Aracaju/Se,

domingo, 24 de julho de 2011

Mulheres da antiguidade - SEMÍRAMIS

Isto é História

Mulheres Audaciosas da Antiguidade
SEMÍRAMIS
Vicki León

As mulheres audaciosas freqüentemente são acusadas de “usar as calças na família”, o que parece ser justo, já que as calças provavelmente foram inventadas por uma dona de casa há 2.800 anos – uma mulher chamada Semíramis. No início, Semíramis tinha assuntos mais importantes a tratar do que fazer declarações relativas à moda. Nascida uma princesa da Caldéia, ela tirou a sorte grande ao casar com o rei Shamsi-Adad V da Assíria. Isso aconteceu no século IX a. C., quando o poderio militar dos assírios tomou controle da maior parte da Mesopotâmia. Todavia, a própria sorte da rainha só passou a funcionar quando Shamsi-Adad morreu em torno de 812 a.C., e ela ocupou o trono do seu filho Adad-Nirari.

Sob sua liderança, um novo sistema de canais e represas irrigou as planícies entre os rios Tigre e Eufrates, e as cidades gêmeas de Nimrud e Nínive se tornaram os pólos brilhantes da Assíria. Como uma verdadeira manipuladora de poder, Semíramis liderou expedições militares contra os medas, indo até a Índia, e forjou alianças táticas a oeste, alcançando a Turquia. Em uma dessas expedições – talvez na época da construção de estradas, que ela fez do friorento norte do Irã até as montanhas Zagros -, ela apresentou o protótipo das calças, tendo em mente que elas tornavam mais difícil diferenciar as mulheres dos homens. Como camuflagem ou para proteger do frio, as calças se tornaram um item da moda – mas foram os homens que ficaram loucos por elas (como não eram muitas as mulheres que galopavam pelas geladas regiões rurais liderando exércitos, passou-se um bocado de tempo até que as mulheres voltassem a gostar de calças).

Antigos escritores dão “crédito” a Semíramis pela introdução dos eunucos, ou homens castrados, na burocracia da Assíria. Os eunucos não eram apenas sujeitos gordos vigiando haréns, eram indivíduos de carreira – servidores civis, sumos sacerdotes, funcionários do mais alto escalão do palácio. Como os eunucos aparecem nas primeiras referências da Bíblia, é óbvio que não foi Semíramis que inventou esse conceito, embora ela possa tê-lo divulgado mais. Afinal de contas, porque Semíramis e outros soberanos aprovavam os eunucos? Eles acreditavam que os eunucos (não tendo filhos ou esposas) eram mais dedicados aos seus trabalhos – talhados, diríamos, sob medida para o serviço.

Embora tenha sido freqüentemente descrita como inteligente e corajosa, Semíramis também recebeu críticas, sendo acusada de usar os homens como “lenços de papel”, assim como de ter uma inclinação pelo próprio filho. Um escritor até disse que ela inventou um cinto de castidade masculino – para manter as outras mulheres afastadas do seu filhinho enquanto ela estava no campo de batalha! Seguramente, esse feito de engenharia pode ser adicionado à longa lista de milagres e de fofocas sensuais atribuídos à vida de Semíramis séculos mais tarde. Em Assur, a capital, seu monumento real ainda se ergue entre os dos reis assírios. Se ela tivesse sido corrupta ou mesmo incompetente, seu filho teria apagado quaisquer indícios da existência de Semíramis; afinal, ele também não era um assírio sentimental.

(*) – No próximo domingo, dia 31 de julho de 2011, você vai conhecer NA’QIA, que saiu-se muito bem como maquinadora dos tempos mesopotâmicos. Nascida em Canaã, chegou à corte de Senaqueribe em Nínive como uma pessoa sem importância – uma concubina ou joguete político – mas não por muito tempo. Casou-se com Senaqueribe, um dos reis mais cruéis da Assíria. Tudo isso em 669 a. C.

Fora de Órbita

Artigo Pessoal

Fora de Órbita
Clóvis Barbosa (*)
“Ah, Zeus, tu és um tirano! Não tens pena do homem. Primeiro tu o crias, e depois enche-lhe a vida de tormentos e desgraças!”. Foram essas as palavras com as quais Homero acusa Zeus, o soberano dos deuses e dos homens, pela amargura da vida de Odisseu. O que leva um grupo de servidores públicos relembrar um dos episódios que mais envergonha a humanidade: morte na fogueira! A simbologia retratada pela imagem de deputados e governador travestidos em bonecos de panos e queimados em praça pública sob os olhares frenéticos e odiosos, aos gritos lancinantes de satisfação, nos faz acreditar que continuamos vivendo numa baderna generalizada, onde o absurdo e o ridículo se entrelaçam numa fulgurante aliança e que desboca na incivilidade. E olhe que essa prática de queimar pessoas na fogueira foi abolida há mais de dois séculos, sendo considerada uma das páginas mais abjetas da história da humanidade. É sabido que a inquisição, responsável pela morte coletiva na fogueira, em penas aplicadas pelos tribunais públicos medievais, funcionava como corte de exceção, sempre castigando aqueles que não rezavam pela sua cartilha. É verdade, que a prática foi iniciada pelos reformistas, na idade média, que combatiam o status quo da igreja católica, que vivia cercado de uma pompa imperial, cujo poder político fazia-o esquecer-se das obrigações religiosas e, em contrapartida, vivia envolvida em intrigas da corte. Os reformistas consideravam a igreja dispensável e acreditavam que o Reino de Deus estava no coração de cada pessoa.

Embora os reformistas tenham criado os chamados “demônios da heresia”, cujos adeptos eram arrebanhados na Europa, foi na igreja católica romana que a inquisição teve o seu maior esplendor. Em 1022, a igreja criou o primeiro Tribunal Público Medieval em Orleans contra a Heresia e suas primeiras vítimas foram justamente os reformistas. O terror e a delação estavam na ordem do dia e as mortes na fogueira eram inevitáveis. Os suspeitos eram perseguidos e julgados e as penas impostas variavam desde a prisão temporária ou perpétua até a morte na fogueira, onde os condenados eram queimados vivos em praça pública, sob os olhares da multidão que vibravam com a cena dantesca. Esta forma de julgamento se alastrou por toda a Europa, exceção apenas da Inglaterra. Muitas figuras da ciência foram perseguidas, censuradas e até condenadas por defenderem teses e idéias contrárias à doutrina cristã. Dois casos bastante conhecidos foram o de Galileu Galilei e Giordano Bruno. O primeiro, astrônomo italiano que afirmava que o planeta Terra girava ao redor do Sol, escapou por pouco da fogueira; o segundo, também cientista italiano, não teve a mesma sorte, sendo julgado e condenado à morte por heresia ao defender idéias semelhantes, sendo queimado vivo na fogueira. Mulheres, homossexuais, judeus, muçulmanos, reformistas, cientistas, loucos e até quem tomava banho eram vítimas da inquisição. Era tido como bruxaria e passível de punição com a morte a prática de cura através de chás ou remédios feitos de ervas ou outras substâncias. Até sorrir era proibido.

Mas foi na Espanha que a inquisição foi mais marcante. Autorizada por um Bula do Papa Sisto IV, em 6 de fevereiro de 1481 seis pessoas foram queimadas vivas na estaca. Em Sevilha, em novembro desse mesmo ano, 288 pessoas foram queimadas ao mesmo tempo. Tomas de Torquemada foi a face mais aterrorizante da inquisição nesta época. Conta-nos Michael Baigent e Richard Leigh, na sua obra “A Inquisição”, Editora Imago, 331 páginas, que um certo abade Domenico, ao ser nomeado como inquisidor-geral de uma cidade francesa, determinou aos soldados que matassem todos os hereges de uma pequena província. No meio do caminho, o comandante da tropa perguntou a si mesmo como saber quem eram os hereges que deveriam ser assassinados. Destacou um soldado para retornar ao abade Domenico e o perguntasse como separar os praticantes de heresia dos não praticantes. A resposta foi taxativa: Matem-os todos. Deus saberá separá-los. E toda população da pequena província foi dizimada num fogaréu arrepiante. Os inquisidores tinham tanto poder e influência que rivalizavam com os próprios monarcas. O próprio abade Domenico, segundo os mesmos autores, pelos prestimosos serviços dedicados à “santa inquisição”, foi canonizado num dos processos mais rápidos da história da Igreja, transformando-se em santo. No Brasil, embora instalados no período colonial, os tribunais inquisitórios não tiveram muita força como na Europa, mas também fez as suas vítimas em alguns casos relacionados com heresia e perseguição a judeus que viviam no País.
Vladimir Herzog

A Igreja nega veementemente as estatísticas de morte praticadas pelos tribunais de inquisição. Recentemente, expôs pela primeira vez alguns documentos raros desse período, que se encontravam abertos apenas para estudiosos. A exposição chama-se Rari e preziosi. Documenti dell’età moderna e contemporanea dagli Archivi del Sant’Uffizio. Constam termos regulamentares, procedimentos de julgamento, e correções de desenhos das imagens. Nessa exposição, documento explicita que execuções "bárbaras", como queimar condenados, foram empregadas em pouquíssimos casos (na Espanha, por exemplo, apenas 1,8% dos hereges teriam sido queimados). Não é esta, contudo, a visão dos estudiosos da matéria. A literatura é riquíssima em mostrar as barbaridades ocorridas num período de 300 anos, onde a inquisição mandou e desmandou. Pena que grande parte dos documentos desses tribunais se perdeu e o número verdadeiro de todos esses assassinatos nunca será revelado. De qualquer modo, tratou-se de uma experiência sombria, horripilante e vergonhosa para a civilização e para todos nós que somos cristãos. Assim, recuso-me a aplaudir manifestações, mesmo simbólicas, como aquelas de queimar vivas na fogueira autoridades coroadas com o manto da escolha popular. Faço minha as palavras do jornalista Vladimir Herzog, brutalmente torturado e morto pela ditadura militar instalada no País em 1964: “Quando perdemos a capacidade de nos indignar com as atrocidades cometidas contra os outros, perdemos também a nossa condição de seres humanos”.

(**) Publicado no Jornal da Cidade, Aracaju-SE, edição de domingo e segunda-feira, 3 e 4 de julho de 2011, Caderno A, pág. 7.

segunda-feira, 18 de julho de 2011

Mulheres da Antiguidade - KIYA

Isto é História

Mulheres Audaciosas da Antiguidade
KIYA
Vicki León

O fulgurante, mas inconseqüente rei Tut (Tutancâmon da décima oitava dinastia do Egito, 1334-1325 a.C.), recebeu mais do que seus quinze minutos de fama. Mas e sua mãe? Afinal, quem era ela? Até recentemente, parecia que o jovem Tut, que morreu com apenas dezoito anos, era filho do não- ortodoxo faraó Akenaton e de sua deslumbrante mulher, Nefertiti, que também não se deu tão mal na categoria de adulação por parte da imprensa. Como as árvores genealógicas das famílias reais são sobrecarregadas de incestos, não é de se admirar que ainda existam dúvidas. Mas há uma candidata muito mais promissora, a mãe de Tut, uma mulher cuja história é tão merecedora de seus quinze minutos de atenção quanto a de seu filho.

Seu nome de nascença era Tudukhepa, a real filha do rei Tushratta, procedente do reino de Mitani, distante das fronteiras do Egito na Mesopotâmia. Os mitanitas eram um povo misterioso – até hoje existem poucos detalhes sobre sua cultura. Uma sociedade louca por cavalos, os mitanitas usavam carruagens de guerra em suas batalhas travadas contra o Egito pela Síria, país situado entre eles e cobiçado pelas duas nações.

A vida de Tudukhepa coincidiu com a era da Amarna no Egito, quando a religião, a cultura e as artes foram sacudidas até a essência. Os co-sacudidores foram Nefertiti e Akenaton, ambos sonhadores brilhantes que desejavam introduzir o culto a um só deus – e que astutamente reduziram o poder inflado do clero de Amon, há muito tempo entrincheirado. Esse casal realmente adorava a vida em família; eles e suas seis filhas compõem o grupo familiar mais retratado na história. Em nenhum lugar aparece algum filho. Se Tut fosse filho deles, a essa altura já teríamos visto seus retratos de bebê.

Na época em que Tudukhepa estava crescendo, os mitanitas desfrutavam relações cordiais com os egípcios, que haviam transferido sua capital para Tebas em Armana. Para cimentar sua trégua, os dois reis decidiram fazer a união de Tudukhepa com Akenaton (a maioria dos reis apreciava suas filhas mais dos que os pais plebeus; alianças político-sexuais eram convenientes, e muito úteis para a segurança do cargo). Tudukhepa partiu para o Egito, acompanhada por seu pai, presentes de casamentos, como instrumentos musicais raros, e por uma comitiva de fazer inveja a qualquer estrela de rock. Embora Akenaton já fosse casado com uma mulher realmente atraente (e com outras mulheres), Tudukhepa conquistou pelo menos um pedaço de seu coração. Após a cerimônia, em vez de enfurná-la nos aposentos das esposas secundárias, ela se tornou uma de suas favoritas. Ele lhe deu o nome egípcio de Kiya, e títulos tais como “Esposa Muitíssimo Amada”. Muitos artefatos com hieróglifos de Kiya foram encontrados.

Em seu devido tempo, kiya teve uma filha; as outras duas aparecem nos relevos das paredes em Amarna. Mas os eventos deram uma virada trágica durante o décimo primeiro ano do reino do faraó: Kiya desapareceu. Acredita-se agora que ela tenha morrido ao dar à luz seu segundo filho, o menino de ouro, que morreria muito jovem.

(*) – No próximo domingo, dia 24 de julho de 2011, você vai conhecer SEMÍRAMIS, que tirou a sorte grande ao casar com o rei Shamsi-Adad V da Assíria, no século IX a.C., quando o poderio militar dos assírios tomou controle da maior parte da Mesopotâmia. Com a morte do marido passou a governar o país em nome do seu filho Adad-Nirari. Ela introduziu o uso de calças compridas pelas mulheres e, embora tida como inteligente e corajosa, foi acusada de usar os homens como “lenços de papel”.

À paz perpétua, de Kant

O que estou lendo?

À paz perpétua
(Zum ewigen Frieden)
Autoria: Immanuel Kant
Tradução de Marco Zingano
85 páginas
Editora – L&PM Pocket Plus

Contra-Capa
À paz perpétua

Immanuel Kant (1724-1804), um dos maiores filósofos da civilização ocidental, acreditava que o entendimento entre os homens levaria a uma pacificação entre as nações. À paz perpétua, que foi um enorme sucesso entre a intelectualidade da época, é uma verdadeira surpresa para o leitor atual devido à sua clareza e ao seu pragmatismo. Publicado inicialmente na Alemanha em 1795, é o resultado de toda uma vida de estudo e reflexão crítica sobre a humanidade. Para Kant, as premissas básicas para se chegar a esse estágio de pacificação incluem um governo republicano, liberdade de pensamento para os cidadãos e respeito à autonomia das federações.

Neste ensaio, Kant ressalta não só como alcançar a paz perpétua, como também esboça o projeto de um órgão responsável por promover a união entre as nações, o papel que hoje cabe à Organização das Nações Unidade (ONU). O que será que se perdeu pelo caminho?

Pequena Biografia
Immanuel Kant
(1724-1804)

A filosofia de Immanuel Kant, considerado um dos pensadores mais influentes da Europa moderna e do último período do iluminismo, situa a razão no centro do mundo. Ele nasceu em Konigsberg, capital da Prússia Oriental (atual Kaliningrado, na Rússia). Sendo o quarto de nove filhos, passou grande parte da vida nas cercanias de sua cidade natal. Dos pais luteranos recebeu uma educação religiosa e severa, baseada em princípios que pregavam uma vida simples, respeito e obediência à moral. Na escola da cidade aprendeu latim e línguas clássicas. Aos dezesseis anos ingressou na universidade de Konigsberg, na qual se aprofundou na filosofia de Gottfried Wilhelm Leibniz e de Christian Wolff, sob a orientação de Martin Knutzen, um racionalista, que apresentou a Kant a nova física matemática de Newton.


Kaliningrado

Em 1746, após a morte do pai, Kant foi obrigado a interromper os estudos universitários e começou a dar aulas particulares para manter a família. Mesmo assim, não se afastou dos estudos e em 1749 publicou sua primeira obra filosófica, Pensamentos sobre o verdadeiro valor das forças vivas. Em 1754 conseguiu retornar à universidade e concluir o doutorado, tornando-se professor universitário. Lecionou lógica, metafísica, filosofia moral, matemática física e geografia.


Universidade de Konigsberg

Na primeira parte de sua vida intelectual, Kant publicou diversas obras nas áreas das ciências naturais e da física, como a História universal da natureza e teoria do céu (1755), na qual esboçou a hipótese da nebulosa, que afirmava que o Sistema Solar se formara a partir de uma grande nuvem de gás, dando novos rumos à astronomia. No início dos anos 1760, Kant, influenciado pela filosofia de Hume, começa a dar forma à tese central de sua filosofia, de que o conhecimento humano pressupõe a participação ativa da mente humana, dando origem a livros que são os pilares de sua obra. São eles: Crítica da razão pura (1781), que criou as bases para a teoria do conhecimento como disciplina filosófica e marcou o início da filosofia moderna, Fundamentação da metafísica dos costumes (1785), Crítica da razão prática (1788) e Crítica da faculdade do juízo (1790). Em comum, todos eles defendem um profundo estudo do conhecimento humano, das formas e dos limites das faculdades cognitivas do homem, partindo do princípio de que o conhecimento começa com a experiência, mas não deriva dela.

Em 1792, Kant publicou A religião nos limites da simples razão, livro que levou o rei Frederico Guilherme II a proibi-lo de ensinar ou escrever sobre temas religiosos. Três anos depois publicou À paz perpétua, obra de sua maturidade, na qual discute as possibilidades da paz e defende o regime republicano. Pacifista, apoiou a independência americana. Kant levou uma vida calma e regrada, não se casou e não teve filhos. Morreu em Konigsberg, dois meses antes de completar 80 anos.

domingo, 10 de julho de 2011

Isto é História

Mulheres Audaciosas da Antiguidade
KISAYA
Vicki León

No antigo Oriente Próximo, as adoções não se referiam necessariamente a crianças. Muitas pessoas adotavam adultos, em especial, jovens e mulheres. A idéia original era bastante boa: “Já que não tenho filhos e você é pobre, eu o adotarei para ser o meu herdeiro”. Para permitir que todos saíssem ganhando, os pais adotivos tinham de fazer um pagamento à vista aos pais biológicos. Em troca, a pessoa recém-adotada, mais à frente na estrada da vida, tinha de cuidar de seus pais adotivos em vez de empurrá-los para a versão local de asilo de velhos. Mas você sabe como é a natureza humana. Às vezes a adoção se tornava eufemismo para escravidão perpétua.

Este era o caso de Kisaya, uma jovem mulher de Nuzi, uma cidade-estado no noroeste da Suméria. Na metade do século XV a.C., ela foi adotada por Tulpunnaya, uma mulher local, já bastante conhecida das cortes sofredoras de Nuzi por seus envolvimentos em disputas jurídicas. Tarde demais Kisaya entendeu que: Tulpunnaya certamente era uma “mãe”, mas do tipo errado. Portanto, ela fugiu, foi perseguida e processada. Não foi presa – foi processada. Esse era o modo como os sumérios conduziam as coisas. Tulpunnaya jogou um processo em cima dela e Kisaya teve de voltar para casa. Então a mãe de todos os maquinadores pensou: porque não usar a obviamente rebelde Kisaya para procriar? Assim, ela escolheu um marido para Kisaya, um sujeito chamado Mannuya. Enquanto isso, Kisaya havia se apaixonado por um homem chamado Arteya, e queria se casar e viver a vida em seus próprios termos. Para poder fazer isso, desta vez Kisaya levou Tulpunnaya à corte (ainda não existiam advogados, portanto era provável que esse tipo de medida custasse menos do que se pensa). Além disso, ela ganhou sua causa, e Kisaya e Arteya se casaram na presença de sete testemunhas.

Mas Kisaya pagou um preço alto pelo amor e pela liberdade de ação. O documento final, de seu agora volumoso arquivo, diz: “Dei neste momento meu filho Inziteshup, cujo pai é Arteya, para Tulpunnaya”. Foram necessárias catorze testemunhas para validar esse doloroso contrato, que foi colocado em seu envelope de argila e cuidadosamente selado com a bainha do vestido de Kisaya. Ela então entregou seu bebê novinho à triunfante Tulpunnaya.

Embora seja necessário um esforço para imaginar a inflexível Tulpunnaya como modelo de alguém, ela parece ter sido exatamente isso para Chanate, sua escrava. Através dos anos, Chanate juntou economias trabalhando por fora, provavelmente como tecelã ou costureira, daí ter conseguido guardar alguns de seus salários. Para fazer seu capital crescer ainda mais, Chanate também adotou uma filha. Sombras de déjà vu: sua filha também fugiu, foi devolvida pela corte e forçada a casar com um escravo. Esse pós-escrito à história de Kisaya é interessante por mais razões do que seu triste eco. A despeito de quão brutais fossem certos aspectos de suas vidas, naquela época, os escravos na Suméria tinham um número surpreendente de direitos jurídicos, desde fazer contratos a ter seus próprios escravos.

(*) – No próximo domingo, dia 17 de julho de 2011, conheça KIYA. Ela viveu no Egito nos anos de 1.320 antes de Cristo. Ela era filha do rei Tushratta, de Mitani, distante das fronteiras do Egito na Mesopotâmia. Ela casou com o rei Akenaton do Egito e era conhecida como “Esposa Muitíssimo Amada”.

sábado, 2 de julho de 2011

Mulheres da antiguidade - ERISTI-AYA

Isto é História

Mulheres Audaciosas da Antiguidade
ERISTI-AYA
Vicki León

Os telefones ainda não tinham sido inventados na Suméria no século XVII a.C., mas adolescentes mimadas e cartas do tipo “queridos mamãe e papai – preciso e dinheiro” já existiam. Sem dúvida, a rainha Shibtu e o rei Zimri-Lim de Mari estremeceram ao receber o seguinte bilhete, um dos muitos de sua filha sacerdotisa Eristi-Aya: “Eu não sou sua representante pessoal frente aos deuses? Afinal eu não rezo constantemente por suas vidas? Então porque não estou recebendo minhas cotas de óleo e mel?”. Eristi-Aya havia sido encorajada ou forçada pelos pais a se tornar uma sacerdotisa nadiatum. Trazidas das classes sociais de realeza ou de famílias financeiramente abastadas, essas sacerdotisas viviam em conventos associados a um determinado templo. Como intermediárias religiosas, seus deveres eram rezar por seus pais e benfeitores, às deusas e deuses sumérios. Na Suméria, somente as mulheres ocupavam esse cargo. Talvez fosse politicamente conveniente ter uma princesa no importante templo de Shamash (o deus sol) e Aya (sua esposa) em Sipar. Ou, julgando do tom das cartas de Eristi-Aya, talvez ela fosse apenas uma chata real no palácio. De qualquer modo, seus pais a enviaram para o templo de Sipar à beira do Eufrates, convenientemente localizado rio abaixo, a muitos quilômetros de distância de Mari.

Lá ela se estabeleceu para viver com outras jovens no gigantesco complexo. Alem de uma pequena e leve sessão de orações, ocasionalmente, as sacerdotisas nadiatum faziam profecias. O que elas não faziam era participar de atividades domésticas, cozinha ou costura. Para o verdadeiro trabalho, o convento estava cheio de empregados, a maioria deles escravas. Cada sacerdotisa tinha pelo menos um empregado; Eristi-Aya tinha mais. Trabalhar para ela não era nenhum piquenique; contudo, em uma outra carta enviada para casa, ela diz ao pai: “Estou sempre tendo de reclamar, sempre! No ano passado você me enviou duas escravas, e uma delas tinha logo de morrer! Agora me trouxeram mais duas e uma dessas também resolveu morrer!”. Coisinha dramática – na realidade sua vida era bastante suntuosa. Ela chegou ao convento com um bonito guarda-roupa e com seu próprio dote, do mesmo modo que aconteceria com uma filha que estivesse se casando. As sacerdotisas iam e vinham do convento, comprando perfumes e jóias ostentosas que pagavam com pedaços de prata, cortados de um anel de prata que elas usavam.

Só a tarefa de responder às cartas de Eristi-Aya, sem mencionar o trabalho de manter o fluxo de óleo e mel e de mão-de-obra, mantinha a rainha Shibtu e o rei Simri-Lim inquietos (sua única sorte era que os cartões de crédito e o shopping centers ainda não haviam entrado em cena). A despeito do teor íntimo de suas cartas, na realidade não sabemos o nome de batismo de Eristi-Aya. Quando ela entrou para o convento, assumiu um dos nomes genéricos de sacerdotisas. Com o tempo, Eristi-Aya, que significava “Pedido de Aya”, deve ter-se tornado um nome assustadoramente apropriado.

A Autora
Vicki León


(*) – No próximo domingo, dia 10 de julho de 2011, conheça KISAYA. Ela viveu em Nuzi, uma cidade-estado no noroeste da Suméria, na metade do século XV a.C. e pagou um preço alto pelo amor e pela liberdade de ação.


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