Aracaju/Se,

segunda-feira, 26 de março de 2012

Mulheres da antiguidade - SHEPENWHEPET

Isto é história
Mulheres Audaciosas da antiguidade
SHEPENWHEPET
Vicki León

Os egípcios podem não ter tido o rock and roll, mas alguns dos nomes e títulos que eles davam poderiam aparecer facilmente na capa da revista Rolling Stone. Por exemplo, Shepenwhepet. Ou que tal a Adoradora Divina? Esse tem realmente um tom no estilo Whitney Houston.

O fato é que Shepenwhepet II, com seu nome melífluo, tanto era uma adoradora divina como uma mulher com verdadeiro poder de permanência. Durante sua existência, no século VII a.C., os assírios (ancestrais espirituais das tropas de choque da Alemanha nazista) estavam à espreita. Liderados por dois dos reis mais perversos da Assíria, eles massacraram facilmente os vizinhos do Egito e cortaram a terra dos faraós com suas botas.

Como adoradora divina, Shepenwhepet II controlava o enorme número de sacerdotes de Amon, um labirinto burocrático de templos, sacerdotes, terras, propriedades e rendimentos financeiros. Anteriormente, o cargo igualmente prestigioso de esposa de deus ou esposa divina, havia sido ocupado por uma sucessão de princesas reais, que mantinham o culto ao deus em nome do rei. Agora os deveres e a autoridade da sacerdotisa chefe de Amon e da esposa do deus haviam sido reunidos num só cargo. Além de poder bruto, a adoradora divina tinha outras mordomias: períodos de oração curtos, não tinha de carregar coisas, só podia ser chamada de “Sua Majestade”, e não tinha filhos ou maridos para cuidar ou prestar satisfações.

O prestígio do cargo era tal que, no meio de toda carnificina entre assírios e egípcios, Shepenwhepet II se manteve tranquilamente em seu posto. A esposa e a família do faraó podem ter sido levadas para a Assíria, o próprio faraó foi espetado cinco vezes com uma lança, as cidades de Tebas e Mênfis foram totalmente queimadas, a população masculina foi posta em correntes, mas ninguém se meteu com a adoradora divina.

É claro que havia um lado desvantajoso: aqueles votos de castidade aborrecidos. Já que filhos estavam fora de cogitação, Shepenwhepet II teve de “adotar” uma filha para sucedê-la, como todas as adoradoras divinas faziam. Por sua vez, sua nova filha Nitocris construiu uma capela mortuária para ela, concluída com uma garantia de que Shepenwhepet receberia oferendas “por toda a eternidade”.

Ramsés II
A primeira esposa favorita e rainha principal de Ramsés II, Nefertari, não era de maneira alguma o prato único – seu marido não-discriminador casou com mulheres hititas, sírias e babilônias, e com um apanhado de suas próprias filhas. Mas, mesmo numa multidão, a linda e amada Nefertari se destacava. Se você fosse casada com um faraó que desejava demonstrar seu amor, ele não trazia jóias ou eletrodomésticos para casa. Ele esbanjava um bocado de dinheiro para lhe assegurar uma esplêndida vida após a morte. No Vale das rainhas, Ramsés II construiu um túmulo para Nefertari digno de se morrer por ele – ou nele. Cada centímetro quadrado brilha recoberto de cor e arte, desde um teto salpicado de estrelas aos afrescos de Nefertari fazendo oferendas e jogando senet, a versão egípcia do xadrez. Senet, com o duplo significado de “passar” e “perdurar”, deve ter sido o jogo de escolha para o túmulo – um pensamento reconfortante para a linda rainha e para o marido pesaroso que ela deixou para trás em 1255 a.C.

(*) - A próxima postagem de Mulheres Audaciosas da Antiguidade, vai abordar a vida de FERRETIMA, primeira dama de Cirene, uma área fértil e pitoresca ao longo da costa da África do Norte. Casada com um rei azarado chamado Battus, após a sua morte, teve uma administração desastrada o que a levou e ao seu filho Arcesilau a fugir. Tentaram reconquistar o reino, mas ela foi abatida por uma enfermidade horripilante.

(**) – Do livro “Mulheres Audaciosas da Antiguidade”, título original, “Uppity Women of Ancient Times”, de Vicki León, tradução de Miriam Groeger, Record: Rosa dos Tempos, 1997.

A autora
Vicki León

terça-feira, 20 de março de 2012

Honra teu pai

Artigo pessoal
Honra teu pai
Clóvis Barbosa
Mais ou menos em setembro deste ano mandei um twitter me solidarizando com os refugiados de Badbaado, o maior campo de refugiados de Mogadício, capital da Somália, onde bebês de poucos meses de nascidos, em pele e osso, olhos vidrados, com moscas passeando sobre os seus rostos cansados pela fraqueza causada pela fome, não lhes davam força, sequer, para chorar. A África, hoje, possui 10 milhões de famintos, distribuídos em Djibuti (120 mil), Etiópia (4, 6 milhões), Quênia (2,4 milhões) e Somália (2,8 milhões). Lembrei-me daquele poema de autor desconhecido: “De cada criança morta, nascerá um fuzil com olhos que terminará por lhe achar o coração”. Os jornais nos informam que um cidadão, Iman Abdi Noono, de 60 anos, caminhou com a família por dez dias para escapar da seca que matou todo o seu rebanho garantidor da sua subsistência. Seguiu em direção à capital da Somália em busca de alimentos e na caminhada viu seis dos nove filhos morrerem de fome. “Carreguei o último nas costas e achei que iria salvá-lo. Mas ele morreu pouco depois de chegarmos”. A Somália, hoje, tem uma população de 9,9 milhões de habitantes, está localizada no chifre da África, mortalidade infantil atinge 105,6 mortes a cada mil nascidos vivos, o saneamento básico atinge apenas 23% da população e a renda per capita é de US$ 600. Há uma insana disputa armada que rachou o país ao meio, de um lado um governo incapaz, de outro o fanatismo da milícia islâmica Al Shabab. Para piorar, os problemas climáticos ligados à seca e que assola o país de norte a sul sem qualquer perspectiva de solução em curto prazo. Grito com Castro Alves, evocando o porquê de tanto sofrimento durante vários séculos: “Deus! Ó Deus onde estás que não respondes? / Em que mundo, em qu’estrela tu te escondes / Embuçado nos céus? / Há dois mil anos te mandei meu grito, / Que embalde desde então corre o infinito.../ Onde estás, Senhor Deus?”.
 
Somos filhos da África. Para aqui vieram os nossos antepassados, como escravos para, com sua força de trabalho, submeter-se a uma exploração do homem pelo homem. Ao chegar ao Brasil, eram açoitados de forma severa para, de logo, acostumar-se no contexto da opressão institucionalizada. Foi tripudiado, espancado, explorado, animalizado em sua dignidade e autoestima. A chibata era o símbolo do instrumento de tortura a ser aplicada àqueles que não se conformavam com o establishment. Pois bem, um engraçadinho, pelo twitter, me mandou às favas, dizendo que eu deveria era me solidarizar com os pobres e oprimidos daqui e não querer ser um pai de povo que eu sequer conhecia. O que fazer! A mediocridade e a insensibilidade são irmãs gêmeas, até porque o que a não ficção complica, a ficção elucida com muita clareza. Ou será o contrário? A verdade é que o meu seguidor de twitter desconhece o que foi a carnificina escravocrata em nosso país. Esquece, por exemplo, que o Brasil foi o campeão mundial da escravidão moderna, chegando ao ponto, em 1820, dois anos antes da Independência, ter uma população onde dois terços eram de escravos. Só nesse ano, desembarcaram no Rio de Janeiro 700 mil africanos. Documentos demonstram que o Rio de Janeiro foi a maior cidade escravista do mundo desde a Roma antiga. E para arrematar: De 1600 a 1850, 4,5 milhões de escravos vieram para o Brasil, dez vezes mais, por exemplo, a quantidade levada para América do Norte. Quer saber mais? Compre e leia “O Navio Negreiro – Uma História Humana”, de Marcus Rediker, professor de história marítima da Universidade de Pittsburg (EUA), tradução de Luciano Machado, Companhia das Letras, 464 págs. Mas, interessante, gostei do epíteto da vontade que supostamente eu teria de pretender ser o pai do povo somaliano, como dito pelo twitteiro. Quem me dera! Mas estou satisfeito por ser filho da África e, seja ela pai ou mãe, é minha pretensão honrá-la.
Salvatore “Bill” Bonanno. Quando morreu, nas primeiras horas do primeiro dia do ano de 2008, o Los Angeles Times colocou sobre o texto do obituário um subtítulo com uma citação do falecido: “Quando eu acordava de manhã, minha meta era viver até o por do sol. E quando a noite caía, minha segunda meta era viver até o amanhecer”. Não, não, Bill Bonanno não era nenhum intelectual! Ele era mafioso, e filho de um dos maiores mafiosos dos EUA, Joseph “Joe Bananas” Bonanno, que controlava uma das chamadas Cinco Famílias de Nova York. Sim, E daí? É porque assisti nesses dias os informativos televisivos. Em um, uma Delegada de Polícia falava de sua pretensão em acabar com a venda de objetos falsificados, como CDs e DVDs. Em outro informativo, toda montagem de uma parafernália para prender um bicheiro conhecido. A gravidade dos crimes cometidos? No primeiro caso, uma Lei, de n° 10.695, de julho de 2003, que deu nova redação ao art. 184 do Código Penal trata da criminalização da conduta de quem viola direitos autorais: a pirataria. As penas variam de três meses de detenção a quatro anos de reclusão. Como se vê, pirataria dá cadeia. No outro caso, vem a Contravenção Penal tipificada como jogo de azar, uma prática centenária no Brasil e que emprega, informalmente, milhares de pessoas. Também é verdade que a policia, o Ministério Público, o Juiz ou quem quer que seja não extorquem e tampouco acusam os cidadãos que subsistem da venda de um CD ou DVD ou realizando apostas para o jogo do bicho. Quem faz isso é a lei. Mas a lei é menor do que o ordenamento jurídico como um todo considerado. Na Alemanha, por exemplo, tutelou-se a teoria social da ação. Para ela, ação “é a conduta socialmente relevante”. Pergunta-se: é socialmente relevante a conduta de quem pirateia ou realiza apostas para sobreviver com dignidade, como quer a declaração universal dos direitos do homem?  É correto exigir conduta diversa dessa pessoa num pais onde as oportunidades de trabalho são escassas?

Pulemos para o elogiado sistema americano e sua relação com a máfia e seus dirigentes. Gay Talese é jornalista, tendo trabalhado no New York Times e na revista Esquire.  Autor, dentre outras obras, de A Mulher do próximo, Fama e anonimato e Vida de escritor. Lançado em 1971, Honra teu pai, originalmente publicado no Brasil com o nome de Honrados Mafiosos, trata do mundo da máfia siciliana centrada nos EUA. Fala da ascensão e decadência de uma família de mafiosos e sua relação com o status quo americano. Fala da Sicília, uma ilha italiana cuja história tumultuada obedeceu a diversas leis ligadas aos seus conquistadores, como a grega, romana, árabe, godo, normando, angevino, aragonês, enfim, todo mundo que lhe invadia introduzia um novo arcabouço jurídico, e como sempre, privilegiando os poderosos. Fala de corrupção do aparelho policial e de suas relações ignominiosas com a máfia, ora a combatendo, ora lhe extorquindo, ora utilizando-se da sua existência para exigir privilégios do poder estatal. Mas não me interessa a podridão do sistema com as suas hipocrisias. Mas, a relação pai/filho entre Joe e Bill. Um jornalista do New York Times perquiriu de Bill Bonanno quem ele era e porque, nascido na América, diferentemente da geração dos antigos mafiosos, não optou pela sua integração à sociedade, optando por manter-se nos negócios escusos do pai. Ele não respondeu como Gasset e Gasset: “Eu sou eu e minhas circunstâncias”. Disse apenas que foram as “circunstâncias“ e o modelo que representava seu pai para ele. Deus nos exorta a honrar nosso Pai. Tanto valoriza que incluiu esse princípio nos 10 mandamentos (Êxodo 20:12) e no Novo Testamento: “Vós, filhos, sede obedientes a vossos pais no Senhor, porque isto é justo. Honra a teu pai e tua mãe, que é o primeiro mandamento com promessa, para que te vá bem, e vivas muito tempo sobre a terra (Efésios 6:1-3).

(*) – Publicado no Jornal da Cidade, Aracaju-SE, edição de domingo e segunda-feira, 25 e 26 de dezembro de 2011, Caderno A, pág. 7.

terça-feira, 13 de março de 2012

Mulheres da Antiguidade - MAKEDA

Isto é história
Mulheres Audaciosas da antiguidade
MAKEDA
Vicki León



     Três mil anos antes do advento dos cartéis de petróleo, a rainha Makeda, governante da doce e cheirosa terra de Sabá (provavelmente a região do Yêmen na Arábia, mais uma porção próxima da Etiópia), havia construído um agradável quase-monopólio de especiarias. Sabá não tinha muito mais do que isso, mas suas terras eram tão repletas de bálsamo, mirra, cássia e outras ervas aromáticas, que o cheiro inebriante das flores podia ser detectado pelos viajantes quando os navios passavam ao largo.


A mirra, o bálsamo e as outras especiarias tinham muitas virtudes: volume reduzido, preço elevado, uma longa data de validade e com uma grande demanda para remédios, condimentos, para preservação de carne, uso religioso e como desodorantes de aposento. Comerciante astuta, Makeda sabia que a expansão de suas redes de comércio traria ótimas perspectivas para as bases de Sabá. Com isso em mente, planejou uma viagem de vendas a um cliente que usava mais incenso do que quase qualquer outra pessoa – o rei Salomão em Jerusalém, 3.218 quilômetros ao norte no passo lento e penoso do camelo.

Na primeira “reunião de cúpula do perfume”, a rainha avaliou Salomão, vendo um homem com charme e cérebro. Makeda tinha uma queda por filosofia como também por assuntos mais práticos: ela havia trazido umas perguntas difíceis para o rei. Do lado negativo, viu um homem com grandes preocupações financeiras. Aquele palácio com seus pilares feitos de árvores da floresta do Líbano e a refrescante sala do trono eram lindíssimos, mas estavam lhe custando os olhos da cara. O homem sustentava quase mil esposas e concubinas, todas consumindo três refeições completas por dia, e sem um cardápio único.

Depois que Makeda lhe exibiu a carga de sua caravana, com jóias, ouro e amostras de especiarias, eles tomaram uns drinques e ela ouviu a história confidencial: o rei Salomão estava com um pesado déficit. Para apurar recursos, ele contava com suas minas de cobre e ferro e alguns empreendimentos de vendas a varejo de carruagens e cavalos, mas estava longe de ser o suficiente. Ele já estava taxando ao máximo seus cidadãos, e tinha até colocado alguns judeus livres para mão-de-obra de trabalhos forçados. Makeda viu que a única maneira que ele tinha de fazer um conserto rápido na situação para espremer mais recursos seria aumentar as taxas de pedágio e alfândega – uma medida que tiraria uma mordida perversa de sua margem de lucros.

Makeda tinha uma campanha séria a fazer. Além disso, ela tinha certa atração por Salomão, e ele por ela. Seis meses mais tarde, ela partiu para casa com as coisas que desejava – e algumas outras com que não tinha contado: suas memórias de um romance intenso, inclusive um souvenir na forma de um futuro bebê; 120 talentos em ouro (aproximadamente R$ 5 milhões em termos de hoje); novas alianças diplomáticas; e um acordo de comércio mútuo surpreendentemente bom.

Menelik
De volta a Sabá, ela deu à luz um filho que recebeu o nome de Menelik, e participou a notícia a Salomão. Essa foi uma má idéia: quando ele soube do menino, tornou-se mandão, decretando que somente os herdeiros masculinos de seu filho poderiam governar a terra dela. E não que, na maior parte dos séculos desde Salomão, os governantes da Etiópia, até o imperador Hailé Selassié, tem feito exatamente isso?  
(*) – A próxima postagem sobre as Mulheres Audaciosas da Antiguidade vai falar da adoradora divina SHEPENWHEPET, que viveu por volta do Século VII, A.C. Egípcia, gozava de grande prestígio, tanto que em toda carnificina entre assírios e egípcios ela se manteve tranquilamente no seu posto sem qualquer molestação.  
(**) - Do livro "Mulheres audaciosas da antiguidade", de Vicki León, Editora Rosa dos Tempos, 1997, Tradução de Miriam Groeger. Título original: "Uppity women of ancient times". 

segunda-feira, 5 de março de 2012

O Rei dos Reis da África

Artigo pessoal

O rei dos reis da África
Clóvis Barbosa

 
Talvez Muammar Gaddafi tenha sido o mais excêntrico dos déspotas modernos. Quando tinha 27 anos, em 1969, liderou o golpe de jovens militares que derrubou o rei Idris do poder na Líbia. Com um discurso nacionalista e revolucionário, após tomar o poder, tomou medidas antiamericanas, o que o levou a aproximar-se dos países comunistas. Durante o seu reinado de 42 anos à frente da jamahiriya ou “república das massas”, foi acusado pela explosão de um avião em Lockerbie, na Escócia, que matou 270 pessoas em 1988, por ter tramado o atentado ocorrido numa discoteca em Berlim, que matou varias pessoas, financiou guerrilhas de esquerda pelo mundo, inclusive o IRA, o Exército Republicano Irlandês. É verdade que há pouco mais de 10 anos começou a recompor as suas relações com os europeus e americanos: abriu mão da bomba nuclear, da abertura para exploração do seu petróleo por empresas multinacionais, passou a visitar países, enfim, tentava passar a idéia para o ocidente que ele tinha mudado. Não abriu mão, no entanto, do sistema político que ele instaurou na Líbia, sem Constituição, Parlamento e partidos políticos. A Lei máxima existente era o seu “Livro Verde”, um guia que pretendia demonstrar que o país vivia uma democracia direta. Das quedas dos tiranos da chamada Árabe pós-primavera, Ben Ali, na Tunísia, que se refugiou na Arábia Saudita e Hosni Mubarak, do Egito, que se encontra preso aguardando julgamento, Gaddafi foi o único, até agora, que teve morte violenta.

As circunstâncias de sua morte, acredita-se, jamais serão esclarecidas. As imagens veiculadas pela televisão mostram que ele já havia sido capturado antes de ser torturado e morto. O que leva um homem a se autointitular dono da vontade popular? O escritor egípcio Alaa AL Aswani, em entrevista ao jornalista Marcelo Ninio, da Folha de São Paulo, disse que “Ditadores tendem a criar uma realidade paralela, em que o ego e a muralha de aduladores a sua volta o isolam da realidade em que vive o resto do povo”. E é verdade. Perde a racionalidade aquele que se consola com um mundo autocriado, acreditando ser o melhor de todos! São tolos desprovidos de sentimento autocrítico e de sabedoria para percepção do momento certo de se afastar do cenário. A História é pródiga em nos ensinar que o poder não é eterno. Júlio César, imperador romano, que exerceu o poder despoticamente acabou a vida apunhalado; Dario I, rei da Pérsia, que governou um vasto e poderoso reino, mas a insensatez e a ambição desmedidas fizeram com que fosse derrotado nas Batalhas de Maratona e Platéia quando tentou conquistar a Grécia. Xerxes, percorreu o mesmo caminho do seu pai Dario I. Após subjugar o Egito, preparou um grandioso ataque à Grécia. A história mais uma vez se repetiu: foi derrotado numa batalha sangrenta, seu exército ficou em frangalhos e foi obrigado a fugir para a Ásia, onde morreu assassinado pelas mãos de um dos seus auxiliares.
Nabucodonosor, rei dos Assírios, ficou embasbacado com a vitória que obteve sobre Arfaxad, rei dos Medos em Ecbátana, tanto que comemorou com o seu exército durante 120 dias de cachaçada em Nínive, capital da Assíria. Numa ambição ilimitada e se auto-intitulando “o grande rei” ou “o senhor de toda a terra”, convocou o general Holofernes para organizar uma guerra mundial contra todos os povos. O seu exército foi formado por cento e vinte mil guerreiros a pé e uma multidão de cavalos com doze mil cavaleiros.   O fim da história está na Bíblia no livro de Judite, quando Holofernes, general de Nabucodonosor, teve a cabeça cortada por Judite, mulher de Manassés, o que fez com que os soldados ficassem desnorteados, sendo massacrados pelos israelitas. Ciro, rei persa, outro governante tirano, cujo orgulho e poder teve um triste fim, caiu numa cilada preparada pela rainha Tamiris, sua inimiga com quem guerreava. Esta, após capturá-lo, cortou-lhe a cabeça e encheu-a com o seu próprio sangue. Sísifo, tido pela mitologia grega como um homem muito astuto, achava-se o mais inteligente dos mortais, pois, chegou, inclusive, a enganar a morte quando o ludibriou e o manteve cativo. Por isso, por ter enganado Júpiter, responsável pelo envio da morte, passou o resto da vida empurrando um rochedo até o alto de uma montanha e quando a mesma chegava no cume, tornava a cair, sendo Sísifo obrigado a recomeçar a tarefa. O pior é que quando a morte estava no cativeiro ninguém morreu sobre a face da terra.

Muammar Gaddafi não fugiu à regra desses péssimos exemplos. Achava que o seu poderio nunca teria fim, desconhecendo que nenhum poder foi tão grande que não tivesse sucumbido de forma terrível, como foi o seu caso, testemunhado por milhões de pessoas. Alguns românticos têm criticado as ofensivas das potências ocidentais que culminou na queda do regime e na morte do ditador líbio. Primeiro, porque a derrubada da ditadura na Líbia seria uma violação da soberania e do princípio da autodeterminação dos povos, pois entendem, que no caso de uma guerra civil, caberia ao povo definir o seu destino; segundo, o assassinato de Gaddafi, pois, por mais vil que tenha sido o ditador, ele tinha o direito de ser julgado por um Tribunal onde lhe fossem assegurados a ampla defesa e o contraditório. Eu já disse em um dos meus artigos que creio na irrecuperabilidade. Há bandidos que não podem ser vistos apenas como tais, mas como inimigos. Com o mero malfeitor se contende tão somente  em dada circunstância; com o inimigo, contende-se a vida inteira, pois ele retrata a inevitabilidade do perigo. Não estou aqui ovacionando a forma brutal em que se deu morte do ditador, que se autodenominava “o rei dos reis da África”, mas não posso deixar de me irresignar com as atrocidades praticadas por ele contra a humanidade e contra o próprio povo líbio. Gaddafi, durante um grande período, foi um inimigo, por isso invoco a lição de Churchill, que assim o define: “é aquele que tenta matar você, não consegue e depois pede para você não matá-lo”. Foi o que aconteceu com Gaddafi.

(**) – Publicado no Jornal da Cidade, Aracaju-SE, edição de domingo e segunda-feira, 13 e 14 de novembro de 2011, Caderno A, pág. 7.
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