Aracaju/Se,

sexta-feira, 7 de agosto de 2020

Tipos Populares de Aracaju - Carnera

Isto é História

 

Aracaju Romântica que Vi e Vivi - Tipos Populares

O “PRIMO” CARNERA

                                   Murillo Melins

Aracaju perdeu recentemente o seu maior seresteiro, o violonista Urcino Fontes de Araújo Góes. Citado assim com esse nome pomposo, somente os mais íntimos e pessoas que lidavam com ele em suas atividades profissionais (funcionário público e comerciante) e familiares, conseguem identificar o cidadão conhecido nos meios boêmios e artísticos, não só da capital como de todo o Estado e além-fronteiras, com o nome de “Carnera”. Na verdade, não queremos registrar neste livro a figura do funcionário dos Correios (meu ex-colega) ou do comerciante distribuidor de produtos farmacêuticos. A menção aqui é ao artista Carnera, violonista, compositor e boêmio por vocação.

Notas sobre a boemia sergipana – Infonet – O que é notícia em Sergipe

Carnera e João Mello

Natural de Boquim-SE (26/06/1920), por diversas circunstâncias, com seis anos de idade veio residir em Aracaju. A não ser por um pequeno período (cerca de cinco anos) em que profissionalmente residiu em São Paulo, fez de nossa cidade a sua Terra, não que Aracaju o tenha adotado, ao contrário, ele quem adotou esta cidade e aqui viveu intensamente a sua vida artística, dedilhando maravilhosamente o seu violão. Senhor de todos os ritmos em noites de serenata, saraus da sociedade, nos “assustados”, nos palcos dos teatros e programas da Rádio Aperipê (Difusora), que ele praticamente fundou em 1939, com sua alma gêmea musical, João Mello, e o maior seresteiro do Brasil de todos os tempos Sílvio Caldas, o “Caboclinho Querido”.

FRANCISCO ALVES,O REI DA VOZ PARTE FINAL - YouTube

Francisco Alves, o Rei da Voz

Foi professor de violão de João Mello, do internacionalmente festejado artista João Gilberto, e por sua orientação passaram violonistas como Macêpa, Paranhos, Carvalhal e tantos outros. O conjunto regional de Carnera acompanhou todos os grandes artistas, desde os maiores cartazes da radiofonia e do disco nacional que se apresentaram em Sergipe, desde 1938 – quando pela primeira vez esteve em Aracaju, Francisco Alves, o Rei da Voz – até mais ou menos o final da década de 80, quando com Santos Mendonça, João Mello, Miguel Alves e outros juntamente, participou do espetáculo “Pano de Boca”, onde foram feitas retrospectivas dos anos dourados da radiofonia sergipana.

Córner do Leão: Primo Carnera 2.1

Primo Carnera boxeador italiano

Artista, na verdadeira expressão da palavra, com sua alma sensível, deixou para a posteridade composições de alto nível, dignas de serem incluídas no cancioneiro nacional. Infelizmente, Carnera não gravou discos. A época em que brilhou no nosso meio artístico, não oferecia oportunidade para isso, o que é lamentável. Esse apelido de Carnera que Ursino incorporou à sua personalidade. A ele foi outorgado pelo seu companheiro de juventude, Heráclito Diniz, que quis homenageá-lo com o nome do homem mais forte do mundo àquela época, o boxeador campeão mundial dos pesos pesados, Primo Carnera. O gozado é que o Ursino, em toda a sua vida, com mais de 1,75m de altura, jamais pesou acima de 40 quilos.

Os homens sempre vão para a cama sonhando com Gilda (do filme) e ...

Rita Hayworth 

E assim ele permaneceu para sua família, seus amigos, artistas e o povo em geral, o popularíssimo, engraçado e famoso violonista Carnera. Lembro-me de um Carnaval do fim dos anos 40, tempo em que o filme norte-americano “Gilda”, representada pela exuberante estrela do cinema Rita Hayworth era o maior sucesso. Paralelamente, naquele Carnaval, cantava-se a marchinha da “Mula Manca”. Pois é! O nosso Carnera, no primeiro dia da folia, apareceu na Praça Fausto Cardoso trajando um luxuoso vestido de lamê, com abertura nos lados mostrando aquelas “belas pernas”, e exibindo um cartaz com os dizeres: GILDA, A MULHER AMENDOIM”. Desfilando atrás dele, o popular “Movimento”, caracterizando um trôpego velhinho, de fraque, cartola e bengala, portando um cartaz onde se lia: TENHO 70 ANOS, NÃO POSSO MAIS ROSETAR”.

 

Tentando formalizar um pouco os meus constantes contatos com ele, tratava-o por Primo – Primo Carnera – e de tanto chama-lo assim, ele passou também a me tratar por Primo. Era Primo pra lá e Primo pra cá. Apesar de todo esse gênio alegre e boêmio, Carnera tornou-se hipocondríaco. Adorava ir a médico e tomar remédios. Nos últimos anos de sua vida deu para inventar umas doenças para justificar a sua anorexia e dizia que estava comendo pouco porque o alimento desviava em sua garganta e, parte dele, aos invés de ir para o estômago pelas vias normais, ia para os pulmões, o que lhe causava um certo desconforto e, assim, ele seguia comendo como um passarinho.

 

Comentava também que estava ouvindo pouco, que falavam de um lado, e o som só lhe chegava ao ouvido do outro lado, abafado e sem volume, o que lhe valeu a seguinte observação feita por seu bom amigo e parceiro João Mello: “é que, meu caro Carnera, nós já estamos na era do som estereofônico e em alta fidelidade, e você ainda está operando em mono”. Ultimamente ele não vinha tocando o seu violão em sinal de protesto aos pseudoviolonistas que, ao invés de tirarem melodias e acordes sonoros capazes de enlevar a quem escuta, limitavam-se a “bater nas cordas” castigando-as com mau gosto musical.

 

Carnera viveu intensamente a boemia e a sua ausência será sentida por todos os sergipanos. Grande Carnera. Grande Primo! Como cantou Augusto Calheiros, a “Patativa do Nordeste”: - As estrelas lá no céu são notas musicais com harmonizações originais. Com certeza, em uma delas estará o nosso CARNERA.

O autor

Murillo Melins

Grupo "Minha Terra é SERGIPE": Murillo Melins

 NOTA DO BLOG:

Blog de Clóvis Barbosa 

O grande João Gilberto, que se imortalizou com o criador da Bossa Nova, ao lado de Tom Jobim, Vinícius de Moraes e jovens cantores e compositores da classe média da zona sul do Rio de Janeiro, morou por algum tempo em Aracaju estudando o curso ginasial no Colégio Jackson de Figueiredo, ali na Praça Olímpio Campos, ao lado da Catedral Metropolitana. Um texto atribuído ao Prof. da UFS, Dilton C. S. Maynard circulou nas redes sociais logo após a morte de João Gilberto. O título era “Joãozinho de Patu”:

Pai da Bossa Nova, João Gilberto morre aos 88 anos- OVALE 

“Os anos 1940 foram férteis para a música sergipana. A Rádio Difusora Aperipê de Sergipe (prefixo PRJ-6), até então a única emissora local, recebia cartas escritas por admiradores de várias partes do Brasil com manifestações que empolgavam os seus cantores e músicos. Dirigindo o Conjunto Regional da PRJ-6, o violonista Ursino Gois, o “Carnera”, era convidado a realizar espetáculos nos grandes clubes da cidade – Sergipe, Cotinguiba. Não faltavam apresentações também no Recreio Club e no Cine Teatro Rio Branco, nem garotos interessados em aprender a tocar violão, mesmo “fugindo” das famílias que não queriam ver os seus filhos metidos com “coisa de malandro”. Um destes moços era Joãozinho da Patu. Joãozinho estudava em Aracaju. Longe da terra natal, Juazeiro, na Bahia, e da família, "Joãozinho da Patu" (uma referência à sua mãe, D. Patu) divertia-se formando conjuntos vocais com os amigos. O futebol também ajudava a afastar a saudade. O pai de Joãozinho, Juveniano de Oliveira, próspero comerciante, enviou o filho para a capital sergipana a fim de cursar o ginasial no Colégio Jackson de Figueiredo (na época, Juazeiro só possuía o curso primário). Era 1944 quando Joãozinho chegou a Sergipe. Tinha 13 anos de idade. A Guerra fervia na Europa. Durante o tempo em que esteve na cidade, o garoto teve os primeiros contatos com o violão. Naquela época, tocar este instrumento era algo ainda muito rotulado como "coisa de boêmio". Mas em segredo, o menino teimava em praticar e recebia preciosa ajuda externa. O primeiro professor de Joãozinho foi Carnera. À noite, quando saía para fazer seus programas, não era difícil que o músico levasse Joãozinho a tiracolo. É que, na época, o moço, que morava na casa dos tios, era vizinho do violonista. E no estúdio da PRJ-6 o menino nem lembrava da Guerra ou dos avisos da família. Atento, Joãozinho da Patu observava os artistas locais: Dão, João Melo, Guaracy Leite França, Bissextino (baterista que muito o impressionava) João Lopes. Dali, de um estúdio diminuto, aquela turma realizava esforçadas interpretações das canções de Sílvio Caldas, Francisco Alves, Carmem Miranda, Orlando Silva e tantos outros. Vez ou outra alguém mandava ao ar alguma composição própria. Por estas e outras se dizia que o rádio em Sergipe vivia um grande momento. O menino olhava a tudo e aprendia. Depois, voltava contente para casa sob a guarda cuidadosa de Carnera. Mas os tempos mudaram. Joãozinho da Patu cresceu. E, de violão debaixo do braço, virou João, João Gilberto, cantor da bossa nova, tornou-se conhecido no mundo inteiro”.

 

-  Na próxima postagem você vai conhecer PEDRO TELES, o ZÉ DENDÊ, o cômico dos monólogos, dos esquetes, das piadas inocentes ou picantes e das inteligentes paródias.

- Do livro “Aracaju Romântica que vi e vivi”, de Murillo Melins, 4ª. Edição, 2011, Gráfica J. Andrade.

- As imagens aqui reproduzidas foram retiradas do Google.  

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...