Dulles, que foi apelidado de “falcão da Guerra Fria”, nunca conseguiu que seus dois filhos homens trilhassem o caminho dos estadistas da família. O mais jovem, Avery, converteu-se ao catolicismo romano e tornou-se um dos mais respeitados teólogos da Igreja católica norte-americana. O mais velho, John (1913), preferiu ser engenheiro metalúrgico a enveredar pelo Direito e a diplomacia. Foi nessa condição que ele passou 16 anos trabalhando ao Sul do Rio Grande, de onde emergiu como mexicanista ao publicar, em 1961, Yesterday in Mexico, uma das melhores crônicas históricas sobre a revolução mexicana. Nessa época, o historiador amador resolveu aceitar um convite para vir trabalhar no Brasil a serviço da Hanna Mining, onde se consolidou seu gosto pela história narrativa, especialmente aquela ligada aos eventos políticos contemporâneos. De 1959 a 1962, como engenheiro, ele trabalhou na Cia. Mineração Novalimense, em Belo Horizonte.
Sua reputação de brasilianista competente foi inaugurada desde a aparição, em 1967, de Vargas of Brazil, uma sólida e equilibrada biografia política do grande líder brasileiro, que mereceria uma segunda edição nacional. Já definitivamente ligado à Universidade do Texas em Austin, John W. F. Dulles – como ele preferia ver o seu nome grafado, sendo que o W é de Welsh – deu prosseguimento a uma das mais consistentes carreiras acadêmicas ligadas ao estudo da história do Brasil contemporâneo nos Estados Unidos, junto com Thomas Skidmore, Robert Levine e Joseph Love. Em curto espaço de tempo ele publicou vários livros de história política brasileira: Unrest in Brazil (Agitação no Brasil, 1970), um precioso relato das crises político-militares dos anos 1955-1964, infelizmente ainda não editado em nosso país; Anarquistas e Comunistas no Brasil (1973), obra de consulta obrigatória para quem quiser reconstituir a história do movimento operário nas primeiras quatro décadas do século XX; dois volumes da minuciosa biografia do Presidente Castelo Branco (1978 e 1980), ambos oportunamente publicados no Brasil, aparentemente sem grande sucesso editorial e de público. Na seqüência das biografias, ele trataria ainda de Carlos Lacerda e Sobral Pinto, dois personagens que lutaram, cada um à sua maneira, pela democracia no Brasil.
Em 1983, a Editora da Universidade do Texas publicava o seu extremamente bem documentado Brazilian Communism, editado no Brasil pela Nova Fronteira em 1985, tendo sido precedido no Brasil, em 1984, pelo substancioso relato histórico sobre A Faculdade de Direito de São Paulo e a Resistência Anti-Vargas. Em ambos os livros, mas sobretudo em O Comunismo no Brasil, Dulles revela os inegáveis méritos e as inevitáveis insuficiências da narrativa histórica tradicional: o desfile impressionante de imensa quantidade de eventos, personagens e datas, a par do reduzido, ou quase nulo, esforço interpretativo. Essas características estão sobretudo presentes nos relatos biográficos, mas são também evidentes nas extensivas pesquisas sobre o movimento comunista brasileiro. Na maior parte dos casos, a abundância de informações factuais, rigorosamente precisas e alinhadas cronologicamente, conduz à submersão do processo histórico global, confirmando o velho dito de que uma árvore pode encobrir a floresta. Na verdade, não há nada de errado na compulsão documentalista do método do Professor Dulles: os ensaios interpretativos nunca poderiam ser feitos sem a matéria-prima da chamada histoire événementielle. Na França, aliás, a pátria de eleição da história estrutural no estilo dos Annales, assiste-se a uma retomada da história tradicional, depois de décadas de ditadura do processo sobre o evento. Em defesa do “narrador” Dulles deve ser dito que jornais antigos, documentos raros, protagonistas diretos e testemunhas privilegiadas não costumam freqüentar voluntariamente os gabinetes dos historiadores “interpretativos”. É preciso um árduo esforço de leituras, disposição para realizar centenas de entrevistas pessoais e, muitas vezes, uma resistência comprovada a poeira, traças e diversos tipos de roedores “críticos” para que obras do quilate das de Dulles venham à luz. A já vasta produção historiográfica do brasilianista de Austin tornou-se assim um referencial obrigatório para os historiadores e cientistas sociais brasileiros, fornecendo substrato material a uma visão global de nosso processo de desenvolvimento político e social.
O mais famoso brasilianista americano, que dividia seu ano acadêmico entre as cadeiras de Estudos Latino-americanos na Universidade do Texas em Austin e de História na Universidade do Arizona em Tucson, trabalhou em seus últimos anos em biografias políticas, uma das quais de Carlos Lacerda. A apresentação meticulosa e objetiva, ainda que elogiosa, da atuação política e jornalística do mais famoso tribuno do regime de 1946, pode abrir caminho a uma reavaliação crítica dessa figura controversa de nossa história. Lacerda foi odiado ou exaltado, por adversários e admiradores, mas raramente examinado com isenção. A historiografia contemporânea produzida no Brasil, geralmente de orientação progressista quando não esquerdista, tem sido implacável com o “demolidor de Presidentes”, como era conhecida essa figura de proa da UDN. Indiferente a nossas paixões partidárias, o Professor Dulles contribuiu recuperar para o presente um animal político que parece irremediavelmente extinto no cenário nacional: o líder de massas e o insuflador de opiniões. Ele não deu, infelizmente, continuidade à sua pesquisa sobre as correntes de esquerda na política brasileira. Anarquistas e Comunistas cobria os primeiros 35 anos do século XX e O Comunismo no Brasil contava a história do PCB entre 1935 e 1945. A documentação acumulada por Dulles sobre o período mais recente lhe permitiria, por exemplo, reconstituir a história do comunismo no Brasil em sua fase de ascensão e declínio, isto é, 1945-1964, e depois relatar a experiência dos movimentos de esquerda entre o golpe militar e a anistia de 1979. Cumprido este programa, o filho do ex-Secretário de Estado de Eisenhower teria deixado uma marca indelével na historiografia política brasileira, revelando a muitos de nós detalhes pouco conhecidos de nossa própria história.
Infelizmente, ele veio a falecer em junho de 2008, em plena atividade intelectual. Seu último livro publicado (em 2007) foi, justamente, Resisting Brazil's Military Regime: An Account of the Battles of Sobral Pinto, já traduzido e publicado no Brasil. Independentemente de considerações metodológicas que se possa fazer sobre sua obra, sua história “narrativa” vai seguramente resistir à marca do tempo e fornecer a mais de uma geração de historiadores brasileiros o fio condutor de sábias “interpretações” e doutas “lucubrações” sobre a política brasileira no decorrer do século XX.
sábado, 18 de dezembro de 2010
J’accuse...! A Verdade em Marcha, de Émile Zola
O que estou lendo?
J’accuse...! A Verdade em Marcha
Autor – Émile Zola
Tradução de Paulo Neves
Prefácio de Henri Guillemin
Editora – L&PM
Contra-Capa
A força da liberdade de expressão
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Alfred Dreyfus |
Como jamais visto na história da imprensa até então, Émile Zola (1840-1902) mobilizou a opinião pública francesa para tentar corrigir uma das maiores injustiças cometidas pelo Estado contra um indivíduo. Cidadão francês, oficial de artilharia e judeu, Alfred Dreyfus foi vítima de uma armação política. Em 13 de janeiro de 1898, Zola tornou pública sua opinião em J’accuse, uma carta aberta ao presidente da república da França em defesa de Dreyfus, publicada no jornal L’Aurore, com tiragem de trezentos mil exemplares. Era a primeira de uma série de denúncias sobre o caso, que dividiu o país, redesenhando os contornos da direita e da esquerda francesas. Uma ode à liberdade de expressão e aos direitos humanos, J’accuse se tornou um marco na história do jornalismo e mostrou a força dos intelectuais frente à opinião pública e ao Estado. Este livro apresenta esse e outros artigos que Zola escreveu e posteriormente reuniu sob o nome de J’accuse...! A verdade em marcha, revelando as entranhas de um dos maiores atentados às liberdades individuais perpetrados por um país contra um só homem.
O autor
Émile Zola
(1840-1902)
(1840-1902)
Émile Zola nasceu em 10 de abril de 1840, em Paris, filho de François Zola, um engenheiro italiano, e da francesa Émilie Aubert. Em 1843, a família se mudou para Aix-en-Provence, no sul da França, onde o futuro escritor conheceu Paul Cézanne, de quem se tornaria grande amigo. Quando Zola tinha sete anos, seu pai morreu, deixando a família em dificuldades financeiras. Em 1858, ele se mudou com a mãe para Paris, onde passou a juventude, e começou a escrever sob a influência do romantismo. A mãe de Zola queria que o filho estudasse Direito, mas ele fracassou no exame de conclusão da escola.
Antes de se dedicar unicamente à ficção, Zola trabalhou na editora Hachette e escreveu colunas literárias, crônicas e crítica de artes para jornais. Nos textos sobre política, não escondia sua antipatia por Napoleão III. Durante os anos de formação, escreveu uma série de histórias curtas e ensaios, além de peças e novelas. Um dos seus primeiros livros foi Les contes á ninon, publicado em 1864. Quando o sórdido romance autobiográfico La confession de Claude foi publicado, em 1865, o autor atraiu a atenção da polícia e da opinião pública. Nessa época, conheceu Manet, Pissarro, Flaubert e os irmãos Goncourt e, em 1870, casou-se com Alexandrine Meley, mas foi com a amante, Jeanne Rozerot, que teve dois filhos.
Émile Zola |
Depois do primeiro romance de sucesso, Thérèse Raquin (1867), Zola começou a longa série chamada Les Rougon Macquart (1871-1893), uma história social de uma família no Segundo Império, que chegou a vinte volumes, mostrando o mundo dos camponeses e trabalhadores. O resultado foi uma combinação de precisão histórica, riqueza dramática e um retrato acurado dos personagens.
A publicação de L’Assommoir (1877), uma descrição profunda do alcoolismo e da pobreza na classe trabalhadora parisiense, fez de Zola uma dos mais conhecidos escritores da França. O tratado Le Roman expérimental (1880) manifestou a crença do autor na ciência e na aceitação do determinismo científico.
Em 1885, Zola publicou uma de suas principais obras, Germinal, retratando uma greve de trabalhadores das minas de carvão. O livro foi atacado pela direita como sendo um chamado para a revolução. Nana (1880), outro famoso trabalho do autor, leva o leitor ao mundo da exploração sexual. Les quatre Evangiles, tetralogia iniciada com Fécondité (1899), foi deixada inacabada.
Zola arriscou a carreira - e a vida – ao publicar J’accuse, uma carta aberta ao presidente da República francesa, editada na primeira página do jornal L’Aurore, na qual defendia a inocência de Alfred Dreyfus e criticava a postura antissemita e autoritária do alto escalão do exército francês. Em função disso, Zola foi condenado à prisão e expulso da Legião da Honra em 1898. Conseguiu escapara para a Inglaterra, onde permaneceu até 1899. Nesse mesmo ano, Dreyfus – após o perdão presidencial – foi solto, mas somente em 1906 o Estado reconheceu a injustiça cometida.
Em 29 de setembro de 1902, sob misteriosas circunstâncias, Zola morreu asfixiado por monóxido de carbono enquanto dormia. De acordo com algumas especulações – inclusive do filho de Zola, Jacques-Émile -, os seus inimigos teriam bloqueado a chaminé do seu apartamento para matá-lo. Em 1908, os seu restos mortais foram transferidos para o Panteão de Paris.
domingo, 14 de novembro de 2010
Tratado sobre a tolerância, de Voltaire
O que estou lendo?
Tratado sobre a tolerância
Autor – Voltaire
Tradução de William Lagos
Editora – L&PM

Contra-Capa
Um clamor contra a injustiça e a intolerância
Na França, nas décadas anteriores à Revolução Francesa, Jean Calas, um comerciário protestante da cidade de Toulouse, foi acusado de assassinar o filho, que queria se converter ao catolicismo. A sentença foi a pena de morte, e a execução – no suplício da roda, sob tortura – ocorreu em 1762. Voltaire, convencido da inocência do condenado, denunciou a injustiça e escreveu Tratado sobre a tolerância, texto com o qual iniciou uma campanha para sua reabilitação. O caso ganhou proporções enormes, transformando-se numa triste metáfora dos conflitos religiosos que há séculos grassavam no país. Devido à repercussão deste libelo, em 1765, Jean Calas foi postumamente inocentado.
Com uma ironia ferina e seu estilo inimitável, o filósofo iluminista faz um apelo em prol do respeito aos credos e da liberdade religiosa. Escrito em 1763, Tratado sobre a tolerância revela-se, hoje, dois séculos e meio depois, uma reflexão atualíssima sobre o sistema judiciário, sobre a responsabilidade dos juízes e sobre os efeitos perversos que as leis podem ter.
O autor



(*) - A religião natural é baseada na razão e na experiência, em oposição à religião de revelação, baseada na bíblia. (N.E)
sábado, 18 de setembro de 2010
Diálogo no Inferno
O que estou lendo
Diálogo no Inferno entre
Maquiavel e Montesquieu
Ou
A Política de Maquiavel no século XIX,
por um contemporâneo
Autor - Maurice Joly
Editora Unesp
Tradução – Nilson Moulin
356 páginas
Apresentação
Por Maria das Graças de Souza
Professora de Filosofia da USP
As Circunstâncias da Composição do Livro
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Maquiavel |
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Montesquieu |
Quando Maurice Joly publicou o seu Diálogo no Inferno entre Maquiavel e Montesquieu, em 1864, a França vivia sob a mão de ferro de Napoleão III. Nascido Luis Napoleão Bonaparte, sobrinho do primeiro Napoleão, ele havia, em 1848, sido eleito deputado da Assembléia Constituinte francesa e, no final do mesmo ano, foi eleito presidente da República com enorme maioria dos votos. Em 1851, planejou um golpe contra o Parlamento, mandou prender e deportar numerosas figuras públicas de várias tendências políticas e, em 2 de dezembro, assinou um decreto que dissolvia a Assembléia Legislativa. Com esse golpe de Estado, Napoleão ganhou poderes ditatoriais. No ano seguinte, chamou um plebiscito pelo qual, com quase a totalidade dos votos, instituiu o Império e transformou-se em Imperador da França com o titulo de Napoleão III. Em 1870, na guerra contra a Prússia, o imperador foi capturado pelo exército prussiano em Sedan. A Assembléia Nacional, que por pressões dos liberais havia sido restaurada, decidiu pela sua deposição e proclamou a Terceira República Francesa.
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Karl Marx |
Foi a respeito de Napoleão III que Marx escreveu o famoso livro O 18 brumário de Luis Bonaparte, publicado em 1852. Referindo-se ao fato de Luis Bonaparte ter tentado imitar seu tio, o primeiro Napoleão, Marx construiu a conhecida passagem: “Hegel observa em uma de suas obras que todos os fatos e personagens de grande importância na história do mundo ocorrem, por assim dizer, duas vezes. E esqueceu-se de acrescentar: a primeira vez como tragédia, a segunda como farsa”. Farsa ou não, o fato é que os poderes imperiais assumidos por Napoleão III desencadearam as reações de liberais e republicanos franceses, dentre eles Maurice Joly, que havia abandonado pelo meio seus estudos de direito e estava em Paris em 1851, época da ascensão de Luis Bonaparte.


O Tema do Diálogo: A Força ou a Lei
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Frederico II |
Maquiavel é representado no Diálogo segundo a visão tradicional que faz dele o defensor do uso da força na política. Essa visão tradicional, que teria dado conteúdo ao termo “maquiavelismo” como símbolo da astúcia dos governantes, foi constituindo-se desde a época do próprio Maquiavel e atravessou os séculos. Frederico II da Prússia, em 1740, publicou, em francês, uma crítica de O Príncipe, de Maquiavel, intitulada O anti-Maquiavel, na qual afirmava que ia “tomar a defesa da humanidade contra um monstro que quer destruí-la” e oferecer um antídoto ao veneno contido no livro do pensador florentino. Para Frederico II, O Príncipe era uma das obras mais perigosas que já tinham sido publicadas e certamente corromperia os governantes ambiciosos, ensinando-lhes máximas contrárias ao bem dos povos. (²)
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Maurice Joly autor da obra |
Curiosamente, a personagem fictícia de Maquiavel no diálogo de Joly mostra conhecer essa tradição, refere-se mesmo a O anti-Maquiavel de Frederico, defende-se das acusações dizendo que “o maquiavelismo é anterior a Maquiavel”, não aceita a paternidade dessa doutrina que lhe atribuem e afirma que seu único crime foi o de “dizer a verdade, tanto aos povos quanto aos reis; não a verdade moral, mas a verdade política; não a verdade como devia ser, mas tal como ela é” – ou seja, descreve o Estado tal como ele é, assim como os médicos descrevem as doenças. Enfim, resume sua doutrina para Montesquieu: “todos os homens aspiram a dominar e, caso pudesse, ninguém deixaria de ser opressor”. Acrescenta que “a liberdade política é apenas uma idéia relativa; a necessidade de viver é o que domina tantos os Estados quanto os indivíduos”. Assim, crê que não ensinou nada aos príncipes que eles já não soubessem por sua prática.
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Maria das Graças de Souza Professora de Filosofia USP Apresentadora da obra |
A personagem de Montesquieu no Diálogo de Joly parece ser mais fiel ao pensamento do filósofo. Em suas réplicas ao discurso de Maquiavel, Montesquieu afirma que a força é só um acidente na história das sociedades constituídas, e que não são os homens que garantem a liberdade, mas as instituições, e essas se fundam em princípios, tais como o da legalidade, de modo que as relações entre o príncipe e os súditos repousem sobre as leis. É claro que ocorrem abusos, mas os abusos não condenam as instituições. Na Europa moderna, diz Montesquieu, o despotismo é afastado pela instituição da separação dos poderes do Estado, de tal modo que o mecanismo de regulação e o controle recíproco entre esses poderes impeçam a opressão e garantam as liberdades dos cidadãos e o respeito às leis constitucionais.
A Má Fortuna do Texto
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Czar Nicolau II |
O Diálogo no inferno de Maurice Joly foi objeto de uma das maiores fraudes de que se tem notícia, e de consequências graves. Em 1905 foi publicado na Rússia, sob os auspícios da polícia secreta do czar Nicolau II, um livro apresentado como um conjunto de atas que relatavam reuniões secretas de sábios judeus, as quais revelavam um plano para dominar o mundo. Ora, afirmar a existência de um grande complô judaico era uma forma de desviar a atenção do povo russo das dificuldades reais daquele momento. Esse livro é o famoso Protocolos dos sábios de Sião, que se tornou instrumentos de libelos antissemitas, servindo mais tarde de inspiração para o regime nazista.
Desde o início de sua divulgação, contudo, a farsa começou a ser denunciada. Reportagem do jornal inglês The Times, em 1921, mostraram afinal que havia muitas partes dos Protocolos que eram cópias literais de passagens do Diálogo no inferno de Maurice Joly. Os planos de dominação de Napoleão III da França foram transformados, nos Protocolos, no plano de domínio do mundo por parte dos judeus, e as palavras da personagem Maquiavel do livro de Joly foram postas na boca dos sábios de Sião. Vários outros estudos seguiram-se provando a fraude. Mas essa nefasta apropriação do texto de Joly não nos deve impedir de discernir o sentido do Diálogo no inferno. Na conversa entre os dois filósofos, a fala de Maquiavel, que “corta como faca” assevera que “a liberdade política é apenas uma idéia relativa”, que “em todos os lugares, a força aparece antes do direito”, que a própria palavra “direito” é vazia. Por isso dá preferência ao “governo absoluto”, por causa da “inconstância da plebe”, de seu “gosto inato pela servidão”. O povo, deixado por sua conta, “só saberá se destruir”.
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França - Século XIX |
Ora, para a personagem Montesquieu, quando se trata de política, “é necessário chegar a princípios”: a violência não poderá ser erigida em princípio, a astúcia não pode ser a máxima de governo. Não se pode apresentar como fundamento da sociedade precisamente aquilo que a destrói. Em um regime constitucional, no qual a fonte da soberania é a nação e no qual as leis garantem os direitos civis, pode-se alcançar a conciliação entre a ordem e a liberdade e entre a estabilidade e a transformação, garantir a participação dos cidadãos na vida pública e proteger a liberdade individual. Desse modo, no embate imaginado por Joly entre O espírito das leis e O Príncipe, o que está em jogo é a defesa dos regimes de liberdade contra os regimes autoritários. Concebido para criticar o regime de força de Napoleão III na França do século XIX, o Diálogo no inferno de Maurice Joly pode ainda ser, quase 150 anos depois de publicado pela primeira vez, fonte de reflexão para os leitores do século XXI.
(¹) - Joly, Maurice, Son passe, son programme. Paris, Lacroix, 1870.
(²) - (Frederico II. L’anti-Maquiavel. La Haye, 1740, prefácio do autor. Claude Lefort analisou longamente essa tradição interpretativa, da qual Frederico da Prússia é um dos representantes, em seu livro Machiavel, Le travail de l’oeuvre. Paris. Gallimard, 1972)
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