Aracaju/Se,

quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

Revista do Rádio

Revista do rádio

Clóvis Barbosa

 
Entre os oito e quinze anos de idade aconteceram fatos extraordinários em minha vida na capital baiana. Diria até que foi uma fase muito rica na aquisição de conhecimentos, em amadurecimento para enfrentar a vida e autoafirmação cultural e cidadã. Não fui aquela criança, teorizada pelos psiquiatras/psicólogos dos infantes, como a que teve uma vida normal do ponto de vista de brincar e estudar. Trabalhei para sobreviver desde cedo e, ao invés de ser um elemento prejudicial à minha formação, foi isso elemento importante para o meu crescimento. A minha normalidade era sentida pelo bem-estar físico, mental e social e pela capacidade de adaptação ao meio social. É verdade que na vida ninguém cresce sozinho. Nesse caminhar tive pessoas extraordinárias que passaram pela minha história e que influenciaram de forma decisiva na formação do meu caráter e daquela lei moral, de que nos fala Kant - na Crítica da razão prática, existente em nós. Nas minhas orações sempre agradeço por esses anjos que Deus coloca em nossas vidas. No meu caso, uns já falecidos e outros ainda vivos. Sou-lhes grato por menor que tenha sido a sua contribuição.  Foi uma fase em que cada minuto era aproveitado intensamente. Aprendi a ser inteiro em tudo em que me envolvia. Na fase impúbere, não sei bem o porquê, sempre fui do contra. Em casa, enquanto os homens torciam pelo Vitória e as mulheres eram fãs de Cauby Peixoto e Wanderley Cardoso, eu era torcedor do Bahia, e fã de Francisco Carlos um cantor que fez muito sucesso na década de 50 e de Roberto Carlos.
 
Eu era admirador do cinema clássico e dos movimentos culturais da época. Acompanhei o surgimento da Nouvelle Vague Francesa, de Claude Chabrol, Jean-Luc Godard, François Truffaut, Alain Resnais, Eric Rohmer e Jacques Rivette, sendo a maioria desses cineastas vinda da crítica cinematográfica que era feita numa revista de vanguarda, o Cahiers de Cinéma; e acompanhei o neo-realismo italiano, nas figuras dos seus idealizadores, Roberto Rosselini, Luchino Visconti e Vittorio de Sica. Nunca me esqueço do filme Ladrões de Bicicleta que fui assistir num cinema de subúrbio, em Plataforma; o cinema novo no Brasil - influenciado pela nouvelle vague francesa e pelo neo-realismo italiano -, que teve como expoentes Glauber Rocha, Joaquim Pedro de Andrade, Leon Hirsman, Nelson Pereira dos Santos, Cacá Diegues, Ruy Guerra, Roberto Santos, Paulo César Saraceni, Olney São Paulo e Rogério Sganzerla; o novo cinema alemão, também influenciado pela nouvelle vague francesa e pelos movimentos de protestos de 1968, e que teve como nomes importantes Wim Wenders, Werner Herzog, Volker Schlondorff e Rainer Werner Fassbinder; o nascimento do cinema baiano em filmes como Redenção, Barravento, A Grande Feira e Tocaia no Asfalto; as filmagens de O Pagador de Promessas na Ladeira do Carmo e Pelourinho (único filme brasileiro que ganhou a Palma de Ouro em Cannes), onde testemunhei os gritos do diretor Anselmo Duarte e as interpretações dos atores. Foram momentos fascinantes.
 
Eu era fã ardoroso das emissoras de rádio da Bahia e do Rio de Janeiro. A Rádio Sociedade da Bahia, ligado ao grupo de Assis Chateaubriand, a Rádio Excelsior e a Rádio Cultura predominavam na época com um cast de fazer inveja. Até os Serviços de alto falante existentes nos bairros de Salvador primavam pelo bom gosto. Foi nos auditórios da Rádio Excelsior, que ficava próximo a Praça da Sé, que vi um show com o grande cantor de boleros Bienvenido Granda. No auditório e nas ondas da Rádio Sociedade desfilavam nomes como Ubaldo Câncio de Carvalho, Renato Mendonça, Armando Chaves, Pacheco Filho, Antônio Laborda, José Athaide. Tinha até programa de rádio-teatro. Nos programas de auditório da Sociedade e da Excelsior desfilavam o compositor Riachão e um cantor de voz muito bonita, Osvaldo Fahel. Existia um programa semanal de meia hora, intitulado PRK-30, na fase memorável da Rádio Nacional, no Rio de Janeiro, apresentado por Lauro Borges e Castro Barbosa, que modulava: “Cavaleiros e cavaleiras de ambos os sexos, muito boa tarde. Acaba de subir ao ar a sua PRK-30, falando diretamente do segundo andar do Edifício Espícler, enquanto não anunciam a construção do primeiro andar. É por isso que anunciamos sempre: NO AR, PRK-30!”. Eram apenas duas vozes que representavam dezenas de personagens, uma espécie de Chico Anísio das décadas de 50 e 60. Aliás, há quem diga que o humorista cearense foi muito influenciado por essa dupla de sucesso na história do rádio.
 
Mais fascinante ainda era a acirrada disputa artística que se travava na Rádio Nacional e pelo Brasil a fora tendo como protagonistas as cantoras Emilinha Borba e Marlene, e os cantores Cauby Peixoto e Francisco Carlos. O gesto simples de girar um botão criava, repentinamente, um momento mágico. Minha mãe, fã ardorosa de Emilinha acompanhava cantando em duo com a voz que vinha do rádio: “Chiquita bacana lá da Martinica, se veste com uma casca de banana nanica”, ou: “Quando a lama virou pedra e mandacaru secou, quando a ribação de sede bateu asa e voou; foi aí que vim-me embora carregando a minha dor, hoje eu mando um abraço pra ti pequenina, Paraíba masculina muié macho sim senhor”, clássico de Humberto Teixeira e Luiz Gonzaga. Mas minha velha nunca foi assistir Emilinha pessoalmente. Eu era obrigado a ver os seus filmes e passava a ela o papel desempenhado por Emilinha ou a música que ela interpretava. Lembro-me de alguns filmes, como “Tristezas não pagam dívidas”, onde ela canta “Atire a primeira pedra”; “Aviso aos navegantes”, em que se apresenta com uma capa de plástico e sob uma chuva artificial, onde interpreta a música Tomara que chova. Enfim, foram inúmeros os filmes. O mesmo quadro era com Cauby Peixoto. Diferentemente, minha mãe não admitia as canções interpretadas por Marlene ou Francisco Carlos. Nessas horas, mudava-se imediatamente de emissora. Mas ela gostava também de Dolores Duran, Elizete Cardoso, Dalva de Oliveira, Maysa e Ângela Maria.
 
Eu estava em São Paulo em outubro de 2007 quando minha mãe me pediu para comprar um CD de Emilinha Borba. Procurei e o encontrei numa loja da Avenida Paulista. Ela ouviu, pela última vez, a voz daquela que durante muito tempo encheu o seu mundo de magia. É que ela morreu poucos dias depois, em 13 de novembro daquele ano.

(*) – Publicado no Jornal da Cidade, Aracaju-SE, edição de domingo e segunda-feira, 27 e 28 de maio de 2012, Caderno B, pág. 7.

terça-feira, 8 de janeiro de 2013

Mulheres da Antiguidade - Outras Cleópatras

Isto é história
Mulheres Audaciosas da antiguidade
OUTRAS CLEÓPATRAS
Vicki León
 
A Cleópatra “Serpente do Nilo”, impressa durante séculos em nossos cérebros por tudo quanto é escritor, desde Shakespeare a E. E. Cummings, arrebatou toda a imprensa empolgada. Na realidade ela era a Cleo número sete da dinastia macedônia. Entre 200 e 50 a.C, existiram mais Cleópatras (numeradas e sem número) do que sequências do filme Rocky. Entretanto, ao contrário de Rocky, as Cleo tendiam a melhorar – ou pelo menos ficar mais mesquinhas, perversas ou mais ambiciosas.
 
A primeira Cleo, apelidada de “a síria”, tinha arrojo, miolos e grana de sobra. Papai Antíoco providenciou um modesto dote para ela - as terras da Síria, Samária, Judéia e Fenícia, - o que lhe proporcionou certa influência no palácio em Mênfis, no Egito. Em seu reinado, Ptolomeu V, seu jovem e inútil marido, conseguiu perder a maior parte dessas novas posses reluzentes. Ele e Cleo celebraram seus triunfos inexistentes levantando a Pedra Roseta, que mais tarde provou ser útil para a decifração de hieróglifos. Com a morte de Ptolomeu, ela governou competentemente por oito anos, pondo em circulação sua primeira moeda e livrando-se do seu pai mal-humorado, que a essa altura queria de volta o que restava das terras do dote.
 
Cleo III era irmã da “síria”; ela e Cleo II, filha da “síria”, realmente botaram o domínio feminino rolando no trono egípcio, na maior parte das vezes casando com todo Ptolomeu que estivesse à vista e dando à luz uma colheita de novos Ptolomeus sucessivamente mais desagradáveis e libertinos. Tanto a Cleo II como a III, casaram como Ptolomeu VIII, uma velha alma repulsiva apelidada de “pançudo”, e concordaram em governar como rainhas associadas. Em sua própria sucessão, Cleo III governou com seu filho Ptolomeu IX, também apelidado de “grão-de-bico”, finalmente o botando para correr de acordo com um plano de assassinato inventado para mães, e levando Ptolomeu X – seu outro filho – para a cama. Essa cama devia ser king-size; os homens Ptolomeus endógamos tinham tendência à gordura, mas o X mal podia andar. Cleo III morreu aos sessenta anos, talvez em razão de seu filho a ter ajudado com um empurrão (ou sentado nela). As outras Cleópatras na série levaram vidas igualmente ativas e ambiciosas; entretanto, várias delas tiveram a distinção dúbia de serem assassinadas por suas irmãs Cleo.
 
Depois da vida e suicídio espetaculares da megaestrela Cleópatra VII, sua filha xará foi tudo menos esquecida pela história. A órfã Cleópatra Selene VIII (cujo nome significa “lua”) e seu irmão gêmeo Alex Hélio (“sol”) cresceram em Roma. A serena Selene se casou com Juba, tornando-se rainha da Mauritânia, um enorme distrito romano na pitoresca costa da África do Norte, atual Marrocos. Eles reinaram por aproximadamente cinquenta anos, tiveram dois filhos, e gostavam das artes e da cultura grega – um final de jogo com um tom estranhamente pacífico para a turbulenta dinastia das Cleópatra.       

(*) - A próxima postagem de Mulheres Audaciosas da Antiguidade vai falar de DÍDIMA, que viveu na Alexandria por volta do ano 13 a.C. e que se especializou em exercer a função de ama-de-leite. Assim como no século XX apareceu a profissão de mãe-de-aluguel, naquela época já existiam mulheres dispostas a amamentar crianças que não eram seus filhos.
A autora
Vicki León
 
(**) – Do livro “Mulheres Audaciosas da Antiguidade”, título original, “Uppity Women of Ancient Times”, de Vicki León, tradução de Miriam Groeger, Record: Rosa dos Tempos, 1997.
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