Aracaju/Se,

terça-feira, 23 de setembro de 2014

Ciclo da Vida

Artigo Pessoal


Ciclo da Vida
Clóvis Barbosa


Akira Kurosawa. Japonês e um dos mais brilhantes cineastas da história do cinema. Qual o cinéfilo que não assistiu Os sete samurais, Yojimbo, O guarda-costas? Pois bem, revi, um dia desses, Viver (Ikiru), um dos mais líricos filmes de sua carreira e com uma grande carga de humanismo. O filme foi realizado em 1952 e, na época, recebeu o prêmio especial do senado de Berlim durante o Festival Internacional daquela cidade. A história: Kenji Watanabe é um servidor público que tinha o maior orgulho de nunca ter faltado a um só dia do seu trabalho numa repartição da prefeitura de Tóquio, durante 30 anos. Era um troféu que ele carregava pela sua vida trivial. Mas, um dia ele descobre que está com câncer e o seu tempo de vida é muito curto. O câncer lhe ensinou a redescobrir a vida em relação às suas conquistas e prioridades e se volta para o projeto de construir uma praça na sua pequena aldeia. Um gesto simples, mas importante na reviravolta dada na vida do personagem. Muitas vezes, é através do sofrimento que se atinge a felicidade. Não foi Vinícius de Moraes que disse que o sofrimento é o intervalo entre duas felicidades? Como se vê, foi preciso que houvesse a perspectiva da morte para mudar um tipo de vida aparentemente medíocre. Embora triste e fale sobre esta doença cruel, o filme é a favor da vida. Mas este é o ciclo da vida: nascer, viver e morrer. Entre o nascer e o morrer o homem sempre está à procura da felicidade. E o que é isto? Platão dizia que a felicidade está na perseguição daquilo que você não tem. E quando consegue não se satisfaz, e se apega a uma nova busca. Em outras palavras, a felicidade nunca se estabelece no homem. Aristóteles, por seu turno, acreditava que a felicidade estava naquilo que a gente já tem. Santo Agostinho dizia que a vida virtuosa e a comunhão com Deus levam a uma vida feliz. Já Nietzsche afirmava que não existe a felicidade plena. O homem, para ele, é um ser pervertido. Reduz-se ao prazer da carne. 



Na região onde hoje estão situados o Irã e o Afeganistão, no século VII a.C., Zoroastro foi fundador de uma doutrina religiosa, chamada zoroastrismo, que defendia um estado de felicidade plena quando o bem derrotasse o mal, transformando a vida do homem em algo agradável e repleto de justiça e de saúde. O problema é que o bem sempre está guerreando contra o mal e, felicidade que é bom, jamais. Nessa mesma época, dois filósofos chineses apontavam dois caminhos para se atingir a felicidade: Lao Tsé dizia que ela poderia ser atingida pela prática de nossas ações e pela relação com a natureza; Confúcio pregava o disciplinamento rigoroso das relações sociais como fórmula de atingir a perfeita felicidade. O Dalai Lama Tensin Gyatso enfatizava o caminho da auto-reflexão. O budismo, doutrina religiosa criada na Índia por Sidarta Gautama, defende a tese de que a felicidade se atinge com o fim do sofrimento. Muitos filósofos identificaram a felicidade associando-a ao prazer, como é o caso de John Locke e Kant. Mas, no século XX, dois filósofos, o inglês Bertrand Russel e o espanhol Julián Marias, voltaram a tocar no assunto. O primeiro escreveu A Conquista da felicidade, onde, utilizando-se do método da investigação lógica, conclui que para ser feliz é preciso eliminar o egoísmo. Para o segundo, autor de A felicidade humana, a humanidade é infeliz, justamente por não se importar com a reflexão filosófica sobre a felicidade. Já no período helênico, Epicuro defendia a tese que ser feliz é ter liberdade e prazer. Por muito tempo chegou a se confundir o epicurismo com o hedonismo. Conversa fiada. O que Epicuro defendia era a tranquilidade da mente e o domínio das emoções, e não o prazer pelo simples prazer. Outras ignomínias foram traçadas através do tempo sobre o assunto. Todos nós sabemos que o futuro é fator de inquietações. Horácio e Epicuro defendiam a vida presente sem se preocupar com o futuro. 


  

Tom Jobim escreveu uma das mais belas músicas do nosso cancioneiro, A felicidade. Para ele, tristeza não tem fim, felicidade sim. E arremata: a felicidade é como a pluma que o vento vai levando pelo ar, voa tão leve, mas tem a vida breve, precisa que haja vento sem parar. Para aqueles que defendem a inatingibilidade da felicidade, Jobim nos conta uma estória: A felicidade do pobre parece a grande ilusão do carnaval. A gente trabalha o ano inteiro pra fazer a fantasia de rei ou de pirata ou jardineira e tudo se acabar na quarta-feira. Ou a felicidade é como a gota de orvalho numa pétala de flor. Brilha tranquila, depois de leve oscila e cai como uma lágrima de amor. Os poetas Pessoa e Drummond têm posições bem simples: Do primeiro, às vezes ouço passar o vento; e só de ouvir o vento passar, vale a pena ter nascido; Do segundo, ser feliz sem motivo é a mais autêntica forma de felicidade. Enfim, filósofos, religiosos, escritores e poetas sempre se dedicaram a tentar definir um tipo de comportamento ou estilo de vida que representasse a felicidade plena. Mas, na verdade, todos procuram a felicidade e não dá para precisar um conceito absoluto sobre ela. Somos dependentes dessa procura. Com efeito, o que é felicidade para mim pode não ser para outrem. O retorno à tardinha dos pardais com o seu canto agoniado pode ser um momento de exuberância, de satisfação para uns, mas de chatice para outros. Portanto, não existe uma fórmula acabada que leve o homem a atingir a real felicidade. Ela não existe. Mas há uma verdade que todos devem refletir. Quem faz a felicidade é a própria pessoa. Lembremos que não se colhe o que não se planta. Há um provérbio aborígene que diz mais ou menos que somos todos visitantes deste tempo, deste lugar. Estamos só de passagem. O nosso objetivo é nascer, crescer e amar... depois vamos para casa. Este é o ciclo da vida!

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Post Scriptum. 01. A deselegância do plagiador

Moacyr Scliar, brasileiro, autor de Max e os Felinos; Iann Martel, canadense, autor de As aventuras de Pi. Duas estórias idênticas contadas por escritores diferentes. Scliar fala de um jovem judeu que foge da Alemanha nazista em um navio com destino ao Brasil. No caminho o navio naufraga, mas ele se salva num bote com um jaguar que também vinha na viagem; Martel fala de um jovem indiano que emigra com os pais, dono de um zoológico, para o Canadá. No meio do caminho o navio naufraga e o jovem se salva num bote com um tigre de bengala. A semelhança entre as obras não é mera coincidência. É plágio mesmo. O livro de Martel foi transformado em filme que teve 11 indicações ao Oscar de 2013. Questionado com a semelhança das obras, Martel confessou ter usado a idéia do brasileiro e acachapou: “quis aproveitar uma boa idéia, estragada por um escritor ruim”. Scliar, médico e professor universitário gaúcho, morreu em 27 de fevereiro de 2011 sem ter visto essa safadeza.

Post Scriptum. 02. O Resgate de uma história
A historiografia sergipana está merecendo, com urgência, um estudo sobre a esquerda do nosso estado, desde a criação do partido comunista. O seu comportamento durante o Estado Novo, a clandestinidade, a redemocratização em 1945, os anos de chumbo da ditadura militar até os dias atuais. Quem vem fuçando a vida de alguns militantes é o pesquisador Gilfrancisco que tem encontrado verdadeiros achados sobre figuras, embora anônimas para a geração atual, que tiveram participações importantes no processo de transformação social, quer como militantes partidários ou como intelectuais. É o caso, por exemplo, do jornalista Fragmon Carlos Borges, um intelectual que dirigiu por muito tempo o jornal comunista A Verdade e é autor de ensaios publicados em várias revistas brasileiras. Nascido em Frei Paulo, ele é irmão de José Carlos Borges, Carloman Carlos Borges e Josaphat Carlos Borges, todos com passagens pela política e pelas atividades culturais. Assim, é de inteira importância conhecer a vida desses jovens idealistas sergipanos, que tiveram uma participação significativa na nossa história política e cultural.        

- Publicado no Jornal da Cidade, Aracaju-SE, edição de domingo e segunda-feira, 28 e 29 de setembro de 2014, Caderno A-7.

- Publicado no Blog Primeira Mão, Aracaju-SE, em 28 de setembro de 2014, às 12h16min, sítio:


- As fotos são do Google.

- A foto de Josaphat Carlos Borges indica a data em que ele foi prefeito de Aracaju. 

terça-feira, 16 de setembro de 2014

Mulheres da Antiguidade - Hedéia e suas irmãs

Isto é história
Mulheres Audaciosas da Antiguidade
HEDÉIA E SUAS IRMÃS

Vicki León
O século I d.C. foi um tempo de glória para atletas como Hedéia e suas duas irmãs. No Império Romano quase todas as cidades tinham termas públicas e um ginásio com instalações para manter a forma física. A cada ano, trezentos jogos atléticos importantes eram conduzidos em todo o Mediterrâneo. As boas estradas romanas faziam com que a viagem por terra fosse vagarosa, mas segura, e a marinha havia posto um ponto final na pirataria desenfreada que antes existia.
Trales, uma cidade tipicamente próspera e louca por esportes, situada numa elevação à beira do rio Meandro na Ásia Menor, era a cidade natal deste trio triplamente ameaçador. Trifosa e Dionísia, a mais velha e a caçula, eram especializadas em corrida. Hedéia fazia de tudo. Além da corrida a pé, ela corria com carruagens de guerra, cantava e tocava lira.
As irmãs competiam em dois tipos de eventos: “coroa” e “dinheiro”. Os jogos da coroa incluíam os Quatro Grandes originais – Olímpico, Pítio, Ístmico e Nemeu. Nesses jogos, os vencedores conquistavam altos status, mas recebiam coroas simbólicas. Entretanto, uma vez em casa, as regalias jorravam, desde dinheiro a refeições grátis pelo resto da vida (algo muito similar ao que acontece com os atletas olímpicos de hoje). Nos jogos por dinheiro, os vencedores recebiam dinheiro e outros presentes, pagos pela cidade patrocinadora do evento. Por exemplo, o primeiro prêmio na corrida a pé de duzentos metros podia corresponder a quatro vezes o soldo anual de um soldado. Prêmios à parte, os atletas conquistavam uma fama incrível. A competição atlética no circuito de jogos, e a participação feminina nesses eventos, era uma indústria em rápido crescimento.
O recorde de vitórias do trio era extraordinário. Durante cinco anos, Trifosa conquistou coroas nos Jogos Ístmicos perto de Corinto e nos Jogos Pítios que se seguiram em Delfos – a primeira mulher a conseguir esta façanha. Dionísia obteve os primeiros lugares nas corridas a pé, no Festival Asclepiano em Epidauro e nos Jogos Nemeus. Hedéia venceu a corrida de carruagens de guerra nos Jogos Ístmicos e conquistou os dois primeiros lugares nas corridas a pé nos Jogos Nemeus e Siciônicos. Ela também abocanhou um primeiro lugar no concurso de tocadores de lira na Sebastéia em Atenas. Essas medalhas de ouro são apenas momentos de destaque em suas carreiras, inscritos por seu orgulhoso pai na base da estátua das três em Delfos. Sem dúvida alguma, as extraordinárias irmãs acumularam um número incalculável de colocações e espetáculos, mas somente as colocações vencedoras eram registradas e premiadas. Na categoria de status, as irmãs foram nomeadas cidadãs honorárias de Delfos, Corinto e Atenas. A cidadania (que, em certas épocas e lugares, as mulheres frequentemente não tinham) oferecia benefícios como o direito de votar, pensões isentas de impostos e o privilégio de ocupar cargos públicos.
As irmãs podem não ter endossado marcas de tênis de corrida, mas certamente serviram como modelos de atuação para mulheres de todos os lugares. Quando finalmente se aposentaram das competições, as palavras de um certo Paulo de Tarso, um evangelista reacionário e fã de esportes, estavam nos lábios de todos: “Lutei um boa luta; alcancei o fim do meu percurso; mantive minha fé”. Suas palavras podiam facilmente estar resumindo as vidas do trio de atletas corredoras de Trales.

A autora
Vicki León

- A próxima postagem de Mulheres Audaciosas da Antiguidade vai falar de “TECLA”. Ela foi um seguidor de Paulo de Tarso e viveu no século I, d.C. De espírito aventureiro, seguiu Paulo pela Espanha, por todo o Mediterrâneo e até Éfeso na Ásia Menor. Terminou como uma referência entre os católicos da Turquia.

– Do livro “Mulheres Audaciosas da Antiguidade”, título original, “Uppity Women of Ancient Times”, de Vicki León, tradução de Miriam Groeger, Record: Rosa dos Tempos, 1997.

- Todas As imagens foram extraídas do Google.


terça-feira, 9 de setembro de 2014

Tratado Geral da Fofoca

Artigo pessoal



Tratado geral da fofoca
Clóvis Barbosa
 
Passar o sarrafo na vida alheia é um dos esportes mais praticados desde épocas bastante remotas. Nenhum povo, em qualquer parte do mundo, mantém o monopólio da fofoca, mas ela está presente em todos os lugares e é praticada pela esmagadora maioria das pessoas em todo o mundo. Ela é tão importante, que assim como pode prejudicar, também pode beneficiar. A rainha Elizabeth I, por exemplo, foi uma das maiores vítimas do disse-me-disse da história. Durante dez anos (1560 a 1570) ela foi acusada de ter um caso, segundo o qual estaria grávida e que teria tido um filho ilegítimo. Os ingleses, então, que adoram escândalos registrados nos seus tablóides, vibraram. Existem histórias escabrosas envolvendo principalmente nomes famosos. O grande pintor do renascimento, Michelângelo, ao ser contratado para fazer uma escultura de Cristo, teria realmente matado a golpes de faca um jovem que servia de modelo? Pois não é que inventaram isso, informando, inclusive, que a morte teria sido motivada para que o artista pudesse dissecar o cadáver e estudar minuciosamente os músculos? Sobre o músico Brahms foi espalhado que ele era um autêntico estrangulador de gatos, cujo objetivo era usar os seus gritos em sinfonias. Estudos biográficos acusam o seu rival Richard Wagner de ter espalhado o boato. A rainha egípcia Cleópatra foi outra que se utilizou da mentira para atingir seus objetivos. Acusada de receber bens públicos de presente doados pelo seu amante Marco Antônio, e para evitar uma guerra, espalhou que tinha se matado. O problema é que ela não combinou com o seu amásio que, ao saber do suposto suicídio, enfiou uma faca na própria barriga. Ah, e quando é a vítima da fofoca que estimula a sua repercussão? Veja o caso do compositor Antonio Salieri, professor de Beethoven, acusado de ter ódio da fama do Mozart. Não é que quando o músico austríaco morreu, o boato correu solto que o seu assassino teria sido ele, Salieri. Pois bem, Salieri estimulou a fofoca, chegando até a assinar uma confissão. Na verdade, ela nada teve a ver com a morte de Mozart, que faleceu, provavelmente, em função de uma febre reumática adquirida (fala-se também em sífilis).
   
Hoje existem revistas, tablóides, programas de rádio e TVs, especializados em esmiuçar principalmente a vida de famosos. E tudo começou, no campo da imprensa, por volta do século XVIII, com a publicação na França da La Chronique Scandealeuse, um pasquim que criava histórias picantes sobre o dia-a-dia da corte, como os romances escabrosos de reis e rainhas. Lembram-se da história do rei Luiz XVI, cuja mulher, Maria Antonieta, tinha relação com todo mundo da corte, menos com o marido que, por sinal, dizia-se não ser o pai verdadeiro do príncipe herdeiro? No começo do século XX, durante a Primeira Guerra, um fato ficou famoso em toda a Europa. Um jornal alemão, o Kolnische Zeitung, veiculou uma matéria afirmando que a cidade belga de Anvers havia sido ocupada pela Alemanha, enfatizando que “Depois do anúncio da queda de Anvers, tocaram-se os sinos”. Com base nessa notícia, o francês Le Matin publicou em primeira pagina: “De acordo com o Kolnische Zeitung, o clero de Anvers foi obrigado a tocar os sinos quando a fortaleza foi tomada”. E aí veio o The Times, de Londres, que disse: “Segundo o Le Matin, os padres belgas que se recusaram a tocar os sinos por ocasião da derrota de Anvers foram destituídos de suas funções”. Por sua vez, o italiano Corriere della Sera adicionou mais uma fofoca: “Segundo o The Times, os infortunados padres que se recusaram a tocar os sinos por ocasião da queda de Anvers foram condenados a trabalhos forçados”. Finalmente, a matéria do francês Le Matin, após a primeira notícia, acachapou: “Segundo o Corriere della Sera, está confirmado que os bárbaros conquistadores de Anvers puniram os infelizes padres que se recusaram a tocar os sinos dependurando-os de cabeça para baixo, como badalos vivos”. De uma notícia simplória, foram dadas versões totalmente divorciadas da realidade.  Mas, como diz o psiquiatra José Ângelo Gaiarsa, autor de Tratado Geral sobre a Fofoca, ela “é um importante veículo de controle social, por isso não pode ser desprezada”. E adianta: “É uma maneira de ver os poderosos despidos”.
 
Na Grécia antiga existiu um tal de Diógenes Laércio que ninguém sabe de onde é e que deixou uma obra sobre a vida dos filósofos eminentes. Apesar da sua obra não ser considerada um clássico da bibliografia filosófica ela é muito citada pelos historiadores. O problema é que além do aspecto informativo, a fofoca corre solta nas suas páginas. Ele conta que Sócrates foi discípulo de Anaxágoras, Damão e Arquelau, sendo amante deste último. Registre-se que o homossexualismo naquela época era moda, daí o termo “amor grego” dado às relações do mesmo sexo. Fala de outros amores de Sócrates e principalmente do mais famoso, Alcibíades. Aliás, diz-se que Alcibíades é que se apaixonou pelo mestre, como confessado: “quando ouço a sua voz, muito mais do que o de um coribante bate o meu coração!”. Há detalhes de como foi a conquista. Outra fofoca de Sócrates é que ele era um chato de galocha e muito pegajoso com os seus interlocutores, não sendo uma ou duas vezes que fora espancado com socos e pontapés. Todos sabem que Sócrates não deixou nada escrito, por isso é dito que ele era analfabeto, não sabendo ler, nem escrever. Até Platão contribui com essa fofoca na sua fábula Fedro. Antístenes, da escola cínica, nascida dos ensinamentos socráticos, para quem a liberdade era entendida como o bem supremo da alma e que só poderia ser alcançada por meio da auto-suficiência, tinha fama de ser um sem-teto, morador de rua e que o epíteto de “cínico” que ele tinha era motivado pelo fato dele ter passado a vida inteira como um cão de rua.  É também colocado em dúvida o machismo de Geron, o bruto tirano de Siracusa. Ele teria se apaixonado pelo jovem Dailoco. O boato foi repelido por ele com a frase: “é natural que eu me sinta atraído pelo belo”. Tem também com Aristipo, filósofo cirenaico, antagônico dos cínicos, tido como esnobe e frouxo. Numa tempestade, durante uma viagem, um viajante insinuou: “que coisa mais estranha! Um filósofo não deveria ter tanto medo da morte, se eu mesmo, que não sou um sábio, não estou nem um pouco assustado”. E ele respondeu: “E tu queres comparar a tua vida inútil com a minha?”
 
Mas a verdade é que a fofoca tornou-se um passatempo universal, estando presente em todos os lugares. Se você não quer ser vítima da fofocagem, lembre-se de um poema de Mário Quintana: “Não te abras com teu amigo que ele um outro amigo tem. E o amigo do teu amigo possui amigos também”.

- Publicado no Jornal da Cidade, Aracaju-SE, edição de domingo e segunda-feira, 3 e 4 de fevereiro de 2013, Caderno C, página 4.

terça-feira, 2 de setembro de 2014

Mulheres da Antiguidade - HERODÍADE

Isto é história
Mulheres Audaciosas da Antiguidade
HERODÍADE

Vicki León
 
Herodíade e sua filha Salomé

As mães de artistas são brutais. Entretanto, para algumas pessoas dessa laia, o mundo inteiro é um palco. Essas ideias mais ou menos resumem como era a odiosa Herodíade, que manipulava sua filha e seus maridos como um manipulador de marionetes dos Muppets. Nascida mais ou menos na mesma época de Jesus de Nazaré, a princesa judia Herodíade casou com seu tio Herodes Filipe. Não, esta não foi a parte escandalosa; a escandalosa foi que Herodíade continuou a procurar alguém mais atraente e finalmente encontrou-o na pessoa de seu cunhado Herodes Ântipas. Essa mulher nobre, em seus trinta e tantos anos, e esse príncipe normalmente pouco impetuoso se conheceram e descobriram sua compatibilidade em Roma. Ântipas tentou se desengatar de seu casamento de trinta anos por carta. Sua esposa árabe ficou ligeiramente aborrecida, mas não foi nada comparado à reação de seu sogro humilhado e vingativo.
 
Entretanto, os pombinhos enfrentaram uma pressão maior com o divórcio de Herodíade. As leis das escrituras judaicas realmente desaprovavam o fato de um homem casar com a mulher de seu irmão enquanto este ainda estava vivo. O casal feliz retornou ao seu ninho de amor em Tiberíade no mar da Galiléia, só para descobrir que se encontravam no topo da lista de pessoas em quem cuspia: João Batista, um profeta local e membro da fanática seita essênia, cujo slogan informal era “mulheres não são bem-vindas”. Rude e furioso com João, Herodes Ântipas hesitou em liquidar com ele de imediato. Afinal, João tinha um bocado de seguidores.
 
Contudo, Herodíade definitivamente detestava estar do lado errado do dedo acusador do profeta. Tendo sido sempre uma mulher do palco, ela organizou um pequeno recital de dança para a festa de aniversário do seu marido, tendo como estrela do espetáculo sua voluptuosa filha, Salomé. São poucas as apresentações amadoras que conseguem os resultados que a de Salomé conseguiu. Bons vinhos, a agradável companhia de amigos, o avançado da noite e a dança escandalosa deixaram Herodes numa disposição bem-humorada. Rindo, ele disse que Salomé podia pedir qualquer coisa que ela quisesse de presente. Competentemente treinada, ela pediu a cabeça de João Batista à La carte.
 
Aparentemente, Herodes gostava menos da ideia de rirem dele como uma pessoa que promete um presente e não dá do que de ser um assassino. Portanto, Herodíade conseguiu seu intuito de silenciar João. Por fim, o imperador Calígula de Roma tirou de Herodes seu imóvel na Terra Santa, e o baniu para a Gália em 39 d.C. Herodíade, fiel a ele à sua maneira, foi com o marido.
 
Quanto a Salomé, ela se casou três vezes, teve quatro filhas, manteve suas formas e até mesmo teve o seu retrato cunhado nas moedas da Cálcida na Grécia. Seus quinze minutos de fama horripilantemente deselegantes continuam sendo uma inspiração distorcida para mães de artistas de todos os lugares do mundo.

A autora
Vicki León 
 
- A próxima postagem de Mulheres Audaciosas da Antiguidade vai falar de “HEDÉIA e suas IRMÃS”. Elas viveram em Trales, cidade próspera e cheia de eventos esportivos, situada à beira do rio Meandro na Ásia Menor. Hedéia fazia de tudo. Além de corrida a pé, ela corria com carruagens de guerra, cantava e tocava lira. Suas irmãs Fritosa e Dionísia eram especializadas em corrida. Viveram no Século I, d.C.

– Do livro “Mulheres Audaciosas da Antiguidade”, título original, “Uppity Women of Ancient Times”, de Vicki León, tradução de Miriam Groeger, Record: Rosa dos Tempos, 1997.

- Todas As imagens foram extraídas do Google.


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