Aracaju/Se,

terça-feira, 26 de outubro de 2010

Criminosos Fardados

Os Crimes que abalaram Sergipe

9. Criminosos Fardados (*)
Acrísio Torres



Na história dos crimes políticos, em Sergipe, ocorreu em 1907, em Nossa Senhora das Dores, um dos mais sangrentos. Um desses crimes hediondos, que definem uma situação, que envergonham um povo. Numa palavra, humilhantes para a civilização humana. Não despertou, na época, menor assombro que os crimes modernos. E, certamente, maior revolta, por se tratar de um assassinato de que foram autores soldados do corpo de polícia, de Sergipe, destacados naquele município, cenário de violências, crimes, muito sangue. Foi, de fato, uma página sangrenta, esculpida pelo sabre de soldado da polícia. Na verdade, pelos que eram os mantenedores da ordem pública, os defensores da vida e direitos dos cidadãos, da segurança social, enfim, que os vestia, alimentava e armava com dinheiro do povo. Contra os criminosos civis, a sociedade se defendia, punindo-os. No entanto, naquela época, contra criminosos fardados nada lhe restava, pois estes encontravam nos chefes políticos os protetores sem condições, na obra de vinganças e extermínios.

Guilherme Campos
Nem mesmo valia o protesto da imprensa livre, pedindo em nome do povo as providências da lei. Nem mesmo valiam os apelos em nome do sentimento cristão. Nem mesmo em nome da civilização, opunha-se um paradeiro à cruzada de crimes posta em ação pela horda policial. Lamentável é que tudo isso se passasse no governo de Guilherme Campos, um “magistrado de vida impoluta e honesta”. É o julgamento dos jornais da época. Disso decorriam os apelos da imprensa ao ilustre magistrado, no sentido de que não desse tréguas ao crime e aos criminosos. Era o caso de Nossa Senhora das Dores. Nesta cidade, soldados da polícia estadual, sob as ordens de um comissário, cercam um homem do povo, inofensivo, de bons costumes, e, piores que canibais, atiram-se sobre ele, e o ferem de sabre por todas as partes do corpo. Emiliano José de Lima, a vítima. Torturam-no com pancadas. Esbofeteam-no. Insultam-no. Enchem-lhe a boca de areia. Amarram-no pelos pulsos, e o arrastam, dilacerando-lhe a epiderme, as carnes. Pareciam querer requintar o martírio.

Igreja Matriz de Nossa Senhora das Dores
Não há exagero nas cores desse quadro, de que era responsável o chefe local, Malaquias Curvello. No corpo de delito, o dr. Alexandre Freire, médico, e Magalhães Borges, assistente, puderam constatar incontáveis contusões, além de ferimentos penetrantes, escoriações diversas, fratura de ossos. Para dar uma idéia do bárbaro crime de Nossa Senhora das Dores, basta que transcrevamos um ligeiro texto do exame de corpo de delito: “Nas regiões dorsal, lombar e sacras as contusões atingiram a um número tal, que não nos foi possível contá-las”. Nas suas conclusões ao exame do corpo de delito no cadáver de Emiliano José de Lima, partidário de Coelho e Campos e Oliveira Valadão, os peritos mencionados disseram que “a morte se deu imediatamente após os ferimentos”. Neste caso, o estado anterior de Emiliano em nada havia influído para a sua morte. Era mais um crime político. Tanto que o destacamento assassino recebeu ordens do comandante da polícia, do estado, para ameaçar, prender mesmo, os que haviam assinado, e encaminhado a Guilherme Campos, uma representação contra a situação reinante em Nossa Senhora das Dores. Era como Sergipe já não estivesse saciado de desordens, anarquia, violências, crimes, sangue.

(*) Do Livro “Cenas da Vida Sergipana, 2 – Acrísio Torres – SERGIPE/CRIMES POLÍTICOS, I”, Thesaurus Editora, prefácio de Orlando Dantas, páginas 39/40.

- Nova postagem sobre Os Crimes que abalaram Sergipe em 2 de novembro de 2010. Vai falar sobre os Crimes praticados em Nossa Senhora das Dores, de acordo com o autor e obra acima referidos.

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

A Ordem do Discurso II

Artigo pessoal

A ORDEM DO DISCURSO (II)
Clóvis Barbosa

Bruce Stone

Joseph Jabbra

Diante disso, a carta de recomendação de um político comportará mensagens de realismo e propostas de felicidade. A mensagem de realismo tem premissas. Todas elas trafegam pela noção que o gestor público deve ter da accountability. Segundo os professores Bruce Stone e Joseph Jabbra, as mais consistentes modalidades de accountability são a administrativa e a política. O termo accountability não possui, no vernáculo, expressão correspondente. Uma tradução livre apontaria para a idéia de prestação de contas e de enquadramento da vontade pessoal do gestor ao querer abstrato da lei. A propósito da compreensão do instituto da accountability, vem a calhar episódio dado em abril de 1893, quando o então presidente da república, Floriano Peixoto, ordenou ao ministro Limpo de Abreu que o estado pagasse um conto de réis ao irmão de Deodoro da Fonseca, Pedro Paulino da Fonseca.

Min. Limpo de Abreu

V - ORIENTAR PARA NÃO SER NECESSÁRIO PUNIR. Como não havia dotação para a despesa, o tribunal de contas glosou a determinação de Floriano. Colérico, ele declarou que tal fato só poderia ter saído da cabeça de Serzedello Corrêa, que criara um tribunal que estava acima do chefe do executivo. Ao tomar conhecimento do disparate, Serzedello mandou dizer a Floriano que o tribunal de contas não lhe seria superior quando ele agisse conforme a lei. Mas, ali onde se quisesse tripudiar as leis da república, o tribunal seria superior a qualquer um. Possesso, Floriano mandou reformar o tribunal de contas, ato que fez com que Serzedello Corrêa, então ministro da fazenda, pedisse exoneração. Floriano teve que recuar. Mas a parte da história que interessa neste instante é exatamente essa: a precisa noção que Serzedello possuía da accountability: nada, num estado democrático, pode vir à tona ao arrepio das leis legitimamente postas pelo parlamento.

Floriano Peixoto

A accountability, nesse episódio, foi agraciada com as cores das limitações pecuniárias impostas pelo legislativo. Se o parlamento não autorizou o gasto, não haverá gasto. O que for além disso é despotismo, macula a legalidade, emascula a moralidade e defenestra a eficiência das ações públicas. Ainda assim, o tribunal de contas, nos idos de 1893, não tencionou punir a ilegalidade perpetrada pelo presidente da república. Ele foi pedagógico. A corte, inspirada no espírito de cidadania que afluía da alma de seu idealizador, Serzedello Corrêa, procurou orientar o chefe de estado, como que dizendo: “o caminho é encontrar o beneplácito do legislativo”. Mas a brutalidade de Floriano não lhe deixou agir consoante padrões de razoabilidade. Ele não era realista. Se fosse, ajustaria as velas. O realismo ao qual precisa dar vazão a accountability é exatamente esse: orientar para não ser necessário punir.
 
Thomas Hobbes

VI - A PRAÇA É DO POVO, ASSIM COMO O CÉU É DO CONDOR. Sendo órgão auxiliar do parlamento, o tribunal de contas precisa alçar vôos estratégicos em direção à filosofia pluralista sedimentada com o advento da constituição libertária de 1988. É conseqüência natural de uma nação heterogênea, marcada pela necessária diferença entre os elementos étnicos e sociais que a compõem, a formação de um pensamento franqueado à abertura ideológica. Thomas Hobbes leciona que a única coisa igual entre os homens é que todos eles são diferentes. Por isso, uma corte de contas, ao fazer valer a accountability, precisa levar em consideração tal disparidade. Nem todos os políticos são advogados, ou contadores, ou economistas. Muitos não tiveram a efetiva oportunidade de saborear os manuais científicos que ditam regras nas academias de ciência. E, honestamente, os políticos não devem ser doutores da lei, mas mestres da lógica e do bom-senso.
 
 
Poeta Castro Alves

Contudo, é imprescindível mais bom-senso. Embora os julgamentos do TC zelem pela dogmática, eles também orientam-se pelo primado da ponderação. É que o parlamento não decide como o judiciário. Casas políticas prolatam julgamentos políticos. Daí, a essência do TC: equilibrar ideologias, dando substrato técnico aos arestos que nascerão no anfiteatro popular. O racional, no TC, funde-se ao sensível, ajustando as velas do barco ao vento da realidade cotejada. Por quê? Porque as massas elegeram líderes que representam suas fantasias e sonhos. Não cabe ao julgador de contas inviabilizar políticas gerenciais, ainda que não as melhores (de um ponto-de-vista técnico), se elas não rompem com a moralidade. Tão preeminente como saber se a principiologia normativa foi atingida é aferir se a opção do gestor trouxe felicidade à plebe. Afinal, “a praça é do povo, assim como o céu é do condor”.

Tertuliano
VII - A LIBERDADE DOS HOMENS E DOS PÁSSAROS. Mas quem é o povo? Que melodia transborda do pulsar que o coração das massas entoa? Não é difícil achar respostas para essas perguntas. Não é necessário recorrer ao teólogo Tertuliano, que professava ser o absurdo o alicerce da crença e da fé: “creio porque é absurdo”. Não. Creio porque é real. A vontade do povo é real. E ela vem à tona quando um chefe de estado se vê ungido pela pia batismal do voto. Irreal, por outro lado, é querer atribuir vontade soberana a um fragmento das massas. É querer dar sopro de vida à patifaria e à arrogância que acreditam poder espatifar o sonho plebeu de ver sua geração a ditar os rumos de um governo, já que foi essa a geração que conseguiu tomar democraticamente o poder. Todo poder emana do povo. E o povo, cujo sangue se espalha pela praça festejada nos versos de Castro Alves, dá tonalidade e vitalidade ao discurso de quem foi por ele coroado e entronizado.
 
Ari Folman

Não é, por exemplo, o concurso público quem outorga poder. Não é a origem oligárquica quem o consolida. Quem sedimenta o poder (o verdadeiro poder) é a voz humana que se confunde com as asas dos pássaros. Conseguir ser ouvido atribui tanta ou mais liberdade do que ter o dom de voar. Hoje, a geração – que uma corja de assassinos tentou calar com baionetas – faz ecoar seu grito de liberdade, como quem sobrevoa muralhas. Não há vida num governo de baionetas. E não há vida por uma razão: as massas não amam quem ascendeu, não porque teve asas, mas porque as pisoteou. A liberdade que o povo clama é aquela que se congrega à profecia que o cineasta judeu Ari Folman externou em “Valsa com Bashir”: ninguém escapa de si ou de sua geração. A geração das baionetas morreu. E, com o seu sepultamento, abriram-se as portas para que a minha geração, a geração que lutou pela liberdade, pudesse voar.
 
Min. Vitor Nunes Leal

VIII - A GERAÇÃO DO OLIMPO. Por isso, embora seja Clóvis Barbosa quem, hoje, toma assento nesta corte de contas, quem de fato se empossa no cargo de conselheiro é uma geração de liberdade que já está no Olimpo: (01) Antônio Jacinto Filho (advogado), (02) Carivaldo Lima (ferroviário), (03) Clóvis Marques (gráfico baiano), (04) Gervásio, o Careca (jornaleiro), (05) Gilberto BURGUESIA (servidor público), (06) Gonçalo Rollemberg Leite (professor), (07) Jackson Sá Figueiredo (advogado), (08) João Cardoso Nascimento Jr. (professor e ex-reitor da UFS), (09) João Santana Sobrinho (advogado), (10) José Rosa de Oliveira Neto (jornalista e advogado), (11) Mário Jorge Vieira (poeta), (12) Osman Hora Fontes (procurador da república), (13) Paulo Barbosa (jornalista), (14) Pedro Hilário (ferroviário), (15) Professor Diomedes, (16) Silvério Leite Fontes (professor), (17) Tonico ALFAIATE, (18) Vítor Nunes Leal (ministro do STF, cassado pela ditadura) .

Por causa dessa geração – a geração que me credenciou a amar intensamente a liberdade – é que hoje, 29 de maio, coincidentemente dia em que nasceu o poeta italiano Dante Alighieri, todos nós podemos repetir os versos da Divina Comédia: “cuida da liberdade com a sabedoria de quem sabe que a liberdade é mais importante do que a própria vida” .

(*) - Os nomes estão ordenados alfabeticamente.
(**) Canto I do purgatório. Tradução livre dos versos 71 e 72: “libertà va cercando, ch'è sì cara, come sa chi per lei vita rifiuta”.
(***) Publicado no Jornal da Cidade, Aracaju-SE, edição de terça-feira, 9 de unho de 2009, Caderno B, página 6.

Curiosidade
Sobre o Ministro da Fazenda Serzedelo Corrêa

Serzedello Corrêa

INOCÊNCIO SERZEDELO CORRÊAnasceu em Belém do Pará em 16.06.1858 e faleceu no Rio de Janeiro/RJ - 05.06.1932. Ingressou na Escola Militar onde concluiu o Curso de Estado-Maior de Primeira Classe. Nomeado Governador do Paraná ocupou as pastas das Relações Exteriores e da Indústria Viação e Obras Públicas. Em 1892 assumiu a pasta da Fazenda e em sua administração destacaram-se: fusão dos Bancos da República e do Brasil sob a denominação de Banco da República do Brasil autorizando-o a emitir bônus ao portador; instalação do tribunal de Contas; criação da Bolsa de Valores; implantação no Ministério da Fazenda da primeira reforma administrativa da República. Foi Ministro Interino da Justiça e da Justiça e da Agricultura (1892). Administrou o Rio de Janeiro como Prefeito por duas vezes. Reformou-se no posto de General-de-Brigada (1910).


Na sua bibliografia destaca-se o seguinte:
- Relatório. Rio de Janeiro imprensa Nacional 1893.
- 0 problema econômico no Brasil em 1903. Rio de Janeiro Imprensa Nacional 1903.
- Discurso sobre a Caixa de Conversão. Rio de Janeiro 1906.

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

A Prisão de Costa Filho II

Os Crimes que abalaram Sergipe

8. Costa Filho, II (*)
Acrísio Torres

 
Oliveira Valadão
Deputado Federal
Na prisão, o jornalista Costa Filho dera provas de que, como dissera, “sou homem”. Na presença do bel. Cupertino Dória, chefe de polícia, de Abraão Lima, delegado auxiliar, e do escrivão, lavrou veemente protesto contra a calúnia torpe do sargento Candinho, dos que haviam forjado a versão da sinistra faca que, se não o matou, é que não tinha espírito débil, nem covarde. Prova mais cabal de que nada temia, dava logo após recuperar sua liberdade, acusando, através da imprensa, os responsáveis por sua injustificável prisão. Não acusava o sargento Candinho, que até perdoava, porque, dizia, “não sabes o que fazes”. Eu acuso, dizia Costa Filho, lembrando Zola, “acuso aos teus mandatários, a eles, somente a eles condeno a bem da lei ultrajada, da Constituição ferida e da humana consciência injuriada”. Dirigindo-se ao presidente de Sergipe, Guilherme Campos, Costa Filho o responsabilizou pelas violências de que havia sido vitima, e exigia, em nome da república, garantias imprescindíveis. Também se dirigiu ao presidente da república, Afonso Pena, ao senador Coelho e Campos e ao deputado federal Oliveira Valadão, no congresso nacional, e ainda à imprensa do Rio.

Guilherme de Campos
Presidente de Sergipe
Mesmo fundamente ferido, pontificava Costa Filho. Para ele, dos últimos e dolorosos sucessos políticos, dever-se-ia haurir forças em prol de um alevantado ideal, do bem-estar da comunhão, fundado numa política larga, escutando as queixas populares. “No regime que adotamos, pregava ele, o soberano é o povo”. Esses fatos vexavam a opinião pública, na capital e interior. Parecia periclitar a ordem, a liberdade. Subordinados tisnavam a toga de magistrado do presidente de Sergipe, Guilherme Campos. Espancamentos, afrontas, a prisão de Costa Filho, eram fatos lastimáveis. Guilherme Campos condenava esses processos, embora seus assessores procurassem justificá-los ante a balela de que conjuravam o assassinato do presidente sergipano, com o intuito de tomarem o poder. No congresso nacional, a agressão e prisão do jornalista Costa Filho alcançou ampla repercussão. Lamentou-o Oliveira Valadão, na câmara federal. E, do senado, o senador Coelho e Campos, em telegrama de 3 de dezembro de 1907, a Costa Filho, dizia: “Presidente república e ministro interior e justiça asseguram-lhe plenas garantias”.


Cesare Lombroso
No número anterior, 7, desta série, notei que o jornal O Estado de Sergipe, órgão oficial, compactuava com o plano dos que inventaram uma faca no cós da calça do jornalista Costa Filho. Nas suas respostas às acusações, denúncias, calúnias, agressões, Costa Filho dizia, na imprensa, que, mesmo que o matassem “o espírito que bate aqui dentro do meu coração é do âmago do carvalho, forrado de aço, e ninguém sobre a face da terra conseguirá vergá-lo”. Negando as acusações do jornal O Estado de Sergipe, desmentindo suas criminosas asserções, acusava publicamente seus agressores, os mandatários de sua agressão. Não encontrava, para os fatos, explicações nas páginas da boa razão, dos tratados normais. E apostrofava os inimigos, dizendo que “a criminologia os condena, e vou encontrá-los, tipos perfeitos, inteiramente semelhantes, nos volumes de monstros de Lacassagne, de Lombroso”. Tem-se a impressão de que, em Costa Filho renascia Fausto Cardoso.

Afonso Pena
Presidente
do Brasil
“Denunciem-me, clamava, denunciem-me em nome da desonra de vocês próprios; acusem-me pelo amor dos desrespeitos e dos ultrajes atirados às faces da Constituição nacional; condenem-me pelo amor das perseguições populares; matem-me em prol dos massacres, das violências e das injúrias feitas a esta formosa terra sem dita e sem fortuna”. E, como Fausto, mostrando o coração aos comandados de Firmino Lopes, Costa Filho, através da imprensa, oferecia-se em holocausto público, convencido de que a vida só é bela quando a liberdade é lei. “O primeiro jorro de sangue, bradava, que derivar da minha primeira ferida, bebê-lo-ei na taça olímpica de meu ideal, num brinde vitorioso em nome do povo, desse amado povo de cujas entranhas sou, e por cuja causa derramarei sem uma queixa, até a derradeira gota desse sangue que me anda carbonizando os fibramentos das artérias”.

(*) Do Livro “Cenas da Vida Sergipana, 2 – Acrísio Torres – SERGIPE/CRIMES POLÍTICOS, I”, Thesaurus Editora, prefácio de Orlando Dantas, páginas 35/37.

- Nova postagem sobre Os Crimes que abalaram Sergipe em 26 de outubro de 2010. Vai falar sobre os Criminosos Fardados, de acordo com o autor e obra acima referidos.


domingo, 17 de outubro de 2010

Zélia Gattai

Grandes Personagens

ZÉLIA GATTAI
Por Natália Pesciotta


Zélia Gattai em várias fases de sua vida
02.071916-17.05.2008
Ela deu vida à memória

Por trás da esposa dedicada, braço direito de Jorge Amado, estava uma lutadora, defensora dos próprios ideais. Mais atrás – ela mesma surpreendeu-se com a descoberta, aos 63 anos –, havia a escritora. A habilidade com as letras levou Zélia a revelar todas as suas camadas e, de quebra, os contextos históricos em que viveu. Para escrever memórias, diria, só tendo memórias, oras.
 
Zelia e Jorge Amado
Primeiros anos do
casamento 
Seu Ernesto e dona Angelina discutiam em casa, que também abrigava uma oficina mecânica. São Paulo, 1916. Ele queria que a filha chamasse Pia. Tinha visto num romance. “Não seria melhor Bacia ou Balde?”, ironizava a mulher. Acabou prevalecendo a opinião de Maria Negra, a empregada da casa, que sugeriu Zélia. A caçula da família nasceu em 2 de julho, dia da principal comemoração da Bahia. Mais tarde adotaria o estado como lar e dele receberia as ordens do Mérito, em 1995, e o título de Cidadã Baiana, 10 anos depois. Quando era pequena, cantava de cor o hino da Internacional Comunista e vendia jornais anarquistas nos eventos político-operários que frequentava com os pais. Só que, durante a festa da paróquia do bairro, em lugar de panfletos, vendia rifas para a igreja. Estes e vários outros causos a menina juntou, já senhora, no livro de estréia: Anarquistas Graças a Deus (1979).

Só tem memória quem viveu

Ver imagem em tamanho grande
Zélia Gattai
A fina ironia do livro deu a Zélia o Prêmio Paulista de Revelação Literária. Teve 200 mil cópias vendidas em menos de 20 anos e rendeu uma minissérie em 1984. A partir daí, toda a vivência foi, aos poucos, se cristalizando em letras. Foram 10 livros de memória no total, mesclas de casos pessoais com a realidade do País, sem deixar de lado boas doses de humor. Criou ainda três livros infantis e um romance. A afinidade com a literatura vinha da infância. Zélia e as irmãs costumavam explorar o armário proibido da mãe, onde se guardavam preciosidades: O Inferno de Dante, teorias anarquistas de Bakunin e Koptkin. Lá embaixo, o preferido de todas, Os Miseráveis, de Victor Hugo. Durante mais de meio século ao lado de Jorge Amado, datilografando e revisando seus originais, a intimidade com os livros só se fortaleceu. Por que estreou apenas aos 63 anos? “É que quem escreve memórias precisa ter as memórias.” E reforçava: “É preciso ter atingido um certo nível, uma certa maturidade para entender as pessoas.”

Sobre florestas e castelos

Aos 20 anos, Zélia casara com o militante comunista Aldo Veiga e dera à luz Luís Carlos. Depois que o pai foi preso pelo governo Vargas, a participação da moça no movimento de esquerda se intensificou. Foi quando conheceu Jorge Amado, durante o 1° Congresso de Escritores, organizado pelo Partido Comunista Brasileiro. O humorista Aparício Torelly, o Barão de Itararé, os apresentou. “Ao pousar pela primeira vez os olhos em você, meu coração disparou”, diria Jorge a ela mais tarde. Podia ser mais um romance do baiano, desses que Zélia admirava desde os 17 anos, mas a história era real, e quem contou foi ela, em Um Chapéu para Viagem (1982). Com Jorge eleito para a Câmara Federal, lá se foi o casal para o Rio de Janeiro, onde nasceu João Jorge. Um ano depois, com o PCB ilegal, partiram para o exílio. Em Paris, Zélia estudou Civilização e Língua Francesa na Sorbonne. Depois de fazer amizade com os Pablos Neruda e Picasso, Simone de Beauvoir e Jean-Paul Sartre, o casal precisou partir novamente, expulso por ser comunista.

O destino foi uma comunidade de escritores na Tchecoslováquia, experiência parecida com a dos antepassados Gattai. O avô de Zélia atravessara o oceano com os filhos pequenos, vindos da Itália, para viver numa comunidade anarquista no Sul do Brasil, a Colônia Cecília. Uma grande diferença é que os anarquistas italianos foram parar no meio da floresta, e os escritores comunistas num lindo castelo abandonado pela realeza. Nele nasceu a caçula Paloma, e as histórias ali vividas foram todas para O Castelo de Vidro (1988). Nessa época, Zélia tomou gosto pela fotografia. Guardou os registros de Jorge Amado capturados pela sua Rolleiflex para Reportagem Incompleta (1987).

“Chego a ver as cores”


Zélia e Jorge Amado

Após passagens pela China, Mongólia e Rio de Janeiro, em 1963 finalmente o casal fixou-se na Bahia. As visitas de muitos amigos ilustres, sob as mangueiras do jardim, estão em A Casa do Rio Vermelho (1999). Só então, estimulada pelo marido, Zélia tomou impulso para escrever. Sempre sem consultar anotação alguma, contando apenas com as lembranças: “As coisas que vivi, que eu conto, não precisavam ter sido anotadas, porque me marcaram profundamente. E quando começo a escrever, me desligo do presente e volto a dar gargalhadas. Chego a ver as cores, os detalhes”. Por isso, depois da morte de Jorge, Zélia reviveu o romance dos dois, escrevendo sobre o amado. Faleceu sete anos depois, em 17 de maio de 2008. Ficou oficialmente imortalizada pela Academia Brasileira de Letras, onde ocupou a cadeira que foi do companheiro. Na posse, em 2001, disse que trazia no sangue a qualidade de contadora de histórias. Mas revelou um segredo: “Muito cedo, comecei a entender que uma leitura ou uma história só prestam, empolgam e nos fazem sonhar quando transmitidas com prazer e emoção”.

SAIBA MAIS

- Memorial do Amor (Record, 2004), o último livro publicado por Zélia Gattai, aos 88 anos.
- Assista a um vídeo com fotos de Zélia ao longo da vida e leia este artigo no site www.almanaquebrasil.com.br, de onde esta matéria foi reproduzida.
- Natália Pesciotta é jornalista.

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

A Prisão de Costa Filho I

Os Crimes que abalaram Sergipe

7. Costa Filho, I (*)
Acrísio Torres


Guilherme Campos
Presidente
de Sergipe

Malgrado a profundeza do golpe que, em 9 de novembro de 1906, no Rio, ferira o presidente de Sergipe, Guilherme Campos, irmão de Olímpio Campos, sua decisão foi de não permitir represálias. Entendia que era preciso respeitar-se o momento doloroso, mesmo porque a população sergipana também sentia lutuosamente o trágico acontecimento. No entanto, em 16 de novembro, sete dias apenas depois do lúgubre sucesso acima aludido, deu-se a injustificável prisão do jovem literato e jornalista Costa Filho. Nunca foi explicado o motivo desse ato de violência do governo. É possível mesmo que o presidente sergipano, nos primeiros momentos, desconhecesse o fato lamentável. Tentava-se pela segunda vez contra Costa Filho, tendo na primeira investida quase sido atingido por um tiro. Nesta segunda vez, foi agredido, a mandado de superiores, pelo famigerado sargento Candinho. Uma agressão em plena rua, violenta, com ferimentos a faca, seguida de prisão.

Fausto Cardoso

Trazia o sargento Candinho, sob a manga da farda, a faca com que agredira o jovem jornalista. Perante as autoridades da polícia, jurou tê-la encontrada no cós da calça de Costa Filho. Mas, posto em liberdade, dizia, destemido, em nota à imprensa que “nunca trouxe armas comigo, porque não sou vil, porque nunca tive medo, porque nunca me exercitei na prática das covardes maledicências, e porque sou homem”. Era grave o momento político, pois Fausto Cardoso havia sido morto em agosto, e Olímpio Campos, assassinado, em vindita, em novembro de 1906. No entanto, a lei existe para punir criminosos. Pelos nobres sentimentos de Guilherme Campos, este não tolerava atos de intimidação, que cometiam à sombra de seu governo. Costa Filho não era apenas um festejado jornalista. Era também notável poeta. Na cadeia, para onde foi recolhido por ordem do chefe de polícia, bel. Cupertino Dória, escreveu a poesia intitulada Treva, que dedicou a Sergipe.

Sinto dentro de mim, germes eternos,
Como esplêndidas lavas de um vulcão;
Como centelhas vindas dos infernos
De uma geração.
Desarvorados e impetuosos raios,
Vibram chiando no imo de meu sangue;
A treva faz-me síncopes, desmaios,
E deixa-me exangue.
Raça maldita, anátema gloriosa!
Mãe de gênios, e mártires e heróis!
Há na tua alma, ó Mãe, pátria inditosa,
Legiões de sois!...
Desolada do amor, louca da idéia,
Escrava das paixões torpes, iníquas,
Há-de teu pranto ser uma epopéia,
De luzes profícuas.
Trânsida e miserável, pátria minha,
Raça que eu amo, que idolatro e beijo,
Pobre selvagem, onde a dor se aninha
Em lúcido lampejo.



Olímpio Campos

Antes de terminar esses notáveis versos de revolta, de protesto, o jovem jornalista Costa Filho foi libertado. Na palavra “lampejo” recebeu ordem de liberdade da mesma autoridade que, impensadamente, como mera demonstração de força, autorizara sua prisão, o bel Cupertino Dória, então chefe de polícia do governo Guilherme Campos. Em 2 de dezembro, dezessete dias depois de sua prisão, Costa Filho pronunciava em prol do povo e da pátria um discurso vibrante, cheio de destemor, e que intitulou de “discurso a céus descobertos”. Havia pesada emoção nas suas palavras, graves acusações na sua fala, em vista do sinistro desenrolar dos últimos acontecimentos na política sergipana. Manifestava-se assustado no mais forte e destemido de seu espírito “pela contemplação dessa corrente pavorosa e lúgubre de sangue irmão, que, por entre nós, deslizou colérica e terrível, arrastando na sua estúpida enxurrada um sem-número das nossas esperanças”.

Em expressões assim, de espanto, de acerbos vexames, discorreu Costa Filho a bem dos sergipanos, a bem de Sergipe, a bem do Brasil.

(*) Do Livro “Cenas da Vida Sergipana, 2 – Acrísio Torres – SERGIPE/CRIMES POLÍTICOS, I”, Thesaurus Editora, prefácio de Orlando Dantas, páginas 31/33.

- Nova postagem sobre Os Crimes que abalaram Sergipe em 19 de outubro de 2010. Vai abordar a segunda parte da prisão do jornalista e poeta Costa Filho, ocorrida no governo de Presidente de Sergipe, Guilherme de Campos, logo após o assassinato, no Rio de Janeiro, do senador Olímpio Campos, de acordo com o autor e obra acima referidos.

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Marina... você se pintou?

Artigos diversos

Marina... você se pintou?
Maurício Abdalla (*)



Marina e Lula

“Marina, morena Marina, você se pintou” – diz a canção de Caymmi. Mas é provável, Marina, que pintaram você. Era a candidata ideal: mulher, militante, ecológica e socialmente comprometida com o “grito da Terra e o grito dos pobres”, como diz Leonardo. Dizem que escolheu o partido errado. Pode ser. Mas, por outro lado, o que é certo neste confuso tempo de partidos gelatinosos, de alianças surreais e de pragmatismo hiperbólico? Quem pode atirar a primeira pedra no que diz respeito a escolhas partidárias?

Mas ainda assim, Marina, sua candidatura estava fadada a não decolar. Não pela causa que defende, não pela grandeza de sua figura. Mas pelo fato de que as verdadeiras causas que afetam a população do Brasil não interessam aos financiadores de campanha, às elites e aos seus meios de comunicação. A batalha não era para ser sua. Era de Dilma contra Serra. Do governo Lula contra o governo do PSDB/DEM. Assim decidiram as “famiglias” que controlam a informação no país. E elas não só decidiram quem iria duelar, mas também quiseram definir o vencedor. O Estadão dixit: Serra deve ser eleito. Mas a estratégia de reconduzir ao poder a velha aliança PSDB/DEM estava fazendo água. O povo insistia em confirmar não a sua preferência por Dilma, mas seu apreço pelo Lula. O que, é claro, se revertia em intenção de voto em sua candidata. Mas “os filhos das trevas são mais espertos do que os filhos da luz”. Sacaram da manga um ás escondido.Usar a Marina como trampolim para levar o tucano para o segundo turno e ganhar tempo para a guerra suja.


José Serra

Marina, você, cujo coração é vermelho e verde, foi pintada de azul. “Azul tucano”. Deram-lhe o espaço que sua causa nunca teve, que sua luta junto aos seringueiros e contra as elites rurais jamais alcançaria nos grandes meios de comunicação. A Globo nunca esteve ao seu lado. A Veja, a FSP, o Estadão jamais se preocuparam com a ecologia profunda. Eles sempre foram, e ainda são, seus e nossos inimigos viscerais. Mas a estratégia deu certo. Serra foi para o segundo turno, e a mídia não cansa de propagar a “vitória da Marina”. Não aceite esse presente de grego. Hão de descartá-la assim que você falar qual é exatamente a sua luta e contra quem ela se dirige.


Dilma Roussef

“Marina, você faça tudo, mas faça o favor”: não deixe que a pintem de azul tucano. Sua história não permite isso. E não deixe que seus eleitores se iludam acreditando que você está mais perto de Serra do que de Dilma. Que não pensem que sua luta pode torná-la neutra ou que pensem que para você “tanto faz”. Que os percalços e dificuldades que você teve no Governo Lula não a façam esquecer os 8 anos de FHC e os 500 anos de domínio absoluto da Casagrande no país cuja maioria vive na senzala. Não deixe que pintem “esse rosto que o povo gosta, que gosta e é só dele”.

Dilma, admitamos, não é a candidata de nossos sonhos. Mas Serra o é de nossos mais terríveis pesadelos. Ajude-nos a enfrentá-lo. Você não precisa dos paparicos da elite brasileira e de seus meios de comunicação. “Marina, você já é bonita com o que Deus lhe deu”.

[*] Professor de filosofia da UFES, autor de Iara e a Arca da Filosofia (Mercuryo Jovem), dentre outros.
Maurício Abdalla

terça-feira, 5 de outubro de 2010

Olímpio Campos - O Processo

Os Crimes que abalaram Sergipe

6. Olímpio. O Processo (*)

Acrísio Torres
 
Machado Guimarães
Adjunto da Promotoria
No número 2, desta série, narrei como ocorreu o assassinato de Olímpio Campos por Humberto e Armando, filhos de Fausto Cardoso, e Délio Guaraná. Agrediram a Olímpio, e o mataram com balas certeiras, ferindo-o na cabeça, nos ombros, nas costas. Fugiram os agressores, mas logo depois foram presos. Na mesma ocasião, confessaram o crime, declarando que Délio havia sido apenas testemunha. Embora declarando-se inocente, Délio manifestou solidariedade aos filhos de Fausto Cardoso. Teve início o processo. E, já em janeiro de 1907, subia à conclusão do juiz de direito da primeira vara criminal para a pronúncia. Machado Guimarães, adjunto de promotores, pediu a pronúncia dos acusados na forma da denúncia, seja, nas penas do artigo 294, parágrafo 1º, do Código Penal (assassinato com premeditação). Nos autos havia uma longa defesa dos acusados, feita pelo curador e advogado, coronel Augusto Goldschmidt. Nela faz uma minuciosa crítica à denúncia do ministério público. Nega, mesmo, a premeditação do crime.

Antigo Palácio da Justiça no RJ
 E conclui, pedindo a impronúncia não apenas dos filhos de Fausto Cardoso, como também de Délio Guaraná, que, na sua opinião, não tomara parte material no crime. Em 14 de fevereiro de 1907, Humberto, Armando e Délio foram a julgamento, no Rio. Presidiu a sessão do Tribunal de Júri, Joaquim José Saraiva Júnior. Coube a acusação ao dr. Cesário Alvim Filho. Foi extraordinariamente concorrida a sessão de julgamento. Advogados, jornalistas, estudantes, a colônia sergipana, a massa popular, encheram o vasto salão do júri. Os acusados, acompanhados da viúva de Fausto Cardoso, entraram no Tribunal em companhia dos patronos, dr. Theodoro Magalhães e o acadêmico Maurício de Lacerda, de apenas dezenove anos, cujo discurso e atuação impressionaram o auditório. Lido o processo, começaram os debates. Disse o promotor público que Fausto Cardoso fora vítima de balas, quando lutava para manter-se ilegalmente no governo de Sergipe. Mostrou que, para o desastre de seu epílogo, lamentável, não havia concorrido o ódio que, acaso, lhe votasse Olímpio Campos.

 
Tribunal do Júri - RJ - Local denominado pelos advogados
como o Salão dos Passos Perdidos

Nos autos, nos testemunhos, nos pronunciamentos na câmara federal e no senado, nada havia que sustentasse semelhante hipótese acusatória. E, veementemente, declarava que, neste caso, não havia justificativa para o crime bárbaro e friamente premeditado, que a justiça condenava. Por fim, concludente, pedia ao júri, em nome da lei, a punição dos culpados. Tiveram a palavra os advogados dos acusados. Dr. Theodoro Magalhães, com argumentos irrespondíveis alcançou esmagar a acusação. Enquanto isso, Maurício de Lacerda, um acadêmico de dezenove anos, arrebatava e sensibilizava o auditório. Encerrados os prolongados debates, o juiz procedeu à leitura dos quesitos, depois do que se efetuou o julgamento. Mais de uma hora os jurados estiveram reunidos. Enfim, foi de novo aberta a sala do Tribunal de Júri. No meio de uma expectativa geral, opressiva, o juiz-presidente leu a sentença absolvendo os acusados, por unanimidade de votos. O júri reconhecera a dirimente de que os réus haviam praticado o crime “em estado de perturbação completa da inteligência e dos sentidos”.

(*) Do Livro “Cenas da Vida Sergipana, 2 – Acrísio Torres – SERGIPE/CRIMES POLÍTICOS, I”, Thesaurus Editora, prefácio de Orlando Dantas, páginas 29/30.

- Nova postagem sobre Os Crimes que abalaram Sergipe em 12 de outubro de 2010. Vai abordar a prisão do jornalista e poeta Costa Filho, ocorrida no governo de Presidente de Sergipe, Guilherme de Campos, logo após o assassinato, no Rio de Janeiro, do senador Olímpio Campos, de acordo com o autor e obra acima referidos.


Apêndice

JOAQUIM JOSÉ SARAIVA JÚNIOR - Juiz-Presidente do Tribunal de Júri durante o julgamento dos filhos de Fausto Cardoso - O juiz dos Feitos da Fazenda Municipal, na capital da República, dr. Joaquim José Saraiva Junior, foi antigo magistrado em São Paulo, sendo juiz de Direito da importante comarca do Rio Claro. Abandonou, porém, a magistratura e entregou-se à advocacia, até que foi nomeado delegado de polícia auxiliar na capital de São Paulo durante o governo do conselheiro Rodrigues Alves, e substituiu, na chefia de polícia, ao dr. Oliveira Ribeiro. Entregou-se novamente, depois, à sua profissão de advogado na capital de São Paulo, onde o foi buscar o conselheiro Rodrigues Alves, para nomear juiz na capital da República. É um dos magistrados mais acatados pela independência e justiça que sempre manifesta nas suas decisões. Ao dr. Joaquim José Saraiva Junior se deve a recolocação da imagem do Cristo no Tribunal do Júri, a qual havia sido dali retirada pelo elemento positivista. O dr. Saraiva Junior é irmão do dr. Canuto Saraiva, ministro do Supremo Tribunal Federal.

MAURÍCIO PAIVA DE LACERDA (Vassouras, 1888 — Rio de Janeiro, 1959) foi um político, tribuno e escritor brasileiro. Destacou-se como defensor de operários comunistas e anarquistas. Era filho do deputado federal, ex-ministro da Viação e Obras Públicas e ministro do STF Sebastião de Lacerda. Seus irmãos Paulo de Lacerda e Fernando (Paiva) de Lacerda foram importantes dirigentes do Partido Comunista Brasileiro (PCB). Deputado federal pelo Estado do Rio de Janeiro eleito para as legislaturas de 1912, 1915 e 1918. Prefeito de Vassouras de 1915 a 1920, e de 1932 a 1935. Foi dirigente do Partido Comunista Brasileiro, tendo sido preso em 1936 acusado de participar da Intentona Comunista de 1935. Contudo, quando houve a redemocratização do país em 1945, vinculou-se à União Democrática Nacional (UDN), partido anti-comunista. Foi pai do jornalista político, jornalista e escritor Carlos Lacerda.


sexta-feira, 1 de outubro de 2010

A Ordem do Discurso (I)

Artigo Pessoal

A ORDEM DO DISCURSO (I)
Clóvis Barbosa


 

Friedrich Nietzsche

I - O AMOR NOS TEMPOS DO CÓLERA. Nem a divindade arriscaria impor rédeas ao amor. Intemporal, ele, incessantemente, comina derrotas acachapantes à corrosão e à oxidação com as quais a rotina mostra-se capaz de sobrepujar outro sentimento. Há, por exemplo, um provérbio popular que enuncia: “a esperança é a última que morre”. Certamente, embora seja a derradeira a morrer, um dia ela efetivamente se dissipará. Com o amor, porém, isso não sucede. Ele, e tão-somente ele, é sempiterno. A morte, que nos extingue enquanto humanos, sucumbe diante do amor que, em nós, é divino e supremo. Para o amor, a propósito, qualquer adjetivação seria pífia. Quem sabe até contraproducente. Daí, garantir Nietzsche que “o que fazemos por amor, sempre se consuma além do bem e do mal”. Daí, ademais, ter sido oportuno o título atribuído pelo sumo pontífice, Joseph Ratzinger, à sua primeira encíclica, “Deus caritas est”: “Deus é amor”.


Gabriel Garcia
Marquez

Imortal, o amor sobressai-se pela constante marcha. Nunca recua. Nunca desanda. Avança permanentemente. Duas personagens estão aptas a demonstrar a seriedade de tal garantia. A primeira, obra do gênio do colombiano Gabriel García Márquez: Florentino Ariza; a segunda – Aristófanes – extraída da poesia que Platão, subliminarmente, fez respingar em “o banquete”, seu mais popular ensaio filosófico. Florentino Ariza amou Fermina Daza. Aristófanes, ao proferir o quarto discurso de “o banquete”, provou que o amor é o que explica a busca pela completude, a busca pela nossa outra metade. Por que, todavia, o paralelo entre Aristófanes e Florentino Ariza? Ora, a história de Florentino Ariza acha-se no romance “o amor nos tempos do cólera”. O enredo desenrola-se na cidade de Cartagena (Colômbia). Ali, ele descobriu a adorável Fermina Daza, que lhe entorpecia as idéias. Quis o destino, contudo, afastá-los.

Pandemia de cólera na África
II - NÃO HÁ LIMITES PARA A VIDA. Conta García Márquez que o pai de Fermina Daza (Lorenzo Daza), ao descobrir que sua jovem filha enamorara-se de um telegrafista, promoveu a separação dos dois a fórceps. O suplício prolongar-se-ia por cerca de cinqüenta e três anos. Quis o destino afastá-los, como já afirmado. Realmente os afastou. Nesse ínterim, Fermina Daza findou por desposar Juvenal Urbino, conceituado médico que erradicara a pandemia de cólera, moléstia que, à época, dizimava a Colômbia. Mas o amor reaproximou Florentino Ariza e Fermina Daza. Depois de mais de meio século, eis que ela, curtindo o luto do falecido marido, reencontra o antigo pretendente. Começava, portanto, a ser redesenhado o intenso amor que ambos houveram planejado. O clímax, no entanto, aflui exatamente da conclusão à qual Florentino Ariza chega, após ter nos braços Fermina Daza: há limites para a morte; não há limites para a vida.


Aristófanes

Em “o banquete”, Aristófanes assegura que, no princípio, os homens eram como que duplicados. Originados ou da lua, ou do sol, ou da terra, havia seres duplamente masculinos, havia aqueles que eram duplamente femininos e, finalmente, havia os que eram compostos por uma parte masculina e por outra feminina. A estes últimos, Aristófanes denominou andróginos. Sucede que os homens, nessa performance, eram tão violentos que, um dia, resolveram subir aos céus para pelejar com os deuses. Mas perderam a batalha. Como castigo pelo atrevimento, Zeus os partiu ao meio, fazendo com que as metades fossem separadas. O homem, portanto, na compleição consoante a qual é hoje concebido (ou puramente masculino, ou puramente feminino), vive a vagar, procurando seu outro pedaço, do qual foi afastado pela divindade, assim como Lorenzo Daza separou a filha de Florentino Ariza.


Mercedes Barcha e Garcia Marquez

III - A FAMÍLIA É O FUTURO DO AMOR. O amor, como se constata, autoriza-nos a enxergar o mundo pelos olhos de Florentino Ariza ou de Aristófanes. Saber amar permite-nos revestir com aço a ossatura. E essa armadura que, hoje, não deixa que sejamos divididos transfigura-se na família, que nos torna inquebrantáveis. Um exemplo: em março de 2007, li, no Jornal do Brasil, um texto da lavra de Álvaro Costa e Silva, onde o articulista asseverava que, não fosse Mercedes Barcha (esposa de García Márquez), a humanidade não teria sido presenteada com o livro “cem anos de solidão”. Durante um ano e meio, intervalo durante o qual García Márquez enclausurou-se para dar à luz sua mais importante criação, quem aplacava os entreveros que recaíam sobre a casa era a mulher do escritor. O dinheiro que conseguiram com a venda do automóvel que possuíam terminou. Mas Mercedes Barcha solucionou a compra do pão sem atravancar o trabalho do marido.


Engraçado é que, ultimado o romance, Mercedes Barcha falou ao esposo: “Espero que o livro seja bom”. Quinze anos depois, García Márquez receberia o Nobel, não só graças ao dom com que os deuses o distinguiram, mas graças a Mercedes Barcha (sua metade), que lhe conferiu paz para velejar tranqüilo no oceano da arte. Com efeito, foi Oliveira Jr. quem (quando compúnhamos a equipe de Déda frente à prefeitura da capital) me apresentou ao filósofo Comte-Sponville, autor de o “pequeno tratado das grandes virtudes”. A última virtude a ser estudada por Sponville é, exatamente, o amor. Ali, ele revela que “a família é o futuro do amor”. Pois bem, estou certo de que devo este dia à minha família – à minha metade (Guiomar Salmeron), aos meus filhos, à minha neta – que me fortaleceram para navegar, íntegro e inteiro, no mar colérico que é o mundo. E é por causa desse amor que confesso que vivi.


Albert Einstein

IV - NAVEGAR É PRECISO. Já o sentido da vida política decorre de estabelecermos metas. Um homem sem objetivos ganha a tonalidade de espectro. É necessário arrematar, todavia, que nenhum esboço de conduta alcançará êxito se não for bosquejado segundo dois princípios elementares: o da edificação da felicidade e o da caminhada realista. Um exemplo. Atribui-se ao físico Albert Einstein a seguinte alegoria: há um barco no mar; os ares, contudo, não são, em princípio, favoráveis ao timoneiro. O que faria o pessimista? Desistiria de navegar. Que postura adotaria o indivíduo utópico? Esperaria que o vento passasse a soprar na direção que lhe interessasse. Como agiria o realista? Ora, esse ajustaria as velas e prosseguiria na sua viagem. Enxerga-se, por conseguinte, que o realismo encorajador deve ser o verdadeiro combustível – que não poderá, jamais, faltar àquele que desenvolve a pretensão de gerir a coisa pública.

* Publicado no Jornal da Cidade, Aracaju-SE, edição de domingo e segunda-feira, 7 e 8 de junho de 2009, Caderno B, página 8.

** Primeira parte do discurso de posse do autor como Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado de Sergipe, em 29 de maio de 2009.


Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...